1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por escopo abordar a questão da tipificação contida no artigo 217-A do Código Penal (estupro de vulnerável) se este se aplica a todos os casos ou haveria exceção, bem como se esse tipo penal é fechado, incontestável ou o programa da norma poderia ser relativizado em alguns casos.
2. DESENVOLVIMENTO
Ao longo de anos, sem haver um consenso definido, debateram doutrina e jurisprudência se a presunção de violência prevista no artigo 217-A do Código Penal, antigo art. 224 alterado pela Lei 12.015/09, em especial no tocante à pessoa menor de 14 anos, seria absoluta (não comportaria prova em contrário) ou relativa (comportava prova em contrário).
A lei considera que, pela tenra idade, tais indivíduos ainda não possuem maturidade sexual ou desenvolvimento mental completo para consentir com a prática do ato sexual, considerando-os, assim, vulneráveis.
Importante observar que não há qualquer parâmetro justificativo para a escolha em tal faixa etária, sendo tão e somente uma ideia escolhida pelo legislador para sinalizar o marco divisório dos menores que padecem de vício de vontade, a ponto de serem reconhecidos pelo status de vulneráveis, daqueles que possam vivenciar práticas sexuais sem impedimento.
Verifica-se, pois, que a definição de patamar etário para a caracterização da vulnerabilidade é baseado numa ficção jurídica, sendo este ponto inclusive uma das alterações proposta no projeto nº. 236/2012 do Senado Federal, que visa à reforma do Código Penal.
O projeto de reforma acompanha o critério estabelecido pelo Estatuto da Criança e Adolescente, para considerar vulnerável “pessoa que tenha até 12 (doze) anos”, fazendo desta forma referência ao critério adotado pelo Estatuto para criança. Vale ressaltar que no Estatuto da Criança e Adolescente, criança é a pessoa com até 12 (doze) anos incompletos.
O tema ainda é bem controvertido na jurisprudência e na doutrina. Os que defendem que o referido tipo penal deveria ser relativizado entendem que o direito deve acompanhar as mudanças sociais, tendo em vista que o diploma legal é de 1940, estando, portanto, defasado nos dias atuais em que a vida sexual se inicia cada vez mais cedo e pessoas de 14 anos já possuem maturidade e informações necessárias para serem ainda consideradas como vulneráveis, em especial quando há o consentimento para a prática do ato e já são prostituídas.
Neste sentido a doutrina de Guilherme de Souza Nucci:
“Cremos que o legislador ao editar o dispositivo em análise, afastou-se novamente da realidade social, vez que ignorou não só a precocidade das crianças e adolescente, como persistiu em utilizar um critério etário para definir aqueles que em hipóteses alguma podem manter relações sexuais. Por tais razões é que defendemos a relativização de sua vulnerabilidade”.
Cumpre ressaltar que a maioria da corrente que defende a relativização do tipo legal, entende que este somente pode ser relativizado para pessoas entre 12 (doze) a 14 (quatorze) anos, considerando como vulneráveis de forma absoluta os menores de 12 (doze) anos (crianças).
Em que pese a grande controvérsia do tema, o Supremo Tribunal Federal mantém a posição de que o referido tipo penal é de caráter absoluto, fechado, não comportando exceções. Vejamos.
EMENTA HABEAS CORPUS. ESTUPRO. VÍTIMA MENOR DE QUATORZE ANOS. CONSENTIMENTO E EXPERIÊNCIA ANTERIOR. IRRELEVÂNCIA. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. CARÁTER ABSOLUTO. ORDEM DENEGADA.
1. Para a configuração do estupro ou do atentado violento ao pudor com violência presumida (previstos, respectivamente, nos arts. 213 e 214, c/c o art. 224, a, do Código Penal, na redação anterior à Lei 12.015/2009), é irrelevante o consentimento da ofendida menor de quatorze anos ou, mesmo, a sua eventual experiência anterior, já que a presunção de violência a que se refere a redação anterior da alínea a do art. 224 do Código Penal é de caráter absoluto. Precedentes (HC 94.818, rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 15/8/08).
2. Ordem denegada. (HC 97.052/PR, 1ª T., rel. Min. DIAS TOFFOLI, 16.08.2011).
Aos que defendem a corrente adotada pelo STF, afirmam que mesmo que a pessoa menor de 14 anos tenha consentido com a prática do ato sexual, está seria incapaz de entender de forma completa as consequências do ato, em especial as negativas, tais como, gravidez não desejada, transmissão de doenças, lesão a honra e imagem, dentre outras, merecendo, portanto, serem consideradas de forma absoluta como vulneráveis.
3. CONCLUSÃO
De acordo com o exposto, em que pese a grande controversa sobre a relativização do artigo 217-A do Código Penal, o Supremo Tribunal Federal ainda mantém a posição de considerar o tipo penal de caráter absoluto, sem exceções, fechado e incontestável.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Paulo Queiroz, Doutor em Direito (PUC-SP), Procurador Regional da República em Brasília, Professor do UNICEUB, Autor de “Ensaios Críticos - Direito, Política e Religião". Rio: lumen juris, 2011; Curso de Direito Penal. Salvador: 2012, Juspodivm editora, 2012, 8a. edição.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 12. Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2012.
Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci, organizadores – Edição Especial Revista dos Tribunais 100 anos. Vol. VI - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.