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O Controle da Administração Pública

14/04/2015 às 09:15
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Apresenta-se o controle da Administração Pública sob as suas mais variadas formas, realizados por cada uma das esferas de Poder.

Introdução

Por força do regime democrático e do sistema representativo, certo é que a atividade estatal não pode desbordar da satisfação do interesse público. O exercício da administração pública deve, então, ser destinado à obtenção do bem comum, invariavelmente. A partir disso, importa ter-se claro que a coisa pública não pertence à Administração Pública, tampouco aos agentes públicos, mas sim ao povo, verdadeiro titular do interesse público. Àqueles cabe tão-somente geri-la e conservá-la em prol da coletividade. Este é o substrato do princípio da indisponibilidade do interesse público, um dos pilares do regime jurídico-administrativo.

Nesse contexto, é natural que a atuação do Poder Público esteja sujeita a controle justamente no objetivo de assegurar que a Administração Pública atue com estrita observância aos princípios que lhe tocam e, mais do que isso, garantir que o Estado tenha sempre em mira o interesse público. É sobre isto que versará o presente trabalho.


1. Conceito

Na lição de Maria Zanella Di Pietro (2002, p. 435) o controle sobre a Administração Pública pode ser definido como o "poder de fiscalização e correção que sobre ela exercem os órgãos dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, com o objetivo de garantir a conformidade de sua atuação com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico”.

Já os autores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2011, p. 791) conceituam o controle administrativo como "o conjunto de instrumentos que o ordenamento jurídico estabelece a fim de que a própria administração pública, os Poderes Judiciário, Legislativo, e ainda o povo, diretamente ou por meio de órgãos especializados, possam exercer o poder de fiscalização, orientação e revisão da atuação administrativa de todos os órgãos, entidades e agentes públicos, em todas as esferas de Poder".

Analisando-se os dois conceitos fornecidos por esses autores observa-se que a segunda definição apresenta uma completude maior na medida em que, diferentemente da primeira, inclui o administrado como legitimado capaz de exercer o controle administrativo, o que pode ser feito, por exemplo, por meio da ação popular, como será demonstrado adiante.


2. Espécies de controle

No que se refere à classificação das espécies de controle da administração a doutrina não é unânime. Para Celso Antonio Bandeira de Mello (2009, p. 930) o controle assume somente duas formas: controle interno e controle externo. O primeiro realizado pela própria Administração e o segundo exercido pelos Poderes Legislativo e Judiciário e, também, pelo Tribunal de Contas. De modo a complementar a categorização dada pelo eminente professor, Maria Zanella Di Pietro (2002, p. 436) classifica também o controle quanto ao órgão, podendo ser administrativo, legislativo ou judicial, quanto ao momento, podendo ser prévio, concomitante ou posterior e quanto ao aspecto da atividade, podendo ser de legalidade ou de mérito. Ao lado dos controles interno e externo, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2011, p. 793) acrescentam outra espécie: o controle popular. Vejamo-los cada um deles.

O controle interno é aquele exercido dentro de um mesmo Poder, ou seja, é o controle que as chefias exercem sobre os atos de seus subordinados dentro de um órgão público. De outro lado, o controle externo é aquele exercido por um Poder sobre os atos administrativos praticados por outro Poder. Sobre isso, registre-se que Maria Zanella Di Pietro (2002, p.436) entende que o controle exercido pela administração direta sobre as entidades da administração indireta seria também classificado como controle externo. Concepção que não é partilhada por Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 929) que defende que o controle interno refere-se a todo e qualquer controle exercido no âmbito de um mesmo Poder, ainda que entre pessoas jurídicas diferentes. Ainda, o controle popular é aquele que confere aos administrados a possibilidade de verificarem a regularidade da atuação administrativa (ALEXANDRINO; PAULO, 2011, p. 793).

Paralelamente, o controle prévio é aquele exercido antes do início da prática ou antes da conclusão do ato administrativo; o concomitante é exercido durante a realização do ato; e o posterior é exercido após a conclusão do ato. Além desses, o exercício do controle de legalidade permite que seja confirmada a validade de atos praticados em conformidade com o ordenamento jurídico, ou anulados atos administrativos ilegais. Por outro lado, o controle de mérito tem por objeto verificar a oportunidade e a conveniência administrativas do ato controlado, ou seja, trata-se do exercício do poder discricionário, o qual, como regra, compete exclusivamente ao próprio Poder que, exercendo função administrativa, editou o ato, revogá-lo (ALEXANDRINO; PAULO, 2011, p. 797). Agora, serão analisados os controles exercidos pelas diferentes esferas de poder.


3. Controle exercido pela Administração

De acordo com o artigo 74 da CFRB/88, a Administração deverá manter um sistema integrado de controle interno com a finalidade de avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; de comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; de exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União e de apoiar o controle externo.

Simetricamente, o artigo 25 do Decreto-lei nº 200/67 prevê que o controle abrangerá os aspectos administrativo, orçamentário, patrimonial e financeiro, tendo por principais objetivos assegurar, em cada Ministério, a observância da legislação e dos programas do Governo, coordenar as atividades dos distintos órgãos e harmonizá-las com as dos demais Ministérios, avaliar a atuação dos órgãos supervisionados, fiscalizar a aplicação dos recursos públicos e sua economicidade.

Desse modo, pode-se dizer que o controle levado a cabo pela Administração é o poder de fiscalização e correção que a Administração Pública em sentido amplo exerce sobre sua própria atuação, sob os aspectos de legalidade e mérito, por iniciativa própria ou mediante provocação. Trata-se de controle interno e decorre do poder de autotutela que permite à Administração Pública rever os próprios atos quando ilegais, inoportunos ou inconvenientes (DI PIETRO, 2002, p. 436). A respeito disso, o Supremo Tribunal Federal editou as súmulas 346 e 473. A primeira estabelece que "a administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos” e a segunda determina que “a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.

Esse controle sobre os próprios atos pode ser exercido de ofício, quando a autoridade competente constatar a ilegalidade de seu próprio ato ou de ato de seus subordinados e, também, pode ser provocado pelos administrados por meio dos recursos administrativos (DI PIETRO, 2002, p. 437).

Segundo Maria Zanella Di Pietro (2002, p. 437) os recursos administrativos são todos os meios que podem utilizar os administrados para provocar o reexame do ato pela Administração Pública. Os recursos administrativos possuem fundamento constitucional nos incisos XXXIV e LV do artigo 5º da CFRB/88. O primeiro garante a todos, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. Por sua vez, o segundo assegura aos litigantes o contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes.

Nesse contexto, é de se notar que o direito de petição alberga inúmeras modalidades de recursos administrativos, como, por exemplo, a representação, a reclamação administrativa, o pedido de reconsideração, a revisão e os recursos hierárquicos próprios e impróprios. No entendimento de Maria Zanella Di Pietro (2002, p. 438) a representação é a denúncia de irregularidades feita perante a própria Administração; a reclamação administrativa é o ato pelo qual o administrado, seja particular ou servidor público, deduz uma pretensão perante a Administração Pública, visando a obter o reconhecimento de um direito ou a correção de um ato que lhe cause lesão ou ameaça de lesão; o pedido de reconsideração é aquele pelo qual o interessado requer o reexame do ato à própria autoridade que o emitiu; a revisão é o recurso de que se utiliza o servidor público, punido pela Administração, para reexame da decisão, em caso de surgirem fatos novos suscetíveis de demonstrar a sua inocência; e o recurso hierárquico é o pedido de reexame do ato dirigido à autoridade superior à que proferiu o ato, sendo qualificado como próprio quando dirigido à autoridade imediatamente superior, dentro do mesmo órgão em que o ato foi praticado, e como impróprio quando é dirigido à autoridade de outro órgão não integrado na mesma hierarquia daquele que proferiu o ato.

Ao analisarmos o controle exercido pela Administração Pública, não se poderia deixar de abordar os institutos da coisa julgada e prescrição administrativas que representam limitações ao controle administrativo. Apresentando distinções quanto à coisa julgada no âmbito jurisdicional, a coisa julgada administrativa restringe-se às limitações do poder de revogar os atos da Administração. Nesse sentido, não podem ser revogados os atos vinculados, os que exauriram os seus efeitos, os meros atos administrativos, e os que geraram direitos subjetivos. Estes, não podendo ser revogados, tornam-se irretratáveis pela própria Administração, fazendo coisa julgada administrativa (DI PIETRO, 2002, p. 443).

Por seu turno, a prescrição administrativa designa diferentes situações em que o ordenamento jurídico impõe prazos para que o administrado ou a administração pública instaurem ou provoquem a instauração de processos ou procedimentos na esfera administrativa. Refere-se, ao mesmo tempo, a perda do prazo para recorrer de decisão administrativa, a perda do prazo para que a Administração reveja os próprios atos e a perda do prazo para aplicação de penalidades administrativas. No que concerne à prescrição do prazo para revisão dos próprios atos pela administração, quando se tratar de direito oponível à administração esta ocorre em cinco anos, na forma do Decreto nº 20.910/32, por outro lado, em se tratando de direitos de natureza real prevalecem os prazos previstos no Código Civil (DI PIETRO, 2002, p. 443).

A respeito do prazo prescricional, confira-se o seguinte julgado emanado pelo Supremo Tribunal Federal no qual ficou assentado que o Tribunal de Contas da União, no exercício da competência de controle externo da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadorias, reformas e pensões, não se submete ao prazo quinquenal: "Agravo regimental em mandado de segurança. Concessão inicial de pensão julgada ilegal pelo Tribunal de Contas da União. Inaplicabilidade da decadência prevista no art. 54 da Lei 9.784/99. Ausência de comprovação do exame de legalidade pelo TCU da concessão da aposentadoria do servidor falecido. Não ocorrência de violação do princípio da segurança jurídica. Agravo regimental não provido. 1. Esta Suprema Corte possui jurisprudência pacífica no sentido de que o Tribunal de Contas da União, no exercício da competência de controle externo da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadorias, reformas e pensões (art. 71, inciso III, CF/88), não se submete ao prazo decadencial da Lei nº 9.784/99, iniciando-se o prazo quinquenal somente após a publicação do registro na imprensa oficial. 2. Ainda que pudesse subsistir a argumentação da impetrante de que o exame de legalidade realizado pela Corte de Contas recaiu sobre situação consolidada desde 1996, relativa à aposentadoria de seu falecido marido, não foram apresentados fatos e provas concretos de que o cálculo da aposentadoria concedida ao marido da recorrente tivesse sido considerado legal pelo TCU. 3. Submetida que está a administração pública ao princípio da legalidade, havendo previsão normativa, não há óbice a que o Tribunal de Contas da União - na qualidade de órgão auxiliar do controle externo exercido pelo Congresso Nacional e no exercício da competência que lhe foi conferida pelo art. 71, III, da Constituição Federal - aprecie a correspondência do ato de concessão inicial de pensão com o regime legal vigente na data em que veio a óbito o instituidor do benefício. Precedentes. 4. A presumida boa-fé estende-se apenas até o julgamento da legalidade pelo órgão responsável. Violação do princípio da segurança jurídica não configurada, tendo em vista que a pensão foi instituída em 2005 e, logo em 2008, foi considerada ilegal, tendo sido negado o seu registro. 5. Agravo regimental não provido. (MS 30830 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 27/11/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-244 DIVULG 12-12-2012 PUBLIC 13-12-2012)".

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4. Controle exercido pelo Poder Legislativo

Por certo, o controle que o Poder Legislativo exerce sobre a Administração Pública tem que se limitar às hipóteses previstas na Constituição Federal, do contrário implicaria na interferência de um Poder nas atribuições de outro. Também em razão disso, não pode esse controle ser ampliado para fora do âmbito constitucional, como, por exemplo, para a esfera estadual, uma vez que o controle legislativo é exceção ao princípio da separação de poderes. Conforme Maria Zanella Di Pietro (2002, p. 445), existem dois tipos de controle legislativo: o político e o financeiro.

O controle político poderá abranger aspectos de legalidade e/ou de mérito. Justamente pelo fato de albergar a discricionariedade administrativa, ou seja, a oportunidade e conveniência diante do interesse público, é que esta espécie de controle possui natureza política (DI PIETRO, 2002, p. 445). São exemplos desse controle a competência do Congresso Nacional para sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa (art. 49, V, CFRB/88) e também para julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo (art. 49, IX, CFRB/88).

O controle financeiro que abrange a fiscalização contábil, financeira e orçamentária é exercido sobre os atos de todas as pessoas que administrem bens ou dinheiro públicos (art. 70 a 75 da CFRB/88). No entanto, cumpre repisar que, no entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 930), esta é tão-somente espécie de controle externo exercido pelo Tribunal de Contas e não espécie de controle legislativo. Divergindo neste ponto, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2011, p. 836) afirmam que o controle financeiro pode ser exercido tanto internamente quanto externamente. O primeiro é aquele que cada Poder exerce em seu próprio âmbito, e o segundo é aquele exercido pelo Poder Legislativo com o auxílio dos tribunais de contas.

Sobre isso, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou declarando que não fere a autonomia municipal, tampouco implica em usurpação de competência do Tribunal de Contas da União, a fiscalização levada a cabo pela Controladoria-Geral da União quanto à aplicação dos recursos públicos federais repassados aos municípios. Na oportunidade, restou assentado que a Controladoria tem competência para fiscalizar a aplicação de recursos da União onde quer que ela ocorra, e que, ao mesmo tempo, essa fiscalização tem a natureza de controle interno, uma vez que, embora incida sobre verbas destinadas a repasse a outros entes federados, esta é exercida exclusivamente sobre verbas originárias do Poder Executivo federal:

"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSOS PÚBLICOS FEDERAIS REPASSADOS AOS MUNICÍPIOS. FISCALIZAÇÃO PELA CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO – CGU. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. I - A Controladoria-Geral da União pode fiscalizar a aplicação de verbas federais onde quer que elas estejam sendo aplicadas, mesmo que em outro ente federado às quais foram destinadas. II – A fiscalização exercida pela CGU é interna, pois feita exclusivamente sobre verbas provenientes do orçamento do Executivo. III – Recurso a que se nega provimento. (RMS 25943, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010, DJe-041 DIVULG 01-03-2011 PUBLIC 02-03-2011 EMENT VOL-02474-01 PP-00033)".


5. Controle exercido pelo Poder Judiciário

O controle judicial é aquele realizado pelos órgãos do Poder Judiciário, no desempenho de atividade jurisdicional, sobre os atos administrativos praticados pelo Poder Executivo, bem como sobre os atos administrativos editados, no exercício da função administrativa, pelo Poder Legislativo e pelo próprio Poder Judiciário (ALEXANDRINO; PAULO, 2011, p. 855). Registre-se que esta é uma espécie posterior de controle a qual verifica exclusivamente a legalidade dos atos administrativos, jamais se inserindo na análise de seu mérito. Demais disso, tendo em conta o princípio da inércia da jurisdição, este controle será exercido sempre mediante provocação do interessado ou do legitimado.

Interessante destacar, ademais, que no Brasil vige o sistema de jurisdição única, de modo que cabe exclusivamente ao Poder Judicante decidir com força definitiva o direito aplicável ao caso concreto, sejam quais forem os litigantes ou a natureza da relação jurídica controvertida (MELLO, 2009, p. 936). Ressalte-se que o fundamento constitucional do sistema da unidade de jurisdição é o artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, que proíbe a lei de excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

O Poder Judiciário pode examinar os atos da Administração Pública, de qualquer natureza, sejam gerais ou individuais, unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários, mas sempre sob o aspecto da legalidade e, também, sob o aspecto da moralidade (DI PIETRO, 2002, p. 449). Nesse ponto, não se deve confundir a vedação de que o Poder Judicante aprecie o mérito administrativo com a possibilidade de aferição por este Poder da legalidade dos atos discricionários. De fato, os atos discricionários podem ser controlados pelo Judiciário no que se refere à sua legalidade ou legitimidade. Ainda, os controles de razoabilidade e proporcionalidade possibilitam anulação por parte do Poder Judiciário de atos discricionários que tenham sido praticados fora da esfera de mérito administrativo estabelecida pela lei, ou seja, avalia-se a legitimidade da extensão dos efeitos destes atos (ALEXANDRINO; PAULO, 2011, p. 855).

Dentro desse tema, há muito se discute a possibilidade de se questionar em juízo a higidez de concursos públicos, a qual tem sido negada peremptoriamente pelos tribunais sob o argumento de que se trata de mérito administrativo. Contudo, em interessante julgado o STF admitiu o controle jurisdicional sobre a legalidade de um concurso público quando as questões da prova desbordam do programa descrito no edital:

"DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA VINCULAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AO EDITAL. DESCONFORMIDADE ENTRE QUESTÕES DE PROVA E O PROGRAMA DO CERTAME. IMPROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO. ORDEM DENEGADA. I – Ambas as Turmas desta Corte já se manifestaram pela admissibilidade do controle jurisdicional da legalidade do concurso público quando verificado o descompasso entre as questões de prova e o programa descrito no edital, que é a lei do certame. Precedentes. II – Inexistência de direito líquido e certo a ser protegido quando constatado que os temas abordados nas questões impugnadas da prova escrita objetiva aplicada aos candidatos estão rigorosamente circunscritos às matérias descritas no programa definido para o certame. III – Mandado de segurança parcialmente conhecido e, nessa parte, denegado, cassada a liminar anteriormente deferida. (MS 30894, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 08/05/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-187 DIVULG 21-09-2012 PUBLIC 24-09-2012)".

Maria Zanella Di Pietro (2002, p. 450) ressalva ainda que os atos interna corporis – regimento dos atos colegiados –, em regra, não são apreciados pelo Poder Judiciário, uma vez que se limitam a estabelecer normas sobre o funcionamento interno dos órgãos, no entanto, se exorbitarem em seu conteúdo, ferindo direitos individuais e coletivos, poderão sê-lo. A propósito, este também é o entendimento albergado pelo Pretório Excelso:

"CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ATOS DO PODER LEGISLATIVO: CONTROLE JUDICIAL. ATO INTERNA CORPORIS: MATÉRIA REGIMENTAL. I. - Se a controvérsia é puramente regimental, resultante de interpretação de normas regimentais, trata-se de ato interna corporis, imune ao controle judicial, mesmo porque não há alegação de ofensa a direito subjetivo. II. - Mandado de Segurança não conhecido.(MS 24356, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 13/02/2003, DJ 12-09-2003 PP-00029 EMENT VOL-02123-02 PP-00319)".

Dentre as medidas judiciais cabíveis para correção da conduta administrativa, afora as afetas ao Direito Privado, tais como, ações indenizatórias, possessórias, reivindicatórias, a Constituição prevê ações específicas as quais são denominadas remédios constitucionais. Estas ações são assim designadas porque têm a natureza de garantia de direitos fundamentais, no sentido de promover a higidez dos atos lesivos praticados pela Administração (DI PIETRO, 2002, p. 455). São remédios constitucionais o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança, o mandado de injunção e a ação popular. Vejamos sinteticamente cada um deles.

O habeas corpus, previsto no artigo 5º, LXVIII, da CFRB/88, é cabível sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Impende registrar que sua impetração dispensa procurador judicial e prescinde de qualquer formalidade, sempre que, em razão das circunstâncias, esta possa obstar sua ampla utilização, além de ser uma ação gratuita (MELLO, 2009, p. 943-4). Porém, cumpre fazer a ressalva de que este remédio constitucional não pode ser utilizado em relação a punições disciplinares militares, por expressa vedação constitucional (art. 142, §2º, CFRB/88). O habeas corpus pode ser impetrado por qualquer pessoa, nacional ou estrangeira, em benefício próprio ou de terceiro, e possui os seguintes pressupostos: (i) ilegalidade ou abuso de poder, seja por parte de autoridade pública, seja por parte de particular; e (ii) violência, coação ou ameaça à liberdade de locomoção (DI PIETRO, 2002, p. 456).

O habeas data, previsto no artigo 5º, LXXII, da CFRB/88, será concedido para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público e, também, para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo. Esta ação é regulada pela Lei nº 9.507/97 que acrescentou mais uma hipótese de cabimento da medida, além das duas previstas na Constituição, qual seja, para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável. O sujeito ativo do habeas data é a pessoa, brasileira ou estrangeira, a que se refere a informação, enquanto o passivo é a entidade governamental ou de caráter público que tenha registro ou banco de dados sobre a pessoa (DI PIETRO, 2002, p. 459). Sobre este remédio constitucional, cabe assinalar que o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 2 que prevê que “não cabe habeas data se não houver recusa por parte da autoridade administrativa”, incorrendo em flagrante inconstitucionalidade, uma vez que este entendimento fere o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CFRB/88).

Será concedido mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, na forma do artigo 5º, LXXI, CFRB/88. Trata-se de instrumento hábil para que o impetrante obtenha, em um caso concreto, mediante suprimento judicial, a disciplina necessária indispensável ao exercício dos mencionados direitos, frustrados pela ausência de norma regulamentadora, cuja falta esteja a inviabilizar-lhes o exercício (MELLO, 2009, p. 945).

A respeito desse remédio constitucional, é interessante tecer considerações sobre o seu objeto. Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal entendia que a decisão em mandado de injunção apenas decretaria a mora do poder omisso, reconhecendo-se formalmente a sua inércia (MI 107-DF). No entanto, esse posicionamento era por muitos criticado, porquanto a manifestação jurisdicional era inócua nesses casos. Assim, intermediariamente, passou-se a fixar um prazo e comunicar o Legislativo omisso para que elabore a norma em determinado período, de modo que, transcorrido este sem manifestação daquele Poder, o autor teria assegurado o seu direito (MI 232-RJ). Há, também, precedentes do STF que evidenciam a sua atuação proativa ao legislar no caso concreto, produzindo efeitos erga omnes até que sobrevenha norma integrativa pelo Legislativo (MI 670-ES). Veja-se o seguinte excerto desse último julgado:

"[...] Considerada a evolução jurisprudencial do tema perante o STF, em sede do mandado de injunção, não se pode atribuir amplamente ao legislador a última palavra acerca da concessão, ou não, do direito de greve dos servidores públicos civis, sob pena de se esvaziar direito fundamental positivado. Tal premissa, contudo, não impede que, futuramente, o legislador infraconstitucional confira novos contornos acerca da adequada configuração da disciplina desse direito constitucional. 4.2 Considerada a omissão legislativa alegada na espécie, seria o caso de se acolher a pretensão, tão-somente no sentido de que se aplique a Lei no 7.783/1989 enquanto a omissão não for devidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos civis (CF, art. 37, VII). [...]".

O mandado de segurança, previsto no artigo 5º, LXIX e LXX, da CFRB/88, é ação civil de rito sumaríssimo pela qual qualquer pessoa pode provocar o controle jurisdicional quando sofrer lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus nem habeas data, em decorrência de ato de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições públicas, praticado com ilegalidade ou abuso de poder. Para efeitos do mandado de segurança, considera-se líquido e certo o direito, independentemente de sua complexidade, quando os fatos atinentes sejam demonstráveis de plano, ou seja, independam de instrução probatória. O mandado de segurança individual tem por objetivo assegurar o direito que diz respeito individualmente ao impetrante ou impetrantes, por outro lado, o mandado de segurança coletivo é o instrumento disponível aos partidos políticos com representação no Congresso Nacional, às organizações sindicais, entidades de classe ou associações legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa das finalidades que lhes correspondem e dos interesses de seus membros (MELLO, 2009, p. 944). Sobre o mandado de segurança o Supremo Tribunal Federal editou as seguintes súmulas: 101, 248, 266, 267, 268, 269, 270, 271, 272, 294, 299, 304, 319, 330, 405, 429, 433, 474, 506, 510, 511, 512 e 597.

A ação popular, prevista no artigo 5º, LXXIII, da CFRB/88 e regulada pela Lei nº 7.417/65, é a ação civil pela qual qualquer cidadão pode pleitear a invalidação de atos praticados pelo poder público ou entidades de que participe, lesivos ao patrimônio público, ao meio ambiente, à moralidade administrativa ou ao patrimônio histórico e cultural, bem como a condenação por perdas e danos dos responsáveis pela lesão (DI PIETRO, 2002, p. 479). Embora também se trate de medida de controle judicial, antes disso, a ação popular, como o próprio nome sugere, é instrumento de controle popular sobre a Administração Pública. Somado a isso, interesse salientar que somente poderá ser autor da ação popular o cidadão, assim considerado o brasileiro nato ou naturalizado, desde que esteja no pleno gozo de seus direitos políticos. Nesse ínterim, foi editada a Súmula nº 365 do Supremo Tribunal Federal que estabelece que pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular.

Além dos remédios constitucionais até aqui abordados, cabe fazer menção a outros instrumentos também relevantes no controle judicial da Administração, vale dizer, a ação civil pública, a ação direta de inconstitucionalidade e a ação de improbidade administrativa. A ação civil pública, prevista no artigo 129, III, da CFRB/88 como função institucional do Ministério Público, é um instrumento apto a evitar danos ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico ou paisagístico, ou, então, para promover a responsabilidade de quem haja causado lesão a estes mesmos bens (MELLO, 2009, p. 946).

Além desta, Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 947) elenca com acerto a ação direta de inconstitucionalidade como modalidade de controle judicial da Administração, porquanto esta visa a retirar do ordenamento jurídico as leis ou atos do Poder Público incompatíveis com a Constituição. Esta ação é regulada pela Lei nº 9.868/99.

Não obstante, como bem observam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2011, p. 894), a ação de improbidade administrativa também se constitui como um instrumento hábil nesta espécie de controle. A tutela da probidade administrativa está prevista no artigo 37, §4º, da CFRB/88. No plano infraconstitucional, a Lei nº 8.429/92 regulamenta a matéria, criando-se um verdadeiro subsistema jurídico voltado para a punição da prática de atos de improbidade.


Considerações Finais

Diante do que se expôs, pode-se sintetizar as seguintes conclusões:

a) atuação do Poder Público está sujeita a controle justamente no objetivo de assegurar que a Administração Pública atue com estrita observância aos princípios que lhe tocam;

b) o controle pode ser exercido pela própria Administração, pelos Poderes Legislativo e Judiciário e pelo povo;

c) o controle pode ser classificado quanto ao órgão, como interno ou externo, quanto ao momento, como prévio, concomitante ou posterior, e quanto ao aspecto da atividade, como de legalidade ou de mérito;

d) o controle exercido pela Administração é o poder de fiscalização e correção que a Administração Pública em sentido amplo exerce sobre sua própria atuação, sob os aspectos de legalidade e mérito, por iniciativa própria ou mediante provocação;

e) os recursos administrativos constituem meios hábeis a provocar o reexame do ato pela Administração Pública e a prescrição e coisa julgada administrativas representam limitações ao controle administrativo;

f) o controle legislativo da Administração Pública pode ser político ou financeiro;

g) o controle judicial é aquele realizado pelos órgãos do Poder Judiciário, no desempenho de atividade jurisdicional, sobre os atos administrativos praticados pelo Poder Executivo, bem como sobre os atos administrativos editados, no exercício da função administrativa, pelo Poder Legislativo e pelo próprio Poder Judiciário;

h) têm-se os remédios constitucionais do habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, mandado de injunção e ação popular como medidas judiciais cabíveis para correção da conduta administrativa;

i) a ação civil pública, a ação direta de inconstitucionalidade e a ação de improbidade administrativa constituem instrumentos também relevantes no controle judicial da Administração.


Referências Bibliográficas

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 19 ed. São Paulo: Editora Método, 2011.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12 ed. São Paulo: Editora Altas, 2002.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

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Sobre o autor
Renan Teixeira Sobreiro

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOBREIRO, Renan Teixeira. O Controle da Administração Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4304, 14 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33198. Acesso em: 29 mar. 2024.

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