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Ofensa ao princípio constitucional da ampla defesa, em face da impugnabilidade das decisões interlocutórias no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis

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02/12/2015 às 08:20
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A impugnabilidade das decisões interlocutórias nos juizados especiais ofende o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório?

INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico pátrio tem por obrigação seguir rigorosamente os ditames da Carta Magna, de tal modo que qualquer norma que contrarie esta deve ser considerada inconstitucional e conseqüentemente perder sua validade, mantendo-se, desta forma, a segurança jurídica. Assim, os encarregados de positivar as normas devem observar atentamente os limites fixados pela Constituição Federal.

A Lei Maior brasileira traz em seu bojo diversos princípios, os quais servem de base para edição de todas as normas infraconstitucionais e até mesmo das constitucionais. Os princípios constitucionais, por serem cláusulas pétreas, não podem ser modificados, apenas acrescentados por meio de Emenda Constitucional. Foi o que ocorreu com a Emenda n. 45/2004, que acrescentou ao rol já existente o princípio da celeridade processual, que fora consagrada através dos Juizados Especiais.

Os Juizados Especiais surgiram em decorrência da necessidade de descongestionar o andamento das demandas judiciais, utilizando, para tanto, os princípios norteadores da informalidade, a fim de obter maior celeridade na prestação da tutela jurisdicional. Logo, não poderia valer-se de outro rito, senão, do sumaríssimo, este com as peculiaridades da informalidade, celeridade, oralidade e simplicidade. Diante de tais circunstâncias, o legislador preocupou-se em dar competência aos Juizados para causas de menor complexidade e de valor até sessenta salários mínimos no âmbito de atuação da Justiça Federal e quarenta salários mínimos naquelas pertinentes aos Juizados Estaduais. Diferentemente do que ocorre na seara estadual, na Justiça Federal é critério de competência absoluta quando existir vara especializada no respectivo fórum, conforme reza a própria Lei do Juizado Especial Federal.

Na imperiosa necessidade do procedimento simplório, o legislador limitou os meios de impugnação das decisões judiciais nos Juizados. O presente trabalho destacou especialmente a vedação do recurso de agravo das decisões interlocutórias.

Dessa feita, o questionamento acerca da restrição do poder de recorrer torna-se imprescindível, visto que existem inúmeras decisões interlocutórias, e a parte sucumbente, inconformada com o eventual decisum, pode sentir a necessidade de uma revisão no provimento jurisdicional provisório, pretensão essa que, pela via recursal adotada nos Juizados Especiais, fica evidentemente prejudicada.

Na verdade, percebe-se que o princípio da celeridade processual está verdadeiramente sobrepondo-se ao princípio da ampla defesa, ambos consagrados na CF, art. 5º, incisos LV e LXXVIII, respectivamente, na medida em que, com a justificativa de um procedimento mais célere e, conseqüentemente, com um provimento jurisdicional mais rápido, obsta-se à parte que sofreu algum tipo de gravame por razão de decisão interlocutória a busca pela reforma da decisão, ocorrendo, portanto, conflito entre princípios, circunstância que foi analisada e exposta no primeiro capítulo.

Por ser um microssistema relativamente novo em nosso ordenamento jurídico, destacamos no segundo capítulo como foi o surgimento dos Juizados Especiais, o Juizado no direito comparado, bem como sua competência e o sistema probatório pertinente.

De ressaltar que a jurisprudência tem admitido a impugnação das decisões não definitivas nos Juizados Especiais apenas no momento do recurso principal, este chamado de recurso inominado. Tal procedimento é algo semelhante ao agravo retido.

No entanto, apesar de existir a possibilidade de impugnação das decisões interlocutórias no bojo do recurso principal, conforme anteriormente exposto, o que fazer quando esta decisão produz efeitos imediatos e a parte lesionada não pode esperar até a decisão principal diante do periculum in mora? E se tal determinação judicial ocorrer após a sentença? Tais ocorrências foram tratadas no terceiro capítulo.

Ademais, complementando o terceiro capítulo, foi ponderada a função da Ação Constitucional Autônoma, ou seja, do Mandado de Segurança como meio hábil para guerrear as decisões interlocutórias no âmbito dos Juizados Especiais, na medida em que, em alguns casos concretos, tal remédio constitucional, por suas próprias limitações, não poderia ser utilizado, demonstrando-se que o procedimento recursal do Juizado, quanto à vedação do Agravo de Instrumento, ofende, indiscutivelmente, o direito à ampla defesa.

Enfim, buscou-se desenvolver o trabalho na tentativa de demonstrar que a disciplina do Juizado Especial, no que concerne à impugnação das decisões interlocutórias, é inquestionavelmente incompatível com o princípio constitucional da ampla defesa, tendo em vista seu manifesto caráter limitador, fato inconcebível no vigente Estado Democrático de Direito.


CAPÍTULO I – DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E DO CONFLITO ENTRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E À CELERIDADE PROCESSUAL

Antes de adentrarmos pontualmente na apreciação dos princípios constitucionais em espécie, indispensável entender o referido termo em sua essência.

Nesse intuito, destacamos o conceito do professor Rizzatto Nunes quanto aos princípios no ordenamento jurídico:

Os princípios são, dentre as formulações deônticas de todo sistema ético-jurídico, os mais importantes a ser considerados não só pelo aplicador do Direito mas também por todos aqueles que, de alguma forma, ao sistema jurídico se dirijam. Assim, estudantes, professores, cientistas, operadores do Direito – advogados, juízes, promotores públicos etc. -, todos têm de, em primeiro lugar, levar em consideração os princípios norteadores de todas as demais normas jurídicas existentes. [1]

Diante da transcrição acima exposta, verifica-se que princípio, de um modo geral, é uma idéia mestra da qual emanam diversas ramificações, ou seja, no direito é a regra genérica matriz, e as normas que dela derivam, inexoravelmente não podem confrontá-las.

Na verdade, os Princípios Constitucionais são a base de toda ordem legislativa, pois sabe-se que nenhuma norma pode contrariar a Constituição. Impende destacar que os conceitos entre regra e princípio diferenciam-se. De acordo com Marinoni:

Enquanto as regras se esgotam em si mesmas, na medida em que descrevem o que se deve, não se deve ou se pode fazer em determinada situações, os princípios são constitutivos da ordem jurídica, revelando os valores ou os critérios que devem orientar a compreensão e a aplicação das regras diante das situações concretas. [2]

 Destarte, constata-se que os princípios possuem uma valoração muito mais ampla do que as regras, de forma que aqueles devem ser utilizados para atingir a maior expressão possível, enquanto que as regras limitam-se ao seu próprio texto, onde não se deve aplicar nada além do que está expresso.

Os princípios basilares da Constituição da República são vários, entretanto, por pertinência do presente tema, daremos maior ênfase á Ampla Defesa e o Contraditório, bem como o Princípio da Celeridade Processual, este instituído pela Emenda Constitucional nº45/2004,  conhecida como a Reforma do Judiciário.

1.1 Do Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório

A Constituição Federal da República em seu art. 5º, LV, traz positivado o Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório, vejamos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Omissis

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Omissis

Com relação ao dispositivo acima elencado, Alexandre de Moraes, com a clareza que lhe é peculiar, ensina da seguinte forma:

Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor. [3]

Consoante as transcrições supra, compreende-se que a ampla defesa e o contraditório se complementam, ou até mesmo se confundem, visto que os mesmos são instrumentos hábeis a proporcionar as partes, em processo judicial ou administrativo, o direito de expor sua versão sobre o fato constitutivo da demanda, ou até mesmo de se insurgir contra decisão judicial que cause algum gravame ou inconformismo para os litigantes.  É através do contraditório que surge a ampla defesa, pois é só a partir da informação que a parte pode esboçar uma reação.

Assim sendo, a ampla defesa assegura, como garantia constitucional, o direito das partes de utilizar todos os meios legais para exporem suas interpretações jurídicas sobre os fatos, mesmo que tais entendimentos não sejam os mesmos do magistrado que julgar a lide, o que possibilita o emprego dos recursos como forma guerrear as decisões judiciais.

Nesse sentindo, é inegável, até porque entendimento divergente seria maculado, que a ampla defesa e o contraditório estão ligados diretamente ao princípio do devido processo legal, uma vez que este garante aos litigantes um processo eficiente, de tal modo que podem ser utilizados todos os meios necessários para que sejam assegurados tais princípios. 

Por fim, cabe registrar que o direito à ampla defesa é de tão importância que está consagrado, conforme bem lembrado pelo professor Marcelo da Fonseca, no art. 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, da qual o Brasil é signatário, in litteris: “Toda a pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes recurso efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei;”. [4]

1.2 Do Princípio da Celeridade Processual

O princípio da duração razoável do processo, como direito fundamental, encontra-se dentre as novidades trazidas pela reforma do judiciário realizada através da Emenda Constitucional n. 45 de 2004, porquanto precisa e explicitamente no inciso LXXVII do art. 5º da CF. Vejamos o texto da referida norma: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Entretanto, antes do princípio em comento ser elevado a garantia constitucional explícita, a celeridade processual já era reconhecida por diversos dispositivos infraconstitucionais de forma implícita, conforme se verifica nos dizeres do Ministro Celso de Mello, lembrado pelo insigne Alexandre de Moraes:

Cumpre registrar, finalmente, que já existem, em nosso sistema de direito positivo, ainda que de forma difusa, diversos mecanismos legais destinados a acelerar a prestação jurisdicional (CPC, art. 133[5], II e art. 198[6]; LOMAN[7], art. 35[8], incisos II, III e VI, art. 39[9], art, 44[10] e art. 49[11], II), de modo a neutralizar, por parte de magistrados e Tribunais, retardamentos abusivos ou dilações indevidas na resolução dos litígios”[12] [13]

Todavia, não só os dispositivos infraconstitucionais tratavam da matéria, haja vista que no próprio princípio do devido processo legal já se encontrava contido o direito a um processo rápido, com vista a uma tutela jurisdicional eficaz.  

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Dessa forma, depreende-se que o princípio da celeridade processual  há muito já existia, de sorte que o inciso LXXVIII do art.5º da Constituição Federal veio apenas firmar esse entendimento ao torná-lo garantia constitucional explícita.

Corroborando este entendimento, a mesma emenda que alavancou a celeridade processual como princípio explícito acrescentou ao art.93, XIII, da Carta da República a exigência de que “o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população”. Verifica-se, portanto, que a EC 45/2004 também determinou meios para que a celeridade no processo fosse efetivamente alcançada. Porém, resta verificar se o judiciário brasileiro possui condições financeiras e materiais para por em prática os ditames da referida norma. [14]

Assim, é necessário entender que o princípio em comento tem como escopo que as demandas judiciais sejam solucionadas no menor tempo possível e, para tanto, o legislador deverá criar normas que abarquem tal intento. Imperioso destacar que a solução rápida do litígio não é o mesmo que redução do procedimento, tendo em vista que o “enxugamento” os atos processuais pode ocasionar um procedimento defeituoso, impedindo que as partes possam buscar seus direitos de forma adequada, o que tornaria a Justiça rápida, mas injusta e ineficaz.

1.3 Da Ampla Defesa em oposição à Celeridade Processual

Nem sempre justiça rápida traduz o processo justo. O que ocorre atualmente é que o processo está sendo abreviado e não melhorado, pois em diversos procedimentos, como é o caso dos juizados especiais, os direitos fundamentais, no que concerne à ampla defesa e ao contraditório, estão sendo mitigados às partes, principalmente à parte ré. Um exemplo simples e prático dessa anomalia ocorre no próprio juizado especial, pois quando o autor escolhe tal via, própria do rito sumaríssimo, o réu tem que seguir todo o processo no mesmo rito, e é sabido que neste procedimento a dilação probatória é bem reduzida. Dessa forma, o réu fica inegavelmente prejudicado, haja vista que o mesmo não pode escolher procedimento diverso, mesmo que seja necessária uma dilação probatória maior.

Ocorrem exemplos ainda mais “espantosos”. Imaginemos que uma das partes requeira uma pericia e esta seja indeferida, mesmo que tal prova fosse a única forma de demonstrar o alegado. Nessa hipótese, por absurdo, a parte lesada não pode impugnar tal decisão, pois nos juizados é inexistente o recurso de agravo.

Portanto, é necessário cuidado com os meios de se buscar a celeridade processual, pois em muitas situações tal princípio é mal interpretado, e assim, em vez de se conseguir uma tutela jurisdicional justa, obtem-se um processo deficientemente instruído, o que redundará em danos irreparáveis aos litigantes.

Importante enfatizar a fundamental importância da garantia constitucional da celeridade processual, posto que a mesma garante aos litigantes a resolução do conflito no menor tempo possível. Porém, é mister entender que se deve utilizar literalmente o termo “possível”, pois em muitas situações, para que a ação seja devidamente instruída, e por conseguinte ser inquestionavelmente justa, é imprescindível entender que a duração do processo não poderá ser curta, o que verdadeiramente não estaria ferindo o princípio da duração razoável do processo, na medida em que estaria apenas utilizando o menor tempo “possível”. Infelizmente, os legisladores ao criarem as leis processuais por muitas vezes não estão atentos para tal fato, por imaginarem que, ao reduzir o procedimento, já estariam corroborando para a celeridade processual. Na realidade estão ferindo o princípio da ampla defesa, tendo em vista que grande parte das reformas processuais existentes em nosso ordenamento jurídico visa à diminuição dos recursos, e conter os meios de impugnar as decisões judiciais significa contribuir para o enfraquecimento do direito à ampla defesa.

Assim, para a existência de uma justiça digna, é primordial que os princípios em comento, ou seja, celeridade processual e o direito a ampla defesa convivam em harmonia, e, caso ocorra conflito entre os mesmos, deve-se buscar a solução tomando-se como base outro princípio, qual seja, o princípio da proporcionalidade, como veremos no tópico seguinte.

1.4 Da utilização do princípio da proporcionalidade como meio hábil de resolver conflitos entre princípios

No presente trabalho não se quer afirmar que um princípio seja mais importante do que outro. Na verdade, a proposta é demonstrar que, em certos casos concretos, um princípio deve prevalecer em relação a outro, e, para saber qual é o correto, deve-se utilizar o princípio da proporcionalidade. Vejamos os esclarecimentos pertinentes ministrados pelo Pós-doutor e doutrinador Professor Luiz Guilherme Marinoni:

Afirma-se que no caso de conflito de regras o problema é de validade, enquanto na hipótese de colisão de princípios a questão é de peso. Quando há colisão de princípios, um deve ceder diante do outro, conforme as circunstâncias do caso concreto. De modo que não há como se declarar a invalidade do princípio de menor peso, uma vez que ele prossegue íntegro e válido no ordenamento, podendo merecer prevalência em face do mesmo princípio que o procedeu diante de outra situação concreta. [15]

É cediço, pois, que não há hierarquização entre princípios, de forma que todos têm a mesma força e validade, todavia, em situações práticas um princípio pode prevalecer sobre o outro, como a nosso ver é o caso dos recursos nos juizados especiais.

O principal princípio dos Juizados é a celeridade processual, e com base nessa motivação o legislador vedou a utilização do agravo de instrumento por considerar que o mesmo chocar-se-ia contra tal princípio. Porém, imperioso entender que em muitos casos é necessário impugnar uma decisão interlocutória no curso de uma ação em trâmite no juizado especial, não devendo a parte lesada, por conta da celeridade processual, ficar impedida de guerrear tal decisão, sob pena de ofensa ao princípio da ampla defesa. O correto seria a utilização do princípio da proporcionalidade, para entender-se que, nessa situação hipotética, o princípio que deveria prevalecer seria o da ampla defesa, por ter, neste caso concreto, maior peso.

Portanto, da forma que se encontram, os Juizados Especiais não estão respeitando o princípio da ampla defesa, tendo como conseqüência um procedimento falho que só busca maior celeridade, sem abarcar o principal que é garantir um provimento jurisdicional justo.


CAPÍTULO II – DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS: SURGIMENTO, DIREITO COMPARADO, COMPETÊNCIA E SISTEMA PROBATÓRIO.

O maior problema existente na Justiça brasileira é a lentidão no processamento das demandas judiciais. E tal mal não era diferente no período do surgimento dos Juizados Especiais, talvez fosse ainda pior. Não é aceitável que uma simples ação desnecessariamente tenha seu trâmite por diversos anos.

A Lei n. 9.099/95 criou o Juizado Especial Estadual, sendo posterior à Lei n. 7.244/84, que dispunha sobre a criação e o funcionamento do juizado especial de pequenas causas.  O Deputado Michel Temer foi o responsável pelo projeto de lei no que concerne à parte criminal, já a parte cível surgiu através do anteprojeto elaborado pelo então Deputado Nelson Jobim.

Cabe assinalar que a Lei n. 9.099/95 estabeleceu uma nova forma de se fazer justiça, com o maior acesso dos jurisdicionados ao Poder Judiciário brasileiro, em que o magistrado está cada vez mais próximo das partes, estas que, por sua vez, estão cada vez mais satisfeitas na busca pela realização do seu direito.

Nessa esteira, no que refere ao Juizado Especial Federal, este apareceu no bojo da Constituição Federal através da Emenda Constitucional nº 22/99, a qual inseriu parágrafo único ao art. 98, estabelecendo que a lei federal dispusesse sobre a criação do juizado especial na seara federal.

Como o juizado especial estadual obteve sucesso, criou-se em 12 de julho de 2001, com grande influência da AJUFE[16], o juizado especial federal com aplicação subsidiária da Lei n. 9.099/95 e do CPC.

Por fim, cabe destacar que, objetivando o mesmo sucesso dos juizados estaduais, o legislador eliminou diversas vantagens processuais da Administração Pública no âmbito dos Juizados Federais, tais como o reexame necessário de sentença proferida em desfavor de ente público, bem como o prazo em dobro para recorrer e em quádruplo para contestar, dentre outros, com o escopo de garantir um procedimento célere no juizado.

2.1 Da análise dos Juizados Especiais no Direito Comparado

A idéia de acelerar as demandas de menor complexidade há muito já existia em outros países. Normalmente os Juizados de Pequenas Causas funcionam no sistema do direito consuetudinário. No Brasil, apesar de nosso ordenamento jurídico não ser common law, o juiz pode adotar a decisão que entender mais justa e equânime, com a finalidade de atender os objetivos da lei, bem como os anseios da sociedade.[17]

Ao demonstrar que as cortes especializadas nas pequenas causas são antigas, o professor Marcelo da Fonseca Guerreiro, relembrou:

[...] nos países da common Law a existência de cortes especializadas para causas pequenas é antiga. Na Inglaterra já existe há mais de um século. Nos EUA, a partir dos anos 30, surgiram as small claims Courts. A Austrália parra por modificações profundas nos sistema judiciário, especializando as cortes. [18]

Há países em que as alternativas à jurisdição são muito diferentes, como é o caso do Canadá e da França. Por exemplo, no Canadá em alguns tipos de ações a mediação se torna obrigatória, de forma que a demanda não pode ser ajuizada enquanto não passar em um escritório especializado em mediação. Naquele Estado, a mediação e a conciliação fazem parte obrigatoriamente da grade curricular das universidades, bem assim as propostas de conciliação são de certa forma vinculativas.[19]

Nesse mesmo contexto, os países de civil law, quase em sua totalidade, com o fito de combater a demora no processamento das ações, adotam a simplificação das leis processuais, como é o caso da Alemanha e da Itália.[20]

Portanto, percebe-se que não há resposta muito inovadora e talvez o maior avanço esteja no sistema dos juizados especiais utilizados no Brasil, visto que aqui existe a gratuidade no acesso da primeira instância, os juizados funcionam no horário noturno, e ainda temos os conciliadores que ajudam na administração e democratização do acesso à justiça.

2.2  Da competência dos Juizados Especiais Cíveis

Como já foi dito por diversas vezes no presente trabalho, o objetivo dos juizados especiais é tornar a justiça mais célere. Como uma das formas de alcançar tal intento o legislador deu ao juizado competências especiais.

Primeiramente, seguindo a ordem cronológica da edição das leis, vamos nos ater ao Juizado Estadual, este que surgiu com a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Vejamos a transcrição do artigo 3º da Lei n. 9.099:

Art.3.º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:

I – as causas cujo valor não exceda a 40 (quarenta) vezes o salário mínimo;

II – as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil;[21]

III – a ação de despejo para uso próprio;

IV – as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo.

§ 1.º Compete ao Juizado Especial promover a execução:

I – dos seus julgados;

II – dos títulos executivos extrajudiciais, no valor de até 40 (quarenta) vezes o salário mínimo, observado o disposto no §1.º do art. 8.º desta lei.[22]

§ 2.º Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da fazenda pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial.

§ 3.º A opção pelo procedimento previsto nesta lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação.

Ao se analisar os ditames do artigo acima exposto verifica-se que foram retirados da competência do juizado especial algumas ações que obrigatoriamente necessitariam de uma dilação probatória maior, como é o caso das demandas elencadas do parágrafo segundo. O legislador agiu corretamente, posto que limitou a competência do juizado para ações de menor complexidade, o que certamente acarretará em demandas menos longínquas, o que vai ao encontro dos objetivos traçados pela Lei n. 9099/95.

 Ademais, a referida lei oportuniza ao autor da ação a possibilidade de ajuizar a ação pelo rito comum, mesmo que seu direito seja menor que 40 (quarenta) vezes o salário mínimo. Entretanto, o réu fica adstrito ao rito escolhido pelo demandante, o que verdadeiramente ofende ao princípio constitucional da garantia ao contraditório e da ampla defesa, haja vista que o demandado tem o mesmo direito que o autor, e se o rito escolhido restringe os meios de impugnações, certamente estará tornando o processo mais dificultoso para quem sofreu a ação.

Passemos agora à competência do Juizado Federal Cível. Preconiza o artigo 3º da Lei n. 10.259/01:

Art. 3.º Compete ao Juizado Especial Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.

§ 1.º Não se incluem na competência do Juizado Especial Cível as causas:

I – referidas no art. 109, inciso II, III e XI[23], da Constituição Federal, as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, execuções fiscais e por improbidade administrativa e as demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

II – sobre bens imóveis da União, autarquias e fundações públicas federais;

III – para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal;

IV – que tenham como objeto a impugnação de pena de demissão impostas a servidores públicos civis ou de sanções disciplinares aplicadas a militares.

§ 2.º Quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de 12 (doze) parcelas não poderá exceder o valor referido no art. 3.º caput.

§ 3.º No foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta.

Da mesma forma do Juizado Especial Estadual, o Juizado Federal limitou a competência para ações de menor complexidade. Entretanto, a Lei n. 10.259/2001 trouxe uma grande inovação no parágrafo 3.º, qual seja, a competência absoluta do Juizado Federal quando existir vara especializada no foro. Isso quer dizer que, se em determinado local existir vara exclusiva de juizado, as causas em que o valor não exceda 60 (sessenta) salários mínimos e se o processamento da ação no juizado não for expressamente vedado pela Lei n. 10.259/2001, obrigatoriamente a demanda deverá ser processada e julgada na vara especializada, fato este que não ocorre no Juizado Estadual. Portanto, se o direito do autor for menor que 60 (sessenta) salários mínimos, o mesmo não terá direito de optar pelo rito comum, ficando obrigado ao rito sumaríssimo.

Assim, percebe-se que o legislador, na tentativa de tornar a justiça mais rápida, pecou por não oportunizar ao demandante o direito de escolher o rito, o que mais uma vez ofende o direito ao devido processo legal, pois é cediço que o rito sumaríssimo possui uma dilação probatória mínima e por muitas vezes o direito do autor pode exigir diversos meios de prova, o que pelo rito sumaríssimo evidentemente prejudicado.

Ademais, os meios de provas estão nas mãos do juiz, posto que investido no poder de determinar quais as provas a serem produzidas, como leciona Fonseca Guerreiro:

Preceitua a Lei nº 9.099/95, aplicável subsidiariamente aos juizados especiais federais, que o juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica (art. 5º). Caberá, ainda, ao magistrado adotar em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, entendendo aos fins sociais da lei e às exigências de bem comum, como bem destaca a Lei de Introdução ao Código Civil. [24]

Apesar de concordar com o entendimento supracitado, necessária a seguinte indagação: o que fazer quando um requerimento de produção de provas for indeferido pelo julgador, já que não há a possibilidade da utilização do agravo no juizado especial? A resposta para este questionamento virá no decorrer do trabalho.

Ainda com relação à competência do Juizado Federal, observa-se que, quando não existir vara federal, o art. 20 da Lei n. 10.259/2001 indica que a demanda poderá ser ajuizada no Juizado Especial Federal do foro definido no art. 4.º da Lei n. 9.099/95[25], vedada a sua aplicação no juízo estadual.

Demonstrada a competência dos juizados para processar e julgar as ações, passemos agora as provas no âmbito dos Juizados Especiais.

2.3 Das Provas nos Juizados Especiais

A prova é o instrumento pelo qual as partes demonstram a existência dos fatos constitutivos dos seus direitos e é através dela que o juiz irá ter sua convicção para julgar a lide, daí a importância deste instituto para a correta realização do processo.

O art. 32 da Lei n. 9099/95 preceitua que todos os meios de prova moralmente legítimos, ainda que não especificados em lei, são hábeis para provar a veracidade dos fatos alegados pelas partes.

A Lei n. 10.259/2001, em seu art. 11, determina que a entidade pública ré deverá fornecer a documentação de que disponha para o esclarecimento da causa e estes documentos deverão ser apresentados até a instalação da audiência.

No que concerne à prova pericial as Leis 9099/95 e 10.259/2001 possuem algumas diferenciações, na segunda, o perito será nomeado pelo juiz e deverá apresentar o laudo em até 5 (cinco) dias antes da audiência, independente da intimação das partes, uma vez que o ônus de tomar ciência do laudo é das partes. Já com relação ao Juizado na seara estadual não há necessidade de apresentar o laudo técnico de forma escrita, pois o perito depõe em juízo como se fosse igual a uma testemunha apresentando o laudo de modo oral. Em se tratando de natureza previdenciária ou assistencial, quando houver necessidade de exame, as partes obrigatoriamente deverão ser intimadas para no prazo de dez dias apresentarem seus quesitos e assistente técnico.

No que refere ao depoimento pessoal, quando este for requerido, a presença da parte a ser inquirida é indispensável, sob pena de confesso, conforme dispõe o art. 343, §2º do Código de Processo Civil[26].

Quanto à prova documental, o demandante deve apresentá-las na inicial, sem existir a proibição de juntada de novos documentos até no momento da audiência, esta que será a ocasião em que a parte ré terá para contestar e se manifestar sobre a documentação acostadas nos autos.

Já na fase recursal não se admite nova produção de prova, a não ser que a turma recursal determine cumprimento de tais diligências.

Portanto, podemos verificar que o sistema probatório dos Juizados Especiais é muito simplista, assim se o demandante escolher tal rito na seara estadual ou se por decorrência do valor da causa no âmbito dos Juizados Federais for obrigado a seguir no rito sumaríssimo ficará adstrito aos meios de provas permitidos no microssistema, que ao nosso prisma é relativamente falho.

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Sobre o autor
Gustavo Lyra Pugliesi

Advogado. Bacharel em Direito pela Faculdade de Maceió-FAMA. Pós Graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo Centro Universitário CESMAC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PUGLIESI, Gustavo Lyra. Ofensa ao princípio constitucional da ampla defesa, em face da impugnabilidade das decisões interlocutórias no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4536, 2 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33475. Acesso em: 22 dez. 2024.

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