O direito constitucional existe para aquelas situações em que o governo representativo se torna suspeito, não para aquelas em que sabemos que ele é digno de confiança (John Hart Ely)1
1. Novamente cuido de um tema candente e recorrente: o processo de escolha de ministros para o Supremo Tribunal Federal.2 Desta vez a motivação deste breve texto nasceu de outra recente entrevista contida no jornal Folha de São Paulo3 na qual o ministro Gilmar Mendes chama a atenção para o risco de o STF vir a se tornar uma “corte bolivariana”4.
2. Esse “apelo” do ministro Gilmar Mendes decorreu do fato de que até o final de 2018, dos 11 ministros do STF, 10 serão nomeados por governos petistas (Lula e Dilma), e segundo o ministro isso poderia enfraquecer o “papel contramajoritário” do Tribunal, na medida em que a Corte apenas decidiria de acordo com a vontade do governo.
3. As preocupações do ministro Gilmar Mendes assaltam os espíritos de há muito tempo: como evitar que as indicações para os Tribunais, especialmente para o STF e para os demais Superiores (STJ, TST, TSE, STM e até mesmo TCU), produzam juízes acovardados ou demasiadamente sintonizados com a “caneta” que lhes nomeia?
4. As soluções não são simples. A Constituição exige que o indicado ou nomeado tenha “notável saber jurídico” e “reputação ilibada”. E que sejam sabatinados pelo Senado Federal. Assim, o primeiro passo consiste em que o governante leve os aludidos mandamentos constitucionais a sério. Que a presidência da República nomeie um brasileiro que tenha “notável saber jurídico” e “reputação ilibada”.
5. Como aquilatar esse “notável saber jurídico”? Não é difícil. Se o nome indicado goza de respeitabilidade no seio social e no específico campo do mundo jurídico, ele terá alguns elementos que o qualificam. Se o nome indicado produziu relevante obra profissional (sentenças, petições, pareceres etc.) ou acadêmica (livros, artigos, teses etc.) de reconhecida qualidade é sinal que detém o requisito objetivo do “notável saber jurídico”. Se o nome é absolutamente insuspeito, se sobre essa pessoa não pesam quaisquer dúvidas acerca de sua honorabilidade, então possui “reputação ilibada”.
6. Que o Senado Federal cumpra com o seu papel de “sabatinador” do candidato. Que o Senado brasileiro se inspire no Senado dos Estados Unidos e leve a sério a relevante missão de chancelar os nomes indicados para a alta magistratura nacional. E se for o caso que não aprove nomes inapropriados. E que também a sociedade civil organizada (academias científicas, entidades de classe, sindicatos, jornais etc.) ponham as indicações de magistrados para os Tribunais na sua agenda “política”. A comunidade deve participar, pois a nomeação de um magistrado para o STF e para os demais Superiores é assunto que a todos interessa.
7. Na atual quadratura, em face de uma eleição presidencial que demonstrou um eleitorado praticamente dividido ao meio, convém que o nome indicado pela presidência da República seja também um nome aceitável e palatável pelas forças políticas de oposição. O magistrado há de ser um árbitro. Ele tem de ser fruto do consenso entre maioria governamental e minoria oposicionista. É preciso encontrar um nome que traga equilíbrio e confiabilidade. Por isso, não convém a indicação de um nome fortemente ligado ao grupo político dominante. Há de ser um nome que seja de mútua confiança das forças políticas, tanto da situação quanto da oposição.
8. Nesse particular, entendo que as melhores alternativas devem ser buscadas entre as pessoas que não podem ter atividades de militância político-partidária: magistratura de carreira. Entendo que a presidência da República deveria buscar entre os atuais ministros dos Tribunais Superiores ou entre os atuais desembargadores ou juízes dos Tribunais estaduais ou federais, preferencialmente oriundos da magistratura de carreira, os nomes que deveriam ser submetidos ao descortino do Senado Federal.
9. Ora, um ministro de Tribunal é um produtor de “decisões judiciais”. Nada mais justo que se vá colher entre aqueles que têm essa atividade como sua tarefa de modo ordinário. Que tenha feito uma carreira produzindo “boas decisões judiciais”. Que seja respeitado entre os seus pares e entre a comunidade social e a jurídica em particular. Há vários magistrados brasileiros que possuem esses atributos.
10. O gabinete da presidência da República poderia colher os currículos de todos os atuais ministros dos Tribunais Superiores e de todos os desembargadores dos Tribunais de Justiça estaduais e de todos os juízes dos Tribunais Federais. Como corte temporal, o gabinete presidencial poderia estabelecer como requisito temporal pelo menos 25 anos de magistratura. Supremo e Superiores não são para “juniores”. É para gente experimentada e de comprovada respeitabilidade. Supremo Tribunal Federal é prêmio. É coroação de uma vida dedicada ao Direito e à Justiça. Não pode ser início de carreira nem bônus para os bons serviços prestados ao governo ou ao partido.
11. Creio que o melhor antídoto para uma eventual “corte bolivariana” consiste em prestigiar a magistratura de carreira: juízes, desembargadores e ministros de carreira. Que estão há muito tempo sendo testados e aprovados. Imagino que mesmo as forças de oposição ficariam mais confortáveis em chancelar um nome vindo da magistratura, pois um magistrado, conquanto tenha suas convicções ideológicas pessoais, deve ter se comportado como árbitro. E é isso que um ministro de Tribunal é: um árbitro dos conflitos normativos e um garante do equilíbrio de forças políticas.
12. Que as forças políticas e sociais saibam se comportar adequadamente todas as vezes que surgir uma vaga para os Tribunais.
Notas
1 ELY, John Hart. Democracia e Desconfiança – uma teoria do controle judicial de constitucionalidade. Tradução de Juliana Lemos. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 246.
2 ALVES JR., Luís Carlos Martins. The West Wing e os Justices da Suprema Corte dos Estados Unidos. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3319, 2 ago. 2012. Disponível em: <https://jus.com.br/revista/texto/22350>; ALVES JR., Luís Carlos Martins. A escolha de ministros do Supremo Tribunal Federal. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3442, 3 dez. 2012. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/23150>. Acesso em: 9 nov. 2014.
3 FOLHA DE SÃO PAULO, segunda, 3 de novembro de 2014. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/11/1542317-o-stf-nao-pode-se-converter-em-uma-corte-bolivariana.shtml
4 Título da reportagem: STF não pode se converter em uma “corte bolivariana”, defende Gilmar.