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A controvérsia jurídica sobre a desaposentação

10/11/2014 às 13:56
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Desaposentação é a possibilidade de renúncia à aposentadoria, validamente concedida, com vistas à obtenção do mesmo benefício, só que com cálculos mais favoráveis ao beneficiário.

I. INTRODUÇÃO

O regime previdenciário brasileiro, que constitui juntamente com a saúde e a assistência social, os pilares da seguridade, é do tipo contributivo e solidário e estruturado de forma a manter um equilíbrio atuarial e financeiro. Com efeito, a maior parte dos recursos necessários à sustentabilidade do sistema previdenciário provém das contribuições dos trabalhadores, dos empregadores e das dotações consignadas no orçamento do Poder Público, merecendo as demais fontes, a saber, as receitas dos concursos de prognósticos e do importador de bens ou serviços do exterior, importância secundária.

Nessa perspectiva, o presente estudo procura explicar por que a aposentadoria tem chamado tanta atenção dos Tribunais Superiores. No particular, procuraremos abordar a famosa discussão que se projeta em torno da desaposentação, que consiste na possibilidade de renúncia à aposentadoria, validamente concedida, com vistas à obtenção do mesmo benefício, só que com cálculos mais favoráveis ao beneficiário. 

De início, faremos menção à ausência de previsão legislativa que possibilite o reconhecimento administrativo da desaposentação, mas também ressaltaremos a ausência de vedação expressa para que o segurado renuncie ao benefício já concedido, no intento de perseguir valores maiores. Dessa feita, seremos colocados diante da garantia constitucional do ato jurídico perfeito, que se consolida no ato administrativo concessivo, e que quase sempre tem sido aventada em sucessivas demandas pelo INSS como impeditiva da desaposentação.

Além disso, serão erigidas reflexões em torno de outras questões cruciais à defesa da autarquia previdenciária, em especial, colocações referentes às situações anti-isonômicas que poderiam ser decorrentes da liberação geral e irrestrita da renúncia à aposentadoria.

Por fim, demostraremos como a doutrina e a jurisprudência têm se esforçado para equacionar o problema, tudo com base em análise sistêmica da Constituição e da legislação infraconstitucional, e os efeitos que uma eventual sedimentação jurisprudencial em torno da desaposentação poderá ocasionar ao já combalido Regime Geral de Previdência Social brasileiro.


II. CLASSIFICAÇÃO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

Em linhas gerais, define o art. 195, da CRFB/88 que a seguridade social será financiada por todos, direta e indiretamente, seja com recursos provenientes dos orçamentos dos entes federativos ou das contribuições que enumera. Sendo que quando a situação toca o pilar da previdência social parece se revestir de contornos diferenciados a problemática.

Isso porque, diferentemente dos demais segmentos da seguridade social, o Regime Geral de Previdência Social é essencialmente contributivo, ou seja, para que o segurado possa buscar ter acesso aos benefícios previdenciários deve trazer ao Fundo Geral da Previdência Social contribuições previdenciárias, que constituem espécie de tributo cuja natureza é totalmente vinculada. Fora isso, há, é bem verdade, algumas situações selecionadas pelo legislador, como o período de graça, que poderiam, a princípio, supor ausência de contribuições, mas são hipóteses impróprias a infirmar o caráter contributivo da Previdência Social, eis que aqui milita o princípio da solidariedade, marca da República Federativa do Brasil.

Dito isso, releva rememorar a existência basicamente de dois sistemas previdenciários, cujas diferenças residem basicamente nos critérios adotados para classificação. Ao ensejo, vale a pena consultar o magistério de Frederico Amado (2014, p. 98), para quem quanto à contributividade, o regime de previdência brasileiro é do tipo repartição, e quanto ao órgão incumbido da gestão, é misto, pois admite a existência de planos públicos e privados de previdência.

Quer isso dizer, em outros termos, que a marca da previdência social no Brasil é o caráter comutativo entre as contribuições e prestações previdenciárias, cuidando o legislador de tratar os casos em que tal relação sinalagmática se fará presente. Por outro lado, é bom que se diga que a equação não é perfeita, pois os influxos da solidariedade intergeracional reclamam a inclusão de variáveis que acabam culminando na redução dos valores do benefício. Essas variáveis são frutos de projeções atuariais que estimam o tempo ideal até quando a obrigação de pagar será suportada.

Afinal, seria muito temerário à própria solvabilidade do Fundo mantenedor dos benefícios previdenciários, supor exata correspondência entre os benefícios e as contribuições, pois é cediço que pesa, na generalidade dos casos, o caráter presumido das contribuições rurais.


III. APOSENTAÇÃO, DESAPOSENTAÇÃO E REAPOSENTAÇÃO

O direito à aposentadoria por tempo de contribuição na iniciativa privada exige do segurado o implemento apenas do tempo mínimo de contribuição exigido, ou seja, 35 anos de contribuição para o homem e 30 anos de contribuição para a mulher, independentemente da idade de ambos. Isso decorre do fato de a EC n° 20/98 não ter tido êxito quanto à introdução do elemento etário para a concessão do benefício. Assim pondera Fábio Zambitte Ibrahim:

Ao contrário do que se comenta, não há limite de idade para a aposentadoria por tempo de contribuição. Embora constasse da proposta inicial da Emenda Constitucional n/ 20/98 (60 anos para homem e 55 anos para mulher), tal limite não logrou aprovação em Plenário (IBRAHIM, 2011, p. 599).

Tal situação, de plano, revelou-se insustentável, pois como poderia a Previdência suportar o encargo de pagar aposentadorias cada vez mais precoces àqueles que ainda estariam em idade economicamente ativa. Adveio, assim, a criação do fator previdenciário, que trouxe à baila complicada fórmula que leva em consideração idade, expectativa de sobrevida, tempo de contribuição do segurado e alíquota de contribuição. Comentando essa novidade legislativa, introduzida pela Lei n° 9876/99, cumpre ceder a palavra a Paulo Fernando Nery:

Para tornar o sistema mais equilibrado e sustentável, o fator previdenciário faz com que os benefícios dos que se aposentam mais cedo sejam menores do que os daqueles que escolhem se aposentar mais tarde. Assim, para dois segurados que começaram a trabalhar exatamente no mesmo dia, com a mesma idade e que receberam sempre os mesmos salários, a aposentadoria daquele que se aposentar, por exemplo, aos 55 anos, será menor do que a daquele que se aposentar cinco anos depois, aos 60 anos. O fator considera que o que se aposentou com 55 anos contribuirá por menos tempo e receberá por mais tempo o benefício do que aquele que se aposentou com 60, e por isso este último receberá um valor maior (NERY, 2014, p. 2)

Desta feita, não tardaram a irresignações dos segurados, que viram as chances de um benefício compatível com todo o histórico contributivo amealhado durante o transcurso do período de carência, fulminado. Para contornar a situação, muitos continuaram na atividade e, por conseqüência, a contribuir para a Previdência Social, eis que a imunidade a que faz referência o art. 195,II, da CRFB/88 abrange apenas os proventos, não os valores que remuneram o labor.

Em apertada síntese, esse foi o campo em que germinou a tese da renúncia à aposentadoria; melhor referenciando, de renúncia a um valor menor para obtenção de um valor maior, sem obediência à revisão prevista no art. 103, da Lei 8.213/91. Com efeito, será calculada a nova jubilação com abrangência de um período contributivo mais amplo, além de a essa época deter o segurado idade e tempo de contribuição maiores que os que serviram à concessão predecessora.

Surge, então, relevante o argumento do INSS sobre a irrenunciabilidade do benefício previdenciário. Em poucas palavras, trazemos à colação lição de Wladimir Novaes Martinez (2013, p. 951) que, citando De Plácido e Silva (1975), adverte que o ato jurídico de renúncia constitui ato pelo qual o titular de determinado direito a ele renuncia, sem qualquer prejuízo a terceiros ou a coletividade em geral. Para a indigitada autarquia, o caráter definitivo e a indisponibilidade da aposentadoria retiram a possibilidade de disposição pelo segurado. Para tanto, m regra, tem invocado nas querelas judiciais o art. 181-B, do Decreto n° 3.048/99, segundo o qual as aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis.

A doutrina e a jurisprudência e majoritárias, a seu turno, entendem que o Executivo excedeu-se no seu poder regulamentar, pois extraiu do ordenamento jurídico conclusão restritiva que só por lei em sentido formal poderia ser veiculada. Nesse sentido, colacionam-se os seguintes precedentes:

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR ESTADUAL. APOSENTADORIA. RENÚNCIA. NOMEAÇAO PARA OUTRO CARGO POR CONCURSO PÚBLICO. POSSIBILIDADE.A aposentadoria é direito patrimonial disponível, sujeita à renúncia,possibilitando à recorrente a contagem do respectivo tempo de serviço e o exercício em outro cargo público para o qual prestou concurso público.Precedentes.Recurso provido.(RMS 17.874/MG, Quinta Turma, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJ de 21/02/2005)

RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇAO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA.DESAPOSENTAÇAO E REAPOSENTAÇAO. RENÚNCIA A APOSENTADORIA. CONCESSAO DE NOVO E POSTERIOR JUBILAMENTO. DEVOLUÇAO DE VALORES. DESNECESSIDADE.(...) 3. Os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento. Precedentes do STJ. (...) 6. Recurso Especial do INSS não provido, e Recurso Especial do segurado provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ (REsp 1.334.488/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 14/05/2013)

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. INOVAÇÃO RECURSAL NO ÂMBITO DOAGRAVO REGIMENTAL. IMPOSSIBILIDADE. DESAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA ÀAPOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE.MATÉRIA DECIDIDA EM RECURSO REPETITIVO (RESP 1.334.488/SC). ART. 97DA CF. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. ANÁLISE DE DISPOSITIVOS E PRINCÍPIOSCONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. INDEFERIMENTO DE SOBRESTAMENTO DOFEITO. CÔMPUTO DOS SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÃO SUBSEQUENTES ÀAPOSENTADORIA A QUE SE RENUNCIOU. POSSIBILIDADE DE INTEGRAÇÃO DOJULGADO. DEFERIMENTO PONTUAL. (...) 2. A Primeira Seção do STJ, por ocasião do julgamento do REsp.1.334.488/SC, Rel. Min.Herman Benjamin, submetido ao rito dosrecursos repetitivos, reafirmou a orientação desta Corte no sentidoda possibilidade da renúncia à aposentadoria para que outra comrenda mensal maior seja concedida, levando-se em conta o período delabor exercido após a outorga da inativação, tendo em vista que anatureza patrimonial do benefício previdenciário não obsta arenúncia a este, porquanto disponível o direito do segurado, nãoimportando em devolução dos valores percebidos. (...). Agravo regimental parcialmente provido para integração do julgado. (AgRg no AREsp 570693/CE, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28/10/2014)

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PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. Agravo Regimental. INCIDENTE DEUNIFORMIZAÇÃO NACIONAL DE JURISPRUDÊNCIA. DESAPOSENTAÇÃO PARARECEBIMENTO DE NOVA APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DEVALORES RECEBIDOS. DESNECESSIDADE. MATÉRIA PENDENTE DE JULGAMENTONOSTF. SOBRESTAMENTO DO FEITO. DESCABIMENTO.1. A Primeira Seção, sob o regime do art. 543-C, do CPC e daResolução STJ 8/2008, estabeleceu que "os benefíciosprevidenciáriossão direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, suscetíveis dedesistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dosvalores recebidos da aposentadoria a que o segurado deseja preterirpara a concessão de novo e posterior jubilamento (REsp1.334.488/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe14.5.2013). (...) 4. Agravo Regimental não provido.(AgRg na Pet 7691/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 14/10/2014). (grifos nossos).

Ademais, tem ganhado relevo ainda a garantia do ato jurídico perfeito, pois a Administração Pública procura vedar a renúncia ao benefício com base, entre outros argumentos, nessa cláusula, sustentando que é titular de direitos fundamentais, em especial, da segurança jurídica. Com efeito, questiona como poderia um segurado vir após anos a reclamar um benefício de valor mais robusto. Entretanto, apesar de engenhosa a tese, não é ela impeditiva, eis que essa garantia não impede a renúncia ao benefício da aposentadoria, porquanto milita a favor do beneficiário e não contra ele. Com isso não se está a negar que o Poder Público também é titular de direitos fundamentais, pois ultrapassada a doutrina que entendia que apenas os particulares eram detentores de tais benesses.

Demais disso, no mínimo, soa contraditório a Administração aventar essa garantia; ora, ela tem poder de autotutela não assegurado ao particular, podendo, respeitado o prazo decadencial e a boa-fé dos destinatários, rever o ato concessivo. Logo, como não poderia o próprio beneficiário deliberar sobre o desejo de permanecer ou abdicar do benefício. Aplicável nessa trilha, mutatis mutandis, a já provecta Súmula n° 654, do STF, pela qual a garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. 5°, XXXVI, da Constituição da República, não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado.

Outra premissa digna de discussões é a que dimana a partir de uma leitura apressada do art. 18, §2°, da Lei 8213/91, segundo o qual o aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado. 

Pois bem, enquanto o INSS se fundamenta nesse dispositivo para negar os pleitos administrativos de desaposentação, sustentando assistir apenas o salário-família e à reabilitação profissional ao aposentado que permaneça em atividade; os segurados não vêem qualquer empeço, o que também tem sido dito pelos Tribunais pátrios. A propósito, é de bom alvitre rememorar trecho do voto do Ministro Marco Aurélio no julgamento, ainda não encerrado, do RE n° 381.367-RG/RS, que traz, em suma, e a nosso ver, a melhor interpretação do dispositivo:

(...). O Min. Marco Aurélio, relator, proveu o recurso. Consignou, de início, a premissa segundo a qual o trabalhador aposentado, ao voltar à atividade, seria segurado obrigatório e estaria compelido por lei a contribuir para o custeio da seguridade social. Salientou, no ponto, que o sistema constitucional em vigor viabilizaria o retorno do prestador de serviço aposentado à atividade. Em seguida, ao aduzir que a previdência social estaria organizada sob o ângulo contributivo e com filiação obrigatória (CF, art. 201, caput), assentou a constitucionalidade do § 3º do art. 11 da Lei 8.213/91, com a redação conferida pelo art. 3º da Lei 9.032/95 (“§ 3º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este Regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, para fins de custeio da Seguridade Social.”). Assinalou que essa disposição extinguira o denominado pecúlio, o qual possibilitava a devolução das contribuições implementadas após a aposentadoria. Enfatizou que o segurado teria em patrimônio o direito à satisfação da aposentadoria tal como calculada no ato de jubilação e, ao retornar ao trabalho, voltaria a estar filiado e a contribuir sem que pudesse cogitar de restrição sob o ângulo de benefícios. Reputou, dessa forma, que não se coadunaria com o disposto no art. 201 da CF a limitação do § 2º do art. 18 da Lei 8.213/91 que, em última análise, implicaria desequilíbrio na equação ditada pela Constituição. Realçou que uma coisa seria concluir-se pela inexistência da dupla aposentadoria. Outra seria proclamar-se, conforme se verifica no preceito impugnado, que, mesmo havendo a contribuição — como se fosse primeiro vínculo com a previdência —, o fenômeno apenas acarretaria o direito ao salário-família e à reabilitação profissional. Reiterou que, além de o texto do examinado dispositivo ensejar restrição ao que estabelecido na Constituição, abalaria a feição sinalagmática e comutativa decorrente da contribuição obrigatória. Em arremate, afirmou que ao trabalhador que, aposentado, retorna à atividade caberia o ônus alusivo à contribuição, devendo-se a ele a contrapartida, os benefícios próprios, mais precisamente a consideração das novas contribuições para, voltando ao ócio com dignidade, calcular-se, ante o retorno e as novas contribuições e presentes os requisitos legais, o valor a que tem jus sob o ângulo da aposentadoria. Registrou, por fim, que essa conclusão não resultaria na necessidade de se declarar a inconstitucionalidade do § 2º do art. 18 da Lei 8.213/91, mas de lhe emprestar alcance consentâneo com a Constituição, ou seja, no sentido de afastar a duplicidade de beneficio, porém não o novo cálculo de parcela previdenciária que deva ser satisfeita. Após, pediu vista o Min. Dias Toffoli.

Urge também mencionar, nessa toada, que a Administração tem se insurgido com o argumento de que não pode, ao arrepio da legalidade, atender aos pleitos dos segurados, que visam à desconstituição do benefício, para nova concessão. Defende que o caso seria o mesmo que chancelar uma hipótese inadmitida de revisão do benefício previdenciário. De fato, a Administração não pode conduzir a sua atividade de forma aleatória, mas sob a regência da lei, consoante entendem os Tribunais Superiores, a saber:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ATUAÇÃO. ADSTRITA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA OU RESTRITIVA NÃO PREVISTA EM LEI. IMPOSSIBILIDADE. LEIS ESTADUAIS N.os 9.651/71 E10.722/82. POLICIAL MILITAR. RESERVA REMUNERADA. GRATIFICAÇÃO DE REPRESENTAÇÃO DE GABINETE. INCORPORAÇÃO AOS PROVENTOS. REQUISITO TEMPORAL NÃO PREENCHIDO.1. A atuação da Administração Pública é cingida ao princípio da legalidade estrita, devendo obediência aos preceitos legais, sendo-lhe defeso proceder interpretação extensiva ou restritiva, onde a lei assim não o determinar.2. O cumprimento da condição temporal imposta pelo legislador estadual deve ser computada, de forma segregada, para cada uma das atividades, ou seja, não é possível, somar os períodos em que cada uma das atividades foi exercida ? com retribuição por meio de diferentes gratificações ?, de forma a alcançar o mínimo necessário para obter a incorporação do valor de apenas uma delas.3. Recurso ordinárioconhecido e desprovido. (STJ, Quinta Turma, RMS 26944/CE, Rel. Ministra LAURITA VAZ, DJe 21/06/2010).

Só que a situação também deve ser antevista com um olhar de que também o segurado não está impedido de formular pedidos de desaposentação, pois onde inexiste vedação, poderá agir o particular. Nesse esteio, merece menção trecho do voto do Ministro Luís Roberto Barroso no RE 661.256 RG/SC:

41. Ao ser chamado a avaliar a constitucionalidade da desaposentação, entendo que o STF não pode deixar de reconhecer a invalidade da interpretação radical pretendida pelo INSS, que aplica a Constituição para justificar a tributação dos aposentados que voltam a trabalhar, mas invoca uma lei ordinária e uma noção vaga de solidariedade para sustentar que ficariam paralisadas as consequências constitucionais daquela espécie de tributação. Isso é tão arbitrário quanto imaginar que o legislador infraconstitucional possa utilizar um critério censitário para excluir determinados contribuintes da perspectiva de receber proventos, criando uma seletividade não contemplada pela Constituição.

42. Por outro lado, o Tribunal não pode caminhar para o outro extremo, afirmando que a falta de uma disciplina legislativa específica e adequada para a desaposentação deve resultar em tratamento privilegiado para as pessoas que, por circunstâncias variadas, chegaram à condição de potenciais postulantes dessa medida atípica. Inclusive pela consideração de que interpretar o sistema dessa forma seria uma deturpação da lógica ordinária da previdência, criando-se um estímulo a que os trabalhadores ativos requeiram suas aposentadorias na primeira chance possível e façam trocas posteriores, convertendo o que deveria ser uma rede de segurança em mecanismo de complementação da renda individual, subsidiado pela coletividade.

Por outro lado, são louváveis as preocupações externadas por Amado (2014, p. 642-643), para quem é injusto que aqueles que já se aposentaram por tempo de contribuição, com menos de 50 anos de idade, tenha direito à aposentação; poderia haver, caso persista esse entendimento, constantes desaposentações; poderia um segurado se aproveitar da previdência durante determinado período, e, após, requer nova aposentadoria, com incidência de fator previdenciário mais vantajoso; poderiam os aposentados contribuir como facultativos, apenas com o propósito de requerer nova aposentadoria de maior valor.

Para bons questionamentos, devemos formular boas respostas. Deveras, o que preocupa a doutrina e de certa forma a jurisprudência é a incômoda situação que se teria se um segurado, já aposentado, mas ainda economicamente ativo, continuar na atividade e, após alguns anos recebendo o benefício, requerer a desaposentação, ao passo que aqueles que optaram por não pleitear administrativamente o benefício ao mesmo tempo e continuaram a trabalhar, vindo a aposentar-se apenas posteriormente, não teria reconhecido retroativamente o direito à percepção daquelas parcelas. De inconveniente teríamos uma ofensa ao princípio da isonomia, eis que enquanto um recebeu benefício, o outro não. E aqui ressurte a questão do reembolso das quantias recebidas pelo segurado que pretende a desaposentação, pleito autárquico que tem sido sistematicamente refutado.

Pensando nessa situação, vem a lume também o dispositivo que traz para o bojo da Previdência o princípio da isonomia, qual seja, o art. 201, §1°, da CRFB/88, pelo que é vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.

A melhor solução para equacionar a querela, parece ser mesmo a sugerida por Amado, acompanhado da quase unanimidade dos doutrinadores e da jurisprudência, para quem,

É preciso que o Congresso Nacional, a quem compete acompanhar a evolução dos fatos sociais e regulá-los com a edição de normas jurídicas que atendam ao interesse público, após amplo debate social (teoricamente), edite urgentemente uma lei que admita expressamente ou proiba a desaposentação, a fim de conferir segurança jurídica à questão (AMADO, 2014, p. 642).

Mas enquanto não vem ao mundo jurídico essa propalada norma, mostra-se sedutora a solução esquematizada por Roberto Barroso, no já comentado voto, que é a seguinte:

53. À luz dessas considerações, a conclusão objetiva é a seguinte: no cálculo da nova aposentadoria, a idade e a expectativa de vida a serem consideradas são aquelas referentes ao momento em que o primeiro vinculo foi estabelecido. Foi a partir dali, afinal, que o sistema contributivo-solidário passou a custear prestações para o indivíduo. Desconsiderar esse fato – permitindo a desaposentação incondicionada – seria injusto para com os aposentados que não se enquadram nessa situação peculiar. Na prática, pessoas com o mesmo tempo de contribuição, em valores também iguais, receberiam prestações acumuladas substancialmente desiguais, instituindo um privilégio atuarial injustificável.

54. A aplicação da fórmula ora descrita, ao revés, faz com que o segundo benefício, resultante da desaposentação, seja intermediário em relação às duas situações extremas. Tal conclusão decorre da aplicação matemática da solução proposta, tendo em vista a fórmula do fator previdenciário. Como é natural, o resultado dependerá das variáveis de cada caso concreto (idade na primeira aposentadoria, tempo de contribuição, valor médio dos salários de contribuição).


IV. CONCLUSÃO

Assim, nessas poucas linhas procurou-se abordar a delicada situação em torno da (im) possibilidade de desaposentação, eis que trará grandes impactos para os segurados, que terão segurança jurídica em pleitear nova jubilação, com valores maiores, e para a Previdência Social, que poderá ver agravada ainda mais o déficit financeiro do Fundo mantenedor dos benefícios.


REFERÊNCIAS

AMADO, Frederico. Curso de Direito e Processo Previdenciário. 5. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014.

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 16. ed. revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2011.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 5. ed. São Paulo: Editora LTR, 2013.

NERY, P. F. A Decisão de R$ 70 Bilhões: sobre constitucionalidade, ausência de omissão legislativa e riscos fiscais da desaposentadoria. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, outubro/2014 (Boletim do Legislativo nº 15, de 2014). Disponível em: www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 28 out. 2014.

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Sobre o autor
Gabriel Marques Oliveira

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Analista do Ministério Público da União, lotado na Procuradoria Regional do Trabalho da 22ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Gabriel Marques. A controvérsia jurídica sobre a desaposentação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4149, 10 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33748. Acesso em: 20 nov. 2024.

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