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Responsabilidade civil do Estado por atividades de cartórios

04/06/2015 às 13:38
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Quanto à responsabilidade civil pelos atos praticados pelos notários e tabeliães, a doutrina e a jurisprudência se dividem.

Noticia-se que a extensão da responsabilidade civil do Estado, em razão de dano causado pela atuação de tabeliães e oficiais de registro será analisada pelo Supremo Tribunal Federal.

O caso concreto diz respeito a erro na certidão de óbito quanto ao nome de uma mulher falecida, fato que impediu o viúvo de receber a pensão previdenciária por morte da esposa junto ao Instituto Nacional do Seguro Social. Diante disso, houve necessidade de ajuizamento de um pedido de retificação de registro o que retardou o benefício.

Conforme os autos, o viúvo ingressou com ação de indenização por danos materiais contra o Estado de Santa Catarina em decorrência do erro cometido pelo Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais. A ação foi julgada procedente para acolher a pretensão do autor. Após recurso do estado, o Tribunal de Justiça local (TJ-SC) confirmou a sentença e atribuiu ao estado-membro a responsabilidade objetiva direta, e não subsidiária, por atos praticados por tabeliães, por força do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal.

Para aquela corte, o Estado, na condição de delegante dos serviços notariais, responde objetivamente pela reparação dos danos que os tabeliães e registradores vierem a causar a terceiros em razão do exercício de suas funções. Contra esse entendimento, a procuradoria estadual interpôs o RE 842846 para questionar o acórdão do TJ-SC.

Ora, do que se lê do artigo 236 da Constituição Federal, “os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”.

A doutrina apresenta os traços principais dos serviços notariais e de registro: a) atividade própria do Poder Público, porém obrigatoriamente exercida em caráter privado e, não facultativamente, como se dá com a prestação de serviços públicos; b) a prestação é transpassada para os particulares mediante delegação e não através de concessão ou permissão , como se lê do caput do artigo 175 da Constituição como instrumentos contratuais de privatização do exercício dos serviços públicos; c) a teor do artigo 175 da Constituição o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos.

Essa delegação deverá recair sobre pessoa física e não sobre pessoa jurídica, de modo que essa delegação não se fará por adjudicação em processo licitatório e não se traduz em cláusulas contratuais.

A fiscalização desse serviço cartorário será feita pelo Poder Judiciário, do que se lê da parte final do artigo 236, § 1º, da Constituição Federal.

Os serviços notariais são remunerados por taxa, tributo, como se lê no MC na ADIN 1.378, Relator Ministro Celso de Mello. Daí a conclusão: aquele que utiliza serviços notariais ou de registro não é consumidor (artigo 2º do CDC), mas contribuinte, que remunera o serviço mediante o pagamento de tributo.

Quanto à responsabilidade civil pelos atos praticados pelos notários e tabeliães, a doutrina e a jurisprudência se dividem.

O Supremo Tribunal Federal, nos julgamentos do RE 175. 739-SP; RTJ 169/364, RE 212. 724 – MG, RTJ 170/341, entendeu que a responsabilidade é do Estado, entendendo que “os cargos notariais são criados por lei, providos mediante concurso público, e os atos de seus agentes, sujeitos à fiscalização estatal, são dotados de fé pública, prerrogativa esta inerente a ideia de poder delegado pelo Estado”.

Outro entendimento é de que, à luz do artigo 22 da Lei 8.935/94, a obrigação de reparar o dano decorrente de atividade notarial é objetiva e pessoal do oficial (tabelião ou notário) e que a serventia ou cartório são partes passivas ilegítimas para responder, por serem desprovidos de personalidade jurídica.

Há ainda o entendimento de que a responsabilidade é do tabelião ou notário, mas subjetiva com base no artigo 38 da Lei nº 9.492/97.

Temos a  lição de Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo brasileiro, 29 edição, pág. 80 a 81): “Agentes delegados: são particulares que recebem a incumbência da execução de determinada atividade, obra ou serviço público e o realizam em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob permanente fiscalização do delegante. Esses agentes não são servidores públicos, nem honoríficos nem representantes do Estado; todavia, constituem uma categoria à parte de colaboradores do Poder Público.Nessa categoria encontram-se os concessionários e permissionários de obras e serviços públicos, os serventuários de ofícios ou cartórios não estatizados, os leiloeiros, os tradutores e intérpretes públicos, as demais pessoas que recebem delegação para a prática de alguma atividade estatal ou serviço de interesse coletivo”.

Disse ainda Hely Lopes Meirelles (obra citada, pág. 81): ‘Embora nossa legislação seja omissa a respeito, esses agentes, quando atuam no exercício da delegação ou a pretexto de exercê-la e lesam direitos alheios, devem responder civil e criminalmente sob as mesmas normas da Administração Pública de que são delegados, ou seja, com responsabilidade objetiva pelo dano (CF, art. 37, § 6º), e por crime funcional, se for o caso (CP, art. 327); pois não é justo e jurídico que a só transferência da execução de uma obra ou de serviço originalmente público a particular descaracterize sua intrínseca natureza estatal e libere o executor privado das responsabilidades que teria o Poder Público se o executasse diretamente”.

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Para Sérgio Cavalieri Filho (Programa de Responsabilidade Civil, 9ª edição, pág. 261) não há justificativa alguma para responsabilizar o Estado diretamente em lugar do delegatário. Argumenta que se este aufere todas as vantagens econômicas da atividade delegada; se a exerce através dos prepostos que escolheu, sob o regime de direito privado e  se tem a delegação de forma vitalícia (até a morte), nada mais justo e jurídico que a ele se atribua o ônus.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 545. 613/MG, Relator César Asfor Rocha, 4º Turma, entendeu que o tabelionato não detém personalidade jurídica, sendo a responsabilidade pessoal do titular da serventia. No caso de dano decorrente de má prestação de serviços notariais, somente o tabelião à época dos fatos e o Estado possuem legitimidade passiva. Esse julgamento se distancia de outro, no Superior Tribunal de Justiça, no REsp 476.532/RJ, quando se entendeu que o Cartório de Notas, conquanto não detentor de personalidade jurídica, equipara-se a uma dessas figuras denominadas pessoas formais, tais como a massa falida, o espólio, a herança jacente, a vacante e o condomínio.

Aliás, o artigo 22 da Lei 8.935/94 determina que  “os notários e os oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiro, na prática de atos próprios de serventia, assegurando aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos”.  Da mesma maneira, o artigo 21 da citada norma disciplina que “o gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que concerne às despesas de investimento e pessoal”.

Em verdade, o cartório não possui capacidade processual, uma vez que todas as relações estão concentradas na pessoa do tabelião, que detém completa responsabilidade sobre os serviços, como disse Sérgio Cavalieri Filho (obra citada, pág. 262).

Esse o quadro que será objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 842.846, em regime de repercussão geral.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Responsabilidade civil do Estado por atividades de cartórios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4355, 4 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33796. Acesso em: 16 abr. 2024.

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