3. A IGUALDADE – ASPECTOS GERAIS E HISTÓRICO-JURÍDICOS
É correto afirmar que a igualdade é o mais importante dos princípios jurídicos, cuja característica essencial é o que oferece a maior dificuldade de compreensão ao jurista e ao filósofo do direito. Conforme TORRES (1995), é justamente por tamanha responsabilidade que carrega consigo que o princípio da igualdade está também no centro das reflexões do Direito Tributário, tanto mais que o próprio conceito de igualdade tributária ganha lugar de destaque como um dos pontos nodais do pensamento jurídico no Estado Social de Direito.
Com semelhança do que ocorre na Constituição da Alemanha e conforme lembra TORRES (1995), a igualdade, fugindo de uma velha tradição do direito brasileiro, aparece repetidas vezes no art. 5° da CF 88, cuja idéia estampa a regra geral, aplicável a toda e qualquer norma jurídica, independentemente da natureza do direito por ela assegurado: “todos são iguais perante a lei”.
Ainda no caput da Constituição brasileira, garante-se “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”, vinculando-se assim a igualdade aos direitos da liberdade declarados na enumeração. O art. 5°, §1° proclama que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações” o que já constitui regra especial de igualdade.
O princípio da igualdade sempre foi fundamental para a própria legitimidade do Estado de Direito, no direito constitucional brasileiro. TORRES (1995) assina que no constitucionalismo americano o princípio ganhou maior eficácia traduzido na cláusula do due process law, que acabou transmigrando, constituindo assim, um certo excesso para a CF 88 (art. 5°, LIV). Já na Alemanha, a doutrina e a jurisprudência muitas vezes identificaram a igualdade com o próprio princípio do Estado Social Fiscal ou do Estado Fiscal.
O aspecto mais curioso citado por TORRES (1995) se refere à polaridade do princípio da igualdade. Enquanto nos outros valores (justiça, segurança, liberdade) a polaridade significa o momento de sua negação (injustiça, insegurança, falta de liberdade), na igualdade o seu oposto não a nega, senão que muitas vezes a afirma. É o paradoxo da igualdade.
A desigualdade nem sempre é contrária à igualdade, como definiu brilhantemente BARBOSA (1958, p. 182):
A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade.
Por isso, de acordo com TORRES (1995, p. 260) a desigualdade existe sempre na equação da igualdade e a “igualdade que não se concebe como limitação da desigualdade, mas como seu contraponto total, se transforma em uma desigualdade ilimitada”.
4.O PRINCIPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E SUA EFETIVAÇÃO
4.1 Origens Histórico-Jurídicas, Limites Conceituais e Principiológicos
Juntamente com a inicial conceituação de tributo, a capacidade contributiva também teve sua especificação. Até mesmo no antigo Egito, de acordo com COSTA (1996), os tributos já deveriam ter certa relação com a riqueza daqueles que deveriam pagar. Assim como os filósofos gregos já pregavam a idéia de justiça distributiva, “segundo a qual a desigualdade remunera cada um consoante os seus méritos.” COSTA (1996, p.15).
SABBAG (2009) recorda que o princípio da capacidade contributiva apareceu na Constituição Imperial de 1824, à luz do art. 179, XV, segundo o qual se estipulava que “ninguém será exempto de contribuir para as despesas do Estado na proporção dos seus haveres”.
PIRES (2004) também lembra que no Brasil, as primeiras Constituições foram muito pouco arrojadas no que diz respeito à tutela legal do princípio, que só ganhou destaque merecido com a Constituição de 1946, esta que também deu origem às divergências acerca do tema e seu real conteúdo.
A Constituição de 1988, por sua vez, consagrou definitivamente o princípio no ordenamento jurídico, fixando-o no artigo 145, §1º, verbis:
Art. 145. §1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente, para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
O princípio da capacidade contributiva não se esgota no campo dos impostos apenas. Embora a Constituição (art. 145, § 1°) só se refira a impostos, outras espécies tributárias podem levar em consideração a capacidade contributiva, em especial as taxas, cabendo lembrar que, em diversas situações, o próprio texto constitucional veda a cobrança de taxas em hipóteses nas quais não se revela capacidade econômica (cf., por exemplo, art. 5°, LXXVII).
Segundo OLIVEIRA (1998, p.41) deve-se entender que o princípio da capacidade contributiva “tutela, efetivamente, a igualdade material no tributo, a liberdade de iniciativa e a propriedade privada em face do Estado, direitos esses elevados ao nível de garantias constitucionais no Estado de Direito”.
Ou seja, para efetivação do princípio, há a necessidade de compatibilizá-lo e relacioná-lo com todo o ordenamento jurídico, pois somente assim o princípio da capacidade contributiva poderá efetivar a igualdade jurídica dentro do sistema tributário, como bem lembra OLIVEIRA (1998, p. 52) quando diz que “somente garantida a satisfação das necessidades mínimas, comuns a todos, é que, ao depois, se poderá tratar desigualmente os desiguais, discriminando-os licitamente com base nas respectivas riquezas diversas.”
É definição unânime na doutrina que capacidade contributiva serve como a potencialidade econômica de suportar-se o ônus tributário, sem para isto “reduzir o padrão de vida do contribuinte e sem prejudicar as atividades econômicas.” (GRIZIOTTI apud OLIVEIRA, 1998, p.55). É lógico, portanto, concluir que a noção de capacidade contributiva deve ser efetiva e diretamente ligada aos ideais da igualdade e de distribuição de justiça.
AMARO (2008) diz que o princípio vai além, pois quer preservar o contribuinte, buscando evitar uma tributação excessiva (inadequada à sua capacidade contributiva) que comprometa seus meios de subsistência, ou o livre exercício de sua profissão, ou a livre exploração de sua empresa, ou o exercício de outros direitos fundamentais, já que tudo isso relativiza sua capacidade econômica. Por isso, “sempre que possível” – como diz a Constituição -, o imposto deve levar em consideração a capacidade econômica do contribuinte.
A expressão “sempre que possível” cabe como ressalva tanto para a personalização como para a capacidade contributiva. Aliás, é precisamente em atenção ao contribuinte “de fato” que se põe outra das vertentes da capacidade contributiva no campo dos impostos indiretos, ou seja, o princípio da seletividade, segundo o qual o gravame deve ser inversamente proporcional à essencialidade do bem.
SABBAG (2009, p. 110) destaca que, a partir da “tributação justa” destaca-se a Lei Complementar n. 107/2005 que, ao estabelecer normas gerais sobre direitos e garantias aplicáveis na relação tributária do contribuinte com a administração fazendária do Estado do Paraná, versou o tributo que deve ser e parecer justo, conforme o art. 2°, § 5°, in verbis:
Art. 2°. A instituição ou a majoração de tributo atenderá aos princípios da eficiência econômica, da simplicidade administrativa, da flexibilidade, da responsabilidade e da justiça. (...)
§ 5° O tributo deve ser e parecer justo, atendendo aos critérios da isonomia, da capacidade contributiva, da equitativa distribuição do seu ônus, da generalidade, da progressividade e da não-confiscatoriedade.
No raciocínio subjetivo, AMARO (2008) considera que a capacidade contributiva reclama, mais do que mera expressão matemática, pois exige que se afira justiça da incidência em cada situação isoladamente considerada, e não apenas a justiça relativa entre uma e outra das duas situações.
O princípio da capacidade contributiva, conjugado com o da igualdade, direciona os impostos para a proporcionalidade, mas não se esgota nesta. Com o apoio no princípio da capacidade contributiva e no da igualdade, tem sido discutida a constitucionalidade dos tributos “fixos”, assim chamados porque seu montante não se gradua em função da maior ou menor expressão econômica revelada pelo fato gerador.
AMARO (2008) recorda outro preceito que se aproxima do princípio da capacidade contributiva: da progressividade, este que é previsto para certos impostos, como o de renda. A progressividade que, juntamente com outros subprincípios, será explicada mais adiante neste artigo, não é uma decorrência necessária da capacidade contributiva, mas sim um refinamento desse postulado.
A proporcionalidade implica que riquezas maiores gerem impostos proporcionalmente maiores (na razão direta do aumento da riqueza). Já a progressividade faz com que a alíquota, para as fatias mais altas de riqueza, seja maior.
4.2 A Efetividade do Principio Constitucional da Capacidade Contributiva: Teorias Subjetiva e Objetiva
No sentido da interpretação e aplicação do princípio da capacidade contributiva, a doutrina classifica essa capacidade contributiva em absoluta e relativa. Será absoluta quando “relaciona-se com aqueles fatos legislativamente escolhidos por representarem manifestações de riqueza”, enquanto que a capacidade contributiva relativa “corresponde à aptidão de um determinado sujeito para suportar o impacto tributário, avaliável consoante suas possibilidades econômicas” (COSTA, 1996, p.72).
A maior parte dos doutrinadores e operadores do direito tende geralmente a aplicar o princípio constitucional considerando as manifestações objetivas de riqueza, isto é, aplicam a capacidade absoluta. Afirma CARRAZZA sobre o assunto (1999, p.67):
A capacidade contributiva à qual alude a Constituição e que a pessoa política é obrigada a levar em conta ao criar, legislativamente, os impostos de sua competência é objetiva e não subjetiva. É objetiva, porque se refere não às condições econômicas reais de cada contribuinte, individualmente considerado, mas às suas manifestações objetivas de riqueza. (...) Assim, atenderá ao princípio da capacidade contributiva a lei que, ao criar o imposto, colocar em sua hipótese de incidência fatos deste tipo.[4]
Para o Professor CARVALHO (2009), o sistema do direito positivo brasileiro exibe, em todas as figuras tributárias conhecidas, o princípio da capacidade contributiva absoluta, uma vez que os fatos escolhidos são aqueles que denotam signos de riqueza. Em outras palavras, por capacidade contributiva deve-se entender apenas a aboluta e, mesmo assim, como dado pré-jurídico.
Realizar o princípio da capacidade contributiva quer significar, portanto, a opção a que se entrega o legislador, quando elege para antecedente das normas tributárias fatos de conteúdo econômico que, por terem essa natureza, fazem pressupor que as pessoas que deles participam apresentem condições de colaborar com o Estado mediante parcelas do seu patrimônio.
Desta forma, conclui-se que a corrente majoritária da doutrina e jurisprudencial define o princípio da capacidade contributiva diretamente com a estruturação da base de cálculo (que possui estreita ligação com o critério material e hipótese do tributo – já explicados no Capítulo I) e que, resumidamente é traduzida pela teoria do Professor CARVALHO (2002), quando se refere à Regra-Matriz de incidência tributária, dividindo a norma do tributo em duas vertentes: hipótese e conseqüente.
A hipótese que, por sua vez, se divide em material (ação ou estado necessários para ocorrência do fato tributário, rege-se por um verbo incompleto e um complemento), espacial (onde o critério material deverá ocorrer) e temporal (o momento em que se considera ocorrido o critério material).
A vertente conseqüente desdobra-se em pessoal (quem figurará o pólo ativo e passivo na relação obrigacional) e quantitativo (base de cálculo e alíquota). Sendo assim, somente quando ocorridos todos os critérios apontados na regra-matriz, será considerada a ocorrência do fato jurídico tributário (neste momento, ainda subjetivo, pois não houve a figura do lançamento, expressão inicial do fato jurídico).
Junto com este raciocínio, segue CARRAZZA (1999) entendendo que ao serem inseridos na regra-matriz tributária, fatos economicamente aferíveis, se estará atendendo ao princípio constitucional. Na mesma linha dissertam vários autores. Entretanto, há posições contrárias.
Dentre elas, COELHO (1994) defende que a capacidade contributiva a que se refere o dispositivo constitucional é exatamente a capacidade relativa, onde, portanto, deve-se considerar a capacidade econômica real do contribuinte, isto é, sua aptidão concreta e específica de suportar a carga econômica do tributo.
Assim como TORRES (1995, p. 270) que enxerga a função dos subprincípios como norteadores da busca concreta da igualdade, vinculados à capacidade contributiva, também define a desigualdade, o privilégio, a discriminação e, por conseguinte, a injustiça como suscetíveis ao controle judicial, pois são estes os elementos que consistirão muitas vezes em tributar mais os pobres que os ricos, ou em exigir de todos igual contribuição.
Ele segue na definição dos subprincípios norteadores:
I) Progressividade. Aplica-se, por previsão constitucional explícita (art. 152, § 2°, I), ao imposto de renda. Significa que o tributo será graduado de forma a atingir por alíquotas maiores as bases tributárias mais elevadas. É forma de justiça distributiva, cobrando-se desigualmente o tributo na medida em que se desigualam os contribuintes.
II) Proporcionalidade. Sinaliza para a imposição fiscal proporcional à riqueza, através de alíquotas uniformes para cada base de cálculo e se aplica de preferência aos impostos sobre o patrimônio.
III) Personalização. Expressamente previsto no art. 145 da CF, significa que os impostos devem, “sempre que possível”, incidir de acordo com a situação pessoal do contribuinte, como deve acontecer no IR e no imposto causa mortis.
IV) Seletividade. Aplica-se, segundo os arts. 153, § 3°, I e 155, § 2°, III da CF, ao IPI e ao ICMS. O tributo deve incidir por alíquotas mais elevadas na razão inversa da utilidade social do bem ou da sua necessidade para o consumo popular. A desigualdade consistirá em agravar a tributação dos bens úteis ou necessários ou abandonar a diferenciação das alíquotas.