A origem e a evolução do instituto da medida de segurança no direito brasileiro

20/11/2014 às 16:21
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Este texto aborda o surgimento da medida de segurança no mundo e sua evolução na legislação brasileira.

1.ORIGEM DO INSTITUTO

O surgimento do instituto da medida de segurança como forma de sanção penal para unir-se no ordenamento jurídico com a pena se fez necessário em razão do desenvolvimento dos estudos dos transtornos mentais, como resultado da Psiquiatria Forense, a noção de não imputabilidade surgiu, tornando injusto que a punição fosse a mesma para todos.

Nesse sentido, a punição para aqueles considerados não imputáveis, deixou de ser a pena e passou a denominar-se de medida de segurança.

A primeira medida de segurança da história surgiu com os jurisconsultos romanos, no julgamento de um indivíduo que havia matado a própria mãe, quando em seu veredicto, disseram: "Ele já foi suficientemente punido pelo seu furor; acorrentai-o, não para castigá-lo, mas para sua própria segurança e de seus parentes".(Autor desconhecido)

Consoante, ensina o Professor José da Costa:

“De há muito se sentiu a necessidade de não só reprimir, mas de prevenir o delito. O direito romano, que considerava inimputáveis o “infans” (infante, menor de sete anos) e os “amens” ou “furiosus” (loucos), os submetiam a medidas de prevenção, para a segurança do próximo”.[1]

Assim sendo, denota-se que desde a Roma Antiga, o homem percebe a necessidade de repreensão e prevenção de delitos, considerando a diferenciação na culpabilidade dos não imputáveis.


2.EVOLUÇÃO DO INSTITUTO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Historicamente no Brasil, as Ordenações Filipinas consideravam inimputáveis apenas os menores de dezessete anos, inexistindo previsão aos doentes mentais, contudo, estas previam que “não se poderia imputar fato ilícito àquele que não poderia obrar com dolo ou culpa, vistoser louco, insensato ou doente”.

O Código do Império, em 1830, considerou inimputáveis os loucos de todo gênero, eles “por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possui, ao tempo da prática do fato, capacidade de entender o seu caráter ilícito ou de determinasse de acordo com esse entendimento.” (JESUS, 1998). O mesmo Código determinava que os loucos deveriam ser entregues às suas famílias, para que pudessem ser observados, ou à instituições que se prestassem a esse papel. Quanto aos menores, dessa vez de 14 anos, tendo praticado o delito com discernimento para tanto, deveriam ser recolhidos às casas de correção.

Foi somente no Projeto Sá Pereira que o instituto surgiu com o nome de“medidas de defesa social”, posteriormente substituído pelo nome de “medida de segurança”,quando revisto pela subcomissão legislativa.

Dessa forma leciona o jurista Ataliba Nogueira:

“É a maior novidade, a mais profunda modificação ao sistema penal anterior, a introdução, no novo código, do instituto das medidas de segurança. Nenhum outro assunto sobreleva a este, nenhuma novidade é maior do que esta.” (Ataliba Nogueira) [2]

No Código da República adotou-se o sistema duplo binário. O agente criminoso primeiramente cumpria a pena e depois era submetido à internação em casa de custódia e tratamento.

Entretanto, a doutrina esmagadora entendia que o sistema binário era falho na prática, nas palavras de Damásio de Jesus:

 (...) em alguns casos, a execução sucessiva da pena e da medida de segurança detentiva significava apenas a transferência do detento de uma para outra ala do mesmo estabelecimento penitenciário. (JESUS, 1998).

Posteriormente, o Código de Piragibe disciplinou as localidades que os doentes mentais criminosos deveriam habitar - eles seriam alojados em pavilhões especiais de asilos públicos –durante o período em que se construíam os manicômios criminais. O destaque de tal ordenamento consistiu “no afastamento do intervalo lúcido como exceção do estado de loucura.” (MORAIS FILHO, 2006).

No Código de 1940, aos semi-imputáveis eram aplicadas penas e medidas de segurança, cumulativamente, utilizando o sistema duplo binário, pois o entendimento era de que eles não possuíam plenodiscernimento da prática delitiva; aos inimputáveis eram aplicadas apenas as medidas de segurança. Também previa-se que a periculosidade não podia ser presumida por lei. Esse Código considerou inimputável “aquele inteiramente incapaz de entender o caráter delituoso do fato e de orientar seu atuar de acordo com aquela compreensão.” (PRADO, 2006).

A Lei 7.209/84 alterou o Código Penal de 1940 e fez com que o sistema duplo binário fosse abandonado para adotar o sistema vicariante. Conforme ensina Damásio de Jesus, no sistema vicariante:

(...) somente pena ou somente medida de segurança. (...) Não podem ser aplicadas ao condenado semi-responsável uma pena e uma medida de segurança para a execução sucessiva; ou bem a pena, ou bem a medida de segurança, conforme o caso.” (JESUS, 1998).

Desta feita observa-se que “a aplicação conjunta de pena e medida de segurança lesa o princípio do ne bis in idem.”(BITENCOURT, 2006). Ou seja, sabendo que qualquer medida restritiva de liberdade tem o seu caráter penoso, o condenado seria penalizado duas vezes pelo mesmo fato.

A reforma penal de 1984 abandonou a previsão de medidas de segurança para os imputáveis, reservando a estes, exclusivamente, a pena, conforme dispõem os artigos 96 e seguintes do Código Penal brasileiro atual:

“Artigo 96, CP – “As medidas de segurança são:

I-internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico

ou à falta, em outro estabelecimento adequado.

II – sujeição a tratamento ambulatorial.

Parágrafo único: “Extinta a punibilidade, não se impõe medida desegurança nem subsiste a que tenha sido imposta.

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O artigo 96 do CP, ao inaugurar o Título VI – Das medidas de segurança – torna primordial salientar que a medida de segurança é uma modalidade de sanção penal com finalidade exclusivamente preventiva e de caráter terapêutico, não por engano que o legislador remete ao cumprimento delas em hospitais de custódia e locais de tratamento ambulatoriais.

Isso posto, observa-se que o art. 96 apresenta duas espécies de medidas de segurança: detentiva e restritiva. A pena detentiva em prevista no inciso I e consiste na internação, enquanto a restritiva, mostra-se como sujeição a tratamento ambulatorial permanecendo livre, mas devendo receber o tratamento medico adequado.

Assim, o art. 97 do CP dispõe em seu caput o critério para escolha da espécie de medida de segurança:

Artigo 97, CP – “Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (artigo 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.

§ 1º A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deveráser de 1 (um) a 3 (três) anos.

§ 2º A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado edeverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se odeterminar o juiz da execução.

§ 3º A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional, devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes dodecurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência de suapericulosidade.

§ 4º Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juizdeterminar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos.

O artigo 97 do CP, por sua vez, destaca que a imposição da medida de segurança será feita ao inimputável, cabendo ao juiz determinar sua internação ou tratamento ambulatorial com base no artigo 26 do mesmo Código. O artigo 26, tratando da imputabilidade penal, explicita como inimputáveis os agentes com doença mental, retardo mental incompleto ou retardado incapazes de entender o caráter ilícito ao tempo da ação ou omissão

Ainda sobre a conceituação de imputabilidade penal, discorre o artigo 98 do CP:

Artigo 98, CP – “Na hipótese do parágrafo único do artigo 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos,nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.”

Artigo 99, CP – “O internado será recolhido a estabelecimento dotadode características hospitalares e será submetido a tratamento.”

Como consequência do art. 99, o condenado a medida de segurança não pode ser colocado em estabelecimento prisional comum, sob pena de ser submetido a constrangimento ilegal. Desta feita, em caso de ausência de vagas, a jurisprudência se encarrega da questão e o Superior Tribunal de Justiça entende pela ilegalidade da custódia em prisão de inimputável sujeito a medidas de segurança.[3]

A atual Lei Federal 10.216 de 2001, dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, prescrevendo que os doentes mentais têm direito a tratamentos realizados com humanidade e respeito, assegurando-se a proteção contra quaisquer modalidades de exploração e o direito a receber informações concernentes à sua doença.

Salienta-se que a referida lei age conjuntamente aos princípios constitucionais, pois busca proteger os doentes mentais de qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.

A Lei 10.216/2001, também é conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica e “representa um avanço, uma tentativa válida de emprestar dignidade e atenuar as limitações sociais e econômicas e as discriminações impostas aos portadores de transtornos mentais.” (MARCHEWKA, 2007).

Contudo essa Lei “não eliminará todas as violências, intolerâncias e humilhações que eles sofrem. Por si só, a iniciativa da lei não passará de mais uma norma sem efetividade. A implementação das políticas de saúde mental exige que autoridades e demais cidadãos devam agir no sentido de afirmá-las.” (MARCHEWKA, 2007).


Notas

[1] COSTA Jr., Paulo José da. Curso de Direito Penal. São Paulo. Saraiva. 2010. P. 738

[2] Ataliba. Medidas de segurança. São Paulo: Livraria Acadêmica, 1937. p. 110-117

[3] HC 81.959/MG, rel. Min Maria Thereza de Assis Moura. 6T, j. 07.02.2008.

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