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Técnicas de decisão no controle de constitucionalidade, inconstitucionalidade circunstancial e a norma ainda inconstitucional:

análise a partir da ADI n. 4.068

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18/01/2016 às 09:13
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Quais os efeitos da declaração de inconstitucionalidade circunstancial segundo a tese apresentada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil na ADI 4068?

Em sede de controle de constitucionalidade, existem diversas formas e efeitos decorrentes da declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, na Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 4.068, constrói uma tese que, se admitida, resultará no aumento destas formas e, consequentemente, importará em consideráveis mudanças no estudo do controle de constitucionalidade.

Trata-se da tese da “inconstitucionalidade circunstancial” e a declaração de uma lei “ainda inconstitucional”.

O problema a ser investigado se refere à possibilidade ou não de aceitação das novidades aduzidas pelo CFOAB, em face da natureza jurídica dos atos inconstitucionais, bem como das técnicas de decisão adotadas pela nossa Corte Suprema no controle de constitucionalidade.

 Inicialmente será realizada uma análise dos argumentos apresentados pelo requerente, bem como de outros que já se manifestaram no processo, a fim de que se possa apontar a devida justificação da tese.

Em seguida, serão analisadas as técnicas de decisão utilizadas pelo STF no controle de constitucionalidade, de maneira a demonstrar a sua (in)suficiência para solução do caso em apreço.

Constarão ao final de cada capítulo considerações parciais acerca do que nele foi apresentado e do resultado final a que se propõe, com o intuito de destacar as ideias principais que servirão de fundamento para a conclusão deste trabalho.


ADI Nº 4.068

Apresentar-se-á neste capítulo síntese das principais movimentações ocorridas na Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 4.068, a fim de se possibilitar uma melhor compreensão da tese da “inconstitucionalidade circunstancial” construída pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Mister salientar que doutrina e jurisprudência ainda não se manifestaram devidamente sobre a referida tese, o que, por conseguinte, eleva a importância das alegações constantes destas movimentações, de modo a torná-las o principal referencial teórico para produção deste trabalho monográfico.

Petição Inicial

SÍNTESE INICIAL

Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), tendo por objeto o §1º, do art. 16, da Lei nº 11.457/07, in verbis:

Art. 16. A partir do 1º (primeiro) dia do 2º (segundo) mês subsequente ao da publicação desta Lei, o débito original e seus acréscimos legais, além de outras multas previstas em lei, relativos às contribuições de que tratam os arts. 2º e 3º desta Lei, constituem dívida ativa da União.

§1º. A partir do 1º (primeiro) dia do 13º (décimo terceiro) mês subsequente ao da publicação desta Lei, o disposto no caput deste artigo se estende à dívida ativa do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE decorrente das contribuições a que se referem os art. 2º e 3º desta Lei.

De acordo com o requerente (ADI 4.068, fl. 04), a Lei nº 11.457/07, que criou a chamada Super-Receita, dividiu a implantação de sua criação em duas etapas. A primeira delas (fase I) implicou na transferência, para a União e, consequentemente, para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), dos créditos tributários constituídos, mas não inscritos em dívida ativa, do INSS e do FNDE, conforme caput do art. 16 acima. A fase II, prevista no §1º do mesmo artigo e, portanto, objeto de impugnação da presente ADI,

[...] compreende a transferência [também para a União] de todo o acervo da dívida ativa, incluindo o sistema informatizado de controle dos créditos tributários nela inscritos, os processos administrativos a estes referentes, os dossiês ou processos administrativos de acompanhamento de processos judiciais deles decorrentes, e os processos judiciais em que se discutiam esses créditos.

Depreende-se da leitura do dispositivo impugnado que a transferência referente à fase II deveria ocorrer a partir do primeiro dia do mês de abril de 2008. E é justamente sobre este prazo que o CFOAB concentra suas alegações. Explica-se.

Segundo o requerente, “a PGFN opera já há algum tempo com absoluta sobrecarga de atividades, além de infra-estrutura precária e carência de recursos humanos e materiais” (ADI 4.068, fl.05). Deste modo, a transferência destas atribuições àquela Instituição deveria estar condicionada a uma melhora em sua estrutura, sob pena de comprometer a representação judicial da União.

Afirma-se, no entanto, que as medidas adotadas pelo Poder Público até aquele momento não teriam sido suficientes e que “A inércia do Administrador rendeu à norma sua inconstitucionalidade circunstancial” (ADI 4.068, fl. 20).

Sendo assim, em que pese ser favorável à Lei nº 11.457/07, afirmando, inclusive, ter ela representado “um inegável avanço na organização da Administração Fazendária” (ADI 4.068, fl. 15), o CFOAB entende que o dispositivo impugnado deve ser declarado circunstancialmente inconstitucional até que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional passe a ter a estrutura de que carece para realizar o múnus em espécie.

Defende-se, por fim, que a constitucionalidade da norma está condicionada à implementação das seguintes condições:

  • Provimento dos 1.200 (mil e duzentos) cargos de Procurador da Fazenda Nacional criados pelo art. 18 da Lei nº 11.457/07;
  • Instalação das 120 seccionais da PGFN, conforme previsto no art. 19 da mesma lei; e
  • Publicação de lei tratando dos cargos, da lotação, da remuneração, do exercício e da situação funcional dos servidores oriundos do Ministério da Previdência Social, conforme previsto no parágrafo 14 da Mensagem nº 807/05 do Presidente da República ao Congresso Nacional. (ADI 4.068, fl. 22)

Estabelecido este panorama parcial da peça exordial, passe-se, nas próximas linhas, à apresentação dos fundamentos jurídicos utilizados pelo CFOAB para sustentar a tese da inconstitucionalidade circunstancial do dispositivo.

Fundamentos jurídicos

Devido à já ressaltada importância da inovação trazida pela Lei nº 11.457/07, o requerente alega que apesar da inconstitucionalidade circunstancial do dispositivo, “em face do quadro fático que lhe é subjacente”, a lei em que se insere essa norma deve ser preservada (ADI 4.068, fl. 23).

Nesta esteira, sustenta que:

[...] caso se subtraia a Lei em questão do ordenamento jurídico, voltar-se-á a uma situação pior do que a que se tem hoje com a sua vigência – a inexplicável distribuição da Administração Tributária federal em dois órgãos de arrecadação, a SRF e a SRP, e em dois órgãos de execução, a PGFN e a PGF. E, por outro lado, caso se mantenha em vigor o dispositivo específico ora impugnado, chegar-se-á igualmente a uma situação pior que a anterior e mesmo que a atual: o completo caos na Administração Tributária federal unificada. (ADI 4.068, fl. 23)

Portanto,

[...] a solução ideal para o impasse deve preservar a deliberação democrática validamente adotada pelo Poder Público, resguardar o avanço já efetuado com a implementação da fase I, evitar que se instaure o caos com a implementação prematura e precária da fase II e, finalmente, provocar o Poder Público a corrigir o estado de inconstitucionalidade. (ADI 4.068, fl. 28)

Para justificar uma decisão que preserve a norma e, ao mesmo tempo, sane o vício de inconstitucionalidade, o requerente menciona as novas técnicas de decisão que vêm sendo utilizadas pelo Supremo Tribunal Federal no controle de constitucionalidade - que se contrapõem às clássicas soluções jurídicas que apontam ou para a declaração de inconstitucionalidade da norma com efeitos ex tunc, ou para sua constitucionalidade -, comparando-as com a que deverá ser utilizada no caso em apreço.

Destacam-se, como as que mais se aproximam do resultado que ora se pretende, as técnicas do “apelo ao legislador” e da “declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade”.

Quanto a primeira, o destaque se dá porque o STF já a utilizou e declarou “ainda constitucional” texto normativo tido por inconstitucional, em razão das circunstancias fáticas subjacentes (HC 70.514 e RE 147.776).

Percebe-se que, de acordo com a tese da inconstitucionalidade circunstancial alegada pelo CFOAB, a declaração de inconstitucionalidade também deve se dar em razão das circunstancias fáticas subjacentes, porém, difere-se dos precedentes acima citados pela necessidade de se declarar a norma “ainda inconstitucional” e, portanto, com sentido inverso.

Em relação à segunda técnica, entende o requerente ser ela “a que mais se adapta à espécie dos autos” (ADI 4.068, fl. 27), uma vez que

Através dela, viabiliza-se a preservação da lei, o resguardo do avanço já concretizado, a prevenção do caos administrativo e a exortação ao Poder Público para que promova as medidas necessárias à correção do estado de inconstitucionalidade. (ADI 4.068, fl. 28)

E prossegue:

A viabilização da técnica ora proposta em nosso sistema de controle de constitucionalidade conta com o apoio dos paradigmas citados (lei ainda constitucional), com a previsão legal da possibilidade de suspensão dos efeitos da lei impugnada (art. 11, LADIN) de modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade (art. 27, LADIN), e mesmo da declaração de inconstitucionalidade sem a pronuncia da nulidade (art. 36, §3º, CRFB). (ADI 4.068, fl.35)

  Por fim, o CFOAB afirma que o dispositivo em questão deve ser declarado circunstancialmente inconstitucional por violar o “postulado normativo aplicativo da razoabilidade como congruência”, o “princípio da continuidade dos serviços públicos”, bem como o “princípio da eficiência” (ADI 4.068, fl. 36 e ss.).

Manifestação do Advogado-Geral da União

DAS PROVIDÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E FUNCIONAIS ADOTADAS

Inicialmente, consubstanciando-se principalmente das informações prestadas pelo Presidente da República, o Advogado-Geral da União manifesta-se no sentido de demonstrar que “não houve inércia da Administração Pública e que a PGFN está capacitada para realizar suas novas atribuições” (ADI 4.068, fl. 590).

Afirma-se que inúmeras medidas já foram adotadas – e outras ainda estão sendo – a fim de estruturar a PGFN para o atendimento das atribuições previstas pela Lei nº 11.457/2007.

Neste sentido, cita que já foram adotadas as seguintes medidas:

  • nomeação de 523 (quinhentos e vinte e três) novos Procuradores da Fazenda Nacional (Edital nº 70, de 15 de maio de 2007, publicado no DOU de 21 de maio de 2007);
  • abertura de novo concurso público de ingresso na Carreira de Procurador da Fazenda Nacional para provimento de 250 (duzentos e cinquenta) cargos, conforme Edital nº 35, de 3 de julho de 2007 (publicado no DOU de 4 de julho de 2007), com encerramento previsto para 29 de junho de 2008;
  • encaminhamento de anteprojeto de lei para criação de 2400 (dois mil e quatrocentos) cargos de Técnicos e Analistas (níveis médio e superior) para exercício de atividade-fim, ora sob exame do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
  • absorção, por readmissão administrativa, de 52 (cinquenta e dois) Servidores Públicos Federais exonerados por ocasião de reforma administrativa empreendida a partir do ano de 1990. (ADI 4.068, fl. 584, com grifos no original)

Além disso, ressalta que 15 (quinze) unidades seccionais “estão com instalações autorizadas para o primeiro semestre de 2008 – sendo que três já foram instaladas, três estão em fase final de instalação e nove em curso – e serão ainda criadas mais 15 (quinze) no 2º semestre” (ADI 4.068, fls. 584-585).

Ademais, utilizando-se novamente das informações prestadas pela Presidência, o Advogado-Geral da União rebate a alegação do Requerente quanto à precariedade do sistema operacional da PGFN:

O sistema operacional da PGFN é informatizado, dotado o órgão dos instrumentos necessários para receber as atribuições conferidas pela Lei nº. 11.457/07, qualificando-o para o alcance das metas fixadas, ao passo em que facilita e agiliza o pagamento da dívida ativa na ideia de governo eletrônico. Com isso, consegue-se alcançar controle ágil e seguro da dívida ativa da União (incluindo atualmente os créditos previdenciários), inscrição de devedores, emissão de DARF’S (documento de arrecadação de receitas federais) para pagamento on-line, levantamento da situação patrimonial dos devedores para recuperação de crédito da União, encaminhamento eletrônico de execuções fiscais e peças processuais em ações de cobrança da dívida ativa e verificação de sua validade, sistema de pagamento simplificado, controle de ações judiciais, processos administrativos, sistema de acompanhamento de precatórios, sistema de diligencias etc.(ADI 4.068, fl. 585, com grifos no original)

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Outrossim, reconhece-se que a PGFN “necessita de maior estrutura, de mais Procuradores e servidores e da instalação de mais Procuradorias Seccionais”, porém, assevera-se que para tanto a Administração Pública deve respeitar a disponibilidade de recursos orçamentários, conforme previsão dos parágrafos dos artigos 18 e 19, da Lei nº 11.457/07, in verbis:

Art. 18.  Ficam criados na Carreira de Procurador da Fazenda Nacional 1.200 (mil e duzentos) cargos efetivos de Procurador da Fazenda Nacional.

Parágrafo único.  Os cargos referidos no caput deste artigo serão providos na medida das necessidades do serviço e das disponibilidades de recursos orçamentários, nos termos do § 1o do art. 169 da Constituição Federal.

Art. 19.  Ficam criadas, na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, 120 (cento e vinte) Procuradorias Seccionais da Fazenda Nacional, a serem instaladas por ato do Ministro de Estado da Fazenda em cidades-sede de Varas da Justiça Federal ou do Trabalho.

Parágrafo único.  Para estruturação das Procuradorias Seccionais a que se refere o caput deste artigo, ficam criados 60 (sessenta) cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores DAS-2 e 60 (sessenta) DAS-1, a serem providos na medida das necessidades do serviço e das disponibilidades de recursos orçamentários, nos termos do § 1º do art. 169 da Constituição Federal.

Desta feita, verifica-se “que a Administração Pública vem adotando todas as medidas possíveis, mas com as devidas limitações orçamentárias e operacionais” (ADI 4.068, fl. 589), “não se justificando a suspensão do disposto no art. 16, §1º, da Lei nº 11.457/07” (ADI 4.068, fl. 590).

Da inexistência de violação à Constituição Federal

Nesse ponto, o Advogado-Geral da União esclarece a inexistência de qualquer vinculação entre o dispositivo impugnado e as supostas condicionantes apontadas pelo CFOAB - elencadas no título anterior e previstas nos artigos 18 e 19, da Lei nº 11.457/07, acima transcritos (ADI 4.068, fl. 591).

Observa que nenhuma destas condicionantes tem sede constitucional e, assim, ainda que houvesse a referida vinculação, “qualquer questão referente a isso constituiria matéria infraconstitucional restrita à aplicabilidade da norma e não à sua eficácia constitucional, o que não poderia ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade” (ADI 4.068, fl. 592).

Lembra que “a fiscalização de conformidade constitucional de leis e atos normativos reclama que o contraste se dê diretamente entre a norma em evidencia e as disposições da Carta da República, e não de forma mediata” (ADI 4.068, fl. 593), como ora ocorre.

Nesse sentido, colaciona, além de outros precedentes, trecho de voto do Ministro Celso de Mello, na ADI nº 842, que, pela sua clareza, transcreve-se abaixo:

Não se legitima a instauração do controle normativo abstrato quando o juízo de constitucionalidade depende, para efeito de sua prolação, do prévio cotejo entre o ato estatal impugnado e o conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais editadas pelo Poder Público.

A ação direta não pode ser deflagrada em sua condição jurídica de instrumento básico de defesa objetiva da ordem normativa inscrita na Constituição. A válida e adequada utilização desse meio processual exige que o exame in abstrato do ato estatal impugnado seja realizado exclusivamente à luz do texto constitucional.

Desse modo, a inconstitucionalidade deve transparecer diretamente do texto do ato estatal impugnado. A prolação desse juízo de desvalor não pode e nem deve depender, para efeito de controle normativo abstrato, da prévia análise de outras espécies jurídicas infraconstitucionais, para, somente, a partir desse exame e num desdobramento exegético ulterior, efetivar-se o reconhecimento da ilegitimidade constitucional do ato questionado. (ADI 4.068, fl. 594)

Ao final, adiciona-se a impossibilidade de o CFOAB utilizar as decisões proferidas pelo STF no HC 70.514 e nos RE 135.328 e 147.776 como paradigma para declarar o dispositivo impugnado “ainda inconstitucional”, considerando as supostas circunstâncias fáticas subjacentes (ADI 4.068, fl. 597). Explica-se por meio do seguinte trecho:

Nos precedentes apontados pelo autor, essa Suprema Corte, primeiramente, verificou a existência de conflito entre a norma impugnada e a Carta Magna, e, somente após, fez as ponderações acerca da ausência ou precariedade das Defensorias Públicas. Enquanto que, na espécie, o autor primeiro teve que fazer a ponderação acera da suposta falta de estrutura da PGFN para só então defender a inconstitucionalidade circunstancial do artigo hostilizado, ou seja, toda a argumentação do requerente é baseada exclusivamente nessas circunstancias fáticas que sequer condizem com a verdade. (ADI 4.068, fl. 598)

Por estas razões – resumidamente aqui expostas, manifesta-se o Advogado-Geral da União pela improcedência da ação, para que seja declarada a constitucionalidade do art. 16, §1º, da Lei nº 11.457/07.

Parecer do Procurador-Geral da República

O Ministério Público Federal se manifesta também pela improcedência do pedido inicial, entendendo, em síntese, que o fato de supostamente faltar estrutura à PGFN suficiente para o cumprimento do dispositivo legal questionado não o faz tornar-se inconstitucional.

Traça um paralelo com as hipóteses a que se refere o §1º do art. 169 da Constituição Federal e a condição prevista no inciso I do mesmo dispositivo[1] para demonstrar que “uma condição de aplicabilidade de status constitucional não tem o condão de caracterizar a inconstitucionalidade de previsões legais que não a cumprem” e, por conseguinte, com mais razão, “é de se reconhecer igual tratamento a leis que venham a esbarrar em possíveis obstáculos de similar natureza, situados na esfera infraconstitucional” (ADI 4.068, fl. 606).

Mesmo que se admitisse que sua vigência estivesse efetivamente condicionada às exigências formuladas na petição inicial, o caso seria de inaplicabilidade, a ser superada tão logo implementadas as supostas condições. De toda forma, tal constatação não se dá por meio do controle concentrado de constitucionalidade. (ADI 4.068, fls. 606-607)

Ainda neste raciocínio, importante é a observação feita pelo Congresso Nacional à fl. 572 desta ADI e transcrita pelo PGR:

Fôssemos ter por constitucionalmente válidas tão-somente as leis quando estas encontrassem uma estrutura administrativa propícia para sua aplicabilidade exemplar estaríamos tornando letra morta a maior parcela de nosso ordenamento jurídico, relegando-as à condição de zumbis de lei à espera da eficiência, senão da própria boa vontade do administrador [...]

Observa que, apesar da ressalva feita pelo CFOAB no sentido de que “sua pretensão não seria a de ‘colocarem discussão as escolhas da Administração Pública, de todo discricionárias, balizadas pela conveniência e oportunidade’”, o que se busca com o presente ajuizamento é justamente questionar a atuação específica do Poder Executivo, e não a lei (ADI 4.068, fl. 605).

Neste sentido,

[...] admitir-se, a pretexto de um juízo de eficiência, o exercício de controle de constitucionalidade de leis, baseado em previsões de sucesso ou insucesso das medidas por elas previstas, consubstanciaria clara ofensa ao princípio da separação dos poderes, na medida em que estaria o Judiciário atuando na qualidade de administrador. (ADI 4.068, fl. 608, sem grifos no original)

Ao encontro de posicionamento adotado pelo Advogado-Geral da União, o PGR também afasta qualquer relação que se tenha buscado estabelecer entre o caso em apreço e decisões proferidas pelo STF no HC 70.514 e nos RE 135.328 e 147.776.

Considerações Parciais

Percebe-se que ao se manifestarem pela improcedência da ADI nº 4.068, o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República não apresentaram quaisquer argumentos referentes especificamente à possibilidade ou não de aceitação da tese de inconstitucionalidade circunstancial com declaração de norma “ainda inconstitucional” construída pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Restringiram-se a apontar a constitucionalidade do dispositivo impugnado, seja em razão da inexistência das circunstancias fáticas subjacentes alegadas pelo requerente ou, ainda, pela ausência de conflito direto da norma com o texto constitucional.

 Tal situação dificulta, ainda mais, o alcance do objetivo traçado no presente trabalho, uma vez que o que aqui se propõe é a certificação de aceitação da referida tese – ou, ao menos, a apresentação de argumentos que instiguem seu estudo -, e não a possibilidade de sua aplicação à Lei nº 11.457/07.

Sendo assim, para este desiderato, far-se-á nas linhas seguintes uma análise das técnicas de decisão já adotadas pelo STF em controle de constitucionalidade, bem como do entendimento acerca da natureza jurídica dos atos inconstitucionais.

A partir desta análise é que se poderá afirmar sobre a possibilidade ou não de se aceitar que uma lei seja declarada “ainda inconstitucional”, em razão das circunstâncias fáticas que lhe são subjacentes.

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Sobre o autor
Edinaldo Dos Santos Coelho

Promotor de Justiça. Especialista em Ministério Público: Estado Democrático de Direito – área de concentração em Direito Administrativo - pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná (FEMPAR) e em Direito Público pela Universidade Anhanguera – Uniderp. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (UNICURITIBA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Edinaldo Santos. Técnicas de decisão no controle de constitucionalidade, inconstitucionalidade circunstancial e a norma ainda inconstitucional:: análise a partir da ADI n. 4.068. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4583, 18 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33928. Acesso em: 19 abr. 2024.

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