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Técnicas de decisão no controle de constitucionalidade, inconstitucionalidade circunstancial e a norma ainda inconstitucional:

análise a partir da ADI n. 4.068

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18/01/2016 às 09:13
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TÉCNICAS DE DECISÃO NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

As clássicas soluções jurídicas [...] já não mais atendem aos anseios sociais e tampouco respondem às demandas do constitucionalismo contemporâneo, marcado pela posição central da Constituição no ordenamento jurídico e pela necessidade de manutenção de um perfeito equilíbrio entre a teoria constitucional e a democracia deliberativa.Nesse contexto, o desenvolvimento de novas técnicas de decisão pela  Corte Constitucional Federal alemã revela não apenas sua preocupação em cumprir a contento sua complexa função institucional como, sobretudo, em preservar a ordem constitucional e a normalidade da sociedade estatal a ela subjacente. (ADI 4.068, fl. 26)

Declaração de Nulidade

Tradicionalmente, o direito brasileiro adota a teoria da nulidade dos atos inconstitucionais. A inconstitucionalidade, de acordo com Melina Breckenfeld Reck (p.1), “caracteriza-se por ser a mais grave invalidade de um sistema jurídico e pode ser definida como a desconformidade do conteúdo do ato normativo ou do seu processo de elaboração em relação a algum preceito ou princípio constitucional”.

Conforme nos ensinam Mendes et al. (2009, p. 1296-1297) “Afirmava-se, em favor dessa tese, que o reconhecimento de qualquer efeito a uma lei inconstitucional importaria na suspensão provisória ou parcial da Constituição”.

Deste modo, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo afeta seu plano de validade e a decisão que a profere tem caráter declaratório, reconhecendo uma “situação pretérita, qual seja, o ‘vício congênito’, de ‘nascimento’ do ato normativo” (LENZA, 2011, p. 220).

 Afirma-se que a adoção desta teoria teve influência do direito norte-americano, sobre o qual, explica Cappelleti (1999, p. 115-116) apud Lenza (2011, p. 220):

[...] a lei inconstitucional, porque contrária a uma norma superior, é considerada absolutamente nula (“nula na void”) e, por isto, ineficaz, pelo que o juiz, que exerce o poder de controle, não anula, mas meramente, declara (preexistente) nulidade da lei inconstitucional.

Confirmando a adoção da teoria da nulidade:

Declarada a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo federal ou estadual, a decisão terá efeito retroativo (ex tunc) e para todos (erga omnes), desfazendo, desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as consequências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, alcançando a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo, inclusive os atos pretéritos com base nela praticados (efeitos ex tunc). (MORAES, 2010, p. 763, sem grifos no original)

Ademais, Mendes (1995a, p. 25) destaca a hierarquia constitucional do postulado da nulidade da lei ou ato normativo inconstitucional, nos seguintes termos:

Tanto o poder do juiz de negar aplicação à lei inconstitucional quanto a faculdade assegurada ao indivíduo de negar observância à lei inconstitucional demonstram que o constituinte pressupôs a nulidade da lei inconstitucional.

Nessa medida, é imperativo concordar com a orientação do STF que parece reconhecer hierarquia constitucional ao postulado da nulidade da lei incompatível com a Constituição.

Em que pese a teoria da nulidade ser aceita pela maioria, há autores que preferem a teoria da anulabilidade, adotada no sistema austríaco, pela qual,

[...] a lei inconstitucional não pode ser considerada nula porque, tendo sido editada regularmente, gozaria de presunção de constitucionalidade e sua aplicação continuada produziria consequências que não pode ser olvidadas. [...] A declaração de inconstitucionalidade teria, assim, caráter constitutivo. (MENDES, 1995a, p. 23)

Importante se faz transcrever trecho da obra de Rothenburg (2010, p. 135), no qual o autor corrobora o perfilhamento do direito brasileiro à teoria da nulidade das normas inconstitucionais e aponta possíveis modificações na sua aplicação:

Presume-se a nulidade total e absoluta do ato normativo declarado inconstitucional, vale dizer, a eficácia retroativa (ex tunc) e total da declaração de inconstitucionalidade (ou de constitucionalidade, se for esse o teor da decisão), com o ‘apagamento’ dos efeitos produzidos pelo ato declarado inconstitucional. Tanto é assim, que a Lei 9.868 atribui à cautelar na ADI efeito repristinatório (art. 11 §2º) e, nesse ponto, a cautelar apenas antecipa um efeito natural da decisão definitiva; a possibilidade de atribuição de eficácia temporal diversa é tratado como excepcional (art. 11 §1º, para a cautelar; art. 27, para a decisão definitiva). Contudo, uma contemporização dessa perspectiva radical pode impor-se, para dar conta das peculiaridades das distintas situações.

Quanto a estas possíveis modificações na aplicação da teoria da nulidade, Lenza (2011, p. 224) explica que “A regra geral da nulidade absoluta da lei inconstitucional vem sendo, casuisticamente, afastada pela jurisprudência brasileira e repensada pela doutrina”.

Ao lado do princípio da nulidade, que adquire, certamente, o status de valor constitucionalizado, tendo em vista o princípio da supremacia da Constituição, outros valores, de igual hierarquia, destacam-se, por exemplo, o princípio da segurança jurídica e o da boa-fé.” (LENZA, 2011, p. 224).

O autor se refere ao que se tem denominado de “modulação dos efeitos da decisão”, situação positivada pela Lei nº 9.868/99, a qual, em seu art. 27[2], permite, conforme já apontado por Rothenburg, “atribuição de eficácia temporal diversa” da retroativa.

No entanto, de acordo com interessante lição de Melina Breckenfeld Reck (p. 2), faz-se imprescindível distinguir os planos jurídicos sobre os quais atua a decisão de inconstitucionalidade, de modo a identificar que a sua carga declaratória atinge o plano de validade e a carga constitutiva o da eficácia. Ou seja, “a atribuição de efeitos ‘ex nunc’ ou ‘ex tunc’ não está vinculada a um critério causal (do vício existente), mas sim a um critério finalístico”.

Sendo assim, conforme a autora, a modulação dos efeitos da decisão não afastaria a teoria da nulidade dos atos inconstitucionais, mas apenas possibilitaria a modificação da carga constitutiva da decisão que reconhece a inconstitucionalidade.

Nesta esteira:

[...] destaque-se que o advento das Leis n° 9.868/99 e n° 9.882/99, permitindo a atenuação dos efeitos retroativos da pronúncia de inconstitucionalidade, não importa considerar anulável a lei inconstitucional, tampouco torna possível a convalidação da lei inconstitucional; a um porque o postulado da nulidade possui esteio constitucional, logo não podem ser maculados ou modificados por lei infraconstitucional; a dois porque não há vínculo necessário entre nulidade e efeitos retroativos, isto é, os efeitos não decorrem do vício de nulidade mas sim da própria decisão; a três porque o próprio STF, antes dessas Leis, em alguns julgados, vinha reconhecendo a necessidade de atenuar a retroação absoluta sem, no entanto, passar a considerar anulável; a quatro porque a atenuação é decorrente da ponderação entre princípios constitucionais, de sorte a não haver eliminação do princípio que esteja em conflito, uma vez que não se aplica a lógica do tudo ou nada, mas sim se recorre à dimensão do peso e à concordância prática. (RECK, p. 2, sem grifos no original)

Insta ressaltar que este não é o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência nacionais e que, Mendes et al. (2009), à exemplo de Lenza (2011, p. 224), entendem pela possibilidade de afastamento do princípio da nulidade no direito brasileiro.

O afastamento de sua incidência dependerá de um severo juízo de ponderação que, tendo em vista análise fundada no princípio da proporcionalidade, faça prevalecer a idéia de segurança jurídica ou outro princípio constitucionalmente importante, manifestado sob a forma de interesse social relevante. (MENDES et al. 2009, p. 1319-1320)

O afastamento deste postulado também parece ter sido admitido pelo Supremo Tribunal Federal, como se percebe da ementa da ADI nº 3601 ED/DF, de relatoria do Ministro Dias Toffoli:

EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL Nº 3.642/05, QUE “DISPÕE SOBRE A COMISSÃO PERMANENTE DE DISCIPLINA DA POLÍCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL”. AUSÊNCIA DE PEDIDO ANTERIOR. NECESSIDADE DE MODULAÇÃO DOS EFEITOS. 1. O art. 27 da Lei nº 9.868/99 tem fundamento na própria Carta Magna e em princípios constitucionais, de modo que sua efetiva aplicação, quando presentes os seus requisitos, garante a supremacia da Lei Maior. Presentes as condições necessárias à modulação dos efeitos da decisão que proclama a inconstitucionalidade de determinado ato normativo, esta Suprema Corte tem o dever constitucional de, independentemente de pedido das partes, aplicar o art. 27 da Lei nº 9.868/99. 2. Continua a dominar no Brasil a doutrina do princípio da nulidade da lei inconstitucional. Caso o Tribunal não faça nenhuma ressalva na decisão, reputa-se aplicado o efeito retroativo. Entretanto, podem as partes trazer o tema em sede de embargos de declaração. 3. Necessidade de preservação dos atos praticados pela Comissão Permanente de Disciplina da Polícia Civil do Distrito Federal durante os quatro anos de aplicação da lei declarada inconstitucional. 4. Aplicabilidade, ao caso, da excepcional restrição dos efeitos prevista no art. 27 da Lei 9.868/99. Presentes não só razões de segurança jurídica, mas também de excepcional interesse social (preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio – primado da segurança pública), capazes de prevalecer sobre o postulado da nulidade da lei inconstitucional. 5. Embargos declaratórios conhecidos e providos para esclarecer que a decisão de declaração de inconstitucionalidade da Lei distrital nº 3.642/05 tem eficácia a partir da data da publicação do acórdão embargado.

Declaração de Inconstitucionalidade sem redução de texto

Por meio desta técnica de decisão “Declara-se a inconstitucionalidade de determinada interpretação da norma sem retirar qualquer expressão do texto, que permanece o mesmo, íntegro: a leitura que dele se faz é que sofre uma redução” (ROTHENBURG, 2010, p. 137).

De acordo com Mendes et al. (2009, p. 1301), limita-se “o Tribunal a considerar inconstitucional apenas determinada hipótese de aplicação da lei, sem proceder  à alteração do seu programa normativo”.

Cita-se, como exemplo de aplicação desta técnica pelo STF, ementa do acórdão na ADI nº 319, colacionada também por Mendes (1998, p. 4):

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Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 8.039, de 30 de maio de 1990, que dispõe sobre critérios de reajuste das mensalidades escolares e da outras providencias. - Em face da atual Constituição, para conciliar o fundamento da livre iniciativa e do princípio da livre concorrência com os da defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social, pode o Estado, por via legislativa, regular a politica de preços de bens e de serviços, abusivo que e o poder economico que visa ao aumento arbitrario dos lucros. - Não e, pois, inconstitucional a Lei 8.039, de 30 de maio de 1990, pelo só fato de ela dispor sobre critérios de reajuste das mensalidades das escolas particulares. - Exame das inconstitucionalidades alegadas com relação a cada um dos artigos da mencionada Lei. Ofensa ao princípio da irretroatividade com relação a expressão "marco" contida no paragrafo 5º do artigo 2º da referida Lei. Interpretação conforme a Constituição aplicada ao "caput" do artigo 2º, ao paragrafo 5º desse mesmo artigo e ao artigo 4º, todos da Lei em causa. Ação que se julga procedente em parte, para declarar a inconstitucionalidade da expressão "março" contida no paragrafo 5º do artigo 2º da Lei nº 8.039/90, e, parcialmente, o "caput" e o paragrafo 2º do artigo 2º, bem como o artigo 4º os três em todos os sentidos que não aquele segundo o qual de sua aplicação estão ressalvadas as hipóteses em que, no caso concreto, ocorra direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.

Interpretação Conforme                             

Trata-se de técnica de decisão por meio da qual “o Tribunal declara qual das possíveis interpretações se revela compatível com a Lei Fundamental” (MENDES, 1993b, p. 22).

 Consoante o mesmo autor, existe oportunidade para interpretação conforme a Constituição “sempre que determinada disposição legal oferece diferentes possibilidades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a Constituição” (MENDES, 1993b, p. 22).

Neste sentido, ensina Rothenburg (2010, p. 135):

Sendo possíveis várias leituras de um ato normativo, adota-se aquela (ou aquelas) que revela a maior conformidade com a Constituição, desde que não se ultrapasse o sentido claro do texto nem se altere radicalmente o resultado da produção normativa (normalmente, a ‘vontade objetiva’ do Legislativo).

Para justificar a admissibilidade desta técnica, Mendes (1993b, p. 23) menciona o princípio da unidade da ordem jurídica, segundo o qual “as leis e as normas secundárias devem ser interpretadas, obrigatoriamente, em consonância com a Constituição”.

Do mesmo modo, elenca também como fundamento, a “presunção de constitucionalidade da lei” e assevera que:

Esse princípio de conservação da norma deixa-se fundamentar não apenas sob o ponto de vista da segurança jurídica e da presunção de um funcionamento regular da atividade legislativa, mas também mediante o reconhecimento da supremacia do legislador na concretização e realização da Constituição. (MENDES, 1993b, p. 23)

A utilização do princípio da presunção de constitucionalidade da lei para justificar a admissibilidade da técnica da interpretação conforme a Constituição parece ter sido observada também pelo ilustre jurista Walter Claudius Rothenburg, levando-lhe a afirmar que a referida técnica “representa uma homenagem à separação de Poderes”. Leciona que

[...] o órgão responsável pelo controle (normalmente o Judiciário) busca salvar o ato normativo por meio de uma interpretação de compatibilização com a Constituição; quando, porém, o sentido do ato normativo tiver sido claramente definido em oposição à Constituição, ainda assim respeita-se o autor do ato normativo e, sem desvirtuar esse sentido, não resta senão declarar a inconstitucionalidade. (ROTHENBURG, 2010, p. 135)

Nessa toada, faz-se imperioso transcrever a advertência feita por Mendes (1993b, p. 24):

Qualquer alteração do conteúdo da lei mediante pretensa interpretação conforme à Constituição significa uma intervenção mais drástica na esfera de competência do legislador do que a pronúncia de nulidade, uma vez que esta assegura ao ente legiferante a possibilidade de imprimir uma nova conformação à matéria.

Observa-se, portanto, que a utilização desta técnica possui limites, sendo “apenas admissível se não configurar violência contra a expressão literal do texto e não alterar o significado do texto normativo, com mudança radical da própria concepção original do legislador” (MENDES et al., 2009, p. 1307).

Percebe-se que há certa similitude entre esta técnica de decisão e aquela apresentada no subcapítulo anterior. Doutrina e jurisprudência, por vezes, equiparam as duas técnicas, sem lhes dar a devida distinção.

Isso ocorre, pois, que, em ambas, presencia-se a chamada “lacuna oculta”, a qual é qualificada por Larenz (1983, p. 473) apud Mendes (1998, p. 4) como

[...] o caso em que uma regra legal, contra o seu sentido literal, mas de acordo com a teleologia imanente à lei, precisa de uma restrição que não está contida no texto legal. A integração de uma tal lacuna efetua-se acrescentando a restrição que é requerida em conformidade com o sentido.

Corrige-se tal lacuna por meio da “redução do âmbito de aplicação da expressão literal, com a utilização da chamada ‘redução teleológica’” (MENDES, 1998, p. 5).

Desta feita, sem negar a semelhança das referidas técnicas e a proximidade do resulta prático de sua utilização, Mendes et al. (2009, p. 1305), as diferencia nos seguintes termos:

[...] enquanto na interpretação conforme à Constituição se tem, dogmaticamente, a declaração de que uma lei é constitucional com a interpretação que lhe é conferida pelo órgão judicial, constata-se, na declaração de nulidade sem redução de texto, a expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de determinadas hipóteses de aplicação do programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal.

Inconstitucionalidade Progressiva ou Lei ainda constitucional

Mediante esta técnica, o Tribunal profere uma decisão que mantem determinada norma no ordenamento jurídico em razão de circunstâncias fáticas existentes naquele momento (NOVELINO, 2011, p. 6).

Trata-se, segundo Rothenburg (2010, p. 138), de uma decisão de rejeição da inconstitucionalidade ou, ainda, de afirmação da constitucionalidade, na qual,

[...] embora se afirme a compatibilidade do ato normativo com a Constituição, reconhece-se que está em curso um processo de inconstitucionalização, pois as circunstâncias apontam que o ato normativo está em vias de tornar-se contrário à Constituição. (sem grifos no original)

Novelino (2011, p. 6) explica:

São “situações constitucionais imperfeitas” nas quais a norma se situa em um estágio intermediário entre a constitucionalidade plena e a inconstitucionalidade absoluta. Enquanto permanecer uma determinada situação, a lei deve ser considerada ainda constitucional, seja por razões de segurança jurídica, seja porque os prejuízos causados pela sua invalidação poderão ser maiores que os benefícios decorrentes de sua manutenção temporária.” (sem grifos no original)

O mesmo autor afirma que, em verdade, “ocorre uma modulação temporal dos efeitos da decisão, mas sem fixação do momento para o início da declaração da inconstitucionalidade” (2011, p. 6).

Assemelha-se a esta técnica, a Appellenstscheidung (decisão de apelo; apelo ao legislador), utilizada no direito alemão, referente à “decisão na qual o Tribunal reconhece a situação como ‘ainda constitucional’, anunciando a eventual conversão desse estado de constitucionalidade imperfeita numa situação de completa inconstitucionalidade” (MENDES, 1995b, p. 38).

O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, em alguns julgados, além de reconhecer que a norma “ainda” não se tornou inconstitucional, faz um “apelo ao legislador” (appellentscheidung) para corrigir ou adequar essa “situação ainda constitucional”. Em outras palavras, o tribunal entende que a lei ainda não deve ser declarada inconstitucional, mas apela ao legislador para que faça as modificações necessárias com a finalidade de evitar o trânsito definitivo para a inconstitucionalidade”.(NOVELINO, 2011, p. 7)

Neste sentido, trecho do voto do Ministro Moreira Alves quando do julgamento do HC 70.514, citado em Lenza (2011, p. 285-286):

[...] para casos como este, parece-me deva adotar-se a construção da Corte Constitucional alemã no sentido de considerar que uma lei, em virtude das circunstancias de fato, pode vir a ser inconstitucional, não o sendo, porém, enquanto essas circunstâncias de fato não se apresentarem com a intensidade necessária para que se tornem inconstitucionais.

Do mesmo modo, reforçando a utilização desta técnica pelo STF, o Ministro Celso de Mello, no Agravo de Instrumento nº 339.696, transcreve lição do eminente jurista Teori Albino Zavascki, com os seguintes termos:

Isso explica, também, uma das técnicas de controle de legitimidade intimamente relacionada com a cláusula da manutenção do estado de fato: a da 'lei ainda constitucional'. O Supremo Tribunal Federal a adotou em vários precedentes (...). Com base nessa orientação e considerando o contexto social verificado à época do julgamento, o Supremo Tribunal Federal rejeitou a argüição de inconstitucionalidade da norma em exame, ficando claro, todavia, que, no futuro, a alteração do status quo poderia ensejar decisão em sentido oposto.

Sobre a possibilidade de se considerar as circunstâncias fáticas no julgamento do ato normativo em sede de controle de constitucionalidade, Mendes (2005, p. 3-4), ao tratar da “análise de fatos e prognoses”, afirma que “há muito vem parte da dogmática apontando para a inevitabilidade da apreciação de dados da realidade no processo de interpretação e de aplicação da lei como elemento trivial a própria metodologia jurídica”.

O autor aduz, inclusive, que “a aferição dos chamados fatos legislativos constitui parte essencial do chamado controle de constitucionalidade, de modo que a verificação desses fatos relaciona-se, íntima e indissociavelmente, com a própria competência do Tribunal” (MENDES, 1999, p. 20).

Por fim, cumpre salientar que, atualmente, essa possibilidade encontra respaldo no §1º, do art. 9º e §1º, do art. 20, ambos da Lei nº 9.868/99[3].

Declaração de Inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade

A técnica da declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade permite seja reconhecida a incompatibilidade com a Constituição (declaração de inconstitucionalidade), porém com a manutenção do ato normativo, ou dos seus efeitos, “normalmente por determinado período, por entender-se que a invalidação do ato causaria mais transtornos do que sua manutenção” (ROTHENBURG, 2010, p. 138).

Trata-se de um abrandamento do princípio da nulidade absoluta dos atos declarados inconstitucionais e, por isso, não se presume e requer, no âmbito do controle objetivo, além de uma justificativa convincente (necessariamente baseada em ‘razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social’), o quórum qualificado de dois terços dos Ministros do STF (Lei 9.868 art.27). (ROTHENBURG, 2010, p. 138)

Mendes (2008, p. 1) assevera que esta técnica não expressa, propriamente, uma novidade no Direito Constitucional brasileiro, uma vez que

Já em 1946 adotara o constituinte modalidade de decisão na qual o Tribunal deveria limitar-se, no processo preliminar da intervenção federal, a constatar a eventual ofensa aos chamados princípios sensíveis (Constituição de 1946, art. 7º, VII, c/c art. 13). Disposição idêntica foi incorporada à Constituição de 1967/69 (art. 10, VII, em c/c o art. 11, §2º) e à Constituição de 1988 (art. 34, VII, c/c o art. 36, IV e §3º), que previram a representação interventiva tanto para a preservação dos chamados princípios sensíveis, quanto para a garantia da execução da lei federal.

Observa-se que “a decisão proferida na representação interventiva configura sentença meramente declaratória da existência de violação constitucional, dispondo o Supremo Tribunal Federal aqui de limitado poder de censura” (MENDES et al., 2009, p. 1311-1312).

O autor supracitado, em artigo dedicado ao estudo da aplicação desta técnica na jurisprudência da Corte Federal Alemã (MENDES, 1993a), aponta algumas situações nas quais a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade foi utilizada.

A primeira delas refere-se à “exclusão de benefício incompatível com o princípio da isonomia e outras ofensas ao princípio da igualdade” (MENDES, 1993a, p. 68). Nesses casos, a Corte Alemã entendeu que o legislador disporia de diferentes possibilidades para afastar a ofensa ao princípio da isonomia e que a simples declaração de nulidade não seria suficiente para resolver o problema.

Outra situação diz respeito à “omissão legislativa”, por exemplo, na hipótese em que o legislador não editou as regras que, no contexto de um determinado complexo normativo, deveriam ter sido promulgadas (MENDES, 1993a, p. 71).

Embora exista, nesse caso, uma lei que poderia ser declarada nula, abstém-se o Tribunal de proferir a nulidade sob alegação de que a ofensa constitucional decorre não da regulação, mas de sua incompletude, seja porque o legislador foi omisso em proceder à complementação do complexo normativo, seja porque não contemplou determinado grupo na regra impugnada. (MENDES, 1993a, p. 71)

A “liberdade de conformação do legislador”[4] também serviu para justificar a aplicação da tese em questão, uma vez que, em determinadas situações, a declaração de nulidade importaria uma intolerável intervenção no poder ou na liberdade de conformação do legislador (MENDES, 1993a, p. 71).

Destaca-se, também, situações nas quais a “lacuna resultante da declaração de nulidade poderia fazer surgir uma situação ainda mais afastada da vontade constitucional” (MENDES, 1993a, p. 72-73), ou seja, levou-se em consideração as consequências jurídicas da declaração de nulidade para se concluir pela chamada “inexequibilidade da decisão cassatória”.

 Pedro Lenza, ao tecer comentários sobre o julgamento da ADI nº 2.240, no qual se aplicou a técnica da declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, explica:

Utilizando a técnica alternativa de ponderação entre o princípio da nulidade da lei, de um lado, e o princípio da segurança jurídica, de outro, entendeu o STF que a lei é inconstitucional, mas aplicando o art. 27 da Lei n. 9.868/99, e tendo em conta razões de segurança jurídica e excepcional interesse social, apesar de inconstitucional por violar o art. 18, §4.º, deverá continuar vigorando por 24 meses. (2011, p. 291)

Faz-se mister colacionar também a advertência feita pelo autor supra:

Parece-nos, aqui, que o STF, diferente do entendimento que ainda adota como regra, admitiu, para esse caso concreto, uma inédita e inegável possibilidade do fenômeno da constitucionalidade superveniente, permitindo que uma lei que nasceu viciada (vício formal por violação a pressupostos objetivos do ato) seja corrigida mediante um procedimento futuro de adequação ao art. 18 § 4.º. (LENZA, 2011, p. 292-294)

Importante observar que, assim como na técnica estudada no subcapítulo anterior, aqui também é possível, e até comum, que o Tribunal faça recomendações para que o legislador edite uma nova regulamentação. Do mesmo modo, a possibilidade de aplicação da lei questionada também ocorre aqui, ou seja, ainda que declarada inconstitucional, a lei poderá, em situações excepcionais, continuar sendo aplicada (a regra é a de que a aplicação do ato impugnado seja suspensa).

Desta forma, diferenciam-se as referidas técnicas na medida em que a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade produz uma declaração de inconstitucionalidade, ao passo que o apelo ao legislador configura decisão de rejeição de inconstitucionalidade (MENDES, 1993a, p. 66).

Considerações Parciais

Percebe-se da leitura do disposto que, realmente, as técnicas de decisão utilizadas no controle de constitucionalidade que mais se aproximam da tese apresentada pelo CFOAB são as do “apelo ao legislador” (lei ainda constitucional) e da “declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade”.

A proximidade da primeira se dá em razão de que nos precedentes em que foi utilizada houve expressa consideração de circunstâncias fáticas, o que, tradicionalmente, não era admitido pelo STF.

No entanto, por meio desta técnica, como acima observado, há uma rejeição de inconstitucionalidade, declarando-se constitucional o ato normativo até que as circunstancias de fato que lhe tornariam inconstitucional não se apresentarem com a intensidade necessária, o que demonstra a inaplicabilidade desta técnica na ADI nº 4.068.

Deve-se atentar, porém, que a possibilidade de aferição de circunstâncias de fato no controle de constitucionalidade existe e, inclusive, está prevista na Lei nº 9.868/99, não havendo, portanto, necessidade de aplicação da referida técnica para que se possa sustentar a tese da “inconstitucionalidade circunstancial”.

Outrossim, importante alertar para outra situação, também denominada por alguns de “inconstitucionalidade circunstancial”, a qual, diversamente da tese discutida neste trabalho, reflete a incompatibilização de determinada norma somente quando aplicada a determinado caso concreto, à específica situação de fato e não à generalidade dos casos. Para solução desta incompatibilização, utiliza-se da técnica da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, estudada no segundo capítulo do presente estudo.

No que se refere à técnica da declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, observa-se que sua utilização se dá, comumente, para salvaguardar os efeitos decorrentes da aplicação do ato até sua declaração de inconstitucionalidade ou, ainda, para possibilitar a aplicação, por determinado período, do próprio ato, mesmo depois de declarada sua inconstitucionalidade.

Atente-se para o fato de que a aplicação da lei inconstitucional é excepcional e temporária e que o vício de nulidade não se convalida.

Percebe-se, destarte, que estas técnicas permitem a flexibilização[5] do postulado da nulidade dos atos inconstitucionais, o qual, como cediço, determina a invalidade ab initio do ato normativo declarado inconstitucional, desprezando qualquer ato realizado consubstanciado nele.

Trata-se de modificação dos efeitos da decisão que declara a inconstitucionalidade. Procura-se a possibilidade de aplicação de efeitos ex nunc ou pro futuro às decisões no controle de constitucionalidade, em repúdio à simples declaração com efeitos retroativos (ex tunc).

Atualmente, tal possibilidade encontra espeque no art. 27 da Lei nº 9.868/99, situação denominada pelos doutrinadores de “modulação dos efeitos da decisão”.

Por fim, importante lembrar que além de possibilitar essa modificação dos efeitos da decisão, a aplicação de ambas as técnicas resulta, no mais das vezes, em recomendações ao legislador para que edite nova regulamentação de acordo com a Constituição.

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Sobre o autor
Edinaldo Dos Santos Coelho

Promotor de Justiça. Especialista em Ministério Público: Estado Democrático de Direito – área de concentração em Direito Administrativo - pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná (FEMPAR) e em Direito Público pela Universidade Anhanguera – Uniderp. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (UNICURITIBA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Edinaldo Santos. Técnicas de decisão no controle de constitucionalidade, inconstitucionalidade circunstancial e a norma ainda inconstitucional:: análise a partir da ADI n. 4.068. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4583, 18 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33928. Acesso em: 19 abr. 2024.

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