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A terceirização do sistema prisional

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4. As PPPs Nas Penitenciárias do Estado de Minas Gerais

Em Junho de 2009, o então governador de Minas Gerais, Aécio Neves, assinou contrato para início das obras da primeira penitenciária do País construída por meio de Parceria Publico- Privada, em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, numa área cedida pela CODEMIG (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais). O modelo mineiro de PPP para o sistema prisional adotado em Minas foi inspirado no modelo inglês, que já é desenvolvido há uma década na Inglaterra baseado no conceito de DBOT (Design-Build-Operate-Transfer), por meio do qual a empresa vencedora do processo licitatório cria o projeto arquitetônico, constrói o edifício e cuida da operacionalização do complexo prisional.

Segundo dados da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), para a construção do presídio, o consórcio Gestores Prisionais Associados (GPA) está investindo cerca de dois bilhões de reais e deverá ser erguido em até dois anos e meio, o que seria totalmente impensável se fosse realizado pela Administração Pública.

O referido contrato terá duração mínima de 27 (vinte e sete) anos, prorrogáveis até 35 (trinta e cinco) anos, conforme art. 5º inciso I da Lei 11.079/2004, e serão acrescentadas 3.040 vagas ao sistema prisional mineiro, que chegará a ter cerca de trinta e uma mil vagas. O projeto prevê que o novo complexo penitenciário terá cinco unidades prisionais com 608 vagas, cada uma, e vai abrigar sentenciados do sexo masculino que cumprem pena nos regimes fechado e semi-aberto. Serão 1.824 vagas para regime fechado, e 1.216 para o semi-aberto. O número de presos por cela é de quatro no regime fechado e seis no semi-aberto. O complexo terá uma unidade central para abrigar a administração, cozinha, almoxarifado e lavanderia.

Ainda de acordo com a Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais, quando os sentenciados forem transferidos para os prédios que serão construídos, o Estado pagará R$70,00 por dia e por detento, o equivalente a R$2.100,00 ao mês por detento. Este valor é 25% menor que o custo atual de manutenção dos presos.

Segundo o ex-secretário de Estado de Defesa Social, Maurício Campos Júnior (2008), “quando o complexo de Ribeirão das Neves estiver pronto o Governo irá desativar as outras unidades carcerárias desta região.”

Dessa forma, a Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais publicou o edital de licitação em janeiro de 2008 (Edital nº 01/2008)[1], segundo o qual foi adotado o critério de menor valor de contraprestação a ser paga pelo Estado de Minas Gerais por cada vaga ocupada e disponibilizada na unidade penal de regime fechado, nos termos do artigo 12, inciso II, alínea “a” da Lei 11.079/2004.

Ainda conforme o edital, “a licitação será processada com inversão da ordem das fases de habilitação e julgamento”. Assim, após a avaliação das propostas econômicas, a Comissão Especial de Licitação, que foi instituída por meio da Resolução nº 915/08, analisará os documentos do concorrente e sua capacidade para gerir o negócio. Posteriormente, o Secretário de Defesa Social adjudica o objeto ao licitante vencedor.

Neste primeiro contrato da PPP Penitenciária em Minas Gerais o ente privado adjudicante foi obrigado a prestar garantia do cumprimento integral de todas as obrigações assumidas no contrato no valor de cinco por cento do valor estimado do contrato.

Não há que se falar em qualquer inconstitucionalidade do modelo adotado em Minas, vez que o Estado continuará exercendo sua função na área de segurança, sendo, também, responsável pelas regras disciplinares adotadas na penitenciária, além da fiscalização do funcionamento do complexo.

Conforme relatos de Genilson Zeferino, Subsecretário de Administração Prisional da Secretaria de Estado de Defesa Social e Marcos Siqueira Moraes, Empreendedor Público e Gerente Adjunto do Projeto Estruturador Parcerias para a Provisão de Serviços de Interesse Público, o aumento de vagas do sistema prisional foi parte de escolhas estratégicas que identificaram, na precariedade do sistema prisional, um dos principais problemas para uma política de segurança pública sistêmica e orgânica que se pretendia.

Dessa forma, tais esforços produziram a maior expansão da história do sistema prisional mineiro. Para explicitar a idéia de PPP no sistema prisional em Minas, Genilson Zeferino e Marcos Siqueira Moraes acrescentam que (Jornal Gestão Minas, nº 6, julho de 2009):

Entre vagas construídas e vagas assumidas da Polícia Civil, a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), que em 2003 administrava cerca de cinco mil presos, passou a administrar, em 2009, 86 unidades prisionais com cerca de 40 mil presos. Uma ampliação nessas proporções demandou muito mais do que concreto e grades de aço.

E prosseguem:

Foi preciso somar ao crescimento do número de vagas um conjunto de iniciativas para a modernização da gestão do sistema prisional. Tais iniciativas foram empreendidas com o objetivo de criar condições organizacionais para processar a rápida ampliação do sistema e aprimorar o funcionamento das instituições que implementam a política prisional.

O modelo adotado pelo Governo de Minas, de acordo com o ex-governador Aécio Neves, mantém o papel constitucional do Estado na área de segurança, que deve cuidar da disciplina e do cumprimento das penas estabelecidas pela Justiça, acompanhando a execução das penalidades em conjunto com o Tribunal de Justiça, Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Contas. O Estado também será responsável pela escolta dos sentenciados, segurança externa e de muralhas.

Aécio Neves ainda disse:

O poder público mantém as suas responsabilidades constitucionais, no que diz respeito à segurança externa e a própria direção de segurança interna do presídio. Agregamos uma empresa privada que vai auxiliar o Estado, obviamente, na garantia da segurança para a sociedade e para os próprios presos. O que estamos contratando não são vagas apenas no sistema prisional, que eventualmente poderia levar à impressão de que haveria privatização desse setor. Ao contrário, estamos contratando resultados.

Além disso, ao Governo caberá ainda nomear um agente público como diretor de segurança para cada unidade do complexo, sendo eles encarregados pela coordenação e pelas medidas de segurança das unidades. O Estado ainda poderá fazer intervenções em situação de crise, confronto ou rebelião, por meio de agentes penitenciários pertencentes aos seus quadros, especialmente treinados para este fim. (MINAS GERAIS, 2009).

Com o objetivo de garantir transparência à gestão das unidades do complexo e dos direitos dos detentos, quando o Complexo entrar em funcionamento, será criado um Conselho Consultivo formado por representantes da comunidade, da Ouvidoria Geral do Estado, da Secretaria de Estado de Defesa Social, de Conselhos Estaduais de Direitos Humanos de política penitenciária, criminologia e política criminal e do contratado.

Um diretor público, indicado pela Secretaria de Estado de Defesa Social, será responsável pelas decisões administrativas referentes aos presos, prerrogativa exclusiva do Poder Público. Caberá também a este diretor a fiscalização da gestão administrativa do complexo prisional e a intermediar as atividades cotidianas entre concessionária e governo do Estado.

A Administração Pública também fiscalizará o cumprimento dos serviços contratados com o consórcio GPA a partir de um conjunto de indicadores de desempenho com foco principalmente na infra-estrutura da penitenciária e o processo de reinserção social dos presos. O Governo do Estado fará a avaliação da qualidade do serviço prestado como condições exigidas para o pagamento integral à concessionária, de acordo com o desempenho do consórcio na função. (MINAS GERAIS, 2009).

Dessa forma, esclarece o ex-governador:

Foram estabelecidos parâmetros muito objetivos que a empresa terá que cumprir, seja do ponto de vista da garantia da segurança, por exemplo, com inibição de fuga, seja no caminho da ressocialização dos presos, com oportunidade de trabalho e de educação.

Assim, a ressocialização do detento será prioridade no modelo de gestão apresentado pelo Consórcio GPA que pretende criar ambiente adequado à reintegração dos presos à sociedade por meio do desenvolvimento de atividades diferenciadas. Os detentos terão atividades educativas, artísticas e culturais, além de cursos profissionalizantes com o objetivo de criar mão-de-obra especializada e adequada para o mercado de trabalho. Além disso, receberão assistência jurídica e psicológica.

O Consórcio GPA oferecerá também assistência profissional aos sentenciados em parceria com empresas locais, ou seja, os presos que cumprirem pena em regime semi-aberto terão oportunidades de empregos fora da prisão.

Uma das grandes inovações do modelo de Parceria Público-Privada no presídio de Ribeirão das Neves é a remuneração paga à concessionária pelo Poder Concedente. Tal remuneração será composta de uma contraprestação pecuniária mensal, agregada a uma parcela anual de desempenho, também chamada de VPAD e por fim, de uma parcela referente ao padrão de excelência. (MINAS GERAIS, 2008).

Conforme explicitado no edital de licitação (MINAS GERAIS, 2008), a primeira parcela do pagamento “corresponderá ao pagamento mensal ao ente privado pela construção, disponibilização e ocupação das celas, apurado o valor tendo em vista a qualidade dos serviços prestados.” Dessa forma, o referido pagamento variará de acordo com os serviços prestados aos presos, observando o número de fugas, de rebeliões e, principalmente, se o apenado está convivendo em um ambiente digno, com direito a assistência judiciária, trabalho e respeito, capazes de garanti-lo a sua volta à sociedade, ou seja, a sua ressocialização.

Já a segunda parcela do pagamento será feita anualmente, de acordo com o desempenho operacional da concessionária no ano, com base nos planos traçados pela Secretaria de Estado de Defesa Social.

E, por fim, a terceira parcela refere-se ao ressarcimento pelo serviço prestado de acordo com a expectativa do Estado, ou seja, leva-se em consideração a atuação do parceiro privado tanto com o trabalho do sentenciado quanto com as características deste trabalho associadas à ressocialização. (MINAS GERAIS, 2008).

O modelo de PPP`s nas penitenciárias de Minas Gerais serviu de parâmetro para que outros estados brasileiros ousassem iniciar projetos semelhantes. Isto porque tal iniciativa pode representar avanços no Sistema Penal, na qualidade de vida dos detentos e no grande objetivo da pena privativa de liberdade, que é a ressocialização do criminoso.

A Parceria Público-Privada no sistema prisional de Minas Gerais representa, portanto, o rompimento de uma barreira histórica na gestão prisional brasileira. A PPP Penitenciária é uma alternativa possível para o fato de haverem poucos investimentos pelo Poder Público no sistema carcerário, gerando a situação dramática das penitenciárias brasileiras, assunto amplamente discutido no presente trabalho. Desta maneira, a PPP prisional altera toda a lógica da execução da política penitenciária, acrescentando flexibilidade e autonomia à operação prisional e promovendo controles por resultados.

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Assim, apesar de polêmica, a Parceria Público-Privada é uma saída à atual situação do sistema prisional e, como vimos, não é inconstitucional, vez que o Estado continuará exercendo sua função e aquilo que atualmente não é função do Estado será exercido pelo parceiro privado que tem condições e competência suficientes para tanto, antes que impere o caos total no Estado Brasileiro.


CONCLUSÃO

A situação atual do sistema penitenciário brasileiro é, notoriamente, caótica. A ressocialização do apenado, nos dias de hoje, não passa de uma mera utopia. Sem falar que os nossos presídios são verdadeiras "universidades do crime". As penitenciárias e as cadeias em delegacias não passam de depósitos humanos, sem a mínima condição de salubridade, sem falar em dignidade humana, em superlotação, em uso de drogas, e em transmissão de doenças.

O que podemos esperar de uma pessoa que ingressa num sistema desses, que após ter cumprido sua pena, retorna ao convívio em sociedade?

O fator mais importante a ser enfrentado na tentativa de se buscar novos paradigmas para a administração prisional é a garantia do princípio da dignidade humana ao preso. O interno que ingressa em nosso atual sistema prisional, ao retornar para o convívio em sociedade, o faz mais revoltado com o que sofreu lá dentro e mais especializado em crimes, devido ao que lá aprendeu. O Estado não proporciona a esse presidiário a oportunidade de quitar sua dívida com a sociedade, pelo crime que cometeu, de maneira minimamente digna.

Em razão disso, busca-se uma nova alternativa para gerenciamento dos presídios, por meio de um contrato administrativo conhecido como Parcerias-Público Privadas.

Apesar de não termos grandes experiências nesse sentido, a prática nos mostra que seria, sim, uma saída para a solução dos problemas enfrentados. A adoção do sistema de parceria público-privadas em presídios já é uma realidade, ficando a cargo do parceiro privado o investimento para a construção do sistema penitenciário, a operação e manutenção desse sistema.

Em contrapartida, o Poder Público continua com sua função jurisdicional e com diversas obrigações, tais como, nomear os diretores e chefes de funções-chave do estabelecimento penal; proporcionar segurança interna e externamente ao presídio; executar as penas e/ou medidas de segurança em todas as suas acepções.

Essa nova realidade poderá trazer benefícios no sentido de aumentar a capacidade de vagas no sistema prisional, melhorando um dos maiores problemas enfrentados: a superlotação.

Além disso, a PPP Penitenciária poderá proporcionar um cumprimento de pena de maneira digna ao presidiário; estabelecer parcerias com a sociedade no sentido de proporcionar trabalho ao apenado e com isso facilitar sua ressocialização, além de desonerar o Estado no tocante a investimentos em curto prazo (verbas para construção de unidades prisionais).

A implantação do sistema de PPPs na gestão de estabelecimentos prisionais, diante da realidade carcerária vivida hoje pelo País, enseja, em nosso entendimento, aspectos profundamente positivos. O Poder Público há de estar presente na fiscalização, não sendo, portanto, inconstitucional.

Inconstitucional seria continuar como está, ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana. Acreditamos que esse novo modelo de gestão prisional, que agora inicia seu procedimento de implantação, trará muitos benefícios para a sociedade, mormente se comparado com o atual modelo vigente.


Nota

[1] Disponível em: https://www.bnb.gov.br/content/aplicacao/desenvolvimento_em_acao/projeto_ppp/docs/presidio_mg_ppp.pdf

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REINA, Mariana Oliveira Garrido. A terceirização do sistema prisional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4469, 26 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33963. Acesso em: 16 abr. 2024.

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