Conclusão
O Supremo Tribunal Federal consolidou uma jurisprudência de caráter notadamente ativista. Se entendermos o ativismo judicial qual uma mudança de postura, a conduzir a ampliação das missões tradicionalmente confiadas à jurisdição constitucional, observar-se-á uma ampliação no papel do Poder Judiciário enquanto instituição jurídica - na salvaguarda dos direitos fundamentais - e política - no controle de políticas públicas.
Nesse sentido, é correto afirmar que o combate às omissões inconstitucionais também integra o ideário do ativismo judicial. Afinal, é incontestável que a inércia do Poder Público também viola a Constituição, na medida em que a conduta omissa impede o exercício de direitos constitucionais, máxime aqueles que dependem de lei regulamentadora.
Esse é o caso do usuário de serviços públicos no Brasil. Como a lei que viria a regulamentar sua defesa não foi elaborada, o entendimento pretoriano acabou por atenuar as consequências da inação legiferante. Com esse fim, consolidou-se a aplicação do CDC às relações que envolvam consumidor-usuário diante dos prestadores de serviços públicos. Porém, o microssistema jurídico consumerista, apesar do seu caráter garantista, não satisfaz em plenitude a proteção especial a que faz jus o usuário de serviços públicos. O fundamento é que nem todas as situações permitem a incidência do CDC (caso dos serviços públicos próprios gerais, por exemplo). Consequentemente, há hipóteses em que o usuário acaba por ver-se desprotegido ante a inertia deliberandi do legislador. Ao fim e ao cabo, tem-se aí inarredável lesão ao texto constitucional.
Por essa razão, entendo que o ativismo judicial na jurisprudência do STF tem se constituído em fator importante de garantia da supremacia e eficácia das normas da Constituição de 1988. Ao adotar postura mais rigorosa no combate a omissões inconstitucionais, inclusive a estabelecer prazo razoável para o legislador sanar sua omissão, tal como fez ao julgar a ADI 3682/MT, a Suprema Corte brasileira evidencia a importância da jurisdição constitucional para a sobrevivência do Estado Democrático de Direito, que, por ser um Estado Constitucional, não pode prescindir do asseguramento da força normativa da Constituição.
Do aqui exposto, se analisarmos a questão sob a ótica do enquadramento dos contratos bancários no signo contratos de adesão, veremos é comum as instituições financeiras usarem contratos que, em geral, obedecem a padrões prévios, não conferindo qualquer margem negocial, receados de cláusulas pouco compreensíveis, nada discutíveis e leoninas, limitando-se aqueles que necessitam de crédito a aderir ou não, sendo que, às vezes, o contrato é realmente indispensável e não há a quem recorrer.
Se verificarmos a configuração dos bancos no signo fornecedor, delineado pelo próprio CDC, verificando, em suas operações, o fornecimento de produtos e/ou serviços, esbarramos no texto expresso do art. 3°, que define fornecedor como toda pessoa física ou jurídica que desenvolve atividades de distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços, e combinando com o § 2° desse mesmo artigo, que define serviço, neste incluindo as operações de natureza bancária, financeira, de crédito, portanto, temos que os bancos são realmente fornecedores, não restando a menor dúvida.
Evidente, pela conjugação destes dois aspectos, que há relação de consumo nos contratos bancários, tanto nas operações bancárias precípuas (intermediação do crédito), quanto nas assessórias (atividades bancárias, como fornecimento de cartões, caixas, descontos, etc), pois, em ambos os casos, o princípio da autonomia da vontade fica reduzido à mera aceitação do conteúdo do contrato. Daí, sem dúvida, enquadrar-se, como hipossuficiente, o aderente.
Parece-me, inclusive, que, nas chamadas operações bancárias típicas, a aplicação do CDC é ainda mais imprescindível, na medida em que é exatamente nessas que ocorrem os mais violentos danos aos consumidores, as maiores desproporções e desequilíbrios entre as prestações, com flagrantes afrontas aos princípios contratuais esboçados no Diploma Consumerista.
Portanto, na medida em que se tem, como preocupação central do CDC, a busca do equilíbrio contratual, da boa-fé, da vedação à onerosidade excessiva, há que se admitir sua aplicação aos contratos bancários, especialmente para dar ensejo à revisão do contrato e anulação das cláusulas abusivas, bem como interpretação e mesmo modificação contratual que conduza ao equilíbrio, impedindo o locupletamento ilícito dos bancos em detrimento dos consumidores.
Comungamos com a posição do STJ, já reiteradamente demonstrada, e com sua Súmula 297, que põe fora de dúvida, no entendimento desta Alta Corte, a aplicabilidade do CDC aos contratos bancários, privilegiando este importante instrumento jurídico de defesa do consumidor.
REFERÊNCIAS
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