3. CLÁUSULAS LEGAIS ADJETAS AO CONTRATO
Dada sua natureza de captação de poupança popular, e o atendimento do interesse público, o Estado através de lei ou regulamento estabelece os elementos essenciais para que o contrato de consórcio possa existir, tratando-se de condições extra-contratuais sempre presentes na modalidade.
3.1. Contribuição Mensal
É a contribuição principal paga por todos os consorciados para formação de poupança na forma de auto-financiamento. Por ser base do negócio, e possuir grande relevância para a manutenção do Sistema, o Estado acabou por limitar a liberdade de contratar concernente ao cálculo do valor dessa contribuição. Determina o art. 43. do Decreto n.° 70.951/72 que seu valor nunca será inferior a 1,66% do preço do bem para contratos com prazo de 60 (sessenta) meses, e de 3,778% para os com prazo de 36 (trinta e seis) meses.
Perceba-se que quando o prazo é menor, a prestação deve ser maior, em obediência à lógica financeira que se ateve a norma.
Esmiuçando a questão, o consorciado pretende pagar até 100% do preço do bem, sendo que se ele optar pelo prazo de 60 (sessenta) meses, então: 100 ÷ 60 = 1,66% do preço. Mas se ele optar pelo prazo de 36 (trinta e seis) meses, então: 100 ÷ 36 = 3,778% do valor do preço do bem. Portanto, o que o legislador determinou é que o valor da contribuição mensal será no mínimo a divisão do preço pelo prazo.
Ainda, a contribuição mensal principal, denominada contribuição seca, deverá ser somado os acessórios, quais sejam a contribuição destinada ao fundo de reserva, a taxa de administração e o prêmio de seguro, se contratado.
De forma bem didática, demonstra Fabiano Lopes Ferreira (1998), como ocorre na prática o cálculo da contribuição mensal total, somada pelos acessórios, veja-se:
Primeiro exemplo
Considerando que o valor do bem objeto do plano (crédito) seja R$ 10.000,00, que o percentual da Taxa de Administração seja 10%, aplicado sobre o valor da contribuição mensal seca, que o percentual do Fundo de Reserva seja de 5% aplicado sobre o valor da contribuição mensal seca e que o percentual do Seguro de Vida seja de 0,084%, aplicado sobre o valor do crédito acrescido da Taxas de Administração e do Fundo de Reserva, temos o seguinte:
R$ 10.000,00 => valor do bem
R$ 200,00 => contribuição mensal seca
[50] meses => prazo de duração do grupo
1. Valor do bem (crédito)...............................................................10.000,00
2. Valor da contribuição mensal seca..................................................200,00
3. Percentual da Taxa de Administração – 10%....................................20,00
4. Percentual do Fundo de Reserva – 5%..............................................10,00
5. Valor do bem (crédito) com as taxas..........................................11.500,00
6. Percentual do Seguro de Vida – 0,84%..............................................9,66
RESULTADO
Somando 2+3+4+6, temos:
R$ 200,00 (Contribuição mensal seca)
R$ 20,00 (Taxa de Administração)
R$ 10,00 (Fundo de Reserva)
R$ 9,66 (Seguro de Vida)
R$ 239,66 => Valor mensal da prestação
Segundo exemplo
A outra forma, ainda mais técnica, consiste em trabalhar com os valores em percentuais.
Considera-se o valor do bem objeto do consórcio (crédito) como 100%, divide-se este percentual pelo prazo previsto para duração do grupo e encontra-se o percentual mensal de contribuição do consorciado. Em seguida, basta acrescentar a Taxa da Administração, o Fundo de Reserva e o Seguro de Vida, se for o caso.
100% => Valor do bem (crédito)
2% => Percentual de contribuição mensal seca
[50] meses => Prazo de duração do grupo
Uma vez encontrado o percentual de contribuição mensal, para transformá-lo em Real, que é a moeda corrente no País, basta multiplicá-lo pelo valor do bem objeto (crédito), encontrado, assim, o valor da contribuição mensal do consorciado em Real. Depois, é só adicionar as taxas legais, conforme verificadas no primeiro exemplo:
2% x R$ 10.000,00 = R$ 200,00 => contribuição mensal seca
Terceiro exemplo
A forma mais simples e mais rápida para se calcular uma prestação de consórcio consiste em somar os percentuais das taxas legais 1, multiplicar o resultado pelo valor do bem objeto (crédito), encontrando assim o valor total das taxas cobradas 2, somar o valor encontrado referente às taxas com valor do bem objeto 3 e dividir o resultado pelo prazo de duração do grupo 4. Não se pode esquecer de que o percentual mensal do seguro de vida nesse exemplo de grupos de cinqüenta meses de duração é de 4,778%:
1. Percentual da Taxa de Administração (TX)...............................................10%
Percentual do Fundo de Reserva (FR)..........................................................5%
Percentual do Seguro de Vida (SG).......................................................4,778%
Total dos percentuais das taxas legais = 19,788%
2. 19,778% x R$ 10.000,00 = R$ 1.977,80
3. R$ 10.000,00 + R$ 1.977,80 = R$ 11.977,80
4. R$ 11.977,80 = R$ 239,55
[50] meses
A pequena diferença de 11 centavos verificada em relação ao primeiro exemplo é devida ao arredondamento das dízimas periódicas da calculadora.
Contudo, o método de cálculo da contribuição mensal de que trata os exemplos acima, pertence somente para o contrato que tenha como objeto bens móveis. A legislação específica tratou, em seu art. 47, III do Decreto 70.951, de estipular o piso de 1% (hum por cento) para os consórcios de bens imóveis, dado seu valor mais elevado. Tal percentual procurou ficar mais abaixo dos que já vimos justamente para resultar numa contribuição mensal viável ao homem médio.
3.2. Acessórios
As contribuições acessórias integram o valor total mensal pago por cada consorciado. Se compõem da contribuição ao Fundo de Reserva, a Taxa de Administração, a Taxa de Adesão e os Prêmios de Seguros.
3.2.1. Do Fundo de Reserva
Previsto inicialmente no art. 45. do Decreto n.° 70.951/72 e posteriormente também em resoluções e portarias. A questão mais importante é a sua finalidade; visa suprir eventuais imprevistos no caixa que impossibilitem sortear pelo menos um bem naquele mês, isto é, cobre furos sazonais de inadimplência e aumento do preço do bem, por exemplo.
Justamente por se tratar de uma reserva para eventual prejuízos, possui caráter de adiantamento das prestações, que não sendo utilizado deve ser revertido em benefício individual de cada integrante do grupo que o pagou. Como bem esclarece o Renomado Advogado Elias Mattar Assad, in verbis:
É em outras palavras, uma espécie de adiantamento compulsório que os prestamistas, fazem ao caixa do grupo, de cujos percentuais ficam credores. [...] tanto é assim que, toda vez que os percentuais do caixa do grupo se apresentarem suficientes para aquisição de uma unidade, do bem objeto do plano, a arrecadação do fundo é suspensa e a unidade adquirida dessa forma, é distribuída entre os integrantes do grupo.21
Sua forma de cálculo varia conforme diretrizes do Banco Central do Brasil, a situação legal do fundo de reserva encontra no art. 45. do Decreto n.° 70.951/72, têve sua delegação de competência ao Ministério da Fazenda revogada pela Lei 8.177/91, a qual transferiu ao BACEN, que por sua vez determinou um limite “de até 5%, aplicada sobre o valor da contribuição mensal”.22
Em outras palavras, cada consorciado paga um valor 5% a mais na contribuição mensal; essa soma é acumulada numa conta, denominada fundo de reserva; e contabilizada em separado do fundo comum, para ser utilizado somente nos casos mencionados, não perfazendo em oneração do plano, por constituir simples antecipação do principal nos termos do art. 31. da Circular 2.196/92 do BACEN.
3.2.2. Da Taxa de Administração
É a contraprestação a que fica obrigado cada consorciado pelos serviços de “formação, organização e administração dos grupos”
de consórcio. Segundo Rizzardo (2006), “De acordo com o art. 42. do mesmo decreto (Decreto n.º 70.951/72) as despesas de administração cobradas pela sociedade de fins exclusivamente civis não ultrapassarão a um doze por cento do valor do bem, quando este for de preço até cinqüenta vezes o salário mínimo, e a dez por cento se o preço superar esse limite. No tocante às associações civis de fins não lucrativos a às sociedades mercantis que organizarem consórcio para aquisição de bens de seu comércio ou fabrico, são autorizadas a cobrar as despesas de administração efetivas e comprovadamente realizadas com a gestão do consórcio, no máximo até a metade das taxas acima (§ 1º do art. 42).”23
Na prática, por ser o preço do bem dividido em contribuições mensais, o montante a ser pago à título de Taxa de Administração é representado por um percentual calculado sobre a contribuição mensal que não pode variar ao longo do tempo, devendo, ainda, ser igual para todos os integrantes do mesmo grupo. A norma técnica atualmente vigente reza o que segue:
Art. 34. A taxa de administração será fixada pela administradora no contrato de adesão do consorciado, devendo ser fixado o mesmo percentual para todos os participantes do grupo, sendo vedada sua alteração para maior durante o prazo de duração do grupo.24
3.2.3. Da Taxa de Adesão
Com previsão legal no art. 42, § 2° do Decreto 70.951/72, é o valor percentual, pago somente uma vez, por cada interessado no ato da celebração do contrato. Esse valor é destinado à remuneração da administradora, visa antecipar receita para operar o grupo, isto é, iniciar as atividades e pagar os custos iniciais com pessoal e material:
Geralmente as administradoras destinam esse percentual para a comissão dos corretores, daí a necessidade do abatimento do encargo de administração, ou seja, pelo fato de ser um ato de administração carrear pessoas para participação no grupo.25
Portanto, entre a relação administradora/consorciados, a taxa de adesão constitui um sinal de negócio ou arras para o serviço que será prestado; uma antecipação, que na hipótese da não constituição do grupo deve ser restituída, pois a inexecução do contrato se deu por quem recebeu arras, seja por falha na captação de interessados suficientes ou qualquer outra exigência legal não atingida pela administradora. Nesse caso, definitivamente não são os consorciados que dão causa a inexecução do contrato, assim, entendeu por bem o legislador determinar expressamente a devolução.
Constituído o grupo, determina o art. 42, § 2° do Decreto 70.951/72, em perfeita sintonia com o instituto da arras, art. 417. do Código Civil, que a taxa de adesão será compensada nas taxas de administração.
A forma de cálculo da taxa de adesão é bem simples, obtida pelo percentual correspondente ao preço do bem. Esse percentual está limitado a 1% (um por cento) nos termos do Decreto supra, entretanto, o art. 35, II do regulamento anexo à Circular n.° 2.196/92.
De qualquer forma, a taxa de adesão não onera o consórcio, porque seu pagamento é aproveitado; subtraído das futuras taxas de administração, não caracterizando um plus à administradora. Diga-se de passagem, que uma taxa de adesão muito alta pode desestimular as adesões, entretanto, é público e notório que sua limitação acaba sendo determinada pelas leis da oferta e procura e da livre concorrência.
3.3. Sorteios e Lances
São formas de contemplação, um direito dos consorciados e dever da administradora. Determina o art. 12, § 1° e § 2° aquela Circular que as contemplações só podem ocorrer em assembléia geral ordinária, dado o interesse que a fazem jus os consorciados no acompanhamento do processo. Outra intervenção Estatal importante na modalidade é a obrigatoriedade da administradora utilizar no mínimo 50% do valor arrecadado para o sorteio, assim impedindo que maus empresários desvirtuem a própria finalidade do consórcio, qual seja a contemplação do consorciado antes do prazo.
Imagine-se um grupo com prazo de cem meses possuindo o mesmo número de consorciados, a cada mês é possível sortear um bem, já que o valor da parcela é, como já vimos, a divisão do preço do bem pelo prazo. Agora se em outro grupo, de mesmo prazo, possuir quatrocentos consorciados, isto é o quádruplo, a administradora poderá sortear até quatro bens por mês, sendo que a norma supra citada a obriga sortear ao menos 50% por cento dos valores, isto é, no mínimo dois bens, o valor restante deve permanecer no fundo comum do grupo.
Iniciada a assembléia, primeiro se faz o sorteio geral concorrendo, somente os consorciados adimplentes, presentes ou não, restando saldo em caixa, conforme determina o art. 1°, I da Circular n.° 2.716/96 do Banco Central do Brasil, se passa então para as ofertas de lance, saindo vencedor e contemplado o consorciado que oferecer o de maior valor. Como já vimos, os Lances podem ser secretos em envelopes fechados ou abertos na forma de leilão. No caso de empate entre os lances o contrato pode prever o sorteio entre os empatados ou a complementação de desempate.
Os consorciados não vencedores no lance terão seus valores “utilizados para amortizar as prestações [sic] na ordem inversa dos vencimentos, ou seja, a começar pela última prestação”26, funcionando como forma de pagamento antecipado.
3. 4. Prazo
Outra condição essencial do negócio. Não está determinada em lei, mas por delegação de competência conferida pela Lei 8.177/91. São os prazos mínimos e máximos estipulados por intermédio da Circular 2.766/97 do Banco Central do Brasil, in verbis:
Art. 4° Os grupos de consórcio referenciados nos bens mencionados abaixo ficam sujeitos aos seguintes prazos de duração:
I – 180 (cento e oitenta) meses, no máximo, para grupos referenciados em bens imóveis;
II – 100 (cem) meses, no máximo, para grupos referenciados em caminhões, ônibus, tratores, equipamentos rodoviários, máquinas e equipamentos agrícolas, aeronaves e embarcações;
III – 50 (cinqüenta) meses, no mínimo, e 60 (sessenta) meses, no máximo, para grupos referenciados em automóveis, caminhonetas e utilitários;
IV – 36 (trinta e seis) meses, no máximo, para grupos referenciados em serviços turísticos;
V – 24 (vinte e quatro) meses, no mínimo, e 60 (sessenta) meses, no máximo, para grupos de consórcio referenciados em eletrodomésticos;
VI – 60 (sessenta) meses, no máximo, para grupos referenciados em bens não mencionados nos incisos anteriores.
3.5. Bens que Podem Ser Objeto de Consórcio
Originalmente, mesmo antes da regulamentação e intervenção oficial no sistema, seu objeto principal eram veículos automotores, em especial os carros de passeio. Atualmente, com a evolução e disseminação, o consórcio passou a ampliar seu público alvo para inúmeras espécies de bens de consumo.
De acordo com as normas oficiais vigentes, notadamente as Circulares n. 2.196, de 30/6/92, 2.230, de 23/9/92, 2.386, de 2/12/93, e 2.312, de 26/5/93, todas do Banco Central do Brasil, e a Portaria n. 28, de 5/3/90, do Ministério da Fazenda, podem ser objetos de grupos de consórcio os seguintes bens:
1. automóveis nacionais e importados novo;
2. utilitários;
3. caminhões;
4. ônibus e microônibus;
5. tratores;
6. máquinas e equipamentos agrícolas;
7. camionetas;
8. motocicletas e motonetas;
9. aeronaves;
10. barcos;
11. buggies;
12. eletrônicos e eletrodomésticos;
13. kits de casas préfabricadas;
14. imóveis residenciais;
15. bilhetes de passagens aéreas e outros.27
Perceba-se que a própria norma optou por tornar o rol expressamente exemplificativo ao incluir o termo outros em seu texto.
Vale mencionar que até então existia uma resistência legal que limitava o sistema apenas à bens duráveis, o que acabou balizado pela previsão dos bilhetes de passagens aéreas, indubitavelmente não duráveis.
Portanto, definitivamente, a qualidade do bem objeto deixou de ser fator de condição legal. Está o sistema, limitado apenas as leis mercadológicas da oferta e procura quanto ao objeto. Nada impede a criação, por exemplo, de grupos destinados à contemplação de pneus, senão a quantidade de interessados nesse fim.