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A (in)constitucionalidade da Lei Complementar nº 110/01

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01/11/2002 às 00:00
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DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE

Superada a discussão acerca da natureza jurídica das questionadas exações, bem como identificada a respectiva espécie tributária, resta perquirir se a sua instituição está em conformidade com as normas gerais de Direito Tributário.

De plano já se nota que em relação à espécie legislativa pertinente e à competência tributária não há qualquer vício no diploma questionado. De fato, nos termos do art. 146, III, a, da Carta Política, a definição de tributos, abrangendo fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, deverá ser feita por meio de lei complementar, como no caso em tela. Ademais, diz o art. 149 da CF que "compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais (...)", e por estarmos diante de uma contribuição social, como visto acima, também aqui se respeitou o texto magno.

Contudo, deve-se ressaltar que o mesmo art. 149 ainda prescreve que na instituição das contribuições, quaisquer que sejam elas, deverá ser "observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo". Em outras palavras, disse o constituinte que ao se criar novas contribuições, sociais, de intervenção no domínio econômico ou de interesse de categorias profissionais e econômicas, isso deverá ser feito por meio de lei complementar e deverão ser respeitados os princípios da estrita legalidade, da irretroatividade e da anterioridade, ou seja, só poderá a contribuição ser instituída mediante lei, não poderá se referir a fatos anteriores à sua vigência e, o que mais nos interessa no momento, só poderá ser exigida no exercício seguinte ao da sua instituição.

Ocorre que, ao final do artigo mencionado previu-se uma exceção ao princípio da anterioridade, que acaba tendo sua aplicação estendida por alguns para alcançar todas as contribuições sociais. Na verdade, o art. 195, § 6º, mencionado prevê:

"Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro;

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;

III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

(...)

§ 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, ‘b’."

Portanto, vê-se do disposto no § 6º acima que a chamada anterioridade mitigada, ou noventena, i.e., o lapso de 90 dias entre a instituição da contribuição e a sua exigibilidade, só pode ser aplicada às contribuições de que trata aquele artigo 195, ou seja, às contribuições sociais para custeio da Seguridade Social. Logo, é conclusão óbvia que as demais contribuições sociais, diversas daquelas dirigidas à seguridade, deverão observar as regras gerais do sistema tributário, entre elas a anterioridade. De fato, não é difícil compreender que o art. 149 instituiu uma regra, qual seja, que a criação de contribuições deve respeitar o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, da CF, cuja exceção é a prevista no art. 195, § 6º, em relação às contribuições previdenciárias. Ademais, é corolário da hermenêutica jurídica, e não só dela, a regra de que as exceções devem ser interpretadas restritivamente, logo, não há como querer estender sua aplicação às contribuições sociais em geral.

Assim sendo, é evidente que o art. 14 da LC n. 110/01 feriu a regra prevista no art. 150, III, b, da Constituição Federal, ao dispor que

"Art. 14. Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos:

I – noventa dias a partir da data inicial de sua vigência, relativamente à contribuição social de que trata o art. 1º; e

II – a partir do primeiro dia do mês seguinte ao nonagésimo dia da data de início de sua vigência, no tocante à contribuição social de que trata o art. 2º".


DA BASE DE CÁLCULO

Outro aspecto em relação ao qual não podemos passar em brancas nuvens ao analisar as contribuições instituídas pela lei em comento refere-se à sua base de cálculo. De fato, são duas as contribuições criadas por essa lei complementar, previstas nos arts. 1º e 2º, cujas bases de cálculo são, respectivamente, o saldo da conta vinculada do FGTS do empregado demitido injustamente (fato gerador) e o montante pago como remuneração do mês anterior (fato gerador) aos empregados.

Acerca desse tema, o professor Paulo de Barros Carvalho compartilha da opinião dos maiores tributaristas pátrios que reconheceram e continuam reconhecendo a expressiva relevância da base de cálculo na composição do fenômeno tributário, inclusive como instrumento para sua legitimação. Entende o citado autor

"que a base de cálculo é a grandeza instituída na conseqüência da regra-matriz tributária, e que se destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico, para que, combinando-se à alíquota, seja determinado o valor da prestação pecuniária. Paralelamente, tem a virtude de confirmar, infirmar ou afirmar o critério material expresso na composição do suposto normativo. A versatilidade categorial desse instrumento jurídico se apresenta em três funções distintas: a) medir as proporções reais do fato; b) compor a específica determinação da dívida; e c) confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da descrição contida no antecedente da norma" (4).

Não há dúvidas, então, que a presente análise sobre a base de cálculo apresenta maior relevância do que imaginam os mais desavisados. É cediço que o legislador pode eleger como fato tributável qualquer conduta humana lícita, com poucas exceções, o que torna bastante extenso e, aparentemente, de difícil controle o poder de império. No entanto, também é sabido que esse fato deve apresentar um valor que será tributado, mas nem sempre isso ocorre. É nesse momento que surge a importância da base de cálculo, pois é ela que irá medir ou, se for caso, atribuir o valor ao fato tributável. Contudo, é mister salientar que "quando se fala em anunciar a grandeza efetiva do acontecimento, significa a captação de aspectos inerentes à conduta ou ao objeto da conduta que se aloja no miolo da conjuntura do mundo físico" (5). Em outras palavras, é imprescindível uma relação de pertinência entre a base de cálculo e o fato que desencadeia a relação tributária, é nele que o legislador deve procurar um aspecto que lhe permita mensurar ou atribuir um valor monetário.

Assim, ao voltarmos novamente os olhos para as exações da LC n. 110/01, perceberemos que, em relação à contribuição do art. 2º, nenhum reparo há que ser feito, haja vista que ela é devida em virtude do fato de remunerar empregados e a base de cálculo é a própria remuneração paga. O mesmo, porém, não se pode dizer em relação à do art. 1º, pois ela é exigível em virtude da demissão sem justa causa, enquanto que a base de cálculo é o saldo existente na conta vinculada do FGTS do empregado demitido. Assim, não obstante o dispositivo mencionado estabeleça como base de cálculo "o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho", ou seja, ainda que a base de cálculo tenha um relativo vínculo com o contribuinte, pois se refere ao saldo dos depósitos feitos por ele, é evidente que, nesse caso, não há relação de pertinência entre essa mesma base de cálculo e o fato gerador que é a demissão injustificada. Diferente seria, e.g., se a base de cálculo fosse o montante das verbas rescisórias devidas ao empregado dispensado injustamente (demissão sem justa causa – verbas rescisórias), ou ainda se o fato tributável fosse manter vínculo empregatício com trabalhador titular de conta vinculada do FGTS (relação de emprego – saldo do FGTS). Portanto, a base de cálculo da contribuição prevista no art. 1º não se presta a revelar o valor econômico do fato que desencadeia a relação tributária.

Ademais, corroborando essa conclusão, há falar que, para superar as corriqueiras incoerências nas terminologias legislativas, os hermeneutas "encontraram na base de cálculo índice seguro para identificar o genuíno critério material da hipótese", haja vista que

"a grandeza haverá de ser mensuradora adequada da materialidade do evento, constituindo-se, obrigatoriamente, de uma característica peculiar ao fato jurídico tributário. Eis a base de cálculo, na sua função comparativa, confirmando, infirmando ou afirmando o verdadeiro critério material da hipótese tributária. Confirmando, toda vez que houver perfeita sintonia entre o padrão de medida e o núcleo do fato dimensionado. Infirmando, quando for manifesta a incompatibilidade entre a grandeza eleita e o acontecimento que o legislador declara como a medula da previsão fáctica. Por fim, afirmando, na eventualidade de ser obscura a formulação legal, prevalecendo, então, como critério material da hipótese, a ação-tipo que está sendo avaliada" (6).

Por fim, não basta buscarmos uma base de cálculo que expresse um valor econômico do fato tributável e que possua relação de pertinência com ele, é preciso, ainda, que ela revele sinais de riqueza do contribuinte. Estamos falando da função, talvez, mais importante da base de cálculo, a observância do princípio da capacidade contributiva, o qual, não obstante não esteja mais expresso no texto constitucional, não há dúvidas que deve ser respeitado por ser uma decorrência implícita dos princípios adotados pela Lei Maior.

Mas ainda não é só isso. Além de expressar um valor econômico e sinais de riqueza, a base de cálculo deve ser um instrumento de efetivação do princípio da capacidade contributiva, o que é feito através da distribuição de riquezas, que só é possível através de uma divisão eqüitativa da carga tributária por meio da proporcionalidade em relação às dimensões do fato tributável e à participação do contribuinte. Em suma, pode-se afirmar que

"realizar o princípio pré-jurídico da capacidade contributiva absoluta ou objetiva retrata a eleição, pela autoridade legislativa competente, de fatos que ostentem signos de riqueza; por outro lado, tornar efetivo o princípio da capacidade contributiva relativa ou subjetiva quer expressar a repartição do impacto tributário, de tal modo que os participantes do acontecimento contribuam de acordo com o tamanho econômico do evento" (7).

No mesmo sentido ensina o professor Sacha Calmon Navarro Coelho que

"a capacidade contributiva é a possibilidade econômica de pagar tributos (ability to pay). É subjetiva, quando leva em conta a pessoa (capacidade econômica real). É objetiva, quando toma em consideração manifestações objetivas da pessoa (ter casa, carro do ano, sítio numa área valorizada, etc.). Aí temos ‘signos presuntivos de capacidade econômica’. Ao nosso sentir o constituinte elegeu como princípio a capacidade econômica real do contribuinte" (8).

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Destarte, pode-se dizer, especificamente em relação à contribuição devida em virtude da demissão injustificada, que a sua base de cálculo não representa um meio de se observar o princípio da capacidade contributiva, primeiro porque não revela um sinal de riqueza do empregador obrigado — pelo contrário, muitas vezes até de pobreza dependendo do motivo que levou à dispensa do empregado — e, em segundo lugar, porque não contribui em nada para uma distribuição eqüitativa da riqueza e da carga tributária, haja vista que o montante existente na conta vinculada do trabalhador não revela a capacidade econômica do contribuinte, mas tão-somente a extensão do período durante o qual existiu um vínculo entre o empregado e o empregador.


DA BITRIBUTAÇÃO OU BIS IN IDEM

Por outro lado, considerando-se que a base de cálculo da contribuição social prevista no art. 2º da LC n. 110/01, como visto acima, preenche os requisitos e atende às finalidades que lhe são pertinentes, poder-se-ia questionar ainda se não é ela um exemplo de bitributação ou de bis in idem, senão vejamos.

De fato, o art. 195, § 4º, da Constituição Federal prevê:

"Art. 195. (...)

(...)

§ 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I."

Já o art. 154, I, confere à União a faculdade de instituir impostos não previstos no art. 153, desde que o faça por meio de lei complementar e que não sejam eles cumulativos nem tenham fato gerador ou base de cálculo próprios daqueles outros discriminados na CF.

Daí decorrem duas interpretações. A primeira delas é no sentido de que, assim como ocorre com os impostos, a União estaria impedida de instituir contribuições sociais que cumulassem com outras contribuições sociais e que tivessem mesmo fato gerador ou base de cálculo. Outros porém, entendem que, como o art. 154 se refere expressamente a impostos, o que quis o constituinte foi que a União não criasse contribuições cumulativas com aquela espécie tributária, nada impedindo a incidência de mais de uma contribuição social sobre o mesmo fato gerador ou com a mesma base de cálculo.

Evidente que a interpretação a ser adotada é a primeira, no que, inclusive, compartilhamos da opinião de Roque Carrazza, o qual, ao analisar a possibilidade de incidência de contribuição social sobre os rendimentos (fato gerador do imposto sobre a renda), ensina que:

"Desde logo fica evidente que de bitributação não se cogita, porque os tributos em apreço são pretendidos por uma única pessoa política: a União [e a bitributação decorre da imposição de tributos sobre o mesmo fato por diferentes pessoas políticas].

Mas, também não há falar em bis in idem, porquanto a destinação necessária do produto da arrecadação confere, à contribuição, materialidade diversa daquela do imposto sobre a renda, ainda que incidindo sobre base econômica equivalente. Melhor explicitando: um (o imposto sobre a renda), tem por materialidade a obtenção de rendimentos, pura e simplesmente; a outra (a contribuição), a obtenção de rendimentos, tendo em vista o custeio da Seguridade Social" (9).

Assim sendo, considerando que, como já demonstrado acima, a contribuição social do art. 2º da LC n. 110/01 não é uma contribuição para custeio da Seguridade Social, como a do art. 195, I, a, da CF — incidente sobre a folha de salários —, bem como que o art. 195 e seus parágrafos referem-se especificamente a estas contribuições para seguridade, pode-se afirmar que, mutatis mutandi, também não há aqui hipótese de bitributação ou bis in idem.

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Sobre o autor
Ricardo Pael Ardenghi

Bacharel em Direito. Analista Judiciário da Justiça Federal da 3ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARDENGHI, Ricardo Pael. A (in)constitucionalidade da Lei Complementar nº 110/01. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3423. Acesso em: 22 nov. 2024.

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