DA FINALIDADE DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS
Não obstante seja já suficiente o exposto até aqui para que se chegue a uma conclusão acerca da constitucionalidade das contribuições sociais instituídas pela LC n. 110/01 e ainda que não tenha sido expressamente impugnado pela impetrante o art. 4º da mencionada lei, é mister se fazer uma sintética análise da finalidade dos recursos provenientes dessas exações.
Comentou-se acima que as contribuições em tela são tributos não-vinculados que se diferenciam dos impostos em sentido estrito apenas pela sua vinculação prévia. Demonstrou-se ainda que o FGTS é um fundo de caráter social, o que nos autoriza a afirmar que os mencionados tributos são contribuições sociais. No entanto, muito se questiona a sua constitucionalidade alegando-se que eles deveriam ser direcionados a uma função social e não para cobrir débitos da CEF ou da União em virtude dos "expurgos inflacionários de 1988 e 1989".
Na verdade, tratam-se de fatos diversos e que, portanto, devem ser analisados separadamente. Em primeiro lugar, as contribuições sociais criadas destinam-se ao FGTS, que é um fundo com finalidades sociais, logo, não apresentam, até aí, nenhuma irregularidade. Fato distinto é a nova destinação dos recursos do fundo instituída no art. 4º da norma em comento, saldar débitos para com os titulares das contas vinculadas oriundos de planos econômicos do governo federal, quando correções monetárias foram feitas a menor, os quais foram reconhecidos por uma decisão do STF. De fato, essa finalidade não possui o caráter social que caracteriza hodiernamente o FGTS.
Portanto, o vício está na nova destinação de recursos instituída pelo art. 4º da LC n. 110/01, e não atinge a validade das contribuições dos arts. 1º e 2º, não obstante sejam elas inválidas por razões diversas já expostas. Em outras palavras, afirmar que a União, ou quem lhe faça as vezes, não pode empregar os recursos do FGTS no fim estabelecido no artigo acima, não implica, por si só, impedir a cobrança das contribuições sociais instituídas. Até porque, se assim fosse, em sendo estabelecida pela União, por meio de lei complementar, uma destinação pré-estabelecida para os recursos provenientes da arrecadação do imposto sobre a renda, que seria indubitavelmente inconstitucional, haveríamos de concluir aqui também pela inconstitucionalidade do tributo, maculado pela sua destinação. É evidente que tal raciocínio não procede.
CONCLUSÕES
Considerando que o FGTS, a despeito de não compor o sistema da Seguridade Social, possui atualmente um caráter eminentemente social, e que as exações criadas pela Lei Complementar n. 110/01 a ele se destinam, constituindo, por conseguinte, verdadeiras contribuições sociais, as quais diferem daquelas destinadas ao custeio da Seguridade Social e não gozam do benefício excepcional da anterioridade mitigada — ou noventena —, específico destas últimas, podemos concluir o seguinte.
1. É inconstitucional o art. 14 da LC n. 110/01, pois, como ressaltado acima, as contribuições sociais instituídas pela lei em questão não se confundem com aquelas destinadas ao custeio da Seguridade Social, não se lhes aplicando, portanto, a exceção do art. 195, § 6º, da CF, devendo, na verdade, seguir a regra geral do princípio da anterioridade prevista no art. 150, III, b, i.e., só podem ser exigidas no exercício seguinte ao da sua instituição;
2. Ainda que o princípio da anterioridade houvesse sido respeitado não haveria salvação para a contribuição social criada pelo art. 1º da lei em tela, haja vista que a sua base de cálculo não possui qualquer relação de pertinência com o fato desencadeador da relação tributária, bem como não respeita o princípio constitucional tributário da capacidade contributiva;
3. O único vício que macula a contribuição social do art. 2º da LC n. 110/01 é a não observância do princípio da anterioridade, logo, em sendo declarado judicialmente inconstitucional o art. 14 do mesmo diploma legal, é perfeitamente possível se dar uma interpretação constitucional àquele dispositivo, estabelecendo que a sua exigibilidade se dará nos termos da regra geral, ou seja, apenas no exercício financeiro seguinte ao da sua criação, ou ainda, tão-somente a partir do dia 1º de janeiro de 2002;
4. Por fim, a despeito de não interferir na validade dos tributos criados pela mesma lei, a nova destinação dada aos recursos do FGTS pela LC n. 110/01 não constitui um fim social, logo, também padece da inconstitucionalidade, a qual, porém, só poderá ser declarada em sede de controle concentrado de constitucionalidade.
NOTAS
- Geraldo ATALIBA. Hipótese de Incidência Tributária. 4. ed. São Paulo: RT, 1990. p. 187.
- Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1994. v. 3, p. 98.
- Alexandre de MORAES. Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002. p. 1659.
- Paulo de Barros CARVALHO. Curso de Direito Tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 323-4.
- Idem, p. 324.
- Paulo de Barros CARVALHO. op. cit., p. 327.
- Idem, p. 332.
- Sacha Calmon Navarro COELHO. O Controle da Constitucionalidade das Lei e do poder de tributar na Constituição de 1988. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p. 369.
- Roque Antônio CARRAZZA. Curso de Direito Constitucional Tributário. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 365.
BIBLIOGRAFIA
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 4. ed. São Paulo: RT, 1990.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
COELHO, Sacha Calmon Navarro. O Controle da Constitucionalidade das Lei e do poder de tributar na Constituição de 1988. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1993.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1994. v. 3.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.