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Causas de impunidade na execução penal

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22/01/2016 às 09:13
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Necessidade do aprimoramento das comunicações entre a Polícia Civil e o Poder Judiciário

Embora seja inconcebível, a realidade é que a comunicação entre o Estado-Administração e o Estado-Juiz tem sido insuficiente, o que gera uma situação de parcial anomia, de vácuo de poder, de ausência de tutela jurisdicional do direito constitucional à segurança da vida, da integridade física, do patrimônio e dos demais bens jurídicos penalmente tutelados.

Se os apenados têm o direito subjetivo de cumprirem suas penas no regime no qual foram condenados ou por força da progressão do regime ou mesmo em virtude do livramento condicional, também é certo que a sociedade tem direito à segurança, o que somente pode ser garantido pela tutela penal do Estado. Se diante da deficiência do sistema prisional, milhares de sentenciados devem cumprir suas penas em prisão domiciliar, o que constitui um anômalo estado de liberdade, no qual a responsabilidade e a autodisciplina do condenado são imprescindíveis, é igualmente necessário que o Estado também zele pela segurança da imensa maioria dos cidadãos. É necessário que o Estado atenda simultaneamente aos direitos dos apenados e dos cidadãos. Para tanto, deve ser exercida uma competente fiscalização da conduta dos condenados que cumprem as suas penas nos regimes semiaberto, aberto e os beneficiados com o livramento condicional.

A Polícia Civil, em razão de sua capilaridade, distribuída em inúmeras unidades de base territorial e especializadas, mantém ininterrupto contato com a população penalmente mais vulnerável. Até mesmo pelo estilo de vida, criminosos ou sentenciados em execução da pena (regime semiaberto, aberto ou liberdade condicional), frequentemente, são encontrados em lugares e condições suspeitas, sendo levados aos distritos policiais. O setor do Estado-Administração que reúne mais informações acerca deste segmento da população é a polícia. Assim, é do cotidiano dos distritos policiais a apresentação de apenados que não deveriam estar em lugares e locais a eles interditados por força das condições do livramento condicional ou dos regimes semiaberto e aberto. Igualmente, o conhecimento do envolvimento destas pessoas em situações incompatíveis com as suas condições jurídicas é fato corriqueiro nas unidades policiais. Mas estas informações, que estão na rotina da Polícia Judiciária, dificilmente são levadas ao Poder Judiciário. Os juízes das Varas de Execuções Penais não têm os recursos necessários para acompanharem o dia-a-dia dos apenados em liberdade, razão pela qual torna-se de vital importância o compartilhamento destas informações entre Polícia Civil e Poder Judiciário.

Por tudo isto, é imperativo que haja uma comunicação efetiva entre as unidades da Polícia Judiciária e os Juízos das Execuções Penais. A insuficiência desta comunicação se deve à ausência de uma regulamentação que a discipline. Neste sentido, seria de todo recomendável que fossem realizados constantes estudos para suprir esta deficiência.

Entendemos que algumas medidas úteis podem ser tomadas no âmbito da Polícia Civil. Nesse sentido, a autoridade policial deverá ter especial atenção em relação a situação criminal de todos que sejam conduzidos aos distritos policiais, abrangendo não apenas o cometimento de crimes, mas também condutas que se enquadrem como faltas graves por parte de apenados em regimes semiaberto, aberto ou em livramento condicional. Significa dizer, que a autoridade policial deve comunicar ao Juízo das Execuções Penais tanto as situações descritas como crimes como aquelas que  podem configurar eventual falta administrativa.

Em se tratando do cometimento de delitos por parte de apenados em liberdade, as principais peças elaboradas no flagrante ou nos autos do inquérito policial no qual ocorrer o indiciamento devem ser remetidas pela autoridade policial à Vara das Execuções Penais. Referida providência já foi regulamentada no que se refere à comunicação da lavratura de flagrante contra réu sem advogado à Defensoria Pública e não seria razoável que a autoridade judicial a quem compete a execução da pena não fosse informada acerca de eventos tão relevantes.

No caso de condutas suspeitas de constituírem faltas graves a comunicação ao juiz das execuções criminais também é necessária. A autoridade policial, ciente da existência de condutas que possam configurar falta grave, à luz do art. 50 da Lei de Execução Penal, por parte de condenados em regime semiaberto, aberto ou livramento condicional, deverá lavrar boletim de ocorrência sobre o fato e encaminhá-lo à Vara de Execuções Penais.


Conclusão

É certo que as dificuldades que a segurança pública vem enfrentando no Brasil contemporâneo têm gerado um acentuado aumento da população carcerária. Sabemos que 147 mil condenados a penas privativas de liberdade superiores a dois anos, portanto, crimes graves, permanecem nas ruas, seja por força da necessidade social da progressão da pena, como medida importante para a recuperação do criminoso, seja pela própria deficiência do sistema prisional. Diante deste quadro, não basta que as autoridades policiais estejam atentas às investigações dos crimes e autuações em flagrante. É mister que a Polícia Civil se empenhe no auxilio à execução penal, na medida em que é do interesse social que as penas decretadas pelos juízes sejam eficazmente cumpridas.

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O aprimoramento das comunicações entre a Polícia Civil e o Poder Judiciário é tema para o qual devemos estar sempre atentos. Diagnosticada a necessidade de maior entrosamento entre o Estado-Juiz e o Estado-Administração, com a constatação de uma zona de anomia da tutela penal, é recomendável que as comunicações entre as duas esferas estatais sejam continuamente aperfeiçoadas.

Neste sentido, é importante que o conhecimento, por parte da autoridade policial, do cometimento de crimes e mesmo de faltas graves, por parte da população condenada que goza de liberdade, seja incontinenti comunicado à autoridade judiciária competente. Desta forma, a Polícia Civil estará cooperando para a efetiva fiscalização do regime semiaberto, aberto e do livramento condicional e, por conseguinte, com a garantia do cumprimento das penas.

Desse modo, verificada a imperiosidade de contínua fiscalização na execução da pena e maior fluidez nas comunicações entre Polícia Civil e Poder Judiciário, sob pena de se alimentar situações que propiciem a impunidade, é salutar relembrar o disposto no artigo 37 do revogado Decreto nº 7.223/1935, que asseverava ser da competência da Polícia Civil a vigilância sobre condenados. Isso porque, os problemas contemporâneos denotam, de forma inequívoca, a necessidade de se resgatar a proteção consagrada pela secular atividade jurídico-policial da Polícia Civil do Estado de São Paulo, que se encontra em peculiar momento histórico-institucional, como instituição capaz de desconstruir os meandros por onde a impunidade se faz.


Nota

[1] SYDOW, Spencer Toth. Retratos do regime semiaberto. Lex Magister. Disponível em: http://www.editoramagister.com/doutrina-25282223_RETRATOS_DO_REGIME_SEMIABERTO.>.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARMO, Luiz Carlos. Causas de impunidade na execução penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4587, 22 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34291. Acesso em: 26 abr. 2024.

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