INTRODUÇÃO
Somente se admite a responsabilização solidária do autor do parecer jurídico em hipóteses específicas, quando são verificados determinados requisitos. A questão está delineada em face da jurisprudência do STF e do TCU.
1. A RESPONSABILIDADE DO AUTOR DE PARECER JURÍDICO
Para que o parecerista seja responsabilizado pelas recomendações emitidas em um parecer jurídico, é necessário que estejam presentes os seguintes elementos: ação ou omissão, dano, nexo causal e culpa. Uma vez ausente qualquer desses elementos, não há que se cogitar da responsabilização do parecerista.
O parecerista não pode ser responsabilizado de forma independente e desvinculada do responsável pelo ato administrativo posterior ao parecer jurídico. Ou seja, a eventual responsabilidade do parecerista depende da responsabilidade do agente que praticou o ato subsequente.
Não é possível alegar que houve erro grave ou inescusável decorrente de parecer que trata especificamente de todas as questões relevantes ao caso, apontando os fundamentos jurídicos relevantes. Como consequência, não se pode responsabilizar o parecerista. Esta é a lição de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO:
“Se o parecer está devidamente fundamentado, se defende tese aceitável, se está alicerçado em lição de doutrina ou de jurisprudência, não há como responsabilizar o advogado, nem, em conseqüência, a autoridade que se baseou em seu parecer. Em assunto tão delicado e tão complexo como a licitação e o contrato... a responsabilidade só pode ocorrer em casos de má-fé, culpa grave, erro grosseiro, por parte do advogado”[1].
O próprio TCU já decidiu nessa linha:
“4. No que concerne à isenção de pareceristas e à independência profissional inerentes à advocacia, a questão encontra-se pacificada junto a este Tribunal, bem assim junto ao Supremo Tribunal Federal, que evoluiu no sentido de que os pareceristas, de forma genérica, só terão afastada a responsabilidade a eles eventualmente questionada, se seus pareceres estiverem devidamente fundamentados, albergados por tese aceitável da doutrina ou jurisprudência, de forma que guardem forte respeito aos limites definidos pelos princípios da moralidade, legalidade, publicidade, dentre outros.
5. Ou seja, ao parecerista que sustenta opiniões técnicas plausíveis, razoáveis, embasado na boa técnica jurídica e na doutrina consagrada, ainda que fundamentado em convicções pessoais, e sendo seu parecer um instrumento que servirá para orientar o administrador público a tomar decisões, não deverá existir a imputação de responsabilização solidária ao gestor faltoso, porquanto tal parecer estará, como mencionado, livre de opiniões que possam ter carreado em si dolo ou culpa que, de alguma forma, poderiam induzir a erro.” (TCU, Acórdão 1.801/2007-Plenário, Rel. Min. RAIMUNDO CARREIRO, j. 05.09.2007)
2. O ENTENDIMENTO DO STF
O Supremo Tribunal Federal vem manifestando entendimento de que só seria possível a responsabilização solidária do parecerista nos casos em que há a existência de culpa, erro grosseiro ou má-fé. É o que se extrai dos julgados transcritos a seguir, com destaque nos trechos relevantes:
“Salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa." (MS 24.631, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, j. 09.08.2007, DJ 01.02.2008)
“Ora, o direito não é uma ciência exata. São comuns as interpretações divergentes de um certo texto de lei, o que acontece, invariavelmente, nos Tribunais. Por isso, para que se torne lícita a responsabilização do advogado que emitiu parecer sobre determinada questão de direito é necessário demonstrar que laborou o profissional com culpa, em sentido largo, ou que cometeu erro grave inescusável.” (MS 24.073/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, j. 06.11.2002, DJ 31.10.2003)
3. O ENTENDIMENTO DO TCU
O Tribunal de Contas da União afastou a responsabilidade de parecerista em virtude da ausência de dolo ou má-fé e, ainda, como consequência lógica da exclusão de responsabilização do gestor que praticou o ato:
“Poder-se-ia argumentar que, caracterizada a irregularidade detrimento do processo licitatório aplicável ao objeto pretendido, o correto seria, a critério do Relator a quo, chamar ao processo todos os responsáveis pelos setores envolvidos, com a possível exceção da chefe da área de convênios, para apresentação de justificativas para o caso. Porém, a responsabilização desses agentes estaria a meu ver do mesmo modo prejudicada pelo fato de a autoridade que realmente praticou o ato já ter tido sua responsabilidade excluída. Os demais agentes, na condição de proponentes ou pareceristas, poderiam ter agido com culpa, mas não se vislumbra os necessários elementos de dolo ou má fé necessários para que se lhes atribua responsabilidade intrínseca pelo ato inquinado, que não praticaram.” (Acórdão 3.074/2010-Plenário, Rel. Min. AUGUSTO NARDES, j. 17.11.2010).
Há diversos outros julgados do Tribunal de Contas nessa mesma linha. Confira-se, exemplificativamente, a seguinte passagem de um acórdão proferido:
“Ora, nesta Corte de Contas existem outros precedentes que lhes são favoráveis, a exemplo dos Acórdãos nos 2.526/2005-2ª Câmara, 545/2005-Plenário e 1.066/2004-Plenário, por meio dos quais não foi aplicada multa aos responsáveis, não obstante a dispensa indevida de licitação, quando não se constatou má-fé dos pareceristas.” (TCU, Acórdão 2.865/2010-Plenário, Rel. Min. AUGUSTO NARDES, j. 27.10.2010)
CONCLUSÃO
Em síntese, para que o advogado público seja responsabilizado pelas opiniões emitidas em parecer, é necessário que se comprove ilegalidade ou dano ao Erário.
Depois, mesmo que se verifique ato irregular, é preciso que se comprove que o advogado público cometeu erro grosseiro ou agiu de má-fé.
BIBLIOGRAFIA
AGU. Manual de Boas Práticas Consultivas. Disponível em http://www.agu.gov.br/sistemas/site/PaginasInternas/download/cartilhas/Manual_Boas_Praticas_Consultivas_20110126.pdf, acesso em 22.03.2013.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Temas polêmicos sobre licitações e contratos, São Paulo: Malheiros, 1994.
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Contratação direta sem licitação, 8. ed., Belo Horizonte: Fórum, 2009.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 15. ed., São Paulo: Dialética, 2012.
MENDONÇA, José Vicente Santos De. A responsabilidade pessoal do parecerista público em quatro Standards, Revista Brasileira de Direito Público (RBDP), n. 27, out./dez., 2009.
SANTANA, Jair Eduardo. Responsabilidade do parecerista em procedimentos licitatórios, Revista Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, n. 79, jul. 2008.
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo em Debate. 2ª série. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
Nota
[1] Temas polêmicos sobre licitações e contratos, São Paulo: Malheiros, 1994, p. 89. No mesmo sentido, sustentando que não há fundamento que justifique a responsabilização solidária do parecerista se não for apontado erro grosseiro, má-fé ou qualquer nexo de causalidade entre o parecer e a decisão, confiram-se MARCOS JURUENA VILLELA SOUTO. Direito Administrativo em Debate. 2ª série. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 353-354 e JAIR EDUARDO SANTANA. Responsabilidade do parecerista em procedimentos licitatórios, Revista Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, n. 79, jul. 2008, p. 49.