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Manual simplificado em dez passos de como dar aulas ruins no curso de Direito

19/02/2016 às 10:23
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Esse manual é seguido por muitos professores, ainda que ninguém o tenha teorizado assim tão "abertamente".

O manual se propõe de forma meticulosa a dar dicas para que os professores que dão aulas nos cursos de direito possam piorar cada vez mais e, assim, depois que chegarmos ao fundo do poço, seja possível pedir um empréstimo para cavar mais um pouquinho.

Ele foi pensado com base na experiência de um aluno que, satisfeitíssimo com o estado de coisas, resolveu criar um passo a passo para que mesmo o professor que não se enquadre em todos os pontos, aja como orientado para que termine de derrubar o que está de pé. Afinal, como alardeiam por aí, a desconstrução é sempre construtiva.

Como no curso de direito não há ensinamento sobre a didática, isto é, a arte de aprender (mestrado e doutorado, “malomeno” um estágio-docência, é parecido como jogar uma pessoa na selva e dizer-lhe: sobreviva!), o manual ajudará nesse processo pedagógico. Terá como um dos seus pilares a arte de aprender a fazer com que o aluno não aprenda. Antes de tudo, é preciso dizer: requer-se esforço. Sim, para ser um mau cumpridor do seu dever é necessário fazer muita força no início. Depois que o hábito estiver instalado, então acontecerá naturalmente nas demais vezes.

A experiência desastrosa tem um poder irresistível de calar a consciência (psicoadaptação é o nome técnico). É aquela vozinha chata que nos acusa de nossos erros ou mesmo aquela sensação negativa de ter feito cagada. Geralmente, a primeira acontece quando se faz um autoexame. E a segunda logo após o ato mau. Pois é, mas em eras relativistas, quem tem medo do lobo mau?

Chega de pavonear. Vamos ao que interessa. A primeira dica é a primeira dica. É “a” dica. Seguindo a onda simplificadora dos manuais, farei em tópicos para visualizar melhor os macetes.


EXPLICAÇÃO: Exponha o conteúdo, mas pressuponha que o aluno já o saiba.

É isso mesmo. O professor não tem papel de ensinar. Ele simplesmente expõe aquilo que ele já sabe e pressupõe que o aluno também o saiba. Não há contradição alguma no que foi falado. A pressuposição é tão fundamental como a norma fundamental diria o Tio Kelsen. É como se um pai entregasse uma bicicleta para um filho que nunca aprendeu a andar e o empurrasse num morro e, ao final do caminho, dissesse: não se esqueça de usar os freios. É preciso dizer que os danos serão iminentes ou está na cara o porvir danoso?

Para turbinar essa dica, escolha textos com muitos termos técnicos. Quanto mais termos técnicos, melhor. A cada cinco palavras, seis sejam com termos técnicos. Sim, porque o aluno está iniciando a jornada agora, então o léxico que domina é da linguagem “batida”, a coloquial e, em raríssimas exceções, conhece a linguagem culta e, em exceções mais raras ainda, utiliza-a. Em mais uns 20 anos – talvez – as diretrizes do MEC consigam extirpar a linguagem culta. Aí será a demo-cratização perfeita. O demônio da burrice terá governo próprio. Não haverá luta de classes linguística. As diferenças serão de uma vez por todas destruídas. Machado de Assis que se cuide, suas obras correm sério risco de serem simplificadas.


ORATÓRIA: objetiva, super rápida ou ultralenta, maneirismos, clichês, chavões, piadas, vida íntima etc.

Como o ambiente acadêmico é sério, a melhor coisa é falar de sua vida íntima. Já teve caso de professor falar que fez sexo na lama no transcurso de uma apresentação. Informação relevantíssima, pois não? Conte sobre seus filhos, seu passeio no “fds” (se usar a gíria, ganhará dez pontos), sua viagem (inter)nacional etc., mas, por favor, evite falar ao máximo sobre o conteúdo, afinal, para quê serve uma aula mesmo? Se tudo é, nada é.

Outro ponto: explique rápido. Quanto mais rápido falar, mais inibidos os alunos ficarão para fazer perguntas, pois se sentirão constrangidos em interromper o raciocínio de Einstein (ou de algum Pontes de Miranda para puxar sardinha para o nosso lado) que está diante dos seus olhos. Geralmente, falar rápido denota insegurança, medo etc. em que o mestre quer antecipar o conteúdo de uma vez para evitar as interrupções desnecessárias com as dúvidas (malditas!) ou mesmo “pincela” o conteúdo para justamente sinalizar que não é tão importante assim e, se não é importante, não dá dinheiro e, se não dá dinheiro, então deve ser descartado. É o raciocínio puramente dinheirístico. O que é isso o saber? A busca pelo conhecimento? A função social do ensino? A pergunta a ser feita é: o quanto isso me beneficia e me dá de dinheiro? Como preciso dominar muitos assuntos, então façamos uma seleção natural de conteúdos, ora bolas! Darwin nunca pensara nisso antes?

O outro extremo também deve ser incentivado. Fale devagar e, de preferência, como quem tem o ovo na boca. Fale para dentro e para não ser ouvido. Fale baixo. Sim. Num tom quase suplicante, para que os alunos tenham que quase colar o ouvido à sua boca. Fale como uma tartaruga. Bem devagarzinho. Soletre. Seja bem demorado. Talvez consiga uma oportunidade no soletrando.

Se fizer uso de maconha, esse efeito “slow” poderá ser ampliado, bicho. Sim, dizem por aí, que a cannabis contribui e muito com essa sutileza no falar. Percebe como a “droga” não é tão droga assim? Ela tem lá sua vantagem. Fale como se as pessoas vivessem só para ouvir suas palavras divinais. Como se esperassem seus sussurros.

Seja prático, objetivo e direto! Dê conceitos em uma ou duas linhas no máximo. O aluno precisa ter a resposta pronta na ponta da língua. O que é o direito? É um conjunto etc. Se puder negar ao aluno o pelo menos ter conhecimento de que perguntas assim se arrastaram durante centenas de anos e muitos ainda acreditam não ter havido respostas satisfatórias, melhor. O aluno não precisa de perplexidades, complexidades. Ele precisa de tudo linear. Sem erosões. Tudo está bem. Não há nada que seja difícil. Very easy.

Os maneirismos são indispensáveis. Use muito “né?”, “certo?”, “hã..”, “éééé” etc. Se puder pigarrear entre os “é”, terá um resultado maravilhoso. Abuse dos pedidos de “please, preciso de respaldo!”.

Piadas com freqüência podem ser ótimas para retirar seu prestígio. Quanto mais em baixa este estiver, melhor será para o aluno bloquear a possibilidade de aprendizado com você. Em qualquer situação se sinta num boteco e converse com os alunos como se estivesse jogando baralho com os “mano”.

Se com todas essas dicas, você conseguir não usar a norma culta quando for explicar, melhor ainda!!! Pode ganhar um bolo no final do semestre. Aqui o feminismo não conseguiu “igualizar” os homens (politicamente correto: homens e mulheres): professores do sexo masculino, coce o saco a cada duas palavras. Dependendo do seu biotipo, pode lhe dar uma chance com alguma aluna. Tinha um professor que ele gaguejava e coçava o saco ao mesmo tempo. Buscava algum consolo escrotal em razão da gagueira, supõe-se. No final das contas, era engraçado. Se a coceira persistir, o urologista deverá ser consultado.

Agora, se quiser ganhar um Oscar em oratória, tenha algum problema de dicção. Qualquer um e não procure ajuda profissional. Se você convive com seu problema, por que não os seus alunos? Ah, quase ia me esquecendo, fale no mesmo tom de voz. Não enfatize, não realce as palavras quando for explicar, em cinco minutos alguém estará cochilando.


BIBLIOGRAFIA

Na primeira aula, indique 50 livros. Dos quais provavelmente 49 você ouviu falar (é clássico, é moderno, é chique etc.) e tenha o outro, mas leu só a metade. NUNCA, atenção, NUNCA, adote um livro específico para trabalhar o assunto.

Isso é de uma opressão inimaginável com os outros autores. É uma injustiça que clama aos céus. Recomende veementemente a leitura de todos os cinquenta, sob pena de o aluno não aprender o conteúdo. Culpe o aluno. Por que ele não aprendeu? Não quis fazer a “leitura complementar”.

Na hora de explicar, demonstre à classe que você baseia seu discurso não em seus estudos sérios e aprofundados do assunto, mas no que você acha, no que você sente, no que você gosta. Afinal, opinião é igual a bunda, todo mundo tem a sua (essa frase não é minha, Dirty Harry, se não me engano). Não há fatos, só interpretações (é de um cara que matou Deus). Direito é uma questão de pura argumentação e interpretação. Vale o argumento que venceu. Vale quem tem poder de fazer valer. E quem vai fazer valer a pena se for desse jeito?

Se o aluno opuser uma visão contrária, JAMAIS refute no intuito de que o que vale mesmo é a divergência, é o pluralismo de ideias. Tudo vale, se tudo vale, é porque tudo é relativo. Só não é relativo o tudo é relativo. Contradição patente e patética. Não fundamente o porquê não concorda com o pensamento diferente (se puder dizer, “é tão absurdo que não merece comentários”, melhor, como diria Wittgenstein se não conseguimos falar, devemos calar). Dizer A e não A como sinônimos dá na mesma. Eu posso dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa. Se tudo é, nada é. Se nada é, tudo é (os créditos ao professor gaúcho Lenio).


CRÍTICA

SEJA CRÍTICO. Sim, é um mandamento divino. Sê “empoderado”, é chic. CRITICARÁS A TUDO QUE VIRES. AGORA vai o busílis da crítica: antes de ensinar o conteúdo que será criticado, critique, isto é, em primeiro lugar já jogue a crítica e não dê condições intelectuais de que o aluno conheça o objeto criticado de forma aprofundada. Se conseguir transmitir a visão sobre o objeto de modo superficial, o que cola mesmo é a crítica, então poderá ir tranquilamente para o andar de cima em que mora o “cara lá de cima” (Xuxa), já que cumpriu seus deveres religiosos. Não deixe pedra sobre pedra. Não deixe nada em pé.


NOVAS TECNOLOGIAS

Use TODAS. Se conseguir os quadros que os apresentadores da Globo usam, melhor. Se conseguir vencer a burocracia e fazer uma aula virtual, melhor AINDA. Será tachado de revolucionário. Não se importe. A sua presença física não importa. Agora, se quiser comodidade, grave a aula e repasse.

Os slides não podem faltar. Se eles forem combinados com o modo turbo de oratória, ganhará dez no final do semestre. Fale rápido e use o aponte o dedinho para o slide, pronto, conteúdo dado, exposto (imagem é tudo) e assimilado. Next. Next. Next. Em cinco horas, o Código Civil foi todo visto.

Adote essa metodologia, em especial, para a geração que foi acostumada a aprender com o tradicional quadro e giz. Podemos aproveitar o embalo de mais vagas nas faculdades e de salas superlotadas, já que quantidade é igual a qualidade, e aproveitar os estádios da Copa – estão novinhos – para dar aulões em telões. 70 mil de uma vez só. Já pensou que eficiência? Que gestão democrática? Que celeridade? O CNJ curtiu isso e a OAB com reprovação em massa agradece a taxa de inscrição exorbitante. Estão precisando reformar o ambiente institucional.


QUADRO

Não use. Se usar, faça rabiscos que se você voltar depois de duas horas, já não terá entendido bulhufas do que escreveu. Volto a dica: não use. É antiquado, retrô. Simplesmente “fale”, pois sua voz é tudo de bom. Somente sua voz será suficiente para rememorar o conteúdo latente na cabeça do aluno como está na sua (lembre-se, professor não ensina!). A exposição da matéria em ordem é para os fracos! Ordem só para a bandeira nacional. Difusão é a palavra-chave!


XEROX

Essa parte foi feita “à parte” da bibliografia. Trabalhe com milhares de textos e, se eles forem desconexos entre si, melhor ainda. Deixe a unidade para sua cabeça (talvez!).

Faça com que seus alunos gastem grana pesada com apostilas, textinhos etc. que depois serão jogados na lixeira. A Amazônia agradece (não estou ganhando cachê do Greenpeace, a propaganda é gratuita!). Não é tanto pelo ecologismo, mas é que o livro é um objeto opressivo. Cheio de páginas e, na maioria dos casos, com conteúdos com lógica, coerência etc. Os textos realçam bem a fragmentação do conteúdo que fica quando se “aprende”. Evite tudo que tenha uma integridade teórica (um “todo”), já que eu prefiro ser essa metamorfose ambulante...

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PROVAS

Jamais dê a prova padrão. Qual é a prova padrão? Individual, sem consulta e escrita. O mérito do aluno não pode ser aferido desse modo tão mesquinho, vil e baixo. Esses anos todos de história de aprendizado com esse método demonstram o rotundo fracasso educacional. A palavra de ordem é: inove! Até peça de teatro já foi dada. Expressão corporal é tudo no direito. “Se joga” (Naldo) para o palco e vamos aprender as teorias nos remelexos.

Se quiser contrariar essa ordem expressa, jamais passe o gabarito oficial. E se passar, não dê vista de prova. Se der, não fundamente sua correção, se o aluno tiver dúvida. Se ele insistir, ameace-o: Eu sou o PROFESSOR (Estado, diria Luís XIV) e procure a via formal. Intimide-o! Seu baixo salário serve para esses frenesis de chilique! Como ganha mal, tem direito a dar piti à son aise (a la vonté no francês aportuguesado).

Como não cursa matemática, erre visivelmente na soma das notas. Herrar é umano, pois não?

Dê trabalhinhos, se o Google puder ajudar a fazê-los em cinco minutos, melhor. Easy de fazer, easy de corrigir. Até o diminutivo ajuda. “Fique bem easy, fique sem, nem razão da superfície” (Duncan).


LEI, DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA

É, a jornada é longa. O cansaço toma conta nos mandamentos finais. Poderia explorar mais, mas vamos descomplicar, haja vista que no final o pessoal já tá de saco cheio mesmo:

Não use a lei, tampouco a sua ‘letra’. Deixe-a no site do Planalto ou no Vade Mecum. O aluno não precisa conhecer o texto. É um positivismo ultrapassado isso, ainda mais se ele levar em conta o texto da lei, estamos na era dos princípios. Basta tirar um princípio da cartola e pronto. Eu invoco o princípio de dignidade da humana como He-man fazia: pelos poderes de grayscull!

Não use a doutrina. Se usá-la, trabalhe com a sinopse. Entre um livro de mil páginas e outro de cem, é óbvio que o primeiro exagerou, por quê não? Prolixo! Pro lixo o segundo autor.

Se usar a jurisprudência, use um julgado e dê este a conhecer a seus alunos por meio da ementa. Ela é um x-tudo informativo. Não precisa conhecer o caso concreto, tampouco suas particularidades. Os demais votos, argumentos etc.


CONCURSOS

Eu sei que é uma parte crucial. Mas a fatiga já tomou conta do escritor. Valha-se de extremos: supervalorize o concurso (só trabalhe questões nesse molde concursístico) ou despreze ao extremo (só meta a lenha). Ignore até mesmo que foi por meio de um concurso que chegou à faculdade (se pública e em algumas privadas).

Para concluir, caso queira ganhar o prêmio Nobel nos comportamentos aqui elencados (ou em fanfarronice, a depender do ponto de vista), falte a muitas aulas, dê justificativas estapafúrdias para as faltas (o pneu furou, a doença quinzenal sem atestado, seu taxista foi assaltado, chuvas torrenciais etc.), não reponha as aulas, marque trabalhos extensos para serem entregues via email no último dia letivo e atribua notas randomicamente. No próximo semestre, sua plateia será reduzida a cinco ou seis alunos. Não é todo mundo que tolera palhaçada. Ah, se você é servidor público, então pode festejar! Não há quem o fiscalize nesse quesito “assiduidade”, mesmo que esteja em estágio probatório e a 8112 obrigue a isso. Relaxa e goza, eu completo: e falte. Seus alunos adorarão o time livre para outras atividades!

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Sobre o autor
Diego Ribeiro

Acadêmico de Direito da Universidade Federal Fluminense.<br>Colunista do site Jurisconsultos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Diego. Manual simplificado em dez passos de como dar aulas ruins no curso de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4615, 19 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34511. Acesso em: 17 nov. 2024.

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