Artigo Destaque dos editores

Natureza jurídica da licença ambiental e suas implicações:

autorização administrativa x licença administrativa

Exibindo página 2 de 2
Leia nesta página:

 5- NATUREZA JURIDICA DA LICENÇA AMBIENTAL E SUAS IMPLICAÇÕES: AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA X LICENÇA ADMINISTRATIVA

A natureza jurídica do licenciamento ambiental ainda é tema que gera divergências no meio jurídico, destacadamente entre os doutrinadores, persistindo duas correntes: os que entendem que se trata de autorização administrativa e quem defende sua natureza de licença administrativa.

Esta dicotomia sobeja o aspecto meramente conceitual, influenciando diretamente aspectos de extrema relevância. Exemplo disto são as consequências da cassação ou revogação da licença ambiental, principalmente se ponderarmos o instituto do direito adquirido ou, sob outro prisma, o direito a indenização do particular em face do ente administrativo licenciador.

Destaque-se que há relevantes fundamentos sustentando a corrente que escuda a natureza jurídica de autorização e, a despeito de ser posição minoritária, é capitaneada por Paulo Afonso Leme Machado, consagrado autor de Direito Ambiental.

Seus defensores notabilizam o lapso temporal de duração das licenças ambientais, onde tal ato deve ser reavaliado ao longo do tempo e, na hipótese de renovação, deve-se observar a legislação correspondente do novo pedido.

Nesse velejar, Paulo Leme Machado[7] fundamenta sua percepção no fato de que se a natureza jurídica fosse de licença, a mesma deveria ser permanente, gerando direito adquirido. Longe disso, terminado o lapso temporal pré-determinado, ela deve se submeter a eventuais novas regras.

Destarte, quem defende sua essência de autorização ambiental justifica tal posicionamento porque ela não é permanente, tem lapso temporal de duração, não gera direito adquirido, e a continuidade da atividade está condicionada a uma renovação com base em regras que aparecerão no futuro.

Nessa linha de pensamento, se a licença ambiental for entendida como uma autorização, será ato discricionário, podendo ser revogada a qualquer momento e estando sujeita a alterações ditadas pelo interesse público de acordo com a conveniência e oportunidade.

Paulo Affonso Leme Machado[8] considera sinônimos os termos licença e autorização:

Licença e autorização – no Direito brasileiro – são vocábulos ‘empregados sem rigor técnico’. O emprego na legislação e na doutrina do termo ‘licenciamento’ ambiental não traduz necessariamente a utilização da expressão jurídica licença, em seu rigor técnico.

(...)

Empregarei a expressão ‘licenciamento ambiental’ como equivalente a ‘autorização ambiental’, mesmo quando o termo utilizado seja simplesmente ‘licença’(in Direito ambiental brasileiro, 17. ed., Ed. Malheiros, São Paulo, 2009, p. 275).

Em arremate a sua concepção, Paulo Affonso Leme Machado[9] cita que o artigo 170, parágrafo único, da CF/88, utiliza a expressão ?autorização, e a Lei 6.938/81, se refere a pedido de renovação de licença (art. 10, parágrafo 1º) e a licenciamento e revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras (art. 9º, IV), dando a entender que a natureza jurídica da licença ambiental é de autorização, caso contrário não haveria necessidade de renovação.

Sem desmerecer os autores que defendem a posição divergente, a corrente que sustenta a natureza jurídica de licença, defendida por Paulo Bessa Antunes e José Afonso da Silva revela-se, em nosso entendimento, mais coerente.

Paulo Bessa Antunes[10] assevera que os efeitos no decorrer da validade da licença ambiental são efeitos de licença e o lapso temporal pré-estabelecido decorre do princípio da prevenção, característico do Direito Ambiental, ou seja, cuida-se de uma licença com peculiaridades como o prazo de duração. Enquanto seu prazo de duração está em vigência, existiria direito adquirido a essa atividade da forma que ela foi licenciada.

Sustentam, ainda, os defensores dessa corrente, a exemplo de Daniel Roberto Fink[11] e Hely Lopes Meireles[12], que preenchidos os requisitos previstos em lei, a Administração Pública não pode negar a concessão da licença, diante de seu caráter de ato vinculado, resultado de um direito subjetivo do interessado.

Jose Dos Santos Carvalho Filho[13], fazendo uma ponderação entre os dois entendimentos, assevera que, na realidade, não há atos inteiramente vinculados ou discricionários, mas uma situação de preponderância de maior ou menor liberdade deliberativa do seu agente. 

Em verdade, ousamos sustentar que a licença ambiental constitui-se de espécie de ato administrativo, que reúne características das duas categorias acima estudadas, constituindo-se em ato com características sui generis.

Por um lado, sua natureza jurídica fugiria da essência de uma licença, por não ter definitividade. Outrossim, a complexidade ambiental não permitiria que a atividade de concessão da licença se trate de uma simples verificação de cumprimento, por parte do empreendedor, de requisitos precisos e pré-estabelecidos.

Noutro giro, a licença ambiental não deve ser compreendida como uma simples autorização, onde a Administração Pública apenas analisaria a conveniência e oportunidade do empreendimento em relação ao meio ambiente.

Arrimando essa linha de pensamento, vaticina o artigo 19 da resolução 237/97:

Art. 19 – O órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar os condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quando ocorrer:

I – Violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais.

II – Omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença.

III – Superveniência de graves riscos ambientais e de saúde.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem se manifestando em relação a natureza jurídica do licenciamento ambiental. No Recurso em Mandado de Segurança (RMS) 29.976-PA[14], o Ministro Relator Benedito Gonçalves proferiu seu voto nos seguintes termos:

A recorrente não cumpriu todas as exigências constantes da Notificação da Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Pará n. 528/DIPI/CODAP/DMA/2008 [...] O impetrante não demonstrou, através de prova pré-constituída, o direito líquido e certo à renovação da licença ambiental.

No RMS 25.488-MT[15], o Ministro Mauro Campbell Marques, relator do caso, em outra importante decisão do STJ manifestou-se no seguinte sentido:

A suspensão do cadastro, no caso, encontra amparo não só na necessidade genérica de preservação do meio ambiente (art. 225 CF vigente) – na medida em que as atividades que envolvem a extração e comercialização de madeira são potenciamente lesivas ao patrimônio ambiental –, mas também na norma específica do art. 19 da Resolução Conama n. 237/97.

Se há a possibilidade de o órgão ambiental competente suspender ou cancelar uma licença ambiental já expedida, caso ocorra alguma das hipóteses do incisos do art. 19 da Resolução CONAMA 237/97,24 isto mostra mais uma vez que a licença ambiental não é ato vinculado e definitivo. Neste caso, acaba por se aproximar a uma autorização. Contudo, apenas poderá ser revogada nas hipóteses dos incisos e não pelo livre juízo de conveniência e oportunidade do administrador.

O Ministro Edson Vidigal no AgRg[16] na Suspensão de Liminar 96-AM assim posicionou-se:

(...) a licença ambiental, ao contrário do seu paradigma tradicional do Direito Administrativo, não gera direito à preservação da situação vigente à época de sua concessão. Vale dizer, não possui carga de definitividade, estando sujeita a prazos de validade, e ainda, a revisão por interesse relevante ligado à proteção do meio ambiente ou da saúde pública (Lei n. 6.938/81, arts. 9º, IV, e 10, §1º, e Resolução CONAMA n. 237/97, art.19). Pode-se afirmar, portanto, que o licenciamento ambiental está sujeito ao princípio rebus sic stantibus, podendo haver alteração, cassação ou invalidação da licença, em caso de modificação das condições originais que o ensejaram ou de constatação de incompatibilidade com o regramento invocado como supedâneo para o seu deferimento.


CONCLUSÃO

A natureza jurídica da licença ambiental ainda gera acirradas controvérsias no meio jurídico, havendo quem entenda seu caráter de autorização administrativa e os que a compreendem como licença administrativa.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

 Esta querela ultrapassa o aspecto teórico, diante das consequências de tal distinção, sobretudo, na hipótese de extinção deste ato administrativo, mediante a revogação ou cassação da licença ambiental.

Por um lado, a complexidade ambiental não permitiria afirmar que a atividade de concessão da licença se trate de uma simples verificação de cumprimento, por parte do empreendedor, de requisitos pré-estabelecidos. Noutro giro, a licença ambiental não deve ser compreendida como uma simples autorização, onde a Administração Pública apenas analisaria a conveniência e oportunidade do empreendimento em relação ao meio ambiente.

Há relevantes fundamentos nos dois posicionamentos, entretanto, fazendo uma ponderação entre os dois entendimentos, e considerando que não há atos inteiramente vinculados ou discricionários, mas uma situação de preponderância de maior ou menor liberdade deliberativa do seu agente, sustentamos que a licença ambiental constitui-se de espécie de ato administrativo, que reúne características das duas categorias citadas estudadas, constituindo-se em ato com características sui generis, prevalecendo as características de licença ambiental.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.       MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 1999

2.       MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., 1999

3.       MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2006

4.       DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005

5.       GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 87

6.       CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2009.

7.       MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

8.       MACHADO, Paulo Affonso Leme . op. cit.., 2009, pag. 275.

9.       MACHADO, Paulo Affonso Leme. op. cit., 2009.

10.    ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 12ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 294

11.    ALONSO, Hamilton; DAWALIBI, Marcelo; FINK, Daniel Roberto. Aspectos Jurídicos do Licenciamento Ambiental. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p.10.

12.    MEIRELES, Hely Lopes. Direito de Construir. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, 9ª ed..

13.    CARVALHO FILHO, op. cit.., 2009.

14.    RMS n. 29.976-PA, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 03 de set. 2009.

15.    RMS n. 25.488-MT, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 1º de set. 2009.

16.    AgRg na SL n. 96-AM, Rel. Ministro Edson Vidigal, 15 de set. 2004.


Notas

[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 1999

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 1999 P. 102.

[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2006. P.103.

[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005. P.88.

[5] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. P. 87.

[6] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2009.

[7] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

[8] MACHADO, Paulo Affonso Leme . op. cit.., 2009, pag. 275.

[9] MACHADO, Paulo Affonso Leme. op. cit., 2009.

[10] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 12ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 294

[11] ALONSO, Hamilton; DAWALIBI, Marcelo; FINK, Daniel Roberto. Aspectos Jurídicos do Licenciamento Ambiental. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p.10.

[12]  MEIRELES, Hely Lopes. Direito de Construir. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, 9ª ed..

[13] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2009.

[14] RMS n. 29.976-PA, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 03 de set. 2009.

[15] RMS n. 25.488-MT, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 1º de set. 2009.

[16] AgRg na SL n. 96-AM, Rel. Ministro Edson Vidigal, 15 de set. 2004.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Paulo Henrique Carneiro Fontenele

Procurador Federal. Ex-Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Ex-Procurador Autárquico da Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Estado do Ceará (SEMACE). Pós-graduado em Direito do Estado. Pós-graduando em Direito Administrativo. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC)<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONTENELE, Paulo Henrique Carneiro Fontenele. Natureza jurídica da licença ambiental e suas implicações:: autorização administrativa x licença administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4674, 18 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34531. Acesso em: 10 mai. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos