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Contratação por excepcional interesse público: principais dúvidas

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06/05/2016 às 12:24
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A contratação de pessoal não é a tarefa mais fácil para o gestor público, pois deve harmonizar as diversas regras impostas com as necessidades sempre urgentes. A fim de facilitar a rotina dos gestores, o artigo colaciona as principais dúvidas.

Introdução

O estado democrático de direito, adotado no Brasil, escraviza a todos ao ordenamento jurídico vigente, sobretudo a administração pública, que está adstrita às autorizações legais.

A contratação de pessoal, em especial, deve seguir de forma exemplar tal regramento, que, no caso, tem densidade constitucional, impondo como regra a contratação mediante concurso público[1]. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal entende como inconstitucional qualquer ingresso no serviço público sem o prévio concurso[2].

Para composição do quadro de pessoal da administração pública, a Constituição Federal prevê, todavia, exceções ao princípio do concurso público, quais sejam, (a) a nomeação para cargos em comissão, previsto no próprio artigo 37, inciso II, da Carta da República; (b) o ingresso dos estabilizados excepcionais pelo artigo 19 do ADCT[3], que trata de regra de transição para implantação da Constituição em 1988; e, por último, (c) a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, a ser disciplinada por lei do ente, conforme previsão do artigo 37, inciso IX, que é o objeto deste nosso ensaio.

Antes de ingressar no tema central da contratação temporária por excepcional interesse público, importante destacar que não se deve confundir com o instituto de contrato temporário celetista, que atende à iniciativa privada.

O trabalho temporário da iniciativa privada é regulado pela Lei Federal nº 6.019, de 1974, tendo como finalidade atender necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente ou nos casos aumento extraordinário de serviços. Este instituto, diferente do que deve ocorre com a administração pública, é utilizado mediante empresa específica de mão de obra temporária.

A própria Consolidação das Leis do Trabalho também prevê três situações de contratos por tempo determinado: serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; atividades empresariais de caráter transitório; e de contrato de experiência.

A contratação temporária para atendimento do excepcional interesse público também não se confunde com a terceirização de mão de obra, pois esta pode ser utilizada de forma permanente, para atendimento de atividades não finalísticas, tanto no âmbito privado quanto da administração pública.

Vê-se que há diferença quanto à necessidade, que não é temporária, e o interesse, que não necessita ser excepcional. A terceirização é um mecanismo de gestão discricionária, respeitados os limites legais.


Pressupostos constitucionais:

O texto constitucional traz a previsão para contratação, a qual segue transcrita para melhor elucidação:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

[…]

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

Primeiramente, já se pode destacar que o texto constitucional prevê que ‘a lei estabelecerá’, o que na tradicional lição de José Afonso da Silva é enquadrado como norma constitucional de eficácia limitada, pois depende de lei para que possa se concretizar a exceção à obrigatoriedade de concurso público.

Em termos práticos, a validade deste comando impõe dizer que o ente deverá ter suas contratações temporárias fundadas em lei específica, e não somente se basear diretamente na Constituição Federal.

A lei deverá contemplar os casos de excepcional interesse público, cuja necessidade seja temporária, a ser suprida pelas contratações por tempo determinado. Entretanto, deve-se ter o cuidado para não legislar de forma genérica com hipóteses abrangentes para utilização desta exceção, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade da norma, conforme precedentes da suprema corte constitucional[4].

Acerca da competência para legislar, por se tratar de regulação de estrutura e interesse do próprio ente, a lei deverá ser do respectivo ente interessado; não é cabível a adoção de lei de outro ente. Isso quer dizer que os estados, o Distrito Federal e os municípios não poderão se valer da Lei Federal nº 8.743, de 1993, que regula o assunto na esfera federal[5].

Os pressupostos constitucionais da contratação temporária estão inscritas no próprio texto, quais sejam, que a necessidade seja temporária e que o interesse público seja excepcional.

Neste sentido, segue a elucidativa lição de Carmén Lúcia Antunes Rocha (2000, 241-242), afirmando ser necessário:

[…] que se estabeleçam os critérios legais para a definição do que seja a temporariedade e a excepcionalidade. Aquela referente à necessidade, e esta concernente ao interesse público. É temporário aquilo que não tendo a duração ou permanência no tempo. A transitoriedade põe-se como uma condição que indica ser passageira a situação, pelo que o desempenho da função, pelo menos pelo contratado, tem o condão de ser precário. A necessidade que impõe o comportamento há de ser temporária, segundo os termos constitucionalmente traçados. Pode-se dar que a necessidade do desempenho não seja temporária, que ela até tenha de ser permanente. Mas a necessidade, por ser contínua e até mesmo por ser objeto de uma resposta administrativa contida ou expressa num cargo que até mesmo se encontre, eventualmente, desprovido, é que torna aplicável a expressão constitucionalmente manifestada pela expressão ‘necessidade temporária’. Quer-se, então, dizer que a necessidade das funções é contínua, mas aquela que determina a forma especial de designação de alguém para desempenhá-las sem concurso e mediante contratação é temporária.

Em outras palavras, a contratação de que trata o artigo 37, IX, da CF, não pode legitimar nem contratação permanente, nem interesse público que não seja excepcional, extraordinário, fora do comum. Quanto a este último quesito (excepcional interesse público), cabe registrar que o termo ‘excepcional’ legitima a contratação temporária, visto que toda e qualquer contratação, assim como as demais atividades da administração pública, é para atendimento do interesse público.

É importante afastar a confusão entre contratação temporária e a investidura de cargos, seja mediante concurso público ou para cargos em comissão. Cada uma dessas situações possuem finalidades e fundamentos distintos.

Grosso modo, somente com o objetivo de diferenciar da contratação temporária em tela, a investidura em cargo decorrente de concurso público atende a necessidade permanente do Estado, inerente ao funcionamento da máquina; ao passo que os cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração, servem para fins de chefia, direção e assessoramento, servindo principalmente às funções de governo.

Desta forma, se a contratação temporária for para o atendimento de excepcional interesse público, não há que se falar em preterição de candidatos classificados em concurso público que não foram chamados; um atende a necessidade sazonal do Estado, o outro a necessidade permanente.

Por assim dizer, temos como possíveis a contratação temporária de docentes em substituição aos docentes do quadro permanente, sem a necessidade, muito menos cabimento, de convocação de concurso público.

Igualmente, é a situação de contratar profissionais da área da saúde para programas temporários ou em casos de surtos.

Da mesma forma, há a contratação de guarda vidas temporários para atender as cidades praianas em épocas de temporada. O interesse público é excepcional com temporalidade fixada anualmente.

Não seria razoável a contratação mediante concurso público para composição permanente no quadro de pessoal de servidores que somente atuariam alguns meses do ano.

Para finalizar esta linha, a fim de afastar a ideia que somente há possibilidade de contratação temporária a determinadas funções extremas, podemos imaginar a hipótese teratológica em que todos os auxiliares administrativos de determinado ente fosse vítima de um desastre enquanto participavam de um congresso.

Nesta hipótese, até que se consuma novo concurso público, não pode a administração pública ficar sem suas rotinas administrativas, nem desviar servidor para tal função, o que seria inconstitucional, fica caracterizado o excepcional interesse público, justificando a contratação para atender a necessidade temporária até que os novos servidores ingressem definitivamente.

Nesta mesma linha, nos autos da ADI 3068, registrou-se que a Constituição Federal, no artigo 37, inciso IX:

Não separa de um lado atividades em caráter eventual, temporário ou excepcional e de outro lado atividades de caráter regular e permanente. Não autoriza exclusivamente a contratação por tempo determinado de pessoal que desempenha atividades de caráter temporário ou eventual. Amplamente autoriza contratações para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, em uma e outra hipótese[6].

O trecho supra, de relatoria do ministro Eros Grau, confirma o entendimento acima exposto em que a contratação para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público não distingue a natureza da atividade a ser exercida pelo contratado, mas atinge a necessidade da contratação em foco. A necessidade deve ser temporária.

Entendimento do Supremo:

O Supremo Tribunal Federal, em idêntico sentido, tem fixado condições para contratação temporária: a) previsão legal dos casos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público; e d) interesse público excepcional[7].

Regime jurídico do vínculo:

O regime jurídico do vínculo da contratação temporária é outro tema que merece atenção dos gestores públicos, pois há grande dúvida acerca de como se dará tal contratação e quais direitos e deveres estarão em questão.

Na doutrina de Carvalho Filho (2011, 551), há registro de regime especial, em que o autor esclarece que não são tratados pelas regras estatutárias, visto que o próprio constituinte previu que se tratava de ‘contrato’.

Outrossim, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é de afastar as regras celetistas desta espécie de contratação, conforme segue:

Servidores públicos. Regime temporário. Justiça do Trabalho. Incompetência. No julgamento da ADI 3.395-MC/DF, este Supremo Tribunal suspendeu toda e qualquer interpretação do inciso I do art. 114 da CF (na redação da EC 45/2004) que inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. As contratações temporárias para suprir os serviços públicos estão no âmbito de relação jurídico-administrativa, sendo competente para dirimir os conflitos a Justiça comum e não a Justiça especializada[8]. (g.n.)

Para facilitar a rotina da administração pública, a própria lei que prever os casos de excepcional interesse público poderá dispor acerca dos direitos e deveres do contratado, assim dizer o regime jurídico de seus temporários.

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Deve-se, igualmente, esclarecer que não se trata de cargos nem de empregos públicos, por não estarem sujeitos às peculiaridades típicas de cada um deles. Não há investidura nem nomeação em cargo público regido por estatuto, tampouco, regramento celetista como os empregos públicos.

Ademais, a previsão de cargos e empregos consta do inciso II do artigo 37, ao passo que a contratação temporária está prevista no inciso IX, do mesmo artigo, ambos da Constituição. Cuida-se de institutos paralelos, os quais não se confundem e possuem fundamentos, finalidades e disciplinas distintas.

Em via de conclusão deste tema, devemos registrar que o que se chama de regime especial ou regime jurídico administrativo significa dizer que não se trata de adoção de regime já existente (celetista ou estatutário), mas que a administração regulará, naquele momento, quais serão os detalhes daquela relação que nascerá.

Cabe, ainda, registrar que uma vez estando em vínculo jurídico administrativo, a jurisprudência é farta no sentido de a Justiça do Trabalho não ser competente para analisar e julgar os conflitos oriundos de tais contratos, restando para a justiça comum resolver tais questões, sendo federal se a União for parte da lide, ou estadual, para demais esferas.

Contribuição previdenciária:

Mesmo estando sob escolha da administração pública os direitos de seus temporários, há determinadas regras que devem ser respeitadas, como o caso das contribuições previdenciárias.

Os contratados temporários devem ser filiados ao Regime Geral de Previdência Social, tendo que ter suas contribuições descontadas e repassadas ao respectivo ente gestor da previdência, conforme impõe a EC nº 20, conforme elucidativo acórdão:

TRIBUTÁRIO. AÇÃO ORDINÁRIA REVISIONAL E ANULATÓRIA DE NOTIFICAÇÃO DE LANÇAMENTO DE DÉBITO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. CARGOS COMISSIONADOS MUNICIPAIS. CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES POR NECESSIDADE TEMPORÁRIA E DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO. MUNICÍPIO CONVENIADO COM O IPSEP. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA. OBRIGATORIEDADE DE FILIAÇÃO AO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL APENAS A PARTIR DA EC [20]/98. FATO GERADOR ANTERIOR À EDIÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL EM TELA.

[…]

O art. 40, § 13, acrescido à Constituição Federal pela EC nº 20, que submeteu os ocupantes exclusivamente de cargos em comissão ao regime geral de previdência social, somente passou a ter vigência a partir de 15/12/1998.

Confira-se o referido dispositivo constitucional, in verbis:

‘§ 13 - Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social.’ (LUCENA, 2006) (g.n.)

Deve-se registrar, por oportuno, que tal regramento adveio com a Emenda Constitucional 20, a partir de 1998.

Direitos sociais:

A lei que disciplinar o regime jurídico dos contratos temporários também deverá contemplar os alguns direitos constitucionais dos trabalhadores, tal como estabilidade provisória e licença maternidade, conforme artigo 7º, XVIII, da CF e art. 10, II, b, do ADCT, além de férias e décimo terceiro salário, conforme sedimentada jurisprudência da corte constitucional[9].

Regra de acúmulo constitucional:

Outra imposição que escapa ao alvedrio da administração pública toca o regramento constitucional do acúmulo cargos, empregos e funções públicas.

A vedação de acúmulo remunerado de cargos é regra do serviço público, comportando as exceções previstas no mesmo dispositivo, qual seja, o artigo 37, inciso XVI, abrangendo as funções e os empregos públicos pelo inciso XVII, todos da Constituição.

Desta forma, comporta-se como possível o acúmulo nos casos de professores, dois vínculos destes ou com outro técnico ou científico, bem como no caso de profissões regulamentadas da área da saúde.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Diego Bezerra. Contratação por excepcional interesse público: principais dúvidas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4692, 6 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34593. Acesso em: 21 nov. 2024.

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