Dos porões da ditadura aos subterrâneos do STF

15/12/2014 às 15:01
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A justiça precisa reentrar no STF, mas para que isto ocorra alguns Ministros terão que sair pelas portas dos fundos do mesmo.

“Porões da ditadura” é uma expressão feliz que foi criada para revelar, através da linguagem, a natureza perversa do regime ilegal e violento que se instalou no Brasil após 1964. O porão no “...simbolismo da mística representa os tesouros ocultos de Si-Mesmo e o autoconhecimento; em outros contextos também simboliza instintos sombrios.” (Dicionário de Símbolos, Herder Lexinkon, Cultrix, 2009, p. 163).

Era no “porão da ditadura” que os dissidentes políticos chegavam ao autoconhecimento. Muitos deles chegaram lá acreditando que seus direitos constitucionais seriam respeitados – este foi certamente o caso de Vladimir Herzog, que compareceu voluntariamente ao DOI-CODI. No porão, porém, as vítimas ficavam totalmente a mercê dos torturadores. Então eles descobriam que o regime não se limitava à aplicar a Lei, que a lei do cão poderia ser e era uma regra de ouro durante a ditadura. Os instintos sombrios dos generais presidentes que afloravam no porão eram cuidadosamente escondidos do público. Os ditadores sabiam o que estava ocorrendo, mas tinham a certeza de que as verdades do porão não seriam reveladas enquanto eles estivessem no poder.

A Lei de Anistia tentou soterrar os porões, varrendo para a obscuridade a sujeita cometida pelos verdugos civis e militares. Mas a verdade foi aos poucos sendo revelada. E em alguns dias a Comissão da Verdade publicará seu relatório lançando definitivamente luz onde havia apenas trevas. O trabalho da CV, entretanto, não foi capaz de revelar e destruir os subterrâneos do STF.

A tortura dos ex-torturados não acabou. Há bem pouco tempo o STF validou a Lei de Anistia. Isto foi feito apesar da Comissão de Direitos Humanos da OEA ter condenado o Brasil a revogar a mesma. A jurisprudência internacional considera inválida a anistia que os torturadores concederam a si mesmos durante um regime ditatorial. A cruel e internacionalmente ilegal jurisprudência forjada nos subterrâneos do STF segue tentando manter impunes os crimes cometidos nos porões.

O STF tem sido um ninho de cobras mais obscuro, persistente e duradouro que os porões da ditadura. O compromisso daquela Corte de castração da democracia com a injustiça é evidente. Em algum momento futuro o STF, que foi colocado de ponta cabeça pelos militares e que segue sendo mantido assim com os votos de Gilmar Mendes, Marco Aurélio de Mello e outros, terá que ser objeto de reformas de base. A justiça somente voltará a freqüentar o plenário daquele tribunal quando o mesmo revogar a Lei de Anistia ou for dissolvido em razão de se recusar a fazer isto. Caso contrário, os subterrâneos do STF continuarão a destilar e espalhar sua pestilência, a criar armadilhas para a democracia, a conceder privilégios para os criminosos e a ignorar os direitos daqueles que foram massacrados.  

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

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