1. INTRODUÇÃO
De acordo com o artigo 14, da Lei nº. 10.826/03, o crime de porte ilegal de arma de fogo, pune aquele que portar, deter, adquirir, receber, ter em depósito, transportar, ceder, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal regulamentar.
Desta forma, podemos afirmar que pela exegese legal, ou seja , por uma interpretação literal que o fato de portar arma desmuniciada também constitui crime. Em contrapartida ,surge um conflito quando se constata que uma arma sem capacidade de realização de disparos não opõe risco penalmente ofensivo à sociedade e , uma condenação sob a égide da incerteza da lesão ou do potencial de lesão de uma conduta acarreta em violação ao princípio da ofensividade.
2. DESENVOLVIMENTO
Segundo doutrina majoritária, o art.14 do Estatuto do Desarmamento (Lei 9437/97) tem como objeto material a “segurança pública”.Outra parte menos expressiva aduz ser a “incolumidade coletiva” o objeto jurídico do tipo penal retro. A divergência quanto ao bem jurídico tutelado se faz relevante uma vez que se acolhido o último pensamento, o porte ilegal da arma de fogo seria atípico, enquanto que para aqueles que sustentam a o primeiro, seria típico, com algumas divergências quanto à natureza jurídica do crime, conforme aprofundamento seguinte.
Até fevereiro de 2011 o Plenário do STF(Supremo Tribunal Federal ) e 5ª turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) entendiam ser atípica a conduta do porte ilegal de arma de fogo desmuniciada , com a ressalva do peculiar entendimento da Corte Constitucional que conjugava o princípio da disposição, segundo o qual somente seria típica a conduta alhures se o agente tivesse munição às proximidades , ou seja , com fácil acesso, o que representaria perigo de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora. Comungando desse entendimento, Fernando Capez elucida que “a arma de fogo sem potencialidade lesiva, ou seja, absolutamente ineficaz para detonar projéteis, não pode ser considerada como arma, para configurar a elementar do tipo”. No mesmo norte, assevera Damásio de Jesus que “desmuniciada a arma, inexiste tipicidade do fato, pois não há afetação ao bem jurídico, quer na forma de lesão efetiva ou potencial. Diante da lei penal, trata-se de crime impossível: o meio é inidôneo para lesão à objetividade jurídica”.
Parte da doutrina que sustenta o posicionamento da atipicidade o faz, calcada no princípio da ofensividade , segundo o qual, somente será punível penalmente aquelas condutas que colocam efetivamente o bem jurídico em situação de lesão ou de ameaça a lesão .Para essa corrente a existência dos crimes de perigo abstrato é no mínimo, de constitucionalidade duvidosa porque presumi-se absolutamente que uma dada conduta virá a por em risco um dado bem jurídico protegido pela norma penal, o que afronta a presunção de inocência , fortalece do Direito Penal do Autor e enfraquece o Dogma constitucional do Estado Democrático de Direito.
Este posicionamento foi superado pelas cortes Superiores, atualmente, corroborada pela Doutrina que sustenta ser o Art.14 do Estatuto do Desarmamento um crime de perigo abstrato, considera-se típica o porte ilegal da arma, ainda que desmuniciada .Trata-se segundo este posicionamento atualmente majoritário em ambas as Cortes, de crime de perigo abstrato, ou seja, o tipo presume a existência do perigo ao bem jurídico derivado da conduta do agente, sendo dispensável a demonstração de perigo real nos casos sub judice.
3. CONCLUSÃO
Desta forma, o debate sobre a responsabilidade criminal daquele que porta ilegalmente arma de fogo desmuniciada começa e termina sob a égide da Lesão ou oefensividade aos Bem jurídicos penalmente tutelados.É pacífico que o Direito Penal constitucional tem como escopo fundamental a proteção daqueles bem jurídicos mais relevantes. A questão divergente surge a partir do momento em que Direito Penal está autorizado a intervir, ou seja, somente quando houver efetiva lesão ou perigo real de lesão, ou mais ainda, se seria possível punir penalmente um indivíduo pela presunção de que aquela determinada conduta põe em risco bens jurídicos fundamentais e por isso mereceria uma sanção penal.
A doutrina se divide entre aqueles que entendem ser inconstitucional por violar a presunção de inocência e aqueles que admitem ser constitucional , afinal , o crime de tráfico de drogas, crime de perigo abstrato encontra fundamento direto na Carta Magna.A jurisprudência tende a seguir o ritmo das Cortes Superiores adotanto a tese do Crime de Perigo abstrato ou de mera conduta.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPEZ, Fernando. Estatuto do Desarmamento: Comentários à Lei nº 10.826/2003. 4ª Ed. SP: Saraiva, 2006.
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal do Desarmamento. 5ª Ed. SP: Saraiva, 2005.
GOMES, Luiz Flavio. Súmula do STF sobre porte de arma desmuniciada. Disponível em: <http://www.oquintopoder.com.br/informativo/ed29_IV.php>. Acesso em: 09.03.2011.