Sem as tutelas de urgência no processo, que progressivamente aumentam, seria muito mais grave a assertiva comum de que melhor seria que os litígios de interesses fossem resolvidos amigavelmente; que lento é o Judiciário na resolução das demandas; que os processos demoram a ser concluídos e outras observações sobre a falta de presteza e de efetividade da Justiça.
A moldura da resolução judicial de conflitos requer obediência ao devido processo legal. Os atos precisam ser devidamente praticados para que o juiz possa declarar o direito do vencedor e a satisfazer interesses perseguidos em juízo. Isso natural e geralmente demanda algum tempo.
Por outro lado, muitas vezes é intolerável a situação de espera por que passa o jurisdicionado, em razão da urgência para o recebimento do bem jurídico; outras vezes há o risco de que o bem em disputa possa vir a desaparecer ou ser atingido de modo a tornar inútil todo o trabalho das partes e do juiz.
Eis a razão para o deferimento de medidas judiciais, seja para satisfazer o direito do postulante, seja para conservar esse direito. São as tutelas de urgência a serem deferidas, se presentes os pressupostos definidos em lei para a sua concessão.
No embate entre o Poder Público e o contribuinte em lides de natureza tributária as medidas emergenciais adotadas pelo juiz são essenciais para se fazer efetivo o estado democrático de direito e o controle pelo cidadão da res publica, e para facilitar e possibilitar que o Estado atinja os seus fins de tributar e destinar o tributo visando ao bem comum.
Todavia, processo com desfechos céleres, efetivos e imediatos ainda não é a regra geral, pelo menos no sistema jurídico nacional. É o que se percebe na prática judiciária de todos os dias, na qual é muito comum a tutela final somente ao final de longa demanda. Isso porque, a decisão final já vem tarde ou por força da suspensão do ato de entrega da prestação, em face dos inúmeros recursos existentes no ordenamento jurídico, ou ainda ao final de um processo executório demorado e pouco operativo.
Evidencia-se, nesse contexto, a necessidade das tutelas emergenciais, cabendo ao magistrado o dever de deferi-las, presentes os pressupostos autorizadores. Com tais medidas o Estado-juiz afasta o perigo ou evita o dano, acautelando ou realizando desde logo postulações, para atender aos anseios de quem tem ou está na iminência de ter seu direito drasticamente violado.
A tutela de urgência é uma decisão em princípio provisória. Suas espécies são as medidas cautelares e as antecipações da própria tutela de mérito.
É bom frisar que a tutela cautelar não tem seu fundamento no direito material, mas no próprio direito processual para o qual foi instaurada e está a serviço.
O instituto da tutela antecipada surge talvez como a maior e a mais potente novidade da reforma no Direito Processual Civil Brasileiro das últimas décadas, ao lado da criação dos Juizados Especiais, que revolucionaram a forma de se fazer justiça no Brasil.
Na tutela antecipada há adiantamento de mérito e aquilo que a parte recebeu como antecipação já requer prévio cumprimento, mesmo porque o recurso contra a decisão antecipatória não poderá ter efeito suspensivo.
A antecipação de tutela configura a própria satisfação do direito postulado, em caráter provisório e antes do momento previsto no procedimento contraditório, lógico e legal, ao passo que a tutela cautelar tem como finalidade assegurar e conservar, formando um liame com a tutela principal.
Utilizando um exemplo acerca das relações sentimentais, desculpem-me por ser talvez até grotesco e um pouco grosseiro, mas meu objetivo com esse tosco exemplo é apenas tornar didática tal distinção. Suponha-se ser a lua de mel e tudo o que pode propiciar a noite de núpcias o bem da vida a ser pedido em dado processo.
A tutela cautelar seria a obrigatoriedade do nubente, da abstenção ou mesmo o uso do cinto de castidade a fim de se garantir o pleno usufruto da noite de núpcias ao final da demanda.
Seria cautelar o envolvimento íntimo decretado em favor de uma das partes, desde que não esgotasse toda a pretensão, isto é, não levasse à realização completa da lua de mel. A ordem de abstenção, por exemplo, visaria evitar prejuízos a um dos interessados e tornar útil a sentença concessória da lua de mel.
Por outro lado, como exemplo de tutela antecipada tem-se a decisão que obrigue um dos nubentes, antes do casamento, já aceitar e promover com o outro os atos inerentes à lua de mel, antecipando-se o usufruto imediato, até a resolução final da demanda, do bem da vida lua de mel e todos os valores e benefícios dali envolventes. Em ambos os casos os interessados (noivos) devem provar o direito à lua de mel e o perigo da demora de todo o processo e até mesmo o direito em disputa.
Mas deixemos de lado as colocações conceituais e ilustrativas e passemos agora para o processo tributário.
Faço a observação de que o processo tributário pode formar-se no âmbito da própria administração e ainda perante o Judiciário.
As tutelas de urgência são buscadas na via judicial, naturalmente, sem prejuízo do direito do Fisco de adotar medidas legais a fim de evitar procedimentos que coloquem em risco a satisfação do débito, no âmbito do seu poder administrativo da autotutela.
O processo é instituto não exclusivo da atuação do Judiciário e, de fato, há processo no conjunto de atos administrativos na relação da Administração com o administrado e também entre o Fisco e o contribuinte.
Eis por que o termo processo pode servir indistintamente, abstraindo-se qualquer preocupação com erro técnico ou terminológico, tanto ao Direito Administrativo-Tributário quanto ao Direito Processual, como permite mesmo a Constituição ao aludir a processo administrativo.
Aqui faço a ressalva de que se difundiu a idéia de que Direito Processual e processo são inerentes à atividade judiciária e no âmbito Administrativo Tributário existe tão-somente o procedimento.
Diferentemente de outras legislações, no Direito Brasileiro o controle dos atos administrativos não pode ser suprimido da apreciação do Judiciário, a qualquer tempo, por meio do chamado processo ou procedimento judicial, o que coloca os atos administrativos do Fisco com menos força do que os atos judiciais, no que se refere à segurança e à perpetuidade. O contencioso administrativo ou o contencioso fiscal não deu frutos no Brasil. O monopólio do Judiciário, copiado do sistema do common law, foi explicitamente posto na nossa primeira Constituição da República por incumbência magnífica de Rui Barbosa, que era um entusiasta do Direito Norte-Americano. Esse jurista também colaborou bastante com a introdução de profícuas garantias constitucionais, como a ação de habeas corpus.
Contudo, a possibilidade da coisa julgada e do princípio da inafastabilidade da apreciação judicial, como é da essência dos atos judiciários, não é suficiente para afastar o fenômeno processual entre a atividade da Administração Tributária e o administrado, porque muitos outros princípios e fenômenos processuais se fazem presentes nessa relação com terceiros.
Destarte, os princípios da motivação, do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da moralidade, da publicidade, da recorribilidade, do duplo grau de jurisdição, da busca do interesse público no lugar do interesse somente do Poder Público, entre outros, podem ser encontrados na processualística dos atos administrativos tributários.
Até mesmo o ideal de justiça, no plano de sua atuação, é um dos escopos da Administração Pública, porque se trata de um dos fins do Estado. Porém, como ressalta Odete Medauar, infelizmente há um pensamento que associa exclusivamente ao Poder Judiciário o dever de fazer justiça.
No processo Administrativo tributário existem atos envolvendo diretamente o Fisco e o particular, como a consulta tributária, a impugnação ao lançamento, os recursos perante os órgãos administrativos, tudo de acordo com a legislação correspondente.
O processo administrativo tributário brasileiro é regulado pelo Código Tributário Nacional, que dá os conceitos dos seus institutos, tais como fato gerador, obrigação tributária, responsabilidade, lançamento, crédito tributário.
Perante cada ente público tributante, na esfera de sua competência, se forma um processo administrativo tributário, como, no âmbito da União, por meio do Decreto 70.235, de 1972, com as modificações sofridas principalmente pela Lei 8.748, de 1993.
O processo administrativo tributário enseja vários procedimentos tributários, assim como o processo judicial forma procedimentos judiciais.
Por isso mesmo, processo e procedimento administrativos tributários revelam a relação direta entre os contribuintes com a Administração Fiscal, mediante a prática dos atos decorrentes da imposição tributária.
No âmbito judicial tributário a relação processual é mais completa e tem o apanágio da completitude, da definição, e da cautela.
O processo tributário em juízo se estabelece por meio de ações envolvendo o Fisco e o contribuinte, de um lado ou de outro da relação processual.
No processo administrativo tributário ocorre lançamento que localiza o fato gerador e impõe a obrigação tributária com o nascimento do crédito tributário constituído, que pode ser extinto e até mesmo sofrer suspensão, em razão muitas vezes da própria atuação do processo perante o juiz.
Dentro do processo administrativo tributário o Estado age de ofício para verificar a obrigação tributária e com isso recolher o tributo legalmente devido.
Ao nascer o fato gerador o Estado deve atuar para fazer surgir o seu crédito e para depois cobrá-lo administrativamente e até mesmo em juízo, se necessário, se não for pago no tempo concedido pela Administração.
O crédito tributário nasce da obrigação tributária do sujeito passivo, no momento em que ocorre o chamado lançamento tributário. O lançamento, dentre tantas funções legais, retrata a obrigação em todos os seus aspectos.
O crédito tributário, então, nasce, desenvolve-se até a inscrição em dívida ativa e ainda segue em juízo na busca do cumprimento do crédito, exceto se for extinto por outro meio legal, tais como pagamento.
No decorrer do procedimento tributário entre o Fisco, como sujeito ativo, e o contribuinte, como sujeito passivo, pode suceder a suspensão do crédito tributário em virtude de alguma das causas previstas no artigo 151 do CTN.
Entre os motivos da suspensão, sobressaem: a moratória, que é uma dilação do pagamento da dívida tributária; o depósito do montante integral da dívida; as reclamações e os recursos administrativos. Friso que, quanto aos recursos, o depósito de 30% do valor cobrado é, nos termos da lei, condicionante para o seu processamento para a segunda instância.
Outro fundamento arrolado no CTN para a suspensão do crédito do Fisco é a concessão de liminar em mandado de segurança, segundo o inciso IV do artigo 151 antes citado.
A concessão de medida liminar e de antecipação de tutela, esta que também pode ser dada liminarmente, de acordo com o inciso V do art. 151, com o acréscimo da Lei Complementar 104, de 2001. Aliás, esse inciso fez com o inciso anterior fosse desnecessário, já que generalizou toda e qualquer espécie de liminar, inclusive em mandado de segurança.
Por último, suspende o crédito o parcelamento, que parece ser espécie de moratória.
Dentre as hipóteses aptas a suspender o crédito tributário, interessam aqui os incisos IV e V do art. 151 do CTN.
A liminar em mandado de segurança é uma eficaz forma de suspensão do crédito. Em regra a liminar não deve ficar condicionada à caução, salvo em casos excepcionais, porque na liminar o juiz deve estar seguro de que existem os pressupostos essenciais para a concessão da medida. Isto é, precisa ter ciência e consciência da relevância dos fundamentos e do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação.
Por outro lado, admite-se a generalização da medida liminar, o que inclui a liminar cautelar e as medidas antecipatórias de tutela no processo de cognitivo.
Contudo, o artigo 151 do CTN faz distinção entre liminar, cautelar e antecipação de tutela.
A liminar se alia ao fator tempo, de modo que a medida cautelar e antecipatória pode ser dada antes da sentença do tempo legalmente previsto para tanto. Assim, o juiz pode conceder medida cautelar initio litis. A antecipação da tutela já denota uma espécie de liminar, uma vez que antecipar significa conceder liminarmente. Observo, porém, que em caso de antecipação da tutela na sentença o recurso terá apenas devolutivo. A antecipação pode ser ainda dada em grau de recurso, pois antecipar a tutela significa a possibilidade de executar o comando judicial, ainda que provisoriamente.
O mandado de segurança tem serventia para proteger o direito do cidadão contra atos do Poder Público. Trata-se de exercício do controle de atos que extrapolem a legalidade e atentem contra a finalidade administrativa.
Muito mais do que a ação cautelar, o mandado de segurança em matéria tributária, é muito útil seja contra qualquer ato fiscal, como para liberar mercadorias apreendidas, receber certidões positivas como efeito de negativas etc. E ainda contra o lançamento fiscal ou a constituição e perseguição do crédito tributário.
Cabe tutela antecipada de inexistência de débito. Pode o juiz previamente e antes da fazer o acertamento conceder tutela antecipada para declarar que o Autor nada deve ao Fisco, para que ele possa gozar de todos os benefícios decorrentes desse status.
A doutrina e a jurisprudência não admitiam a ação cautelar contra o fisco para a suspensão do crédito tributário. Alegava-se o seguinte: nem o art. 151 do CTN e nem o art. 38 da Lei de Execução Fiscal a contemplavam; o CPC, por ser diploma ordinário, não pode modificar uma Lei Complementar, o CTN; a suspensão do crédito tributário é satisfativa.
A questão perdeu sua razão de ser por causa da novidade do inciso V do art. 151 do Código Tributário, que passou a admitir a suspensão do crédito por medida liminar.
Ora, medida liminar, retratando o fator tempo, pode ser dada em qualquer ação, e isso não implica – ao contrário só reforça – a possibilidade de ser pedida na via da ação cautelar, inclusive liminarmente, nos termos do art. 804 do CPC.
As normas de processo se aplicam em matéria tributária, até porque não se tem no Brasil um Código Processual Tributário, como existe em Portugal, por exemplo, de modo que o CTN prevê normas processuais e o CPC se aplica subsidiariamente.
Acima de tudo, suspender a exigibilidade tem um teor de cautelaridade já que assegura a tutela principal que é a de extinguir, o crédito tributário. A extinção, sim, pode esgotar a demanda principal e no lugar de ser preventiva, já tem natureza antecipatória.
Inúmeras as situações podem levar o contribuinte a propor uma demanda cautelar não prevista no CPC ou em leis especiais, a fim de proteger o bem jurídico em disputa em juízo ou em vias de sê-lo.
A ação cautelar pode ser usada contra o Fisco e principalmente para o fim da suspensão do crédito tributário, como por exemplo, para medidas como a retirada do nome do CADIN e o depósito do valor do tributo cobrado. Também pode ser usada visando a amparar o processo principal ou a tutela a que a parte visa a garantir, com o afastamento do dano ou do receio de lesão.
Como arremata Hugo de Brito Machado, “não temos dúvida de que o Juiz, ao afirmar a impossibilidade de provimento cautelar para suspender a exigibilidade do crédito tributário, está praticando verdadeira auto-castração, em benefício do autoritarismo”.
Felizmente o nosso processo atual não é autoritário. Sendo democrático, comporta diversos meios de ação e diversas modalidades, com ou sem fungibilidade, de decisões acautelatórias e antecipatórias de direitos e interesses legítimos. E na tensão entre a atuação dos organismos tributários e a proteção do contribuinte o Judiciário deve ser o fiel da balança dessas contraposições, como as ocorrentes entre a adimplência e a cobrança indevida e entre a urgência e a segurança jurídica.