Mutação constitucional: uma análise crítica

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16/12/2014 às 14:21
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5. A mutação constitucional e o devido processo legal legislativo

Como sabido, todo ordenamento jurídico objetiva a manutenção de suas normas para vigorarem de forma duradoura e que mantenham a necessária eficácia para sua absoluta permanência. Neste contexto, a existência de processos formais e informais de alteração da Constituição tem como objetivo fulcral conferir maior efetividade e aplicabilidade às suas disposições normativas.

No atual estágio evolutivo em que se encontram as sociedades, é uníssono o entendimento de que todo ordenamento jurídico necessita instituir esses métodos para propiciarem alterações em seu texto constitucional, evitando com isso o engessamento do ordenamento. Modificações essas necessárias a adequar o sistema à dinâmica evolução social. Podendo essas mudanças originarem-se dos usos, dos costumes, das tradições, das alterações sociológicas ou do posicionamento adotado pelos órgãos de cúpula jurisdicionais de um país a respeito de um determinado assunto, manifestando-se através da interpretação do texto incorporado à Carta Política, a exemplo da interpretação sem redução do texto constitucional ou a interpretação conforme a Constituição, além da própria estrutura do sistema vigente que delimita o entendimento a ser dado ao texto normativo.

No tocante às alterações formais da Constituição, a grande maioria das Cartas republicanas de nosso país foi classificada como rígida, com exceção da Política de 1937, que dispunha de um processo de alteração diverso caso o projeto fosse originado de iniciativa do Presidente da República, o qual seria aprovado com quórum e votação simplificados, enquanto que os de iniciativa da Câmara dos Deputados necessitavam para sua aprovação de procedimento mais árduo. Neste contexto, tínhamos, ao mesmo tempo e na mesma Constituição, a possibilidade de ela ser modificada por um procedimento mais flexível ou mais dificultoso, dependendo de quem partisse a iniciativa de proposta de emenda.

O procedimento mais dificultoso tem sua razão de existir, pois só assim é possível manter-se a hegemonia da Constituição em relação às demais normas a ela inferiores, necessárias à manutenção da segurança jurídica constitucional, devendo manter uma relação de dependência com as ideias iniciais do constituinte originário. Ainda, pela abrangência da repercussão que a alteração de uma norma da Constituição acarreta em todo o sistema, faz-se necessário um maior debate político acerca de sua conveniência.

Corroborando com o exposto, valiosa a lição da lição de PAULO e ALEXANDRINO:

“A rigidez, contudo, não visa impedir mudanças no texto da Constituição, mas, tão-só, a assegurar uma maior estabilidade à obra do poder constituinte originário e a conferir às normas nela vazadas supremacia sobre as demais normas jurídicas.

(...)

Por isso, a rigidez nunca deverá ser tal que impossibilite a adaptação do texto constitucional a novas exigências políticas e sociais: a sua exata medida pode vir a ser uma garantia da Constituição, evitando que se adote o caminho do rompimento com a ordem institucional (Jorge Miranda).

De outra parte, a rigidez dá origem, como decorrência automática, ao denominado princípio da ‘supremacia da Constituição’.”25

O fundamento da manutenção do espírito da Constituição é primordial para a manutenção de sua própria supremacia. Deve toda mudança respeitar os fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º, da CF/1988), assim como os seus objetivos (artigo 3º, da CF/1988), para que com isso seja respeitado, quando de sua modificação por meio das emendas, seu próprio perfil.

No entanto, em sendo o caso de uma revolução constitucional para a mudança do ordenamento por força de movimentos sociais, necessariamente, a modificação deverá romper com o ordenamento até então vigente, por tratar-se de uma vontade da própria sociedade, não havendo que se falar em manutenção da unidade da Constituição. A substituição de uma constituição por outra necessita da renovação do poder constituinte e esta mudança necessariamente ocasionará na ruptura da ordem constitucional vigente. Sobre o poder constituinte originário, leciona o professor NOVELINO no seguinte sentido:

“O poder constituinte originário possui características tradicionais que o diferenciam dos poderes constituídos. Trata-se de um poder: I) inicial , por não existir nenhum outro antes ou acima dele; II) autônomo , por caber apenas ao seu titular a escolha do conteúdo a ser consagrado na Constituição; e III) incondicional , por não ser submetido a nenhuma regra de forma ou de conteúdo.”26 (grifos no original)

Diferentemente do poder conferido ao constituinte reformador, por tratar-se de um poder limitado, explícita e implicitamente, pelo próprio texto constitucional, não pode ele violar o sistema principiológico da constituição dela decorrente.

As emendas à Constituição são consideradas ato infraconstitucional, e, respeitados os preceitos fixados no artigo 60 da CF/1988, além de compatibilizar-se com as demais normas já existentes na ordem constitucional, após sua aprovação, adquirem o status constitucional, possuindo a mesma hierarquia das normas da Carta Constituinte.

Entretanto, não sendo respeitados alguns dos limites explícitos ou implícitos da Constituição em vigor, a emenda será tida por inconstitucional, devendo ser extirpada do ordenamento jurídico, por meio dos mecanismos constitucionalmente previstos de controle de constitucionalidade.

Assim, podem as Emendas Constitucionais, ao contrário das normas constitucionais oriundas do poder constituinte originário, serem objeto de controle de constitucionalidade, difuso ou concentrado, com o objetivo de verificar-se uma possível inconstitucionalidade. Ainda, pode o controle judiciário de constitucionalidade ocorrer sobre os textos enquanto emenda.

Quanto aos limites ao procedimento de elaboração das emendas constitucionais, a sua não observância acarreta indubitavelmente em uma norma inconstitucional, por padecer de vício formal de inconstitucionalidade, ao violar o devido processo legal legislativo dispostos em todo o artigo 60, da Constituição Federal, in verbis:

“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II - do Presidente da República;

III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

§ 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.

§ 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

§ 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

§ 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.”

Há ainda os vícios materiais de inconstitucionalidade que estão ligados ao próprio mérito do ato, quando o conteúdo do ato normativo não é compatível com as imposições da Constituição, seja afronta à norma constitucional expressa, seja por afronta a preceito ou princípio implícito na Constituição.

Em mais uma de suas brilhantes lições, BARROSO argumenta:

“a inconstitucionalidade material expressa uma incompatibilidade de conteúdo, substantiva entre a lei ou o ato normativo e a Constituição. Pode traduzir-se no confronto com uma regra constitucional – e.g., a fixação da remuneração de uma categoria de servidores públicos acima do limite constitucional (art. 37, XI) – ou com um princípio constitucional, como no caso de lei que restrinja ilegitimamente a participação de candidatos em concurso público, em razão do sexo ou idade (arts. 5º, caput, e 3º, IV), em desarmonia com o mandamento da isonomia. O controle material de constitucionalidade pode ter como parâmetro todas as categorias de normas constitucionais: de organização, definidoras de direitos e programáticas.”27

Ainda, o Ministro Gilmar Mendes, acerca do assunto expõe o seguinte entendimento:

“Os vícios materiais dizem respeito ao próprio conteúdo ou ao aspecto substantivo do ato, originando-se de um conflito com regras ou princípios estabelecidos na Constituição.

A inconstitucionalidade material envolve, porém, não só o contraste direto do ato legislativo com o parâmetro constitucional, mas também a aferição do desvio de poder ou do excesso de poder legislativo.

É possível que o vício de inconstitucionalidade substancial decorrente do excesso de poder legislativo constitua um dos mais tormentosos temas do controle de constitucionalidade hodierno. Cuida-se de aferir a compatibilidade da lei com os fins constitucionalmente previstos ou de constatar a observância do princípio da proporcionalidade, isto é, de se proceder à censura sobre a adequação e a necessidade do ato legislativo”.28

São esses limites que servem de norte ao legislador quando da elaboração do novo texto normativo, observando a legitimidade de sua iniciativa e respeitando-se os quóruns necessários para a aprovação das PECs.

As limitações expressas estão previstas no próprio corpo da Constituição, e se subdividem em três subespécies: materiais, circunstancias e procedimentais ou formais. Já as limitações implícitas ao poder de reforma são as que decorrem dos limites expressos e se dividem em dois grupos: as normas acerca do titular do poder constituinte de reforma e as disposições concernentes à eventual supressão das limitações expressas.

Ademais, o artigo 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias previu um procedimento diferenciado para alteração da constituição, através da denominada revisão constitucional, que ocorreria uma única vez após cinco anos da promulgação da Constituição Federal, e a aprovação das emendas seriam pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral. No período foram promulgadas seis emendas constitucionais de revisão, em 07 de junho de 1994.

Já no tocante ao processo informal de alteração da norma constitucional, temos o fenômeno da mutação constitucional, que tem como escopo adaptar algumas normas, princípios e conceitos constantes do texto político, para que venham possibilitar um melhor entendimento e uma maior margem de aplicabilidade das normas sem que haja a necessidade de alteração de seu texto, em consonância com a realidade social na qual inserida.

São os processos informais de alteração da constituição de relevante importância no tocante à concretização de um mecanismo alternativo de conformação de determinados princípios normativos ao caso concreto, de forma mais célere que o efetuado pela via formal.

É a mutação constitucional um processo informal de modificação das normas constitucionais sem que haja alteração em seu texto, que, diversamente aos métodos formais (as emendas constitucionais e a as emendas de revisão), não foi expressamente previsto dentro do texto constitucional, não integrando o processo legislativo, mas que, atualmente, vem ganhando espaço na doutrina e na jurisprudência, devido a constituir-se em instrumento de fundamental importância para o atual cenário normativo da Constituição.

Por fim, ressalte-se, mais uma vez, duas características fulcrais da mutação constitucional, quais sejam, é um processo informal de alteração da Carta Política, por não se encontrar previsto em seu texto, e que suas alterações abrangem somente o significado, sentido e alcance da norma da Constituição, não a literalidade de seu texto.


6. Mutação Constitucional na prática

É a mutação constitucional tema de grande valia para todos os operadores do direito, mormente para o aplicador do direito constitucional. Com o intuito de contribuir ainda mais para a compreensão do tema, sem no entanto ter a pretensão de esgotá-lo, na presente pesquisa colaciona-se alguns dos principais casos práticos da ocorrência do instituto.

6.1. Mutação constitucional decorrente da mudança de interpretação da Constituição

A expressão mutação constitucional foi utilizada pela primeira vez pelo Pretório Excelso para simplesmente justificar uma mudança de interpretação acerca de determinado texto, alterando-se um anterior posicionamento.29

Em seguida, o STF passou a literalmente correlacionar a mutação constitucional ao conceito de nova interpretação à Constituição Federal, vejamos:

“QUESTÃO DE ORDEM. HABEAS CORPUS CONTRA ATO DE TURMA RECURSAL DE JUIZADO ESPECIAL. INCOMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ALTERAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. REMESSA DOS AUTOS. JULGAMENTO JÁ INICIADO. INSUBSISTÊNCIA DOS VOTOS PROFERIDOS. Tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal, modificando sua jurisprudência, assentou a competência dos Tribunais de Justiça estaduais para julgar habeas corpus contra ato de Turmas Recursais dos Juizados Especiais, impõe-se a imediata remessa dos autos à respectiva Corte local para reinício do julgamento da causa, ficando sem efeito os votos já proferidos. Mesmo tratando-se de alteração de competência por efeito de mutação constitucional (nova interpretação à Constituição Federal), e não propriamente de alteração no texto da Lei Fundamental, o fato é que se tem, na espécie, hipótese de competência absoluta (em razão do grau de jurisdição), que não se prorroga. Questão de ordem que se resolve pela remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, para reinício do julgamento do feito.

(STF - HC-QO: 86009 DF , Relator: CARLOS BRITTO, Data de Julgamento: 29/08/2006, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-004 DIVULG 26-04-2007 PUBLIC 27-04-2007 DJ 27-04-2007 PP-00067 EMENT VOL-02273-01 PP-00200)” (grifo acrescido)

Sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes, nos ED Ediv RE n° 174.161-9/DF e Ediv RE n° 166.791-5/DF, abordando a interpretação do art. 8º, ADCT, assevera o STF que a mudança do antigo entendimento ocorrera quando do julgamento do RE 165.438/DF.

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Percebe-se com isso terem os ministros aplicado a mutação constitucional como justificativa à mudança de entendimento do tribunal.

Quando do julgado dos casos da fidelidade partidária, a utilização do fenômeno da mutação constitucional aparece novamente nos votos do Ministro Gilmar Mendes, que após profunda análise acerca do instituto, encerra concluindo que aquele se trata de um típico caso de mutação constitucional, em que se altera a jurisprudência longamente adotada pela Corte, asseverando o uso da mutação constitucional como simples mudança de interpretação da Constituição pelo seu guardião, sem apresentar fundamentos suficientes a autorizar a sua utilização.

Nos casos neste tópico apresentados, as decisões são no sentido de correlacionar a expressão mutação constitucional à mera alteração da interpretação de determinado dispositivo constitucional, sem haver menção às eventuais alterações, seja no plano fático, seja em relação à mudança de pressupostos, mas sim uma mera modificação de posicionamento da Suprema Corte em relação ao caso sub judice.

Concluindo, em que pese ser a interpretação uma das espécies de mutação constitucional, fator relevantíssimo é que a mera mudança de entendimento pode ocorrer de infinitos e injustificáveis fatores, como o reconhecimento de uma concepção equivocada, bem como a mudança da composição do tribunal, dentre outros. Não obstante quando da utilização do instituto da mutação constitucional, a alteração da norma a ser extraída é decorrente de circunstâncias fáticas, de pressupostos, em síntese, da necessidade de uma adequação do texto constitucional à realidade vivida.

6.2. Exemplos de mutação constitucional aplicados à Constituição de 1988

Para se verificar ocorrência da mutação constitucional, serão utilizados argumentos apresentados pelos ministros do STF justificando sua ocorrência.

6.2.1. Reclamação n° 4.335-5/AC

Trata-se de reclamação ajuizada pela Defensoria Pública do Estado do Acre, ainda pendente de julgamento (em fevereiro de 2014), cujo objetivo é garantir o cumprimento de decisão do STF que, em sede de Habeas Corpus nº 82.959, declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/1990 (Lei de Crimes Hediondos).

A reclamação ataca decisão proferida pelo juiz da Vara de Execuções Penais da capital acreana, que indeferiu pedido de progressão de regime de 10 (dez) presos condenados pela prática de crimes hediondos.

Em síntese, o cerne da questão reside em averiguar se o juiz das Execuções Penais se vincula à decisão proferida no aludido habeas corpus, que declarou inconstitucional mencionado dispositivo. O artigo proibia a progressão de regime para os condenados pelos crimes abrangidos pela lei. Tendo a decisão sido foi proferida em controle difuso de constitucionalidade, o entendimento até então prevalente era no sentido de que o STF deveria noticiar o Senado que este, por meio de resolução, suspendesse a eficácia do dispositivo em análise, conforme preceitua o artigo 52, inciso X, da CF/1988. A decisão do Ministro Gilmar Mendes, cujo voto foi seguido pelo Min. Eros Grau, ao reconhecer a mutação constitucional incidente sobre este artigo do texto constitucional, extraiu novo entendimento do dispositivo, atribuindo às decisões do STF eficácia transcendente, tornando desnecessário o ato de o Senado Federal suspender a lei, servindo este apenas para, em sede de controle difuso de constitucionalidade, dar publicidade às decisões do Supremo.

A análise do caso concreto se concentrará nos argumentos apresentados para justificar a ocorrência da mutação constitucional, se são eles capazes de legitimar a ocorrência do instituto à espécie.

Ab initio, informe-se não ter a doutrina aceitado os argumentos trazidos pelos Ministros em seus votos, por entenderem terem sido violados os limites da mutação constitucional alegada. Neste sentido tem se posicionado o culto NERY JUNIOR, in verbis:

“Essa tese, além de ser inconstitucional, é perigosa porque apequena a atividade do Poder Legislativo aqui representado pelo Senado Federal como Câmara Alta, direcionando para notável hipertrofia do STF no processo de controle difuso da constitucionalidade das leis e atos normativos.”30

No tocante à defesa de sua constitucionalidade, há de se acentuar, ainda, o fato de já ter o Ministro Gilmar Mendes, antes mesmo de seu voto proferido na reclamação em estudo, em artigo publicado em 200431, se manifestado pela mutação constitucional incidente sobre o artigo 52, X, da CF/1988, através do qual alega a inutilidade da suspensão pelo Senado Federal de lei declarada inconstitucional, em razão do novo entendimento e modelo de controle de constitucionalidade adotados pela Carta Política de 1988.

Nas duas vezes em que o ministro se posicionou sobre o tema sua linha de pensamento seguiu um padrão adequado ao neste estudo adotado. Inicialmente ele faz uma perspectiva histórica da norma extraída do texto do art. 52, inciso X, da CF. Em seu entendimento, o dispositivo foi trazido pela Carta de 1988 por motivos exclusivamente históricos, sem terem se apercebido que dita norma somente teria aplicabilidade em face do anterior modelo de controle de constitucionalidade adotado no país, demonstrando-se, inadequada ao novo modelo trazido pela Constituição Federal de 1988, bem como com o atual entendimento de separação de poderes. E, ainda no entendimento do eminente Ministro, as decisões do STF possuem efeitos transcendentes e muitas vezes erga omnes, como por exemplo as súmulas vinculantes, a possibilidade de afastamento da cláusula de reserva de plenário quando o tribunal já tenha se manifestado pela constitucionalidade ou não de determinada norma, a nova regra da repercussão geral no julgamento de recursos extraordinários, a hipótese de controle difuso de constitucionalidade em processo coletivo, bem como a vinculação dos fundamentos determinantes das decisões proferidas a respeito de direito municipal.

Dos argumentos apresentados pode se extrair que a decisão proferida pelo STF, ainda que em controle difuso de constitucionalidade, teria seus efeitos erga omnes, sendo desnecessária a intervenção legislativa para se atribuir tal alcance. Defende ainda o Ministro Gilmar Mendes que se em várias outras hipóteses o efeito vinculante já seria presumido e aplicado, não mais se podendo atribuir tamanha significação à norma extraída do artigo 52, inciso X, da CF. Segundo ele, não mais se permitiria que apenas neste caso de controle difuso de constitucionalidade a participação do Senado Federal fosse imprescindível.

O Ministro Eros Grau, seguindo o voto do Ministro Gilmar Mendes, também se posicionou pela ocorrência da mutação constitucional no caso. Sua fundamentação, porém, deu-se de forma distinta. Argumentando sobre a ocorrência do fenômeno objeto do presente estudo, este ministro partiu da premissa que: “texto e norma não se superpõem; que o processo legislativo termina no momento do texto --- a norma virá depois, produzida no bojo de um outro processo, a interpretação32, daí pode-se extrair de que a norma só se concretiza após interpretada, antes teremos apenas um texto normativo que por si só não produz qualquer efeito, servindo-se apenas de ponto de partida e limites à sua concretização.

Para este Ministro, para que a mutação constitucional ocorra, deve-se caminhar de um texto para outro, que o substituiria, e não somente do texto para a norma, como no ordinário processo de interpretação. Na mutação constitucional o resultado diverso surge por se ter alterado o ponto de partida, a compreensão ou sentido do texto normativo, pela alteração dos pressupostos fáticos, do contexto, da realidade.

Com este entendimento, o Ministro Eros Grau aplica a mutação constitucional sobre o artigo 52, inciso X, da CF, argumentando que “o novo texto é plenamente adequado ao espaço semântico constitucional33.

Por fim, o Ministro Eros Grau defende a condição obsoleta do artigo 52, inciso X, da CF/1988, por não mais corresponder ao modelo de controle de constitucionalidade adotado no Brasil, submetendo-se à mutação constitucional.

Como visto, há fortes argumentos tanto no sentido da constitucionalidade quanto no da inconstitucionalidade para o caso em análise, revelando estar a matéria longe de ter sua discussão por encerrada.

Destarte, convém ressaltar que quando do julgado final da Reclamação nº 4.335-5/AC, há de se concluir que o STF não admitiu a teoria da abstrativização do controle difuso e o art. 52, X, da CF/88 não sofreu mutação constitucional.

Em votação não unânime, a reclamação foi conhecida e julgada procedente, em que a maioria dos Ministros não aderiram ou até refutaram literalmente a mutação ao caso em análise. Assim, para a maioria do STF, a decisão em controle difuso continua ainda produzindo, como regra, efeitos apenas inter partes e o papel do Senado é o suspender o ato normativo declarado inconstitucional, ampliando a eficácia da decisão.

6.2.2. A prisão civil do depositário infiel

Outra ocorrência bastante relevante de mutação constitucional foi a do trato da possibilidade de prisão civil do depositário infiel. Inicialmente convém reportar que a Constituição Federal permite expressamente tal prisão em seu artigo 5º LXVII: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. (grifo acrescido)

Sendo o depositário o indivíduo que passa a ter certas obrigações com a coisa recebida, como a conservação e a sua devolução em determinado tempo, assim, caso alguma dessas obrigações não seja observada, o depositário é considerado infiel.

Ainda em relação a esse tema, é histórica a sanção de prisão ao depositário infiel, pois desde as Ordenações Filipinas, início do século XVII, observava-se essa previsão, nos casos em que, recusando-se depositário a devolver o bem sob sua custódia ou dela se usufruindo sem permissão de quem legitimamente a possa dar, deveria ele ser preso até que devolvesse o bem e reparasse o dano causado.

Tal sanção era também prevista no Código de Processo Civil de 1939, entre os artigos 366 e 370, que prescreve como era feita a prisão nesses casos.

Com incorporação, em 1992, pelo ordenamento jurídico brasileiro do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (Adotado pela Resolução n. 2.200. A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em dezembro de 1966) e do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos), esse tema ganhou destaque para as transformações de suas interpretações.

Aludidos pactos proíbem a prisão civil do depositário infiel, como visto no art. 7º, 7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que diz “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”.

No entanto, o STF por inúmeras vezes havia se posicionado em julgados admitindo a possibilidade da prisão civil do depositário infiel, mesmo após a incorporação do Pacto de São José da Costa Rica34 ao ordenamento jurídico pátrio, documento esse que não admite a prisão civil, salvo a do devedor de pensão alimentícia. Acerca do entendimento do Pretório Excelso à época, valiosas são as lições de MORAES:

“Apesar da divergência doutrinária e jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal assentou a constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel em alienação fiduciária, no Habeas Corpus nº 72.131, sessão de 23-11-95, garantindo a aplicabilidade desta hipótese. Assim, afirmou o Supremo que a prisão de quem foi declarado, por decisão judicial, como depositário infiel é constitucional, seja quanto ao depósito regulamentado no Código Civil, seja no caso de alienação protegida pela cláusula fiduciária. Os compromissos assumidos pelo Brasil em tratado internacional de que seja parte (§ 2º, do art. 5º, da Constituição) não minimizam o conceito de soberania do Estado-novo na elaboração de sua constituição; por esta razão, o art. 7º, nº 7, do Pacto de São José da Costa Rica (“ninguém deve ser detido por dívida”: “este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”) deve ser interpretado com as limitações impostas pelo art. 5º, LXVII, da Constituição.”35 (grifo no original)

Porém, no final do ano de 2008, o STF reviu seu posicionamento e consolidou o entendimento acerca da ocorrência da mutação constitucional sobre o tema. A nova compreensão do Pretório Excelso é a de que o Pacto de São José da Costa Rica derrogou as normas infraconstitucionais brasileiras que regulamentavam a hipótese de prisão civil do depositário infiel, tornando impossível aludida prisão em nosso ordenamento jurídico. Continuando admitida a prisão civil do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia.

Merece destaque ainda a alteração no Texto Constitucional trazida pela Emenda Constitucional 45/04, que incluiu o parágrafo terceiro ao artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Tal parágrafo prevê que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”, dando mais solidez jurídica a esses tratados e convenções internacionais.

Pelo todo o exposto, passemos então a analisar as decisões do STF acerca da prisão civil do depositário infiel produzida no caso concreto. Primeiramente, deve ser dado ênfase aos habeas corpus n° 90.450-5/MG e 94.695-0/RS, julgados em 23/09/2008, por terem efetivamente tratado do tema, e tendo alguns outros apenas feito referência a eles ou transcrito trechos de seu teor36.

Os HCs acima referenciados possuíram como relator o Ministro Celso de Mello, possuindo ambos idêntico voto, com a única diferença de que somente o último faz menção ao afastamento da Súmula 691/STF37.

Merecem destaque especial os argumentos lançados para a justificativa da ocorrência da mutação constitucional ao caso. A posição adotada pelo Ministro Celso de Mello acerca do tema pode ser caracterizada com a sua afirmação de que “por não mais cabível, em nosso ordenamento jurídico doméstico, a prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito (...)”38, tese fulcral de seus votos, que pode ser subdividida em seus dois principais argumentos: a hierarquia constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos e a mutação constitucional que, para ele, é instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da constituição, demonstrando, desde logo, a correta utilização do instituto, quando o define na ementa da decisão, como:

“A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição.

A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea.”39

O ministro estrutura seu posicionamento partindo do axioma de que o não mais cabimento da prisão civil do depositário infiel no ordenamento brasileiro decorre da mudança de concepção no direito internacional, cingindo esta transformação à necessidade de o Pretório Excelso atribuir efetividade ao sistema de proteção aos direitos humanos, o qual se corporifica apenas na adequação da jurisprudência do STF ao entendimento prevalecente no âmbito internacional.

Em seguida, argumenta o Ministro acerca da necessidade e obrigatoriedade de atualização do texto inserido na Carta Política de 1988 aos novos rumos tomados pela sociedade, seja interna, seja internacional, devendo se realizar por meio do instituto da mutação constitucional.

Posteriormente o Ministro Celso de Mello profere argumento merecedor de transcrição:

“Na realidade, a interpretação judicial, ao conferir sentido de contemporaneidade à Constituição, nesta vislumbra um documento vivo a ser permanentemente atualizado, em ordem a viabilizar a adaptação do ‘corpus’ constitucional às novas situações sociais, econômicas, jurídicas, políticas e culturais surgidas em um dado momento histórico, para que, mediante esse processo de ‘aggiornamento’, o estatuto fundamental não se desqualifique em sua autoridade normativa, não permaneça vinculado a superadas concepções do passado, nem seja impulsionado, cegamente, pelas forças de seu tempo.

Ou, em outras palavras, a interpretação emanada dos juízes e Tribunais, será tanto mais legítima quanto mais fielmente refletir, em seu processo de concretização, o espírito do tempo, aquilo que os alemães denominam ‘Zeitgeist’. Em uma palavra, Senhores Ministros: a interpretação judicial há de ser vista como instrumento juridicamente idôneo de mutação informal da Constituição, revelando-se plenamente legítima a adequação da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea.”40

Por fim, a Segunda Turma, em votação unânime, acolheu e aprovou a proposta de edição da Súmula Vinculante nº 2541, que diz ser ilícita a prisão civil do depositário infiel.

6.2.3. ADPF 46 – monopólio do serviço postal pela União

Trata a referida ADPF de ação proposta pela Associação Brasileira das Empresas de Distribuição – ABRAED, em que questionava a recepção pela Carta Política de 1988, da Lei nº 6.538, de 1978, a qual confere à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, o monopólio na entrega de correspondências, sob o argumento de que feriria alguns princípios constitucionais, tais como o da livre concorrência, do livre exercício de qualquer trabalho e o da livre iniciativa, mormente pelo fato de o monopólio não ter sido previsto pela constituição, e sim por lei ordinária editada durante o regime militar.

Em seu voto quando do julgamento da ADPF 46, o Ministro Relator Marco Aurélio, julgando procedente a demanda, lançou mão de modo interessante do instituto da mutação constitucional, em que pese ter sido ele vencido em relação ao mérito da causa, que foi julgada improcedente.

Ainda, quando de seu pronunciamento nos autos, fez o Ministro uma importante indagação, a qual merece transcrição:

“qual o significado do teor do inciso X do artigo 21? Será que o sentido da expressão ‘manter o serviço postal’ é hoje o mesmo de duzentos anos atrás, quando, pelo Alvará de 20 de Janeiro de 1798, instituiu-se que competia aos Poderes Públicos o processo de organização postal dos Correios Terrestres? Será que se está condenado a ficar permanentemente atrelado ao passado, ignorando que o sentido das normas também é condicionado pela evolução da vida, da vida em sociedade? A resposta é desenganadamente negativa, revelando–se um sonoro ‘não’.”42

Para a construção de seu raciocínio acerca da ocorrência da mutação constitucional no caso em análise, o Ministro fez um panorama histórico acerca da existência do dispositivo constitucional impugnado, qual seja, em relação ao artigo 21, inciso X, da CF, argumentando incessantemente não ser mais a mesma interpretação no tocante ao dever de manutenção do serviço postal pelo poder público, quando da sua inserção na ordem constitucional brasileira, em 1914, até os dias atuais.

Há de se destacar ainda mais um importante trecho do voto do eminente Ministro Marco Aurélio que bem retrata seu posicionamento, ao afirmar:

“Com isso, quero dizer que a atuação da Corte não pode ser mecânica e apenas repetitiva das interpretações que até puderam ter feito sentido em um passado remoto, mas que não mais se coadunam com a realidade. Ao sobrelevar a importância da força normativa do Diploma Básico, friso a necessidade de este Tribunal concretizar e realizar os preceitos constitucionais de forma ótima, o que se traduz na observância do processo dialético e ininterrupto de condicionamento entre a norma e a realidade. A indiferença quanto ao cumprimento desses princípios hermenêuticos pode ocasionar um recorte drástico e indesejado, considerados o dispositivo constitucional e a realidade, configurando-se o que Pablo Lucas Verdú convencionou chamar de ‘mutação constitucional’, hipótese em que a Carta Federal fica obsoleta, fragilizada, caduca. Cabe ao intérprete, no caso, proceder a uma interpretação evolutiva, reconhecendo que essas ‘mutações constitucionais silenciosas’ funcionam, na verdade, como atos legítimos de interpretação constitucional.”43

Para o Ministro Relator, a expressão “compete à União manter o serviço postal”, deve ser interpretada em consonância com os princípios constitucionais, especialmente o da livre concorrência, do livre exercício de qualquer trabalho e o da livre iniciativa, para que se incorpore ao atual cenário da sociedade tupiniquim, não mais se admitindo a manutenção do serviço postal monopolizado pelo Estado.

Neste contexto, percebe-se a utilização da mutação constitucional em consonância com a mudança de contexto e pressupostos, decorrentes da evolução histórica, partindo-se da primeira previsão da aludida competência à União (artigo 5º, inciso VII, da CF/1934) até a prevista no atual texto constitucional (artigo 21, inciso X, da CF de 1988) e de acordo com o atual momento vivido pela sociedade.

Convém, por fim, destacar terem sido utilizados alguns outros argumentos pelo Relator em seu voto acerca do instituto da mutação constitucional. Mencionou ele a respeito da atuação do estado na visão econômica, as justificativas para a instauração dos primeiros monopólios estatais, fazendo transluzir uma necessidade de atuação subsidiária do estado, que o auxiliam na tese de que, malgrado a manutenção do texto, seu sentido muda com o passar do tempo, acompanhando as mudanças ocorridas na própria sociedade na qual encontra-se inserido.

6.2.4. A união homoafetiva

É cediço que as uniões homoafetivas já estão inseridas no contexto social não só do Brasil, mas também do mundo. E nesse cenário, não poderia jamais o direito ficar indiferente, desinteressado. Longe de querer trazer ao debate questões religiosas, filosóficas ou de qualquer outra natureza, salvo as puramente jurídicas, é sim dever do direito, regular essas relações.

São o reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas, o direito de existência jurídica dos casais homossexuais e a sua equiparação aos casais heterossexuais, no tocante ao reconhecimento de direitos e deveres, os objetos fulcrais da ADPF 132-RJ e da ADI 4.277-DF, ainda pendentes de julgamento.

Com o objetivo de embasar a presente pesquisa, serão mais minuciosamente abordados os argumentos trazidos pelos ministros que venham a corroborar com o tema proposto.

Quando da promulgação da presente Carta Política do Brasil, não se vislumbrava a realidade experimentada nos dias atuais no tocante às relações homoafetivas, por essa razão não se haveria de cogitar o reconhecimento expresso de direitos aos adeptos dessas relações.

No entanto, quando do julgamento final das ações supra, há forte tendência de se posicionar o STF pela sua procedência, reconhecendo como legítimos os direitos pleiteados. Pois atualmente se extrai uma real preocupação do julgador com a realidade social experimentada e com a verdadeira função do direito, que não pode, por excesso de formalismo, deixar de regular ditas formas de relacionamento.

Corroborando no sentido da procedência dos pedidos, segue-se o teor do Ato Deliberativo 27/2009 do Pretório Excelso, publicado em 06 de julho de 2009, cuja notícia a respeito mister se faz transcrevê-la na íntegra:

“Segunda-feira, 06 de julho de 2009

STF permite que servidores incluam companheiros de união homoafetiva em plano de saúde e benefícios sociais

Já está em vigor o Ato Deliberativo 27/2009 do Supremo Tribunal Federal (STF) que permite aos seus funcionários que vivem relações homoafetivas estáveis incluírem seus parceiros como dependentes do plano de saúde do tribunal, o STF Med.

A questão foi discutida em reunião do Conselho Deliberativo do STF-Med realizada em janeiro e junho deste ano, sendo que a medida passou a valer no dia 1º de julho.

Para colocar o companheiro ou companheira como dependente, o funcionário precisa comprovar que a união é estável apresentando uma declaração pessoal. Além disso, a união também poderá ser comprovada por cópia autenticada de declaração conjunta de imposto de renda; referência ao companheiro no testamento; comprovação de residência em comum há mais de três anos e comprovação de financiamento de imóvel em conjunto e comprovação de conta bancária conjunta há mais de três anos.

Outro requisito é comprovar que não existe da parte de nenhum dos dois companheiros qualquer impedimento decorrente de outra união. Para esses casos, poderá ser apresentada declaração de estado civil de solteiro firmada pelos companheiros; certidão de casamento com a averbação da sentença do divórcio; sentença que tenha anulado casamento ou certidão de óbito do cônjuge, na hipótese de viuvez.

Os companheiros de funcionários do STF deixarão de ser beneficiados nos casos que houver a dissolução da união homoafetiva, o desligamento do funcionário titular do benefício ou no caso de comprovação de que foram apresentadas informações inverídicas.”44

É a mudança da conjuntura que leva à mutação constitucional à espécie. Mister destacar que em ambos os casos, quando instada a se manifestar, a Advocacia Geral da União pugnou pela procedência dos pedidos, extraindo-se das duas peças fundamentação expressa no sentido da ocorrência da mutação constitucional.

Neste contexto, observa-se ser a mutação constitucional instrumento eficaz na busca da concretização de direitos fundamentais não expressos na Constituição, desde que observado o momento histórico vivido pela sociedade na qual está a Carta Política estabelecida.

6.2.5. Outros casos de aplicação prática do instituto

No intuito de evitar estender demasiada e desnecessariamente a presente pesquisa, expõe-se abaixo, em apertada síntese, alguns exemplos práticos em que o Supremo Tribunal Federal se utilizou do instituto da mutação constitucional nas normas da Carta Política de 1988:

  • I – Direitos fundamentais:

    • a) definição do alcance da expressão “racismo” contida no artigo 5º, inciso XLXX – HC nº 82.424/RS;

    • b) abrangência da expressão “casa” contida no artigo 5º, inciso XI – RE nº 251.445/GO;

    • c) proteção do estrangeiro não residente no Brasil disposta no artigo 5º, caput – HC nº 74.051-3/SC;

    • d) comutação da pena no processo de extradição – Ext. nº 855;

    • e) direito do réu recorrer em liberdade e a inconstitucionalidade da chamada ‘execução antecipada da pena’ – RHC nº 89.550/SP;

    • f) efeitos concretos em Mandados de Injunção – MI nº 708/DF;

  • II – Princípios federativos:

    • a) adoção das regras do processo legislativo da União pelos Estados-membros nos termos do artigo 11 do ADCT – ADIN nº 276/AL;

    • b) competência para legislar sobre bingos nos termos do artigo 22, inciso XX – ADIN nº 2.948/MT;

    • c) competência sobre produtos geneticamente modificados do artigo 22, incisos I, VII, X e XI, e do artigo 24, I e VI – ADIN nº 3.035 MC/PR;

    • d) competências municipais em relação aos assuntos de interesse local contida no artigo 30, inciso I – AI nº 622.403-AgR e RE nº 182.976 – que ratificou ser do município a competência para regular o horário do comércio local; RE nº 397.094 – que fixou ser do município a competência para impor limites em favor dos usuários ao tempo de espera em fila dos serviços prestados pelos cartórios; ADIN nº 1842/RJ e ADIN nº 2077/BA – que tratou da competência para saneamento básico nas regiões metropolitanas, tais como a prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário;

  • III – Regras do processo democrático:

    • a) fixação proporcional do número de vereadores nos termos do artigo 29, inciso IV – RE nº 197.917-8/SP;

    • b) fidelidade partidária, nos termos do artigo 17, § 1º – MS 26.603-1/DF;

    • c) sobre a verticalização das coligações em face da EC 52/2006 – ADI nº 3.685.

De acordo com os exemplos apresentados, verifica-se já estar a mutação constitucional incorporada em nosso ordenamento jurídico, muito em face da real e crescente evolução social, política e econômica experimentadas por nossa sociedade, que não mais permite esperar a concretização de seus direitos através das Emendas Constitucionais oriundas do moroso parlamento nacional.

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Sobre o autor
Josildo Muniz de Oliveira

Pós-graduado em Direito Público pela Escola Judicial do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Assessor de Magistrado na Central de Conciliação, Mediação e Arbitragem da Capital, desse mesmo tribunal.Formado em Direito pela Faculdade Maurício de Nassau

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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