A imunidade tributária dos templos de qualquer culto e os reflexos da constitucionalização da liberdade de credo no desenvolvimento das atividades empresariais

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A imunidade tributária dos templos de qualquer culto não fere o ideal laico do Estado Brasileiro, sendo, inclusive, fator que beneficia a atividade empresarial do país.

Resumo: O presente trabalho buscará demonstrar que a imunidade tributária dos templos de qualquer culto não fere o ideal laico do Estado Brasileiro, vez que as religiões, conforme se extrai da Constituição Federal, são vistas como algo a ser respeitado, devendo o Estado instrumentalizar o livre exercício da fé. Ademais, decorrente desta instrumentalização do respeito à liberdade de credo, verificar-se-á um possível crescimento das atividades empresariais de modo que as empresas também devem primar pela liberdade religiosa em seu âmbito privado.

 

Palavras-Chave: Imunidade tributária; Templos de qualquer culto; Secularismo.

 

Abstract: The current work will try to demonstrate that the tributary immunity of temples of any worship don’t violates the secular ideal of Brazilian State, because the religions, as it could be extract from the Federal Constitution, has been saw as something that must be respected, and the State should orchestrate the free exercise of faith. Furthermore, derived from this orchestration of the respect of the freedom of belief, there can be seen an possible growth of business activities such in a way that the companies should claim for the religious freedom on its private’s ambit.

 

Key-Words: Tributary immunity; Temples of any worship; Secularism.

Introdução

 

Segundo relatado nos textos esparsos escritos por Miguel Reale (2004), Norberto Bobbio, nos últimos dias de sua vida, revelou o seguinte:

“Creio que não me distanciei nunca da religião dos pais, mas da igreja, sim. Dela me distanciei já há tempo excessivo, para agora voltar, meio furtivamente, na última hora. Não me considero nem ateu nem agnóstico. Como homem de razão e não de fé, compreendo estar mergulhado no mistério que a razão não consegue penetrar em profundidade, e que as várias religiões interpretam de vários modos”.

Analisando as palavras últimas do jurista italiano, extraem-se duas boas realidades: a) ao homem é garantida sua liberdade de credo; e, b) na sociedade há uma vasta pluralidade de religiões.

Se antes o Estado possuía uma religião oficial, com a secularização deste, a liberdade de crença passou a ser um direito fundamental de inegável importância ao desenvolvimento da moral e da ética do homem, refletindo, inclusive, no desenvolvimento econômico dos países. Foi com o intuito de comprovar que a liberdade religiosa é agente catalizador de paz, estabilidade e inovação, que Clark e Ferreira Nascimento (2014, p. 34) se debruçaram sobre um recente estudo realizado por pesquisadores das universidades norte-americanas de Georgetown e Brigham Young, intitulado Liberdade religiosa é boa para os negócios: uma análise conceitual e empíricaDeste estudo, constataram que a liberdade religiosa é fator importantíssimo para o crescimento econômico global, pois quanto maior for a liberdade de credo em um país, menores serão as hostilidades e restrições às atividades empresariais e, consequentemente, maior será a atração das empresas por estes lugares.  

Ademais, o citado estudo ranqueia o Brasil, entre os 25 países mais populosos do mundo, como sendo aquele com as menores taxas de restrições e hostilidades em relação à liberdade de crença. Diante deste fato é que se valida o interesse por uma análise constitucional sobre como o Estado Brasileiro tutela a instrumentalização da liberdade de crença por meio da imunidade tributária dos templos de qualquer culto e, também, como esta imunidade gerará resultados reflexos no desenvolvimento salutar das empresas.

O Estado Secular e a imunidade tributária dos templos de qualquer culto como instrumentalização do respeito às crenças

A imunidade tributária concedida às entidades religiosas sempre foi motivo de inflamados debates. Alguns juristas entendem que tal imunidade acaba por ferir o ideal laico do Estado. Dessa fortuna, é necessário que se analise de antemão como é a relação entre o Estado Brasileiro e a pluralidade de religiões professadas por seu povo.

Entende-se por Estado Secular aquele em que a religião está separada do governo; é o Estado eminentemente laico. Este termo, em seu sentido literal, significa ser leigo, isto é, não estar inclinado ou influenciado a qualquer religião ou sorte de aspecto metafísico do divino. Com a secularização – separação entre Estado e Igreja – o Estado laico poderá ser visto sob dois prismas: prisma da laicidade estatal e prisma do laicismo estatal. Sob o primeiro prisma, a laicidade do Estado passou a significar o respeito à liberdade crença. Nele, o Estado vê com bons olhos a liberdade de crer (deísmo), a liberdade de não-crer (ateísmo) e a liberdade de não-saber (agnosticismo), de modo que tais liberdades hão de ser respeitadas em sua integralidade. Doutra forma, o laicismo do Estado será marcado pela tolerância, mais ou menos flexível, do Estado em face das religiões. Destarte, dessume-se que a religiosidade é vista pela laicidade como um valor positivo ao desenvolvimento de uma sociedade, ao passo em que é vista pelo laicismo como um fator negativo, vez que somente se tolera aquilo que, de certa maneira, incorre em algum mal.

Analisando as duas perspectivas do termo “laico” à luz do atual Diploma Constitucional, restará evidente que o ordenamento jurídico brasileiro adota a perspectiva da laicidade estatal ao primar pela não interferência na esfera privada da religião, mas reconhecendo, ao mesmo tempo, que a liberdade religiosa deve ser respeitada. Prova disso é que esta liberdade de credo é, inclusive, um direito petrificado pelo ordenamento, tal como preconiza o artigo 5º, em seus incisos VI, VII e VIII. Destes incisos, José Afonso da Silva, extrai três dimensões da tutela às liberdades religiosas, quais sejam: a liberdade de crença, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa (2011, p. 248).

O citado autor explica que a liberdade de crença compreende a liberdade de escolher uma religião, aderir a uma religião ou seita ou até mesmo trocá-la por outra, havendo ainda a possibilidade da descrença total. A liberdade de culto, noutro giro, significa não haver embaraço na exteriorização dos ritos sagrados, cerimônias, reuniões etc. Por fim, a liberdade de organização religiosa consiste na possibilidade do estabelecimento de templos e também na possibilidade de relação entre as entidades religiosas e o Estado. É, portanto, na liberdade de organização religiosa que estará inserida a imunidade tributária dos templos de qualquer culto como forma de se instrumentalizar o respeito que o Estado laico tem pela religiosidade dos que creem.

Sobre esta imunidade, há de se observar o disposto no artigo 150, inciso VI, alínea “b”, da Constituição Federal, o qual, em pormenores, expressa que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, a instituição de impostos sobre templos de qualquer culto. Tal como lembra Alexandre de Moraes (2010, p. 891), o que se pretende não é o beneficio à determinada religião, mas sim a instrumentalização da liberdade de credo, de maneira a não impedir o exercício da fé por meio de obstáculos tributários. Ressalte-se que imunidade sobre os impostos restringir-se-á, conforme expressa o § 4º do artigo 150, da Constituição Federal, ao patrimônio, renda e os serviços tidos como essenciais ao desenvolvimento das atividades relacionadas à entidade religiosa.

É entendimento de Paulo de Barros Carvalho (2013, p.195) que, por mais variadas e peculiares que possam ser as variadas religiões, a interpretação semântica dos termos expressos na Constituição Federal sobre os templos de qualquer culto deverão atingir seu zênite, sendo a mais ampla possível. Neste sentido, entende-se que não se deve cobrar das entidades religiosas, v.g., IPVA de veículos sob propriedade da entidade religiosa, bem como o IPTU de seus imóveis, incluindo-se conventos, cemitérios conexos, locais de culto, etc., tendo em vista que se tratam de elementos cuja destinação está intrinsecamente ligada ao culto religioso.

Os reflexos da liberdade religiosa no desenvolvimento das atividades empresariais e a responsabilidade da empresa em criar um ambiente em que as crenças sejam respeitadas

Observa-se que há um elo entre o desenvolvimento econômico da sociedade e a constitucionalização da liberdade religiosa, vez esta é um indicativo de paz e harmonia em um país, o que acaba por gerar um ambiente propício para se investir com relativa segurança. É por isso que Brian J. Grim, presidente da Religious Freedom & Business Foundation, lembra que no Egito, a indústria do turismo vem soçobrando em virtude dos recentes entreveros políticos no país, os quais culminaram em hostilidades e restrições em relação às religiões.

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O autor ainda expressa que a hostilidade deliberada contra a liberdade de crer poderá afetar negativamente vários nichos do mercado, afugentando investimentos estrangeiros e minando o desenvolvimento sustentável das empresas locais. Neste sentido, para que seja evitado o revés da hostilidade, diz o autor:

“ (...) a liberdade religiosa é ingrediente-chave para a paz e a estabilidade, que é particularmente importante para os negócios porque, onde há estabilidade, há mais oportunidade para investir e, também, para conduzir operações de negócios regulares e previsíveis, especialmente em mercados novos e emergentes” (GRIM, 2014, p. 31).

É justamente nesta categoria de mercados novos e emergentes que se encontra o Brasil. Portanto, é elementar que o setor de negócios esteja atento com as questões que envolvam restrição à liberdade de credo seja em seu ambiente interno, especialmente nas relações de trabalho, seja no ambiente externo, em que a empresa deverá prezar pelo respeito à pluralidade de religiões e crenças que seus consumidores, fornecedores e colaboradores poderão ter. Pode-se argumentar que sobre as empresas recaem certa dose de responsabilidade pela busca de um ambiente de trabalho salutar, como forma, inclusive, de cumprir com sua função-social.

Por a liberdade de credo ser verdadeiro direito humano fundamental, mesmo que adstrito a uma relação privada, tal direito deverá ser respeitado. Neste sentido, sobre a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, foi expresso pelo Supremo Tribunal Federal em voto do Ministro Gilmar Mendes:

“(...) As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados”. (RE nº 201.819-RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, julg. em 20-10-2006).

Destarte, é uma obrigação da empresa, deveras, responsabilizar-se pela liberdade religiosa em seu ambiente de trabalho, para que o empregado possa realizar suas atividades sem temer que seu livre direito de professar sua crença ou descrença seja abalado. Em consequência a empresa poderá, inclusive, obter vantagem econômica, vez que o empregado que tem sua liberdade de crença respeitada certamente estará mais motivado em exercer sua função dentro da empresa (SORIANO, 2014, p. 43).

Conclusão

O Brasil é um país laico desde a Constituição de 1891, a qual garantiu o livre exercício da fé aos cidadãos. Ocorre que algumas religiões ainda eram negligenciadas, principalmente aquelas oriundas das nações africanas.

Com a atual constituição o Brasil adotou o posicionamento pendente à laicidade estatal, primando pelo respeito – e não pela simples tolerância – atribuindo um valor claramente positivo às religiões, sem deixar de respeitar, contudo, o ateísmo e o agnosticismo, os quais são elevados ao mesmo patamar de tutela das religiões. Com a imunidade tributária dos templos de qualquer culto, os quais são isentos da cobrança de impostos, o Estado acaba por instrumentalizar tanto o acesso à religião quanto a livre organização das entidades religiosas, o que culmina, inevitavelmente, na infolhescência de novas doutrinas e novos adeptos.

Tal fato acarreta efeitos diretos na atividade empresarial do país, o que demonstra ser necessário que as empresas busquem cada vez mais instrumentalizar a liberdade de crença dentro de seus domínios, tornando-se um verdadeiro espelho do Estado. A exemplo de Norberto Bobbio, caberá ao homem escolher entre a razão ou a fé para buscar sentido nos mistérios que os angustiam, enquanto que ao Direito incumbirá a tarefa de harmonizar as diferenças, de sorte a garantir que a fé e a razão não deem lugar à intolerância e à barbárie.

Referências:

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. – 25 ed. – São Paulo: Saraiva, 2013.

CLARK, Gregory; NASCIMENTO, Fábio. Liberdade religiosa e crescimento econômico global. - Revista Jurídica Consulex – nº 418 - 15 de junho/2014.

GRIM, Brian. Sete razões por que a liberdade religiosa é boa para os negócios. - Revista Jurídica Consulex – nº 418 - 15 de junho/2014.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. – 25 ed. – São Paulo: Atlas, 2010.

REALE, Miguel. Variações sobre a fé. Artigo disponível no sítio: http://www.miguelreale.com.br (acessado em 20-09-2014).

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. – 34 ed. – São Paulo: Malheiros, 2011.

SORIANO, Aldir. Qual liberdade religiosa é boa para os negócios? - Revista Jurídica Consulex – Ano XVIII – nº 418 - 15 de junho/2014.

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Sobre os autores
Edgard Rodrigues Rocha Junior

Graduando em Direito pela Universidade Estadual de Londrina; Vice-Presidente da LEX - Empresa Junior de Direito da UEL (gestão 2012); Membro-Fundador do Projeto de Extensão "Ciências Criminais em Debate" (UEL); membro do Projeto de Pesquisa "Contratos em Biodireito e Biotecnologia" (UEL); Membro do Projeto de Pesquisa "Semiótica e Teoria Comunicacional do Direito" (UEL).<br><br>Co-autor do livro coordenado pelo Prof. Dr. Fredie Didier junior, "Empresa Júnior: Aspectos Jurídicos, Políticos e Sociais".<br><br>Estagiário no escritório "Gonçalves & Vieira Advocacia", na cidade de Londrina, Paraná.

Leonardo Pereira Gonçalves

Graduado em direito pela Universidade Estadual de Londrina no ano de 2011; Graduando em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Londrina; pós-graduando de LL.M (Master of Laws) em Direito empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Foi presidente e Fundador da Lex - Empresa Júnior de direito da Universidade Estadual de Londrina, com experiência em atuação em processos Trabalhistas e de Direito Empresarial; Formação no seminário Empretec ministrado pela ONU e Sebrae no ano de 2012 na cidade de Londrina - Paraná. Sócio do escritório "Gonçalves & Vieira Advocacia".

Ana Cláudia Duarte Pinheiro

Mestre em Direito; Professora da Graduação e Pós-Graduação do Curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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