RESUMO: No presente artigo estudaremos três importantes temas em Direito Processual Civil: contestação, reconvenção e revelia. A partir dos conceitos doutrinários acerca desses temas, faremos uma análise da possibilidade de se afastar os efeitos da revelia no caso em que a parte ré apresenta apenas reconvenção, deixando de apresentar contestação em peça autônoma.
PALAVRAS-CHAVE: AUSÊNCIA. CONTESTAÇÃO. RECONVENÇÃO. REVELIA. EFEITOS. AFASTAMENTO.
1.Introdução
No ordenamento jurídico brasileiro, o princípio do contraditório e a garantia da ampla defesa encontram guarida na Constituição Federal, no art. 5º, inciso LV.
José Frederico Marques afirma que o contraditório apresentado de forma nitidamente dialética é essencial para o processo de conhecimento, fazendo surgir para o réu o ônus de responder, conforme as circunstâncias do processo e o conteúdo da defesa[i].
O Código de Processo Civil, em seu art. 297, prescreve que o réu poderá oferecer, no prazo de 15 (quinze) dias após a citação, em petição escrita, dirigida ao juiz da causa, contestação, exceção e reconvenção. A contestação e a reconvenção deverão ser apresentadas simultaneamente, em peças autônomas (CPC, art. 299).
Em regra, se o réu não apresentar contestação, operar-se-á a revelia, ou seja, presumir-se-ão verdadeiros os fatos narrados na inicial (CPC, art. 319).
Todavia, se o réu apresenta reconvenção, deixando, no entanto, de contestar formalmente a ação, há possibilidade de se afastar os efeitos da revelia? Se a veracidade dos fatos narrados na inicial puder ser infirmada pelos demais elementos dos autos, a ausência de contestação ainda assim acarreta a procedência automática dos pedidos formulados pelo autor, em razão do disposto no art. 319 do CPC?
A análise dessa situação constitui o objeto do presente artigo.
2. Contestação e Reconvenção
Na lição de Humberto Theodoro Júnior, contestação é o instrumento processual utilizado pelo réu para opor-se, formal ou materialmente, à pretensão deduzida em juízo pelo autor[ii].
Na peça contestatória, o réu deverá manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na inicial, devendo, ainda, alegar toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor, e especificando as provas que pretende produzir (CPC, arts. 300 e 302).
Embora contestação e reconvenção devam ser apresentadas simultaneamente, conforme já mencionado, esta última não é uma modalidade de defesa, conforme leciona Alexandre Freitas Câmara, mas sim um verdadeiro contra-ataque. “Trata-se, em verdade, de uma demanda autônoma oferecida pelo réu em face do autor. Pode-se, assim definir a reconvenção como a ação proposta pelo réu em face do autor, aproveitando-se do mesmo processo. Sendo a reconvenção uma demanda autônoma, o réu é de ser tratado, aqui, como demandante (réu-reconvinte), e o autor como demandado (autor-reconvindo)"[iii].
Nessa mesma linha doutrinária, Nelson Nery Junior explica que “reconvenção é um modo do exercício do direito de ação, sob a forma de contra-ataque do réu contra o autor, dentro de processo já iniciado, ensejando processamento simultâneo com a ação principal (simultaneus processus), a fim de que o juiz resolva as duas lides na mesma sentença"[iv].
Na reconvenção, o réu deixa, portanto, o polo passivo da demanda originária e passa assumir o polo ativo, aproveitando-se da mesma ação para pleitear um direito que se apresenta contrário ao bem da vida postulado pelo autor.
Verifica-se, desse modo, que ao reconvir o réu exerce, indiscutivelmente, o direito de ação. Há, portanto, autonomia entre a ação principal (proposta pelo autor) e a reconvenção (ação proposta pelo réu), de forma que eventual extinção da principal, sem julgamento do mérito, não implica, necessariamente, que a reconvenção tenha esse mesmo fim.
3.O instituto da revelia
O Código de Processo Civil não apresenta uma definição para o instituto da revelia, restringindo-se apenas à disciplina dos seus efeitos.
Estabelece o referido Diploma Processual que, se não for apresentada contestação, presumir-se-ão verdadeiros os fatos narrados na inicial (CPC, art. 319). Configura-se, desse modo, a revelia, quando verificada a inatividade do réu após a citação válida.
Importante ressaltar que essa presunção de veracidade se refere aos fatos e não ao direito.
Além disso, a doutrina moderna vem se posicionando no sentido de que essa presunção é relativa, uma vez que o próprio Código de Processo Civil assegura ao réu a possibilidade de comparecer posteriormente em juízo, mesmo se não apresentada a contestação, podendo "intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontra"(art. 322).
Nesse sentido, Humberto Theodoro Junior explica que
"A presunção de veracidade, decorrente da revelia, não é absoluta e insuperável, nem pretendeu a lei transformar o juiz, na espécie, num robot que tivesse que aprovar, conscientemente, a inverdade e a injustiça, sem qualquer possibilidade de coactar a iniquidade e a mentira. ‘Não há como não se não considerar, implícita a idéia de que a presunção de veracidade decorrente de revelia do adversário só poderá produzir todos os efeitos quanto a fatos revestidos de credibilidade ou verossimilhança. Aliás, há que se distinguir entre reconhecimento de fatos (juízos de afirmação sobre realidades externas, que se opõem a tudo o que é ilusório, fictício, ou, apenas possível) e seqüelas de sua afirmação. Só o fato objetivo não contestado é que se presume verdadeiro. Tal presunção não alcança cegamente as conseqüências de sua afirmação. Assim, não assumem véstia de dogma de fé, meras estimativas de prejuízo perante fato tornado indiscutível pela revelia do adversário. (TJSP, Apel. 255.718, rel. Des. Azevedo Franceschini)’[v].
Assim, ainda que o réu deixe de apresentar contestação, não lhe poderá ser subtraído o direito de produzir provas, no momento processual adequado, cabendo ao autor comprovar o seu direito, até porque, conforme lembra Maria Lúcia L. C. de Medeiros, citando Teresa Arruda Alvim Wambier, não se pode "jamais perder de vista que o processo foi concebido para ‘dar’ direitos a quem os tem: não para inventar direitos e atribuí-los a quem não os tenha ou para subtrair direitos de seus titulares”[vi].
4. Ausência de contestação – Apresentação apenas de reconvenção – Possibilidade de se afastar os efeitos da revelia
Na esteira do entendimento doutrinário ora apresentado, o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo, reiteradamente, no sentido de que a ausência de contestação enseja apenas presunção relativa de veracidade dos fatos narrados na inicial, podendo ser infirmada pelos demais elementos dos autos, razão pela qual não acarreta a procedência automática dos pedidos formulados pelo autor, consoante se observa do seguinte aresto:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. RECONVENÇÃO. AUSÊNCIA DE CONTESTAÇÃO. REVELIA. PRESUNÇÃO RELATIVA. PRODUÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA.
1. A revelia, que decorre do não oferecimento de contestação, enseja presunção relativa de veracidade dos fatos narrados na petição inicial, podendo ser infirmada pelos demais elementos dos autos, motivo pelo qual não acarreta a procedência automática dos pedidos iniciais.
2. A decretação da revelia com a imposição da presunção relativa de veracidade dos fatos narrados na petição inicial não impede que o réu exerça o direito de produção de provas, desde que intervenha no processo antes de encerrada a fase instrutória.
3. No caso, a apresentação de reconvenção, ainda que sem o oferecimento de contestação em peça autônoma, aliada ao pedido de produção de provas formulado em tempo e modo oportunos impedia o julgamento antecipado da lide.
4. Recurso especial não provido.[vii]
Com efeito, o art. 322, parágrafo único do Código de Processo Civil, autoriza o réu revel a intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar. Assim, caso intervenha no processo antes de encerrada a fase instrutória, poderá requerer a produção de provas, objetivando infirmar as alegações do autor, contidas na petição inicial.
Desse modo, não pode o juiz privar o réu revel de produzir provas, desde que tal ato seja praticado em momento processual oportuno.
Igualmente, na hipótese em que o réu apresenta apenas reconvenção, deixando de contestar a ação em petição autônoma, não pode o magistrado ignorar o conteúdo da reconvenção, quando seu teor e documentos sejam suficientes para afastar a presunção relativa decorrente da revelia.
5. Conclusão
Pelo exposto, com fulcro no princípio do contraditório e na garantia da ampla defesa, assegurados constitucionalmente no ordenamento jurídico pátrio, e considerando que a presunção de veracidade advinda da ausência de contestação é apenas relativa, e que o art. 322 do CPC possibilita ao réu revel intervir no processo em qualquer fase em que se encontra, a apresentação de reconvenção, sem contestação em peça autônoma, pode ensejar a improcedência dos pedidos formulados pelo autor, afastando-se os efeitos da revelia.
NOTAS
[i] MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. V. 2. São Paulo: Saraiva, 1974, p. 65.
[ii] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. V. 1. 41ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 350.
[iii] CÂMARA, Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil, Volume I, 17ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Iuris, 2008.
[iv] NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 808.
[v] Op. cit., p. 396.
[vi] MEDEIROS, Maria Lúcia L. C. De. A revelia sob o aspecto da instrumentalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 21.
[vii] STJ, REsp 1.335.994-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/8/2014, DJe 18/8/2014.