No campo previdenciário, a atividade de magistério sempre teve tratamento diferenciado. O fundamento e a natureza da aposentadoria do professor, no entanto, sofreram profundas alterações ao longo do tempo. Como consequência, ainda hoje o benefício suscita controvérsia na jurisprudência.
Atualmente, dada sua relevância, a aposentadoria dos professores tem assento constitucional: o art. 201, §8º, da Constituição da República, expressamente dispõe que, no âmbito do Regime Geral de Previdência Social, os requisitos da aposentadoria por tempo de contribuição são reduzidos em cinco anos para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.[1]
De início, porém, a atividade profissional de magistério era considerada ocupação penosa, permitindo, por conta disso, o enquadramento como atividade especial para fins previdenciários (código 2.1.4 do Anexo ao Decreto nº 53.831/64[2]) e a aposentadoria após 25 anos de trabalho. Não havia, até então, uma aposentadoria específica para o professor: a jubilação era reduzida em tempo, como ocorria com um sem número de outras categorias profissionais, em razão de ser considerada atividade penosa e, por conseguinte, enquadrada como especial.
Foi com o advento da Emenda Constitucional n.º 18, de 9 de julho de 1981, que os critérios para a aposentadoria do professor passaram a ser fixados de forma destacada na própria Constituição. A EC 18/81, nesse sentido, pode ser tomada como o marco da criação de uma aposentadoria por tempo de serviço (hoje, contribuição), com redução de tempo em cinco anos, destinada ao profissional do magistério. A partir de então, o exercício do magistério deixava de ser classificado como atividade especial, porque se tratou de criar uma espécie de aposentadoria por tempo de contribuição, diferenciada nos seus requisitos, para a categoria profissional específica.[3]
De notar que a EC 18/81 não fazia qualquer distinção: previa a aposentadoria com tempo reduzido a todo profissional que por vinte e vinco ou trinta anos tivesse exercido as funções de magistério. Da mesma forma, a atual Constituição, na redação originária do inc. III do art. 202, também garantia aposentadoria “após trinta anos, ao professor, e, após vinte e cinco, à professora, por efetivo exercício de função de magistério.”[4]
Hoje, contudo, a previsão constitucional é bem mais limitada. As alterações constitucionais trazidas pela EC 20/98 lograram direcionar a aposentadoria com redução de tempo tão somente ao professor que exclusivamente exerceu suas atividades na educação básica e ensino fundamental e médio. É dizer: com o advento da EC 20/98, o professor de ensino superior perdeu o direito à aposentadoria privilegiada[5], de modo que atualmente somente têm direito à redução em cinco anos do tempo de contribuição exigido para a aposentadoria por tempo de contribuição aqueles que comprovarem efetivo exercício do magistério de forma exclusiva e, mais que isso, apenas na educação infantil e no ensino fundamental e médio (com a ressalva de que, em se tratando de educação básica em seus diversos níveis e modalidades, também se entende como efetivo exercício da função de magistério as funções de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico).[6]
A par da evidente restrição do benefício trazida pela reforma da previdência de 1998, as sucessivas alterações legislativas permitem se conclua que o regramento específico da aposentadoria de professor tem arrimo menos na penosidade da atividade que na importância decisiva do magistério – e mais especificamente, da educação básica - para a formação da sociedade. O tratamento diferenciado, portanto, decorre da relevante função social desempenada pela profissão. Em verdade, acaso se mantivesse a aposentadoria diferenciada do professor como embasada apenas na penosidade, forçoso seria então entender-se pela ausência de qualquer fundamento para tanto, porque há muito a legislação previdenciária não mais contempla qualquer tratamento diferenciado para atividades tipicamente penosas, por não importarem em efetiva submissão a agentes nocivos.
Padece de imprecisão, por conseguinte, a expressão “aposentadoria especial dos professores”: é que a aposentadoria dos professores difere, na essência, da aposentadoria especial. Na forma da atual Constituição, aquela exige "efetivo exercício em funções de magistério"; esta, a sujeição do trabalhador "a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física".
Por esse viés, portanto, tampouco se pode falar em “enquadramento” do tempo de labor de magistério como especial, já que, desde a vigência da EC nº 18/81, a atividade de professor possui tempo diferenciado de aposentadoria por constituir uma espécie de aposentadoria por tempo de contribuição com tempo total reduzido ante a relevância social da profissão. Dito de outro modo, as disposições dos regulamentos da previdência que enquadravam o exercício do magistério como atividade especial até então restaram revogadas a contar de 1981, quando a Constituição então vigente, instituindo novo regime jurídico para a jubilação do professor, passou a assegurar, em seu art. 165, inc. XXI, “a aposentadoria para o professor após 30 anos e, para a professora, após 25 anos de efetivo exercício em funções de magistério, com salário integral.”
O entendimento aqui esposado de que a aposentadoria do professor é espécie de aposentadoria por tempo de serviço, hoje contribuição, e de que a EC 18/81 criou um novo regime jurídico para a aposentadoria do trabalhador dedicado ao magistério não é pacífico. Por isso mesmo, essas duas afirmativas trazem consigo duas importantes consequências, acerca das quais ainda se trava discussão no âmbito jurisprudencial.
A primeira das consequências afeta ao regime jurídico próprio dos professores tem relação com o cômputo do tempo de serviço exercido no magistério como especial, ou seja, com a possibilidade ou não de sua contagem diferenciada. É que, se relativamente ao professor há um regime jurídico específico, assegurado àquele que trabalha durante 30 anos exclusivamente em atividade de magistério, se homem, ou 25 anos, se mulher, a consequência é que não se permite qualquer tipo de “conversão” para obtenção de outro benefício. É que, como já dito, as normas que estabeleceram para o professor um regime previdenciário específico são incompatíveis com o regramento das atividades especiais: não se está diante de labor especial, e sim de uma aposentadoria por tempo de serviço de caráter excepcional, com redução do tempo necessário em cinco anos. Por isso mesmo, o Decreto 3048/99, em seu art. 61, §2º, expressamente veda a conversão de tempo de serviço de magistério, exercido em qualquer época, em tempo de serviço comum.
Pelo viés jurisprudencial, essa questão pode ser apreciada à luz da interpretação que o STF deu à norma do art. 40, III, “b”, da Constituição Federal, na ADI nº 178-RS, de 22/2/96, oportunidade em que aquela Corte entendeu pela impossibilidade de se contar tempo parcial de magistério para fins de concessão de aposentadoria por tempo de serviço ou tempo de contribuição, pois a previsão constitucional é apenas e excepcionalmente de conceder aposentadoria com tempo reduzido àquele que tenha tempo integral no efetivo exercício das funções de professor.
Conquanto já antiga a questão, porém, recentemente o STF foi instado a sobre ela novamente se manifestar. No julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo 703550[7], com repercussão geral conhecida, o Supremo reafirmou a impossibilidade de conversão de tempo de serviço de professor em tempo de serviço comum a partir do advento da EC 18/81, reformando decisão da TNU em sentido diverso. Por um lado, portanto, “para efeito de aposentadoria especial dos professores, não se computa o tempo de serviço prestado fora da sala de aula” (Súmula 726 do STF); por outro, tampouco se pode utilizar de contagem diferenciada do período de labor no magistério para fins de aposentadoria por tempo de contribuição. Dúvida não há, pois, que se está diante de um regime jurídico específico, segundo o qual reduz-se em cinco anos o tempo necessário para a aposentação, mas cuja redução não tem fundamento na especialidade do labor.
A segunda consequência diz com a incidência do fator previdenciário sobre a renda do benefício. A conclusão, aqui, é aparentemente singela: como a aposentadoria do professor é espécie de aposentadoria por tempo de contribuição, segue o regramento dessa, incluída, aí, a apuração do período básico de cálculo segundo as regras da Lei n.º 9.876/99, incidindo o fator previdenciário no cálculo do salário-de-benefício. Por isso mesmo, a Lei n.º 9.876, ao alterar a redação do §9º do artigo 29 da Lei de Benefícios, dispôs especificamente acerca da sua incidência à aposentadoria de professor.
Se a controvérsia afeta à primeira consequência parece estar próxima do fim ante a recente manifestação do STF, a discussão afeta ao fator previdenciário parece estar longe de terminar: é que os mais recentes precedentes do Superior Tribunal de Justiça são justamente no sentido da não-incidência do fator previdenciário no benefício, ao fundamento de que a aposentadoria do professor seria espécie de aposentadoria especial, em cuja renda qual não incidiria a fórmula.[8]
Não se olvida que a segunda controvérsia não aguarda qualquer manifestação específica do STF, cabendo ao STJ pacificar a interpretação da lei previdenciária no ponto. Todavia, os fundamentos utilizados por daquele tribunal parecem não se coadunar nem com a jurisprudência consolidada, nem com as recentes manifestações do Supremo afetas à aposentadoria do professor, que tem reafirmado, mesmo no âmbito de suas turmas, que “no regime anterior à Emenda Constitucional 18/81, a atividade de professor era considerada como especial. Foi a partir dessa Emenda que a aposentadoria do professor passou a ser espécie de benefício por tempo de contribuição, e não mais uma aposentadoria especial.”[9] Enquanto não pacificada a questão, porém, persiste a controvérsia sobre a real natureza da aposentadoria específica dos professores.
[1] Da mesma forma, o art. 40, §5º, da Constituição expressamente prevê que, no regime jurídico próprio dos servidores públicos, os requisitos de idade e de tempo de contribuição são reduzidos em cinco anos para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.
[2] Tal previsão, embora revogada pelo Decreto nº 63.230/68, foi logo restabelecida pela Lei nº 5.527/68.
[3] CLPS/1984, art. 38: O professor, após 30 (trinta) anos, e a professora, após 25 (vinte e cinco) anos, de efetivo exercício em funções de magistério podem aposentar-se por tempo de serviço com renda mensal correspondente a 95% (noventa e cinco por cento) do salário-de-benefício.
[4] E, quanto ao servidor público civil, também no art. 40, III, “b”.
[5] Ressalvada a regra de transição a eles destinada e contida no art. 9º, §2º, da EC20/98.
[6] A teor do art. 56 do Decreto n.º 3.048/99.
[7] STF, ARE 703550 RG / PR – PARANÁ. REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO Relator(a): Min. GILMAR MENDES. Julgamento: 02/10/2014.
[8] Assim: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. PROFESSOR. FATOR PREVIDENCIÁRIO. INAPLICABILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. Não incide o fator previdenciário no cálculo do salário-de-benefício da aposentadoria do professor. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1251165/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 07/10/2014, DJe 15/10/2014).
[9] No âmbito da ARE-AgR 742.005, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe 1º.4.2014, a Segunda Turma teve oportunidade de assentar a vigência da EC 18/81 como marco temporal para vedar a conversão do tempo de serviço especial em comum.