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Política de incentivos fiscais do Amazonas e o crédito estímulo florestal

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OS INCENTIVOS FISCAIS ESTADUAIS E A ZFM.

Atualmente vigora no Estado do Amazonas a Lei nº 2.826/2003 que trata da Política de Incentivos Fiscais e Extrafiscais (PIF/AM). Anteriormente foram editadas várias leis que também contemplavam a concessão de incentivos fiscais de impostos estaduais, notadamente o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal (ICMS). A começar pela Lei Estadual nº 839 de 17/12/1968 até os dias de hoje, é fato que, se a preservação ambiental foi alcançada, não o foi por conta de diretrizes provenientes da legislação estadual. Ou seja, assim como o D.L. nº 288/1967, as leis estaduais apenas reflexamente propiciaram o desenvolvimento do Estado sem agressão ao meio ambiente.

Atendo-se essa pesquisa à lei atual, observa-se no § único do artigo 1º que “os incentivos fiscais e extrafiscais visam à integração, expansão, modernização e consolidação dos setores industrial, agroindustrial, comercial, de serviços, florestal, agropecuário e afins com vistas ao desenvolvimento do Estado”. Entretanto, a consolidação do setor florestal, que tem um viés eminentemente econômico, não foi reproduzida ao longo do texto normativo. O reflexo disso está nas empresas que se instalaram aqui. O foco da ZFM não está, nem de longe, nas atividades diretamente vinculadas ao meio ambiente, conforme a revista “Amazonas Investidor”, edição 2013, página 35, que traz um radiografia do cenário empresarial aqui instalado:

“As empresas incentivadas do PIM fecharam o ano de 2012 com faturamento de R$ 73.513.711.690. O número está 6,48% acima do faturamento de 2011, com destaque para bens de Informática, que cresceram 26,11% entre os dois períodos, representando, sozinhos, 11,6% de todo o faturamento do modelo, com média anual de 120. 056 postos de trabalho direto. Os principais pólos que compõem o PIM são: Pólo Eletroeletrônico, Pólo de Duas Rodas, Pólo Químico, Pólo Metalúrgico, Pólo de Produtos de Matérias Plásticas e o Pólo Mecânico”.

Como todo favor fiscal tem uma contrapartida para sua concessão, o artigo 4º, § 1º da PIF/AM estabelece as condições para que se considere um produto de fundamental interesse para o Estado. A empresa precisa atender pelo menos 4 (quatro) requisitos para aprovar seu projeto na Secretaria de Planejamento do Amazonas (SEPLAN/AM). Para terem seu pleito aprovado, mister que as empresas candidatas:

“I - concorram para o adensamento da cadeia produtiva, com o objetivo de integrar e consolidar o parque industrial, agroindustrial e de indústrias de base florestal do Estado; II - contribuam para o incremento do volume de produção industrial, agroindustrial e florestal do Estado; III - contribuam para o aumento da exportação para os mercados nacional e internacional; IV - promovam investimento em pesquisa e desenvolvimento de tecnologia de processo e/ou produto; V - contribuam para substituir importações nacionais e/ou estrangeiras; VI - promovam a interiorização de desenvolvimento econômico e social do Estado; VII - concorram para a utilização racional e sustentável de matéria-prima florestal e de princípios ativos da biodiversidade amazônica, bem como dos respectivos insumos resultantes de sua exploração; VIII - contribuam para o aumento das produções agropecuária e afins, pesqueira e florestal do Estado; IX - gerem empregos diretos e/ou indiretos no Estado; X - promovam atividades ligadas à indústria do turismo; XI – estimule a atividade de reciclagem de material e ou resíduo sólido a ser utilizado como matéria-prima na atividade industrial”.

Visto isso, fica fácil compreender que, desde 2003, ano de publicação da lei, até hoje, a concepção do parque fabril de Manaus está voltada apenas para a exploração econômica da floresta, de forma racional evidentemente. O legislador ainda não se sensibilizou para a questão ambiental no contexto amplo da ordem internacional. Passo seguinte será a análise da questão ambiental conforme a nossa Carta Política de 1988. 


A NOVA ORDEM POLÍTICA AMBIENTAL E A ZFM

De acordo com o § 4º do artigo 225 da Constituição Brasileira, “a Floresta Amazônica é patrimônio nacional e sua utilização é regulada por lei dentro de condições que assegurem a sua preservação”. Considerando que a nossa floresta é um ecossistema diferenciado, o legislador expressamente o protegeu para garantir sua existência às gerações presentes e futuras. Bem de uso comum do povo brasileiro, a sua conservação e restauração produz efeitos não somente no Brasil, mas também no mundo, haja vista que o meio ambiente não reconhece fronteiras políticas.

Com esse espírito o artigo 225 da CF/1988 estatui que o meio ambiente equilibrado é direito de todos, cabendo ao Poder Público e à coletividade defendê-lo e preservá-lo para o presente e a posteridade.“Direitos de todos”. Qual o alcance da expressão “de todos”, citada acima? Aplicando-se o Princípio da Máxima Efetividade dos dispositivos constitucionais, pode-se concluir que esse direito não se refere apenas aos brasileiros. Como o meio ambiente ultrapassa os limites territoriais, então é óbvio que a preservação e a recuperação da Floresta Amazônica é um direito que pode ser argüido pelos povos de outras nações.

Por mais soberano que seja o Governo Brasileiro, ainda assim está subordinado à ordem política internacional. O “lixo” e a “destruição” provocados no Brasil não podem provocar efeitos indesejados em outros países, notadamente os nossos vizinhos, tampouco alterar o ecossistema da Terra. Mesmo que outros países continuem sendo maus exemplos na ordem internacional, como China e EUA, o Brasil não pode usar os mesmos argumentos para destruir sua fauna e flora, pois as gerações futuras irão cobrar o pagamento do seu legado por um meio ambiente ecologicamente equilibrado. 

Como sabido, o meio ambiente equilibrado é um direito difuso erigido à classe de Direito Fundamental pela nossa constituição por se tratar de verdadeiro alicerce de construção da sociedade brasileira com reflexos no mundo. O outro lado da problemática é o fato de que todo direito também traz consigo obrigações. Sensível a essa questão, o constituinte originário prescreveu no caput do artigo 225 o que segue: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. A leitura desse dispositivo nos remete à conclusão de que tanto a sociedade civil quanto os Poderes organizados têm o dever de preservar o meio ambiente.

A iniciativa não é somente do Poder Público, ou apenas do setor privado. Ambos têm a mesma obrigação, podendo agir isoladamente ou em conjunto, mas, jamais se excluírem mutuamente ou transferirem responsabilidades. Não é adequada a idéia de que o início das ações deva partir dos órgãos governamentais. Pensar desse jeito significaria que a sociedade civil poderia descansar, aguardando que o Governo rompesse a inércia da política ambiental. Essa concepção é obsoleta, devendo ser repelida veementemente. Todos estão vinculados à obrigação ambiental, pois todos sofremos as conseqüências nefastas da degradação do meio em que vivemos.

Prosseguindo na análise do texto constitucional, o § 1º do artigo 225 incumbe ao Poder Público assegurar a efetividade do meio ambiente ecologicamente equilibrado. A interpretação literal desse dispositivo poderia conduzir à exclusão do dever da sociedade civil em preservar e restaurar o meio ambiente. Felizmente não é essa a finalidade do texto. A solução encontra-se na aplicação finalística da norma. Teleologicamente as normas de Direito Fundamental tem ampla efetividade e não poderia deixar de ser nesse caso. Então onde se lê Poder Público mister estender-se para o conceito de “todos”, pois tem algo mais e alcança governantes e governados, haja vista o caráter difuso do direito ambiental. Esse algo mais que a interpretação teleológica quer identificar é, para uns, a vontade da lei (voluntas legis).   

Atualmente predomina o entendimento, a que nos filiamos, pelo qual o elemento teleológico não busca a vontade do legislador (mens legislatoris), mas sim a vontade da lei, a voluntas legis ou ratio legis. Enxerga-se, aí, uma vontade da lei independente da vontade de seu criador. A lei, uma vez promulgada, projeta vida autônoma, liberta-se do seu criador, e passa a valer por si só adequando-se às constantes mutações dos valores sociais. Ad argumentadum tantum vale salientar que o legislador constitucional não inseriu no texto nenhum vocábulo restritivo como “só” ou “somente”, e assim, se a Carta Magna não reservou a incumbência somente ao Poder Público, não cabe ao legislador infraconstitucional restringi-la. Como base de argumentação cita-se o AgRg no Agravo em REsp Nº 351.729 - MA (2013⁄0167016-2), cujo relator foi o Exmo. Sr. Ministro Ari Pargendler, em que consta:

“Como se verifica do próprio art. 13 do CPC, em nenhum momento o legislador condicionou a aplicação da norma lá prevista apenas às instâncias inferiores, não havendo qualquer vedação quanto à sua aplicabilidade nas instâncias superiores, pelo que resta evidente a incidência aqui do brocardo segundo o qual "não cabe ao intérprete restringir o que a lei não restringe", o qual, inclusive, é bastante utilizado pelos Ministros dessa Egrégia Corte em seus votos”.

Superada essa questão, pode-se inferir tranqüilamente que as normas programáticas do § 1º do artigo 225 são direcionadas tanto ao Poder Público como à iniciativa privada. A sociedade como detentora do direito ao meio ambiente equilibrado não pode fechar os olhos, nem cruzar os braços, e assistir passivamente à degradação da biota. Porque simplesmente as externalidades nocivas não escolherão quem afetar. É falacioso o argumento que alguns pregam de transferir essas responsabilidades apenas à Administração Pública.

A essência do texto constitucional é a conjunção de esforços dos setores públicos e privados. Melhor se as ações fossem coordenadas pelos Governos Federal, Estadual e Municipal, que dispõem de ampla capacidade de organização. Oportuno lembrar que o artigo 23 da CF/1988 estabelece a competência comum dos entes federativos para “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”. Abaixo serão reproduzidos os incisos do artigo 225 da CF/1988 que têm relação direta com o setor civil da sociedade e podem, portanto, ser alvo de iniciativas públicas ou privadas, baseado no entendimento de que o dever de defender e preservar o meio ambiente é de todos:

“I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II, III e IV – omissis

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”.

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.

Após a citação acima, cabe agora verificar qual o nível de interação do setor privado, no caso as empresas que se instalam na ZFM, em relação às ações propostas pelo texto constitucional. De início, toda empresa que pretendesse os incentivos na ZFM deveria ter a consciência não apenas de preservação, mas também de recuperação ambiental, como preceitua o inciso I acima. Também é necessário o controle ambiental dos produtos fabricados na ZFM para se evitar que materiais tóxicos sejam postos no comércio, haja vista que grande parte dos insumos hoje destinados às indústrias do PIM provém da China, que compra toneladas de todo tipo de resíduo e usa mão-de-obra barata e disponível, trabalhando em condições muitas vezes degradantes, para extrair a matéria-prima que as empresas tanto precisam.

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A China é atualmente o maior processador do lixo ocidental, e ganha uma fortuna com esse serviço. Portanto merece atenção das autoridades e das empresas para a aplicação do inciso V acima indicado. Segue o seguinte trecho de José Renato Salatiel em “Atualidades”  que justifica essa preocupação:

“Poucas pessoas sabem, mas o Brasil compra lixo, de forma lícita, para abastecer a indústria nacional. De acordo com reportagem publicada recentemente pelo jornal O Estado de São Paulo, o Brasil gastou, em um ano e meio, US$ 257,9 milhões (R$ 485,8 milhões) na importação de 223 mil toneladas de lixo "limpo" (papelão, plástico, alumínio etc.)”.

Em relação ao inciso VI, que trata de educação ambiental, pertinente que as empresas tenham um papel mais incisivo na disseminação dos comportamentos ecologicamente corretos. Um bom exemplo seria associar às propagandas dos produtos o fator de preservação ambiental. O consumidor está atento à questão ambiental e certamente verá com outros olhos a empresa que se filiar a essa ideia. Entre outras sugestões também é verdade que as embalagens dos produtos trazem muitas informações inúteis ao consumidor e poderiam ser substituídas por mensagens de conscientização da população para a questão de degradação do planeta, como, por exemplo, incentivar o descarte de produtos obsoletos em locais previamente indicados pelas indústrias.

 Quanto à proteção da fauna e da flora (inciso VI do artigo 225 da CF/1988), as empresas teriam que transferir recursos próprios diretamente para ações dessa natureza. Financiamento de pesquisas, criação de reservas mantidas pelo setor privado, entre outras medidas, dispendem capital e, por óbvio, é necessária uma contrapartida do Governo para celebrar parcerias dessa natureza. Aumentar a renúncia fiscal não seria razoável, assim como a diminuição de benefícios sociais.

Qual a solução para esse problema sem diminuir a competitividade do setor fabril? A questão precisa ser estudada para que seja apresentada uma equação viável ao sistema do binômio “produção versus preservação/recuperação ambiental”. Retornar-se-á a essa questão no tópico seguinte desse trabalho, onde serão analisadas algumas propostas para o setor produtivo.

Por tudo que foi exposto, reforça-se a ideia de que o PIM não pode apenas promover indiretamente a preservação da Floresta Amazônica. Impende que as empresas tenham um papel mais decisivo na conservação e restauração da floresta. Permanecer alegando que o modelo da ZFM mantém o ecossistema praticamente intocável no Estado do Amazonas, simplesmente porque as indústrias se concentram em Manaus, é pouco diante de todo o potencial que existe com a sincronização de esforços entre a sociedade civil e o Poder Público. Se a iniciativa não partiu ainda das empresas, então é dever do Estado fomentar a integração de suas ações ambientais com o setor produtivo. Um começo é a revisão da legislação que concede incentivos fiscais no Estado do Amazonas para que se adapte às necessidades ambientais.

Pode-se começar pela inclusão de dispositivos que motivem as empresas a colaborarem diretamente com a preservação e restauração ambiental. Será essa tônica do capítulo seguinte, a criação de estímulos ambientais às indústrias sem comprometer a competitividade da sua produção.

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Sobre os autores
Paulo César de Araújo Rodrigues

Bacharel em Direito pela Faculdade Martha Falcão. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas - CIESA.

Cyro Alexander de Azevedo Martiniano

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas. Especialista em Direito Tributário pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas - CIESA. Especialista em Direito Notarial e Registral pela Universidade Anhanguera/Uniderp. Auditor Fiscal de Tributos Estaduais do Amazonas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Paulo César Araújo ; MARTINIANO, Cyro Alexander Azevedo. Política de incentivos fiscais do Amazonas e o crédito estímulo florestal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4867, 28 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35237. Acesso em: 22 nov. 2024.

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