RESUMO:Com a finalidade de desenvolver economicamente o Estado do Amazonas, foi editado em 28/02/1967 o Decreto-lei nº 288 que criou uma zona de livre comércio em Manaus. Nascia a Zona Franca de Manaus (ZFM), que já completou 49 anos de existência em 2016. Seguiram-se as leis estaduais de concessão de isenções tributárias e atualmente vigora a Lei Estadual nº 2.826/2003, que trata especificamente da Política de Incentivos Fiscais do Amazonas (PIF/AM). Pode-se dizer que esse projeto de desenvolvimento econômico logrou êxito, entretanto as mudanças nas conjunturas econômicas internas e internacionais sinalizam a necessidade de repensar e adaptar o modelo de incentivos fiscais aplicado ao Estado do Amazonas às novas expectativas socioambientais.
Com base nesse cenário, este artigo tem o propósito de analisar a Política de Incentivos Fiscais do Amazonas à luz da demanda ambiental que consubstancia o maior apelo para a manutenção da ZFM na atualidade. A prorrogação da ZFM por mais 50 anos (até 2073) por meio da Emenda Constitucional nº 83/2014, não pode servir para a acomodação das lideranças políticas do Amazonas, mas para despertar a consciência de que é necessário um revigoramento do sistema visando a se ajustar aos anseios do país e do mundo, haja vista que a Região Amazônica está inserida no contexto internacional de preservação ambiental. A metodologia utilizada na presente pesquisa foi bibliográfica, com método indutivo e qualitativo, apoiada em notícias da mídia jornalística, doutrina, legislação e julgados recentes da Justiça Federal.
Palavras-chave: Zona Franca de Manaus; crédito-estímulo do ICMS; preservação e recuperação ambiental; atualização da política de incentivos fiscais.
ABSTRACT:In order to economically develop the State of Amazonas, was published in 28/02/1967 Decree Law No. 288 which established a free trade zone in Manaus. Was born the Manaus Free Trade Zone (MFTZ), which has completed 47 years of existence in 2014. State laws granting tax exemptions are followed and currently in force the State Law No. 2,826 / 2003, which deals specifically with the Tax Incentive Policy Amazon (TIP/AM). It can be said that this economic development project was successful, however the changes in domestic and international economic situations indicate that it is necessary that the model of tax incentives applied to the State of Amazonas be reconsidered and adapted to new social and environmental expectations. Based on this scenario, this article aims to analyze the Tax Incentive Policy Amazon in the light of environmental demands which constitutes the greatest appeal for the maintenance of MFTZ today. The extension of the MFTZ for another 50 years (until 2073) through Constitutional Amendment No. 83/2014, cannot serve for the accommodation of the political leadership of the Amazon, but to raise awareness that a system reinvigoration is necessary in order to adjust the wishes of the country and the world, given that the Amazon region is part of the international context of environmental preservation. The methodology used in this research was literature, with inductive and qualitative method, based on news of the news media, doctrine, legislation and judged recent Federal Court.
Keywords: Manaus Free Trade Zone; credit stimulus ICMS; environmental preservation and recovery; update of the tax incentive policy.
INTRODUÇÃO
É notório que a Região Norte do Brasil encontra-se distante dos principais centros econômicos, sociais e intelectuais do país. Desenvolver essa região e atrair investimentos sempre foi tarefa árdua, pois os interesses capitalistas não se conformam com baixos rendimentos e perda da lucratividade. Na década de 60, vivíamos uma época de governos militares ditatoriais, que, no ideal de expulsar as ideologias socialistas do nosso país, pregavam a necessidade de “integrar para não entregar”. Com o golpe de estado de 1964, os militares reiniciaram a unificação dessa região ao país. O ideal integracionista foi lançado pelo Presidente Castelo Branco em 1966, mas virou lei com o Decreto nº 1.106 de 1970 no governo Médici e foi batizado de Plano de Integração Nacional (PIN).
Em função disso criou-se a ZFM que tinha o objetivo precípuo de atrair o capital nacional e estrangeiro para Manaus, fomentando dessa forma o desenvolvimento local. O Decreto-Lei nº 288 de 1967, ao criar a ZFM, trouxe em seu artigo 1º o ambiente político que justificou a medida:
“A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância, a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos”.
Verifica-se que o espírito nacionalista impulsionava as ações dos militares na Amazônia Brasileira. Ainda não havia uma concepção de conservação da Floresta Amazônica e mal sabiam que a ZFM seria um fator catalisador de preservação ambiental. Mas o tempo passou e os motivos que justificaram a criação do Pólo Industrial de Manaus (PIM) foram superados. Hodiernamente é fato que a ZFM mantém a floresta intacta ou quase assim. Justifica-se assim essa pesquisa, pois, como será abordado nas linhas seguintes, a legislação não acompanhou a mudança do cenário interno e externo em termos ambientais. A ZFM foi criada pelo ideal nacionalista e agora precisa ser garantida para que as gerações futuras tenham assegurado os mesmos direitos que tiveram os pioneiros.
Essa concepção ajusta-se perfeitamente com o efeito não antevisto, mas produzido pelo PIM, pois a Floresta Amazônica permaneceu de pé no Amazonas. O ponto de partida desse estudo não poderia deixar de ser o decreto criador da ZFM, pois é o alicerce que sustenta o modelo econômico aqui implantado. No tópico seguinte será feita uma análise desse repositório legal.
A ZFM COMO FATOR DE INTEGRAÇÃO NACIONAL
Voltando um pouco na história, descobre-se que a ZFM foi idealizada como um projeto de desenvolvimento socioeconômico da Região Amazônica, que tinha toda sua produtividade concentrada apenas na capital do Estado do Pará, a cidade de Belém. A Lei Federal nº 3.173/1957, que reformulava, ampliava e estabelecia incentivos fiscais para implantação de um pólo industrial, comercial e agropecuário em uma área física de 10 mil km², foi o marco inicial da ZFM com sede na cidade de Manaus. Apesar da aprovação em 1957, o projeto de autoria do deputado federal Francisco Pereira da Silva somente foi implantado pelo Decreto-Lei nº 288 de 28 de fevereiro de 1967. O artigo 2º desse decreto-lei demarcou qual o espaço geográfico da zona de livre comércio a ser instalada em Manaus.
Ainda em 1967, o Decreto-Lei nº 291 definiu a “Amazônia Ocidental” composta pelos Estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima, e estendeu alguns beneficios fiscais originariamente concedidos à ZFM. Estas medidas tinham como objetivo garantir a ocupação e soberania nacional nestes territórios parcialmente ocupados. Percebe-se com isso que a intenção era concentrar a atividade econômica na capital do Estado do Amazonas. No início dos anos 60, a população deste estado contava com aproximadamente 700.000 habitantes e atualmente ultrapassa 3,5 milhões de pessoas, verificando-se um forte atrativo demográfico, que praticamente multiplicou por cinco a concentração populacional desde o início da década citada. A grande maioria desses moradores encontra-se na cidade de Manaus, tornando-a uma cidade-estado com aproximadamente 2 milhões de habitantes.
Ao longo dos anos, a ZFM foi crescendo e passando por algumas fases que merecem destaque. Conforme o sítio eletrônico da SUFRAMA (Superintendência da Zona Franca de Manaus) em “Modelo ZFM” a primeira fase, de 1967 a 1975, caracterizou-se pela política industrial de estímulo à substituição de importações de bens finais e à formação de mercado interno, ainda muito dependente dos produtos estrangeiros.
A segunda, de 1975 a 1990, foi marcada pela adoção de medidas que fomentavam a indústria nacional de insumos, sobretudo do Estado deSão Paulo; a terceira, de 1991 e 1996, trouxe a Nova Política Industrial e de Comércio Exterior, marcada pela abertura da economia brasileira, redução do Imposto de Importação para o restante do país e ênfase na qualidade e produtividade, com a implantação do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBPQ) e Programa de Competitividade Industrial, sepultando a zona franca comercial; e a quarta e última, de 1996 em diante, marca a adaptação da ZFM aos cenários de uma economia globalizada, com incremento do parque fabril e ajustes demandados pelos efeitos do Plano Real, como o movimento de privatizações e desregulamentação do setor produtivo.
Continuando a análise do decreto-lei de criação da ZFM, o capítulo II aborda os incentivos fiscais, notadamente a redução do imposto de importação em até 88% na saída dos produtos industrializados (artigo 7º, § 4º do DL nº 288/1967), exceto indústrias de armas de fogo e munições, fumo e derivados, bebidas alcoólicas, automóveis (permitida para motos e produtos de perfumaria, toucador e cosméticos, estes últimos se se destinarem ao consumo na própria ZFM ou que forem produzidos com matéria-prima regional).
As empresas instaladas na ZFM poderão também usufruir de outros incentivos tributários, segundo o sítio eletrônico da SUFRAMA em “Modelo ZFM”: isenção nas saídas de mercadorias do Imposto de Exportação (IE); isenção ou crédito do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) nas operações de entrada e saída comerciais; redução de 75% do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ) e em relação ao PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL (PIS) e FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (COFINS), isenção nas operações internas na ZFM. A SUFRAMA disponibiliza às empresas, sob a forma de incentivo locacional, lotes fundiários para utilização industrial, ao preço simbólico aproximado de US$ 0,30 por metro quadrado.
Para que uma empresa possa usufruir desses incentivos federais, ela deve apresentar um projeto à SUFRAMA, que irá analisá-lo como modelo de desenvolvimento desejado e se há viabilidade econômica segundo estudo elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (Estudo de Potencialidades Regionais). No capítulo V referente às “disposições gerais e transitórias”, especificamente o artigo 49 condiciona as isenções de impostos federais à concessão de incentivos fiscais pelo Estado do Amazonas e pelo Município de Manaus.
O pólo industrial abriga na atualidade cerca de 720 indústrias, especialmente concentradas nos setores de televisão, informática e motocicletas. Nos últimos anos, o PIM recebeu um novo impulso com os incentivos fiscais para a implantação da tecnologia de TV Digital no Brasil. Conforme dados coletados do sítio eletrônico da SUFRAMA em “Modelo ZFM”, a área livre de impostos em Manaus compreende três pólos econômicos: o comercial, o industrial e o agropecuário. O primeiro teve grande ascensão até o final da década de 80, quando o Brasil adotava o regime de economia fechada, porém foi afetado sensivelmente no começo dos anos 90 com a abertura comercial como citado acima.
O industrial é considerado a base de sustentação da ZFM. O PIM possui aproximadamente 600 indústrias de alta tecnologia gerando mais de meio milhão de empregos, diretos e indiretos, principalmente nos segmentos de eletroeletrônicos, duas rodas e químico. Entre os produtos fabricados destacam-se: aparelhos celulares e de áudio e vídeo, televisores, motocicletas, concentrados para refrigerantes, entre outros. O pólo agropecuário abriga projetos voltados às atividades de produção de alimentos, agroindústria, piscicultura, turismo, beneficiamento de madeira, entre outras, porém inexpressivo em termos nacionais e locais, haja vista que praticamente importam-se todos os gêneros alimentícios que abastecem a cidade de Manaus.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), que exerce o controle finalístico da SUFRAMA, como contrapartida para concessão dos incentivos federais, exige-se que os projetos industriais contemplem as seguintes hipóteses: cumprimento de Processo Produtivo Básico (PPB); geração de emprego na região; concessão de benefícios sociais aos trabalhadores; incorporação de tecnologias de produtos e de processos de produção compatíveis com o estado da arte; níveis crescentes de produtividade e de competitividade; reinvestimento de lucros na região; investimento na formação e capacitação de recursos humanos para o desenvolvimento científico e tecnológico; e aprovação de projeto industrial com limites anuais de importação de insumos.
Continuando a leitura do DL nº 288/1967 é fácil chegar à conclusão que não havia a intenção do legislador em termos de políticas ambientais. O objetivo maior era criar em Manaus um polo de atração de investimentos para viabilizar o povoamento e desenvolvimento do Estado do Amazonas. O efeito de preservação ambiental, que se atingiu com o modelo da ZFM, acabou sendo colateral, mas não pode ser olvidado atualmente. Conquanto não se vislumbrasse isso no momento da criação da ZFM em 1967, é fato que o apelo ambiental é forte para a garantia da manutenção do modelo. Também não se pode fechar os olhos para as alterações posteriores ocorridas no decreto-lei que não contemplaram nenhuma disposição de caráter ambiental.
Segundo palavras do então superintendente da SUFRAMA, Thomás Antônio Nogueira, em entrevista ao jornal “A Crítica” na data de 28/02/2013:
“... não podemos sentar sobre os louros da vitória. Devemos, sim, manter toda a experiência conquistada ao longo destas quase cinco décadas, lutando para manter o pujante pólo industrial aqui montado, case em manufatura dos maiores players mundiais do setor, mas também precisamos, paralelo a isso, traçar novas alternativas, reforçando setores como a agricultura e lutando por melhorias no capital intelectual e nas pesquisas aplicadas.”
Com base nas palavras do então Superintendente da SUFRAMA, é fato também que o modelo da ZFM trouxe problemas que demandam a intervenção do Poder Público e da sociedade privada, conforme explica o sítio eletrônico “Grupo Escolar” em “Geografia”. A concentração das indústrias em Manaus provocou um despovoamento das áreas rurais, deslocando para esta cidade uma população que buscava emprego e melhores condições de vida. Como conseqüência, ocorreu uma crise na produção de alimentos pela redução considerável da produção agrícola, o que aumentou as importações de produtos básicos de alimentação. Em 1980, aproximadamente 44% da população urbana de Manaus provinha de áreas rurais do Amazonas.
Os que têm sorte conseguem emprego no comércio, nas fábricas e nas indústrias. Outros acabam vivendo na marginalidade, no vício e na violência. Essa população ocupa a periferia de Manaus, geralmente invadindo terras, formando bairros super populosos como Alvorada, Compensa, Aleixo, São José e outros. Em bairros como esses surgem as favelas que apresentam graves deficiências, como falta de saneamento básico e de assistência médica e educacional, sistema de transportes precário, isso sem contar que, com a ocupação dos terrenos, há os desmatamentos e a poluição de rios e igarapés urbanos produzindo péssimas condições de saúde. Em conseqüência, surgem epidemias de Malária e aumento de outras doenças transmissíveis.
Como salientado acima, o modelo da ZFM implica em favores fiscais estaduais. Ou seja, o esforço dos entes federativos é conjunta e vinculada, de forma que só existem incentivos federais se houver também renúncia do Estado e do Município. Já apreciada a questão à luz da normatização federal, o passo seguinte será analisar o contexto dos incentivos estaduais.