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O dever fundamental de proteção do ambiente e o procedimento de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto no Brasil:

reflexões sobre a incidência do Direito Administrativo e do Direito Ambiental na definição do interesse público ambiental

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É diminuta a margem de discricionariedade na definição do conteúdo material e no ato administrativo formal de cada licença ambiental (prévia, de instalação e de operação).

1. INTRODUÇÃO.

O presente trabalho consiste na apresentação do dever fundamental de proteção ambiental da Constituição da República Federativa do Brasil, bem como na análise das atividades da Administração no procedimento de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto no Brasil, nomeadamente, no que se refere aos limites das medidas administrativas impostas ao empreendedor pelo Poder Público.

O tema em tela perpassa desde o Direito Constitucional Ambiental, envolvendo o Direito Ambiental Brasileiro, até as reflexões à luz do Direito Administrativo aplicáveis no procedimento de licenciamento ambiental.

Como sabido, é imprescindível a correta definição e aplicação do interesse público nas questões ambientais, de modo a realizar a proteção e defesa do meio ambiente pelo Estado na superação da crise ambiental e na busca do equilíbrio entre a manutenção dos recursos ambientais, com sadia qualidade de vida, e do desenvolvimento, a ser efetivado também pelo Estado.

A justificativa do tema dá-se pela importância da compreensão adequada das atividades da Administração Ambiental no procedimento de licenciamento ambiental, sobretudo, de empreendimentos de significativos impactos ambientais, de modo a indicar que contornos definem a constitucionalidade, a legalidade e a proporcionalidade das medidas administrativas de controle ambiental nesse procedimento.

Sobre a delimitação deste trabalho, esclarece-se que, embora exista atividade da Administração Ambiental desde a elaboração do Termo de Referência para a realização do Estudo Prévio de Impactos Ambientais (à custa do empreendedor), aqui será feita apenas a apresentação do instrumento prévio do Estudo de Impactos Ambientais e Relatório – EIA/RIMA (hipóteses de significativa degradação), a fim de destacar o procedimento administrativo decisório de licenciamento propriamente dito, que se segue àquele estudo e demanda diversas medidas administrativas de controle ambiental pela Administração ao empreendedor público ou privado, limitando o exercício da atividade efetiva ou potencialmente poluidora, como condicionantes expressas das licenças ambientais emitidas.[1]

A estrutura do presente trabalho, inicialmente, dá-se com a apresentação básica sobre a proteção ambiental na Ordem Constitucional Brasileira, em seguida, sobre o instrumento constitucional do Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório – EIA/RIMA, e o instrumento de licenciamento ambiental.

Sobre o licenciamento, considerando a interligação do Direito Administrativo e do Direito Ambiental, segue-se a reflexão dos contornos da caracterização de vinculação e/ou discricionariedade das atividades administrativas no procedimento de licenciamento ambiental, após o que se refletem os limites das medidas de controle ambiental necessárias, adequadas e proporcionais no âmbito do poder Administração Ambiental impostas ao empreendedor. Por fim, apresentam-se as conclusões.


2. A PROTEÇÃO JURÍDICA FUNDAMENTAL DO AMBIENTE NO BRASIL.

No Direito Brasileiro, são os valores e os destinatários enunciados no caput do art.225, da Constituição Federal de 1988 – CF/88[2], que caracterizam o direito ao meio ambiente como um direito fundamental.[3]

A compreensão formal de um direito fundamental independe de sua localização no Título II da Constituição (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), pois a própria Constituição determina a existência de outros direitos e garantias “decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (§2o, do art.5o).

Na CF/88[4], interessa notar o direito ao ambiente como um direito subjetivo fundamental, como aponta a doutrina[5]; ao mesmo tempo, a dimensão objetiva desse direito o inclui como essencial à ordem constitucional e ao Estado de Direito Democrático, como limite de poder e diretriz de ação.[6]

Diante do caráter de fundamentalidade do direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, o Estado ainda tem inúmeros deveres relacionados aos objetivos determinados na CF/88, amplamente destacados no §1º, do art.225[7], os quais são considerados deveres fundamentais, que preenchem o núcleo essencial de defesa do ambiente.

Ao enfatizar como “direito de todos”, a CF/88 traz uma abordagem antropocêntrica complementada pelo biocentrismo das disposições dos §§1o, nos incisos I, II, II e VII, 4o e 5o, daí indicar-se que o direito fundamental ao meio ambiente no Brasil tem alicerces no antropocentrismo moderado ou mitigado.[8]

Dentro de um conceito jurídico mais adequado, o meio ambiente deve contar com uma concepção mais ampla do que o mero conjunto dos recursos naturais e suas relações ecológicas[9], o que se destaca como essencial para a delimitação de seu âmbito de proteção.

Ainda, a natureza jurídica do meio ambiente é de um bem difuso, cuja definição no Direito Brasileiro encontra-se legalizada no art.81, Parágrafo Único, I, do Código de Defesa do Consumidor, Lei Federal no 8.078/90 (diploma que se aplica à tutela coletiva no ordenamento jurídico brasileiro).

Como características de bens ou interesses difusos, aplicada à proteção e defesa do meio ambiente, enumeram-se: 1) a transindividualidade, no sentido de que o bem ambiental ultrapassa a esfera individual para uma dimensão coletiva; 2) a indivisibilidade, que significa que o acesso ao meio ambiente equilibrado não pode ser dividido, pois a satisfação de um é a satisfação de todos; 3) titularidade indeterminada, diante da impossibilidade de descrever-se com precisão o número de pessoas atingidas ou beneficiadas pelas condições do meio ambiente, sendo que esses titulares, embora indeterminados, são ligados por circunstâncias de fato.

Tal natureza jurídica rompe com a tradicional dicotomia “público x privado”, para uma nomenclatura de interesses metaindividuais, enquanto direitos, não somente como metas programáticas, ou enunciados de princípios, antes desprovidos de força normativa.

E, considerando–se a atual “sociedade de risco”[10], que produz danos invisíveis aos agentes sociais de controle da qualidade do meio ambiente, pois, muitas vezes, tais danos encontram-se num processo degradador desconhecido, sem que se tenha a verdadeira noção da periculosidade de certos comportamentos, importa destacar que o ambiente não deve ser considerado apenas sob os seus elementos corpóreos.

Em breve referência, cumpre apontar que a CF/88 expressou a conexão entre o citado art.225 com o art.170, IV, (princípio ambiental a ser observado no desenvolvimento econômico)[11], de modo a equilibrar finalidades sociais de natureza econômica e ambiental.[12]

Ainda, embora não caibam no presente estudo maiores detalhes, merece rápida referência pela sua importância, seu caráter de normatividade e de orientadores da interpretação, a aplicabilidade no âmbito administrativo dos Princípios (constitucionais ou gerais) do Direito Ambiental Brasileiro.[13]

Assim, além do caráter de direito fundamental ambiente ecologicamente equilibrado, e dos Princípios Constitucionais da Administração, destacam-se os consagrados Princípios da Prevenção e da Precaução[14], além do Princípio do Poluidor-Pagador[15].

Assim, a aplicação de princípios constitucionais fundamentais e a caracterização do direito e dos deveres fundamentais relativos à proteção ambiental e a natureza do ambiente em sua inteireza, como um bem difuso, trazem reflexos diretos para a definição do adequado nível de tutela jurídica do ambiente, sem prescindir da previsão constitucional de promoção do desenvolvimento sustentável.


3. O PROCEDIMENTO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE ATIVIDADES DE SIGNIFICATIVO IMPACTO.

3.1. Instrumento prévio do EIA/RIMA.

Para a proteção do ambiente, a CF/88 determina a utilização de determinados instrumentos na consecução dos fins a serem atingidos, dentre os quais, relacionados ao presente tema, destacam-se: 1) o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, conhecido como EIA, para instalação de obra ou atividade causadora de significativa degradação (art.225, §1o, IV) e 2) o controle da produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (art.225, §1o, V), o que é feito pelo instrumento do licenciamento ambiental, prévio à realização de obras ou atividades capazes de causar degradação ambiental (exigido no art.10, da Lei Federal no 6.938/81 – Política Nacional do Meio Ambiente).

Frise-se que, no caso do Estudo de Impacto Ambiental – EIA (estudo ambiental mais complexo), e respectivo Relatório de Impacto ao Meio Ambiente – RIMA, este já existia antes da CF/88, esse instrumento passa a ter exigência constitucional para empreendimentos de significativa degradação. Contudo, é sabido que, mesmo no caso de licenciamento de atividades que não causem uma significativa degradação ambiental, haverá de ser exigido estudo prévio de impactos ambientais – EPIA (gênero), como por exemplo: Estudo de Viabilidade Ambiental - EVA, Plano/Relatório de Controle Ambiente – PCA/RCA, Relatório Ambiental Simplificado- RAS etc. (espécies), como instrumento técnico básico à tomada de decisão da Administração Ambiental.

Assim, o sentido trazido pela norma constitucional sobre o EIA corrobora o que já trazia a Lei nº 6.938/81 (recepcionada pela CF/88), quando dispôs, como instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: a avaliação de impactos ambientais (art. 9º, III), o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras (art.9º, IV).

Destaca-se que nessa Lei nº 6.938/81, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente, criou-se o CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente, em cujas competências inclui-se a competência normativa “estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras” (art.8º, I, Lei 6.938/81). Assim, as normas técnicas sobre EIA/RIMA encontram-se regulamentadas pela Resolução CONAMA no 01/86, que foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 (art.225, §1º, IV).

Dentre as características básicas do EIA/RIMA, ressaltam-se: ser anterior à licença de obra ou atividade; deve ser exigido pelo Poder Público sempre que ocorra significativa degradação e de ter publicidade, em especial o RIMA – Relatório de Impacto Ambiental, que deverá conter linguagem acessível e ser distribuído para acesso pelo público (art11, caput e §1º, Resolução CONAMA nº 01/86).

O EIA é considerada a atividade técnica realizada por equipe multidisciplinar composta por profissionais habilitados e com custos por conta do empreendedor proponente (arts.7º e 8º, Resolução CONAMA nº 01/86), e que serve de base para o licenciamento ambiental, já que indica os impactos ambientais e os analisa, consoante as diretrizes a atividades técnicas existentes (arts.5º e 6º, Resolução CONAMA nº 01/86).

Assim, após diagnosticados e analisados no EIA/RIMA todos os impactos positivos e negativos do empreendimento, é feita a indicação de medidas mitigadoras e compensatórios dos impactos negativos, bem como indicados programas de acompanhamento e monitoramento desses impactos negativos, sem prejuízo de complementações de estudos, de novas informações ou novas medidas que podem vir a ser determinadas pela Administração no procedimento de licenciamento.

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Oferecido o conteúdo do EIA/RIMA, o órgão ambiental licenciador terá as bases técnicas para iniciar sua análise técnica, sem prejuízo de complementações de estudos ou de novas informações pelo empreendedor, podendo-se seguir outras atividades ou medidas para além das sugeridas no EIA/RIMA entregue pelo empreendedor ao órgão ambiental licenciado, em especial, após análises, comentários e recomendações de outros órgãos governamentais e manifestações do público, durante todas as fases do procedimento de licenciamento ambiental, a seguir descritas.

3.2. Instrumento do Licenciamento Ambiental: procedimento e concessão das Licenças Prévia, de Instalação e de Operação.

Quanto ao instrumento do licenciamento ambiental, este se define como procedimento administrativo em que o órgão ambiental competente (federal, estadual ou municipal) analisa o estudo prévio de impactos ambientais e outros estudos ou documentos apresentados, e licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental (art.10, da Lei nº 6.938/81), conforme as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.

Essa definição e as normas gerais sobre licenciamento ambiental no Brasil, inclusive, sobre critérios determinantes ao estabelecimento do órgão ambiental competente (Princípio da Preponderância do Interesse do ente federal, estadual ou municipal), encontram-se na Resolução CONAMA no 237/97.

Nos termos do art.10 dessa Resolução nº 237/97, as etapas que compõem o procedimento de licenciamento são: (i) definição pelo órgão licenciador dos documentos, projetos e estudos ambientais necessários ao início do processo de licenciamento; (ii) requerimento da licença e seu anúncio público[16]; (iii) análise pelo órgão licenciador dos documentos, projetos e estudos apresentados e realização de vistoria técnica, se necessária; (iv) solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão licenciador; (v) realização ou dispensa de audiência pública[17]; (vi) solicitação de esclarecimentos e complementações decorrentes da audiência pública; (vii) emissão de parecer técnico conclusivo e, quando couber, parecer jurídico; (viii) deferimento ou não do pedido de licença, com a devida publicidade.

Embora considerado uno, o licenciamento é um procedimento administrativo formado por diversos atos administrativos realizados ao final de cada fase: 1) licença prévia - LP (fase preliminar do planejamento do empreendimento, aprovando sua localização e concepção, atestando sua viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação); 2) licença de instalação – LI (autoriza a instalação do empreendimento, de acordo com as especificações constantes em planos, programas ou projetos aprovados, incluindo medidas de controle ambiental e condicionantes da qual constituem motivo determinante); licença de operação – LO (autoriza a operação do empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação).

A análise da viabilidade ambiental que será objeto da LP, com base no Estudo Prévio de Impactos Ambientais apresentado, é considerada a fase mais importante do licenciamento ambiental, em que o órgão ambiental licenciador estabelece condições para realização do empreendimento, sendo que as licenças referentes às fases posteriores (LI e LO) somente são concedidas após cumprimento das medidas e condicionantes determinadas na Licença emitida na fase anterior.

Em geral, após a elaboração do EIA/RIMA e diagnosticados todos os impactos positivos e negativos, integradas todas as opiniões técnicas e dos cidadãos, é elaborado Parecer Técnico a fim de que sejam tomadas decisões em cada fase veiculando as chamadas medidas de controle ambiental na licença ambiental, que incluem medidas: mitigadoras (que previnem ou reparam os impactos) ou compensatórias (que compensam as perdas) para os impactos negativos[18], inclusive, considerando a possibilidade ou não de reversibilidade destes impactos[19], bem como os programas de acompanhamento e monitoramento respectivos, indicados na análise ambiental efetuada durante todo o procedimento.

A primeira fase do processo não consiste em uma simples aprovação, pois ao emitir a Licença Prévia (LP), o órgão estabelece as condições para a realização do projeto. Assim, a concepção do projeto fica aprovada, porém a sua implantação e operação somente serão autorizadas mediante o cumprimento das premissas fixadas por meio das condicionantes constantes da(s) licença(s).

Assim, para a concessão de cada uma dessas licenças e com base nas informações do EIA/RIMA e recolhidas no procedimento administrativo, o órgão ambiental competente estabelece condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, para localizar, instalar, ampliar e operar o respectivo empreendimento.

Explicitado o procedimento de licenciamento, passa-se à sua análise sob questões relevantes do Direito Administrativo e do Direito Ambiental.

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Sobre o autor
Gerlena Maria Santana de Siqueira

Procuradora Federal da Procuradoria-Geral Federal/Advocacia-Geral da União. Graduada pela Universidade Federal do Ceará. Mestre em Ciências Jurídico-Administrativas pela Universidade do Porto. Ex Coordenadora-Geral de Assuntos Jurídicos do Ministério do Meio Ambiente. Ex Presidente da Câmara Especial Recursal do Conselho Nacional do Meio Ambiente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA, Gerlena Maria Santana. O dever fundamental de proteção do ambiente e o procedimento de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto no Brasil:: reflexões sobre a incidência do Direito Administrativo e do Direito Ambiental na definição do interesse público ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4770, 23 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35255. Acesso em: 19 abr. 2024.

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