3 -PRESUNÇÃO DE DANO: DECISÕES
Neste capítulo, serão apresentados os principais julgados – favoráveis e contrários – referentes à teoria da presunção de dano nos casos de uso indevido de marca.
Em virtude da clareza das decisões, serão comentados brevemente, quando se fizer necessário.
No decorrer deste capítulo, verificar-se-á que a presunção em casos de uso indevido e desautorizado de marca está também (além do fato de ser a marca um bem móvel, de natureza imaterial, sendo difícil de se provar sua lesão), hoje, intimamente ligada à evolução do entendimento sobre a prova do dano moral, vez que este por ser um dano imaterial também é difícil de ser demonstrado; daí a tese surgida no final dos anos 90 de que a simples utilização indevida da marca já gera ao agente o dever de indenizar o titular, seguindo o análogo entendimento jurisprudencial referente ao dano moral:
"A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação (danum in re ipsa)." (4ª Turma do STJ, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgamento em 09/06/97, D.J. 01/09/97, in "RSTJ" 98/270 e "RT" 746/183; grifos nossos)
ainda neste julgado,
"A responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação; assim verificado o evento danoso, surge a necessidade da reparação, não havendo que se cogitar da prova do prejuízo" (grifos nossos)
Apesar do tema, no Brasil, ganhar realmente relevância somente na década de 90, em 1956 (mais precisamente em 23/10/56) o TJSP, na Apelação Cível n.º 72.442, referente ao caso "RAIMANN", já decidiu adotando a teoria da presunção [34]:
"NOME COMERCIAL – Uso indevido – Ação de anulação – Alegação de falta de prova de prejuízo do autor – Não acolhimento – PREJUÍZO PRESUMIDO.
(... )
O uso indevido de nome alheio, civil ou comercial, sempre se presume prejudicial àquele a quem por lei êle pertence com exclusividade.
(...)
Outro argumento merecedor de rejeição, utilizado a fls. nas razões das apeladas, é o de que elas não causaram às apelantes prejuízo algum.
Ora, o uso indevido de nome alheio, civil ou comercial, sempre se presume prejudicial àquele a quem por lei êle pertence com exclusividade.
(...)
São Paulo, 23 de outubro de 1956 – DAVID FILHO, pres. – FÁBIO DE SOUZA QUEIROZ, relator – Foi voto vencido na preliminar o Desembargador Euclides C. da Silveira – P. CARVALHO PINTO."
Citado este caso, o qual não se poderia olvidar a menção, foi somente a partir da década de 90 que se começou, no Brasil, a perceber a real importância e valor de uma marca, fato que coincidiu, conseqüentemente, com o aumento das demandas indenizatórias oriundas de atos ilícitos praticados contra marcas registradas.
Primeiramente, serão apresentadas as principais decisões favoráveis à aplicação da teoria da presunção de dano, e, posteriormente, as contrárias.
3.1 -Decisões Favoráveis
a).Em 17/12/1991 assim julgou o TJRJ, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Caetano José da Fonseca Costa, em Apelação Cível n.º 3.414/91:
"Obtido o registro da marca está o seu titular garantido do uso desta marca por terceiro e se este a utiliza está obrigado a indenizar o titular.
(...)
Porém o que é certo é que o apelado detinha a exclusividade do uso do título ‘Garota de Ipanema’, no momento em que foi realizado pelo apelante o baile com esta denominação.
(...)
Apenas em dois pontos merece reparo a decisão.
É quando fixou a indenização em vinte por cento da renda do baile, já que a mesma parece excessiva, tendo em vista que a influência do título na festa não parece corresponder a porcentagem estabelecida. Assim é ela reduzida para dez por cento."
b).Ap. n.º 213.795-1, acórdão de 21/03/95, 2ª C. TJSP, por unanimidade, Rel. Des.Cezar Peluso, in "JTJ", vol. 161/153, consta do decisum:
"Contrafação – Indenização – Restitutio in integrum, independentemente da existência de gravame efetivo – Presunção de que o titular da patente fabricou e vendeu todos os produtos postos no comércio pelo infrator – Recurso não provido.
A restitutio in integrum deve alcançar, independentemente da existência de gravame efetivo, toda vantagem econômica lograda pelo contrafator, em decorrência do ilícito, porque se deve presumir que o titular da patente, em virtude do seu privilégio, teria fabricado e vendido todos os produtos postos no comércio pelo infrator, e que cada unidade vendida por este corresponde a uma unidade que o titular do privilégio deixou de vender.
Apelação Cível n. 213.795-1 – São Paulo – Apelante: Companhia Brasileira de Alumínio – Apelado: Sérgio Esteves Reys.
ACÓRDÃO
ACORDAM, em Segunda Câmara Civil de Férias do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, negar provimento ao recurso.
1. Frágil o recurso.
A contrafação está provada. E, tendo o autor postulado pagamento das perdas e danos pela só exploração indevida do objeto contrafeito, no período de vigência da patente, a restitutio in integrum deve alcançar, independentemente da existência de gravame efetivo, toda vantagem econômica lograda pelo contrafator, em decorrência do ilícito, porque se deve ‘presumir que o titular da patente, em virtude do seu privilégio, teria fabricado e vendido todos os produtos postos no comércio pelo infrator, e que cada unidade vendida por esta corresponde uma unidade que o titular do privilégio deixou de vender" (GAMA CERQUEIRA, ‘Tratado da Propriedade Industrial’, vol. I/584, n.357, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2ª ed. revista e atualizada, 1982).
O critério não é novo nem particular. Aderindo à observação de M. POUILLET, no sentido de que fora imoral preservar os benefícios ilegítimos do usurpador, havia muito se afirmava, em França, que, quando (...)" (grifos nossos)
Neste caso em tela, pode-se fazer uma perfeita e legal analogia aos casos de uso indevido e desautorizado de marca.
c).O Tribunal de São Paulo, na Apelação Cível n.º 263.084-1, por unanimidade, Rel. Des. J. Roberto Bedran, julgada em 17/09/1996 (In "JTJ", vol. 191/172), tratando sobre um caso de conflitos de nomes empresariais, considerados estes também como bens jurídicos patrimoniais, fez constar do acórdão os seguintes excertos:
"Tem procedência, também, o pedido de indenização por perdas e danos, que resultam inegavelmente do simples EMPREGO INDEVIDO E DESAUTORIZADO do nome comercial e DA MARCA, a caracterizar usurpação parcial, suscetível de gerar confusão no público em geral. Para tanto, não seria mister apurar-se, concretamente, se a autora deixou de lucrar com tal expediente, e nem, tampouco, se a ré experimentou vantagens. O DANO, com a prática ilícita, até mesmo de natureza imaterial, pela afetação do elemento MORAL da empresa titular, está in re ipsa, lesando forçosamente o seu patrimônio, no mínimo, como alegado no libelo, pela falta de retribuição desse uso, a exemplo do que se passaria num contrato de licenciamento, possibilitando ao infrator um locupletamento indevido e injusto.
No particular, depois de assinalar existir, na contrafação, uma presunção de que, graças à confusão criada, o contrafator consegue incrementar a venda de seus produtos, com o conseqüente desfalque do movimento comercial do titular, GAMA CERQUEIRA complementa, assinalando que ‘a simples violação do direito obriga à satisfação do dano, na forma do artigo 159 do Código Civil, não sendo, pois, necessário, a nosso ver, que o autor faça prova dos prejuízos no curso da ação. Verificada a infração, a ação deve ser julgada procedente, condenando-se o réu a indenizar os danos emergentes e os lucros cessantes (Código Civil, artigo 1059), que se apurarem em execução. E não havendo elementos que bastem para se fixar o quantum dos prejuízos sofridos, a indenização deverá ser fixada por meio de arbitramento, de acordo com o artigo 1.553 do Código Civil (ob. Cit., vol. 2/1. 120-1. 130, n. 751).
Ora, aqui, irrecusável a obrigação de indenizar da ré (an debeatur), é a lição que cumpre ser exatamente aplicada na espécie, cabendo apurar-se o quantum debeatur, mediante arbitramento, na execução." (grifos nossos)
Ressalte-se que o trecho grifado em itálico, da autoria de Gama Cerqueira, fundamentou o voto do Min. Ruy Rosado de Aguiar na decisão do importantíssimo Recurso Especial a seguir destacado.
c).O acórdão aqui destacado pode ser considerado como verdadeiro leading case do STJ sobre a presunção de dano em casos de violação de marca. Este Resp., n.º 101.059/RJ (DJ de 07/04/97; in "JSTJ" e "TRF", vol. 96/229), teve como Relator o visionário e emérito Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR [35], que discorreu com brilhantismo, condizente com os novos conceitos e tempos, sobre a matéria em seu voto (que, indubitavelmente, convenceu os demais Ministros da 4ª Turma a decidirem, nos termos de seu voto, por unanimidade):
"VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): -
1. O dissídio ficou bem evidenciado com a citação, transcrição e análise de precedentes que versaram situação assemelhada à dos autos, decidindo, porém, em sentido diverso do acolhido pelo v. acórdão ora em exame.
2. Trata-se de estabelecer se a prova do uso indevido da marca é suficiente para presumir o prejuízo, ficando autorizado o Juiz a condenar o réu à indenização por danos, cujo valor ficaria relegado à fase de liquidação da sentença.
(...)
(...) lição de Gama Cerqueira:
‘A prova dos prejuízos, nas ações de perdas e danos, merece, entretanto, especial referência. Esta prova, geralmente difícil nos casos de violação de direitos relativos à propriedade industrial, é particularmente espinhosa quando se trata de infração de registros de marcas, não podendo os Juízes exigi-la com muita severidade.
Os delitos de contrafação de marcas registradas lesam forçosamente o patrimônio do seu possuidor, constituindo uma das formas mais perigosas da concorrência desleal, tanto que as leis, em todos os países, destacam-na como delito específico. Freqüentemente, porém, verifica-se que, não obstante a contrafação, os lucros do titular da marca não diminuem, mantendo-se no mesmo nível ou na mesma progressão, não sendo raros os casos em que se verifica o seu aumento. Não se deve concluir, entretanto, só por esse fato, que a contrafação não tenha causado prejuízos, porque estes não se revelam, necessariamente, na diminuição dos lucros ou na sua estabilização em determinado nível. O que o bom-senso indica é que o dono da marca realizaria lucros ainda maiores, se não sofresse a concorrência criminosa do contrafator. É preciso ter em vista que, reproduzindo ou imitando a marca legítima, o contrafator, graças à confusão criada para iludir o consumidor, consegue vender os seus produtos, o que leva à presunção de que as vendas por ele realizadas teriam desfalcado o montante das vendas do dono da marca.
Por outro lado, o titular do registro vê-se obrigado a tomar providências especiais para neutralizar os efeitos da concorrência criminosa, prevenindo a sua clientela intensificando a propaganda dos seus artigos, dispensando maiores cuidados ao setor ameaçado de sua indústria ou comércio. Mas, se pelas suas oportunas medidas, ou pela sua diligência e trabalho, consegue atenuar ou mesmo anular os prejuízos resultantes da contrafação, esse fato não deve ser interpretado em benefício do infrator, para isentá-lo de responsabilidade, sob o especioso fundamento de não ter havido prejuízos, permitindo-lhe, ainda, locupletar-se com os frutos de sua ação criminosa.
A simples violação do direito obriga à satisfação do dano, na forma do art. 159 do CC, não sendo, pois, necessário, a nosso ver, que o autor faça a prova dos prejuízos no curso da ação. Verificada a infração, a ação deve ser julgada procedente, condenando-se o réu a indenizar os danos emergentes e os lucros cessantes (CC, art. 1.059), que se apurarem na execução.
E não havendo elementos que bastem para se fixar o ‘quantum’ dos prejuízos sofridos, a indenização deverá ser fixada por meio de arbitramento, de acordo com o art. 1.553 do CC.
De outra forma, raramente o dono de marca contrafeita logrará obter a condenação do infrator, nem a reparação dos danos resultantes da contrafação, a qual, na grande maioria dos casos, se limita ao pagamento das custas e de honorários de advogado, os quais, por sua vez, são parcamente arbitrados pelo Juiz, ficando quase sempre abaixo do que realmente o autor despendeu para defender a sua marca’ (Tratado de Propriedade Industrial’, vol. 2/1. 129-1.131).
O precendente invocado pela recorrente, da Eg. 5ª Câmara do TJRS (AC n. 593.017.395) sustenta a tese do dano presumido:
‘A existência de dano decorre da própria contrafação. A quantificação desse dano pode ser realizada em liquidação’.
3. Para julgar o recurso ora em exame, sem preocupação de fixar orientação genérica sobre o ponto, penso que devem ser consideradas as circunstâncias do caso.
Trata-se aqui da utilização de uma marca, registrada em nome de outrem, que serviu para a fabricação e comercialização de uma mercadoria também industrializada e vendida pela titular do direito de propriedade. Reconhecido nos autos que ambos os produtos estavam sendo comercializados, não se faz nenhum raciocínio contrário à lógica ao admitir-se que houve uma concorrência desleal pela autora da contrafação, que colocava no mercado produtos com a marca registrada em nome de outrem; e se a concorrência era desleal, as vendas efetuadas com tal artifício beneficiavam indevidamente a contrafatora, em prejuízo da titular, que tinha ser mercado ocupado por terceiro. Portanto, o reconhecimento da existência do dano resultante da comprovada comercialização do produto objeto da contrafação é uma decorrência da realidade dos autos, não mera abstração cuja demonstração se relega para a fase liquidatória. Ainda mais quando o valor da indenização concedida corresponde a um percentual sobre o valor da venda do produto.
Nesta 4ª Turma, há dois precedentes. No Resp n. 30.582/SP, da relatoria do em. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO, decidiu-se pela inconveniência do julgamento antecipado, porque havia prova a produzir sobre a existência do dano:
‘DIREITO DE MARCA. CÓDIGO DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL. CONTRAFAÇÃO. RECONHECIMENTO ÀS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. JULGAMENTO ANTECIPADO. INACOLHIDA NO PEDIDO CUMULADO DE PERDAS E DANOS. CERCEAMENTO. RECURSO PROVIDO. ACÓRDÃO CASSADO PARA ENSEJAR A INSTRUÇÃO.
- A existência dos danos (‘an debeatur’) deve ser apurada no curso da instrução e não na liquidação, que se destina à aferição do valor dos danos (‘quantum debeatur’). Destarte, havendo prejuízos a apurar, com pedido nesse sentido, não é dado ao Juiz julgar antecipadamente a lide para acolher o pedido principal, pena de cerceamento e vulneração da Lei Federal’.
Essa decisão, como se vê, limitou-se a oportunizar à parte autora fazer a prova do dano, como ela se propunha.
Já no Ag n. 7.289/RS, o em. Ministro BARROS MONTEIRO proferiu o seguinte despacho:
‘Quanto à alegação de que o aresto recorrido concedeu indenização sem prova dos prejuízos, violando, deste modo, a regra esculpida no art. 131 do CPC, tenho que o decisório analisou a questão superiormente, ‘verbis’:
‘Também aí lhe falece razão. Dada a natureza do direito ofendido, o prejuízo está insíto na infração mesma. Quando alguém usa em proveito seu a propriedade alheia, está causando dano ao patrimônio do ‘dominus’ pelo só fato de privá-lo de extrair da coisa os proveitos econômicos que ela pode proporcionar. E isso tanto é certo no que diz respeito à propriedade de coisas corpóreas como na atinente à propriedade material. Não vale alegar-se que o autor não estava produzindo no Brasil, nem havia autorizado alguém a produzir, capacetes subordinados à sua concepção inventiva. A indevida utilização da invenção patenteada por si só a desvalorizou, na medida em que lhe prejudicou o caráter de exclusividade e afastou ou reduziu o possível interesse de terceiros na obtenção da licença.
Visto o problema pelo ângulo da ré, outrossim, é evidente que, independentemente da apuração de lucros na fabricação e comercialização do capacete, beneficiou-se ela, economicamente, dos valores que, em contratação normal para obtenção de licença, teria pago e não pagou. Por isso mesmo, o critério de fixação da indenização estabelecido na sentença é realmente o mais justo, pois transfere à parte contrária, detentora do privilégio, a parcela da receita auferida (não necessariamente do lucro!) que lhe teria pago caso se houvesse utilizado licitamente a invenção’ (fls. 98/99).
A prova do prejuízo, destarte, origina-se dessas circunstâncias, todas apreciadas pelo acórdão’.
Na doutrina, ainda encontramos a referência feita pelo Professor Carlos Alberto Bittar à jurisprudência de outros países, em termos ainda mais amplos do que me parece adequado a aceitar:
‘Não se exige a concretização de dano: basta a possibilidade ou o perigo de sua superveniência.
Também aqui existe concordância na doutrina universal (Ascarelli, ob. cit., p. 164; Rotondi, ob. cit., p. 482; Roubier, ob. cit., p. 507). Nesse passo, aliás, rompe-se, com a teoria tradicional, em que se demanda a existência de dano.
O princípio foi posto pela jurisprudência, na França, estendendo-se depois a outros sistemas. Contenta-se com o perigo de dano (v. os Greffe, ob. cit., p. 114). Nesse sentido, têm decidido os Tribunais europeus considerando suficiente a demonstração do risco de dano (como o Trib. Com. de Paris, em 25.07.68).
Objetiva a ação, ‘in casu’, a cessação dos atos de concorrência definidos como repreensíveis’.
Posto isso, estou em conhecer do recurso, pela divergência, e lhe dar provimento, para restabelecer, nessa parte, a r. sentença, condenada a ré ao pagamento de 5% sobre o valor da venda de cada unidade, nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação.
É o voto." (grifos nossos)
d).Em brilhante e elucidador acórdão referente à Apelação Cível n.º 2414/99 (julgada em 24 de março de 1999, tendo como relator o Des. Jorge Luiz Habib), caso "REEBOK", assim decidiu a egrégia 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro :
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. CONTRAFAÇÃO.
(... )
A simples comercialização de produtos contrafeitos caracteriza, obriga à indenização da parte lesada, em danos materiais e imateriais, nestes compreendidos o da imagem, independe da prova de culpa do contrafator, sendo certo afirmar, que a existência do prejuízo causado pelo contrafator de marca notoriamente conhecida é presumida.
(... )
Também não tem razão a ré apelante no que tange a alegação de que inexiste dano, por não estar comprovado o prejuízo, posto que tal condenação está amparada em legislação especial, qual seja a Lei 9.279 de 14 de maio de 1996, que em seu artigo 210 que dispõe acerca dos critérios de composição dos danos relativos aos lucros cessantes no caso de violação de marcas, conforme a transcrição abaixo:
‘Artigo 210. (...)
Frise-se que, não há como se admitir, via de regra, que a prática da contrafação não gere danos de toda ordem ao titular da marca violada." (grifos nossos)
Destarte, pode-se aferir que se caminha para construção de uma sólida jurisprudência no que tange à aceitação e aplicação da tese da presunção de dano.
3.2 -Decisões Contrárias
Após terem sido citadas as principais decisões favoráveis, eis algumas contrárias, a fim de contrapor as mesmas.
a).Apelação Cível n.º 5.022/91 - Teresópolis, 1ª Câmara Cível, TJRJ, julgamento 28/04/1992, Relator Des. Ellis Figueira, em que a Apelante (THE WALT DISNEY COMPANY) acionou a Apelada (NOVA SILVEIRA COMÉRCIO DE MALHAS LTDA.) mediante ação de responsabilidade civil pelo uso indevido de desenhos dos personagens da "Família Disney", da qual é detentora dos direitos de marca, por parte da Apelada, em suas confecções de malharia:
"Os danos fora de previsão ao pé da lei hão de resultar comprovados, nesse teor não se aplicando presunção analógica.
Não se indenizam danos hipotéticos, meramente estimatórios sem um mínimo de comprovação concreta, não aleatória, mormente quando se apregoa dano moral sem projeção patrimonial.
(...)
Com o relatório de fls. 34-34-v., assim decidem pelas razões seguintes:
(...)
Sentença deu parcial acolhida ao pedido para condenar a Ré ao ressarcimento apenas quanto aos comprovados danos patrimoniais, conforme nota fiscal das peças contrafeitas, em valores atualizados, com honorários de 10% sobre a condenação ( f. 20 ).
(...)
Não há de se cogitar de danos morais hipotéticos, meramente estimatórios, se inexiste repercussão negativa para o conceito da Autora-apelante.
Ao diverso do apregoado pela Apelante, poderiam esses danos serem provados por via de prova pericial contábil, da qual se descurou.
Se o valor da reparação é grande ou pequeno, não importa, mas foi o que restou comprovado nos autos."
Em nossa opinião este acórdão exposa bem o que o obsoleto e arcaico entendimento dos Tribunais pátrios há poucos anos atrás (mas que infelizmente as vezes revivem...), que serviam como proteção e incentivo à pirataria. Ora, como querer que se comprove o dano moral ? Vincular a existência deste a um dano material indireto não tem mais cabimento no ordenamento jurídico nacional, principalmente, em casos de violação marcária. Data maxima venia, deveria a Colenda Câmara fixar por arbitramento o quantum a título de dano moral, cujo montante serviria apenas como uma compensação ao titular da marca lesado, possuindo também um caráter punitivo e educador ao agente infrator (cf. itens 2.3, 2.3.1 e 2.3.3).
b).Apelação Cível n.º 218.470-1, 7ª Câmara Cível, TJSP, julgamento 16/12/1994, Relator Des. Sousa Lima (in "JTJ", vol. 169/9), cuja peculiaridade está no fato da ação não objetivar uma indenização, porém, mesmo assim o juízo a quo externou o seu posicionamento, bastante interessante diga-se, embora controverso, e não condicente com os atuais conceitos e tempos, sobre o tema, versando sobre a diferença entre "inexistência de prejuízos" e "impossibilidade de mensurar prejuízos":
"PROPRIEDADE INDUSTRIAL – Marca – Proteção – Denominações semelhantes – Possibilidade de gerar confusão e engano ao público consumidor – Semelhança, também, entre as atividades comerciais – Prova do prejuízo desnecessária – Decisão confirmada – Recurso não provido.
(...)
Para caracterizar a chamada concorrência parasitária basta, segundo a lição de GAMA CERQUEIRA, que o comprador possa ser induzido em engano, dada a afinidade dos produtos, supondo que ambos provêem do mesmo fabricante, cuja marca conhece (‘Tratado da Propriedade Industrial’, citado às fls. 198). ‘Wessel e Weddel’são expressões realmente semelhantes e que podem gerar confusão e engano no público consumidor pela quase identidade de grafia e de pronúncia; (...)
Assim, é evidente que os consumidores que já conhecem a marca registrada das autoras poderão adquirir produtos comercializados pela ré pensando que são, ou que alguma coisa tem a ver, com os produtos e serviços daquelas. A possibilidade de engano e confusão, portanto, é inquestionável, à semelhança do que ocorreu em casos famosos, como por exemplo, ‘Drogasil’ e ‘Droganil’, ‘Ática’ e ‘Ética’ e ‘Seven Boys’ e ‘Seven Girls’.
(...) Ambas comercializam produtos alimentícios para consumo humano. (...)
(...)
Também não tem o menor fundamento a alegação de inexistência de prejuízos às autoras. Em primeiro lugar, a ação não é de indenização, mas de preceito cominatório, e a ré está confundindo inexistência de prejuízos com impossibilidade de mensurar prejuízos; estes resultam do simples emprego de marca suscetível de gerar confusão no público consumidor, não havendo necessidade alguma de perquerir quanto as autoras deixaram, ou deixarão de lucrar com esse emprego. Depois, a Constituição e o Código da Propriedade Industrial asseguram, de modo objetivo a propriedade e o uso exclusivo da marca registrada, independentemente de prejuízo do seu titular, o que vale dizer que este não está obrigado a provar a existência de danos, a não ser que pretenda ressarcimento, de que os autos não cuidam."
Ora, o acórdão é controverso e pouco razoável, pois admite que é inquestionável a confundibilidade entre as marcas, porém entende que teria o titular da marca, caso pleiteasse uma indenização, de provar concretamente a existência de danos. Se a confundibilidade entre as marcas é fato inquestionável, pressupõe-se, ou melhor se afirma, que tenha sofrido dano material o titular da marca, já que este não recebeu royalties decorrentes do seu uso. Ademais, hoje sob a égide da nova LPI este entendimento exarado no acórdão a estaria restringindo, ou exigindo, em virtude de uma condição que a própria LPI não dispõe para o dever de indenizar por uso indevido de marca. Configura-se uma interpretação contra legem em face da nova LPI.
c).Apelação Cível n.º 230.208-1, 5ª Câmara Cível, TJSP, julgamento 17/08/1995, Presidente e Relator Des. Silveira Netto (in "JTJ", vol. 176/124), em que a ação objetivava a abstenção das co-rés em fabricar tênis que imitava o modelo da Autora, esta fabricante dos tênis NIKE, tendo o juízo a quo aceitado o laudo pericial que apontava haver cópia ou réplica do produto da autora:
"PROPRIEDADE INDUSTRIAL – Concorrência desleal – Perdas e danos – Prática do ato admitida – Insuficiência, por si só, como prova do prejuízo – Indeferimento do pedido – Sentença confirmada."
Do voto do MM. Relator, que foi determinante para o acórdão unânime, consta:
"Aspecto inafastável, devidamente comprovado no laudo pericial, reside em que o modelo do tênis fabricado por uma das co-rés e comercializado por ambas é réplica daquele de produção da autora.
Suficiente tal circunstância para colocar dúvida no espírito dos possíveis consumidores; ainda que se tenha admitido que apenas parcela dos usuários do produto da autora possa ser confundido, conclusão frágil, o certo é que inafastável a possibilidade; o que é bastante para se ter a figura da concorrência desleal e, via de conseqüência, a almejada proteção.
Naquilo que diz com a pretensão de haver perdas e danos a autora não fez nenhuma prova do dano efetivo; a admissão da existência da concorrência desleal, por si, não é apta a dar prova de prejuízo concreto. Este deve ser demonstrado na ação de conhecimento de forma direta e inafastável."
Os comentários feitos no acórdão anterior também se fazem pertinentes a este caso, complementando que nestes dois acórdãos caso constasse da nova LPI a norma de que somente provado o dano efetivo, de forma direta e inafastável, nasceria o dever do infrator de marca em indenizar o titular da marca, é quase certo afirmar que esta seria uma "letra morta".
d).Apelação Cível n.º 237.133-3, 8ª Câmara Cível, TJSP, julgamento 14/02/1996, Relator Des. Aldo Magalhães (in "JTJ", vol. 180/127):
"Nenhumas das partes se conformou, apelando autoras e ré.
Aquelas postulam a condenação da ré a ressarcir perdas e danos, que sustentam devidos em decorrência de ato ilícito e apuráveis em execução. (...)
(...)
6. Inacolhível a pretendida condenação da ré a compor perdas e danos. Primeiro porque a ação reparatória estaria prescrita consoante anteriormente exposto. Segundo e principalmente porque as autoras não fizeram prova do alegado prejuízo e porque no Direito brasileiro, ao contrário do sustentado, não é indenizável o ato ilícito que não tenha causado dano."
Como já dito e visto anteriormente, este entendimento hoje, em casos de violação de marcas, não é mais sustentável, pois vai de encontro a própria disposição legal expressa na LPI, mais precisamente, seu artigo 210 e incisos, além de ser inaplicável a casos em que sejam pleiteados também danos morais.
Também constatou-se da pesquisa realizada que todas as decisões contrárias à tese do dano presumido em casos de uso indevido de marca, foram proferidas antes ou nos primeiros meses de vigência da nova Legislação da Propriedade Industrial; o que de certa forma torna um pouco compreensível estes julgados contrários, além das poucas obras escritas sobre o tema, pouca conscientização da importância e valor de uma marca, etc.
Por fim, a fim de explicitar a contraposição dos entendimentos – favoráveis e contrários – concernentes à tese da presunção de dano em caso de uso indevido de marca, destaque-se o acórdão referente à Apelação Cível n.º 4.294/96, da 10ª Câmara Cível do TJRJ (Apelantes: DOW CORNING CORPORATION e outra; Apelada: MOLYKOTE DO BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA.), em que se decidiu, em 07/11/96, por maioria, no tocante à indenização perquirida pelas Apelantes:
"Não é atendível, no entanto, a pretensão de receber pagamento de indenização pelo uso indevido da marca protegida, se nenhuma prova do prejuízo pelo seu uso foi produzida no processo, uma vez que na fase de execução só é admissível a liquidação do seu quantum, quando devidamente comprovada a existência do alegado prejuízo na fase de conhecimento." (grifos nossos)
Esta decisão fundamentou-se no voto vencedor, porém conservador, do Des. Afranio Sayão Antunes, em que ele explicita o seu entendimento pela não presunção do dano:
"V O T O
(...)
Outrossim, os autores afirmaram ter experimentado danos com o uso da marca antes referida, indevidamente, pela ré.
Inexiste qualquer prova neste sentido.
Os prejuízos não se presumem. Eles devem restar demonstrados e os autores sequer, se deram ao trabalho de afirmar qualquer fato, que justificassem as perdas e danos".
(...)
No que tange, no entanto, à pretensão indenizatória, correta e irrepreensível se apresenta, a meu ver, a douta sentença recorrida. A uma, porque realmente, não foram demonstrados os alegados prejuízos a serem indenizados, os quais não se presumem, como bem afirmou o douto sentenciante, nem a sua comprovação pode ser deixada para a fase de execução. A duas, porque, também, não se fez prova, de que o apelado ao colocar no nome de sua firma comercial a expressão "Molykote" soubesse que a referida expressão se encontrava registrada para uso exclusivo das autoras."
Deste voto, afere-se sua afronta às disposições contidas na nova LPI (mais precisamente art. 210 e incisos), que, em 07/11/96, data do julgamento, já estava em vigência.
Outrossim, tendo a Colenda Câmara confirmado a sentença a quo, no sentido de obrigar a Apelada a modificar seu nome empresarial, é porque entendeu que, no mínimo, as partes exerciam atividades semelhantes. Considerando-se que a Apelante DOW CORNING é uma famosa holding multinacional; que o signo "MOLYKOTE" é uma de suas marcas e/ou nome de uma de suas sociedades controladas; que ele também não é usual no Brasil, tampouco possuindo em inglês, ou outro idioma, algum significado etimológico; que, até mesmo por exercer a pessoa jurídica Apelada atividades semelhantes às das Apelantes, e pela sua condição social e comercial é improvável que a Apelada desconhecia a marca das Apelantes. Por isso, não há como se exigir prova de que esta usurpadora sabia o que estava fazendo, a fim de nascer a obrigação de indenizar.
Aproveitando o ensejo, cumpre-se ressaltar que foram decisões como esta, prejudiciais ao desenvolvimento do Brasil, que inspiraram as palavras de José Antônio Faria Correa, em seu texto "Pré-Condições para a Aquisição de Registros de Marcas no Brasil", in verbis:
"É preciso ver que o desrespeito às marcas de terceiros não serve aos interesses do Brasil e nem se coaduna com uma postura nacionalista. Serve, isto sim, aos interesses de empresários pouco sérios, que pretendem captar lucros parasitários, sem contrapartida de investimento, e em franco repúdio aos direitos elementares do consumidor. Serve, além disso, para corroborar a tese dos que desmerecem o empresário nacional, duvidando de sua capacidade de criar marca própria, quando o Brasil tem dado inúmeros exemplos de sua força criativa, sobretudo no terreno da publicidade." [36]
Com muito mais propriedade, técnica e justiça, além de condizer com as normas sobre indenização da então recente LPI, exarou o douto Des. Sylvio Capanema em seu voto vencido:
"V O T O V E N C I D O
Ousei divergir da douta maioria, apenas no que tange à indenização dos prejuízos sofridos pela apelante, tendo em vista o uso indevido de marca, pela apelada.
E assim o fiz porque entendo que o simples fato de se usar marca alheia, e muito conhecida, coloca em risco sua credibilidade e confiabilidade no mercado, o que traduz dano material, que pode ser quantificado em liquidação.
A hipótese dispensa a prova prévia do prejuízo, que decorre do simples uso indevido da marca.
É evidente que só em liquidação só poderá arbitrar o dano.
Mas que ele ocorreu, não pode haver dúvida.
Por estes fundamentos, dava provimento parcial ao recurso para se incluir na condenação as perdas e danos, a serem apuradas em liquidação de sentença." (grifos nossos)
Note-se que nem mesmo cogitou o nobre Desembargador do dano moral, que, segundo o melhor entendimento doutrinário, já poderia ser arbitrado, não havendo necessidade de ser apurado em liquidação. Contudo, no que tange ao dano moral cumpre aos titulares de marca registrada reclamá-los no pedido inicial, o que parece não ter sido o caso, mesmo porque à época ainda havia divergência quanto ao dano moral sofrido pelas pessoas jurídicas.
Assim, não cabe mais a exigência da prova do "dano efetivo" em casos de uso indevido de marca. A regra é a aplicação da teoria da presunção de dano, até mesmo pela interpretação teleológica do art. 210 da LPI, bem como da própria natureza imaterial das marcas e a conseqüente dificuldade em se provar os prejuízos sofridos em virtude do uso desautorizado. Porém, não se defende a adoção ferrenha e indiscriminada desta teoria, consoante demonstrar-se-á no próximo capítulo.