RESUMO
O presente estudo tem por fulcro apresentar a crescente aceitação jurisprudencial da teoria da presunção de dano, causado ao titular de marca registrada, em casos de uso indevido e desautorizado da mesma, não havendo, por conseguinte, necessidade de se provar concretamente o dano. Em capítulo específico, são apresentadas as recentes decisões favoráveis à aplicação desta teoria, assim como as contrárias. Também é destacada a exceção à aplicação da presunção de dano, diante das circunstâncias do caso concreto e da realidade social.
Sumário: Resumo; 1 –INTRODUÇÃO; 2 –DANO, 2.1 -O Dano sob à luz da Lei da Propriedade Industrial (LPI), 2.2 -Dano Patrimonial, 2.2.1 - Dano Emergente, 2.2.2 - Lucro Cessante, 2.3 -Dano Moral, 2.3.1 - Dano Moral e as Pessoas Jurídicas, 2.3.2 - Dano à Imagem; 3 -PRESUNÇÃO DE DANO: DECISÕES, 3.1 -Decisões Favoráveis, 3.2 -Decisões Contrárias; 4 -EXCEÇÃO À TEORIA DA PRESUNÇÃO DE DANO; 5 –CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 - INTRODUÇÃO
O presente trabalho pertine ao ramo do Direito Comercial, mais especificamente à área do sub-ramo jurídico da Propriedade Industrial (marcas, desenhos industriais e patentes), no tocante à violação de marcas; havendo, porém, e nem poderia deixar de ser, uma necessária e inafastável correlação com o Direito Civil, na matéria atinente à Responsabilidade Civil, em que neste trabalho limitar-se-á a um de seus pressupostos que é o prejuízo ocasionado – o dano, este proveniente do uso indevido e desautorizado de uma marca.
Um dos motivos que conduziu à escolha deste tema é a crescente, e devida, conscientização da real importância de se ter uma efetiva proteção aos direitos de marca por parte daqueles que vivem o Direito (advogados, juízes, empresários, comerciantes, enfim, a sociedade como um todo), vez que este é um dos relevantes elementos que propiciarão um contínuo e confiável desenvolvimento do comércio e indústria aqui instalados, portanto, do Brasil (este um característico país emergente).
David A. Aaker, professor titular da disciplina de Estratégia de Marketing da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e um dos mais citados nomes do campo de marketing, em seu livro MARCAS, Brand Equity, Gerenciando o Valor da Marca, com muita propriedade destacou as palavras de um profissional de pesquisa e propaganda, Larry Light, que disse:
"A guerra de marketing será uma guerra das marcas, uma competição de domínio de marcas. Os negócios e os investidores reconhecerão as marcas como os mais valiosos ativos da empresa. Este é um conceito crítico. É uma visão de como desenvolver, fortalecer, defender e gerenciar o negócio. Será mais importante dominar mercados do que possuir fábricas, e a única forma de dominar mercados é possuir marcas dominantes." [1]
Hodiernamente, mais que nunca, é possível tecer as seguintes considerações:
- a concorrência e a disputa por novos mercados (que geram empregos e desenvolvimento) se dá – veloz e ferozmente – em nível internacional;
- diariamente assistimos aos lançamentos de produtos em âmbito mundial;
- presenciamos cada vez mais à internacionalização de conglomerados industriais e mercantis pelo mundo afora;
- muitas vezes o poderio de negociação para concretização destes negócios encontra-se na força atrativa de uma marca;
- marcas são criadas para assinalar sites na internet e, juntamente com os serviços prestados por estes e pelo número de "visitantes" que os mesmos recebem, o valor de mercado das mesmas é lançado às nuvens por cifras até tempos atrás inimagináveis;
Destarte, devem os Estados ter um Judiciário que aplique de forma eficiente a lei marcária, trazendo eficácia a esta, inibindo assim as práticas lesivas aos direitos de marca.
Ter uma lei eficaz no que tange à proteção de um registro de marca é um dos primeiros passos para se transmitir segurança e confiança aos investidores, tanto estrangeiros como nacionais, pois, sem sombra de dúvida, estes aludidos fatores (somados a outros tantos, é lógico) serão decisivos para a escolha da região, do país, em que os investimentos serão aplicados. Outrossim, para que uma lei venha a ter eficácia é preciso também que os Tribunais a apliquem, fazendo com que ela seja cumprida e observada.
Em casos de contrafação de marcas, de seu uso indevido e desautorizado, já é hora do Poder Judiciário brasileiro ser mais rigoroso (sem deixar de lado a justiça, a eqüidade e o bom senso) com aqueles que infrigem o direito à propriedade industrial, não sendo mais possível que se continue a dar guarita à pirataria e às falsificações, sob a égide de obsoletos e passados conceitos jurídicos, que não mais condizem com as hodiernas relações sociais existentes, com a dinamização e interação do mundo atual.
Note-se que, em 1995, a falsificação de produtos de marcas famosas registrou em 10 (dez) anos um crescimento absurdo e vergonhoso de 1.100 por cento. [2] Portanto, mister se fazia (e ainda se faz) que os magistrados, com a colaboração dos advogados e de doutrinadores, em casos de uso indevido de marca tenham uma visão mais moderna e adequada aos tempos hodiernos, ponderando sempre no caso concreto a atual facilidade de comunicação (informações de toda parte do mundo em tempo real), a rápida interação global entre diferentes povos (que dirá entre regionais e nacionais...), etc.; fatores estes que contribuíram, e contribuem, para a difusão de conhecimento e de notícias sobre as mais diferenciadas áreas.
Não é possível que não seja o infrator de um direito marcário obrigado a indenizar o titular deste, salvo observadas certas circunstâncias excepcionais que serão também aqui abordadas (levando-se em conta as peculiaridades e a extensão do Brasil), pela falta de provas que demonstrem e materializem o dano sofrido.
É sabido por aqueles que militam nesta área a extrema dificuldade da parte lesada em provar os resultados danosos do ato ilícito cometido em face de sua marca, vez que se trata esta, ou melhor, o registro, de um bem móvel imaterial; entretanto, não se deve admitir que tal fato sirva de "empecilho jurídico" para que o devido ressarcimento pelo ato ilícito – uso indevido e desautorizado da marca – seja determinado.
A evolução e o aperfeiçoamento dos conceitos e princípios que regem o tema proposto se dão em consonância com as novas tendências doutrinárias (algumas não tão novas como verificar-se-á neste trabalho) sobre o dano moral e o dano à imagem (para alguns sendo este um terceiro tipo de dano, para outros, simplesmente uma espécie do dano moral).
Outro motivo que ensejou a exposição deste tema é a escassa literatura existente sobre o assunto, que fica adstrita a raros artigos publicados em revistas especializadas. Tal assertiva pode ser constatada facilmente mediante uma rápida incursão aos livros tanto de Propriedade Industrial como de Responsabilidade Civil.
A primeira parte deste trabalho, da qual não é possível se afastar a fim de dar uma melhor compreensão futura sobre o tema ora proposto, se restringe aos conceitos básicos de dano, bem como de suas respectivas espécies: dano patrimonial (neste contido o dano emergente e o lucro cessante) e dano moral, já expostos sob à luz da legislação marcária vigente (Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996).
Após a exposição desta primeira parte, será realizada uma análise crítica e comparativa das decisões referentes a casos de uso indevido de marca, dos quais umas admitem a presunção de dano pelo simples uso desautorizado da marca, e outras a repudiam veementemente.
Ao final, serão apresentadas circunstâncias excepcionais em que a presunção de dano não deve ser realmente aplicada.
Em síntese, o fito do trabalho é perscrutar a temática proposta de acordo com a orientação jurisprudencial dos Tribunais ao longo dos anos (mesmo porque a matéria é praticamente inexistente em livros de doutrina), constatando a mudança de entendimento destes com relação à presunção de dano em casos de violação marcária.
2 - DANO
O dano é pressuposto indispensável à responsabilidade civil, quer seja em sede subjetiva, quer em sede objetiva [3]. Os demais pressupostos são a ação ou omissão (comportamento humano), a relação de causalidade e a culpa ou dolo do agente.
Somente em ocorrendo dano, há que se impor a alguém uma obrigação de indenizar, ainda que este alguém tenha praticado um comportamento ilícito; este é o entendimento majoritário, donde se conclui que não há responsabilidade sem prejuízo [4].
Assim, para que de plano se demonstre a relevância do dano, é preciso sempre se ter bem em conta que "pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano" [5].
Nesta linha de pensamento o Tribunal de Justiça de São Paulo, 1ª Câmara Cível, em julgamento de Apelação Cível, datado de 20/08/85 (RT 612/44), assim decidiu:
"Somente danos diretos e efetivos, por efeito imediato do ato culposo, encontram no Código Civil suporte de ressarcimento. Se dano não houver, falta matéria para a indenização. Incerto e eventual é o dano quando resultaria de hipotético agravamento da lesão."
Impende-se destacar porém, que este entendimento majoritário fora edificado tendo-se, apenas e tão-só, como objeto de observação o dano material (como se afere dos arts. 1059 e 1060 do CC).
Tanto os legisladores, como a maioria dos julgadores e doutrinadores pátrios somente previam e consideravam o dano (e o dever de indenizar) caso houvesse a comprovação do efetivo prejuízo, de ordem material, sofrido pela vítima, pois ainda não se cogitava do ressarcimento do dano moral (e quando se cogitava, erroneamente se fazia uma inapropriada e condicional correlação dos efeitos deste com o dano material), que possui natureza não-patrimonial.
Pode-se dizer, a partir da lição de Agustinho Alvim que "dano, em sentido amplo, vem a ser a lesão de qualquer bem jurídico, aí incluso o dano moral" [6].
Com o advento da Constituição de 1988 que expressamente em seu art. 5º, inciso X, estabeleceu serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação, o dano moral ganhou foros de constitucionalidade, dirimindo a polêmica sobre a sua existência. Logo após, também veio o dano moral expresso no art. 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor (CDC, Lei n.º 8.078/90), que prescreveu ter o consumidor [7] direito à "efetiva prevenção e reparação dos danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos" [8].
Outrossim, mister se faz destacar os dizeres do mestre Caio Mário sobre o disposto no art. 159 do Código Civil, ipsis litteris:
"A meu ver, a aceitação da doutrina que defende a indenização por dano moral repousa numa interpretação sistemática de nosso direito, abrangendo o próprio art. 159 do Código Civil que, ao aludir à ‘violação de um direito’, não está limitando a reparação ao caso de dano material apenas. Não importa que os redatores do Código não hajam assim pensado. A lei, uma vez elaborada, desprende-se da pessoa dos que a redigiram. A idéia de ‘interpretação histórica’ está cada dia menos autorizada. O que prevalece é o conteúdo social da lei, cuja hermenêutica acompanha a evolução da sociedade e de suas injunções (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 5.º)." [9]
Estes dispositivos legais, combinados com modernos entendimentos, vieram reforçar também a tese, hoje já consolidada, da cumulatividade das indenizações por danos morais e patrimoniais, inclusive, havendo Súmula do STJ sobre a questão. [10]
2.1 - O Dano sob à luz da Lei da Propriedade Industrial (LPI)
A princípio, é importante lembrar que o Código Civil expressamente prevê que só há o dever de indenizar se houver sido efetivado algum dano (arts. 1.059 e 1.060). No entanto, tal disposição não foi adotada pela LPI (Lei n.º 9.279/96) como se pode conferir pela leitura dos arts. 208, 209 e 210. Destes sim, afere-se que o simples uso da marca – que é o fato da violação – já gera o dever de indenizar (danum in re ipsa), este muito mais facilmente caracterizado e visualizado nos lucros cessantes (deixar de receber royalties pelo uso da marca, principalmente); contudo, com o advento dos novos conceitos sobre o dano moral, em se tratando de uma marca famosa ou de pessoas jurídicas concorrentes cujas circunstâncias fáticas admitam presumir o dano (diluição da marca, confusão no espírito do consumidor/cliente do verdadeiro titular da marca, da marca legítima, etc.), é aceitável, além de bastante prudente e razoável, a aplicação da teoria da presunção de dano.
A LPI por ser uma Lei Especial/Específica e não cogitar, em seus arts. 208, 209 e 210 pertinentes à indenização, da comprovação de danos efetivos, tampouco da pretensão do infrator em se locupletar ou não da marca violada, afasta a regra geral, contida na legislação comum, prescrita no Código Civil (arts. 1.059 e 1.060).
Nas decisões contrárias à presunção de dano (ou seja, em que a demonstração cabal do dano por parte do lesado é exigida), em quase todas há a palavra efetiva e/ou suas derivadas (efetivamente, efetivo, etc.) para caracterizar que o dano só é exigível se comprovado realmente. Tais decisões, que seguem como regra este entendimento sobre violação ao direito marcário, estão equivocadas, vez que fazem prevalecer o art. 1.060 do CC em vez de aplicar os artigos concernentes à Lei Específica – arts. 208, 209 e 210, da LPI – que não exigem a efetiva demonstração do dano, mesmo porque, caso assim o fizessem, estariam tornando praticamente inexeqüível estes artigos, principalmente o art. 210, que é o mais importante na questão de indenização, tendo em vista as peculiaridades, as características da marca como bem jurídico imaterial, intangível que é, sendo, portanto, extremamente difícil de se provar – "efetivamente" – sua lesão.
Aliás, caso fosse regra e constasse expressamente da LPI que o dever de indenizar, por uso indevido de marca, somente nasceria se comprovado algum dano efetivo, estaria a LPI, no tocante aos artigos concernentes à indenização, condenados a receber a adjetivação de "letra morta" (também sempre quando cogitados, seriam eles lembrados como "a parte da lei que ‘não pegou’").
Faz-se necessário também destacar que, por simples e apropriada interpretação teleológica da LPI, oriunda da própria natureza do registro marcário como bem jurídico e de sua função e exploração, não se faz exigível a comprovação do dano efetivo para gerar o dever de indenizar, o que seria um absurdo.
Por outro motivo não foi que a egrégia 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em brilhante e elucidador acórdão referente à Apelação Cível n.º 2414/99 (julgada em 24 de março de 1999, tendo como relator o Des. Jorge Luiz Habib), assim decidiu:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. CONTRAFAÇÃO.
(... )
A simples comercialização de produtos contrafeitos caracteriza, obriga à indenização da parte lesada, em danos materiais e imateriais, nestes compreendidos o da imagem, independe da prova de culpa do contrafator, sendo certo afirmar, que a existência do prejuízo causado pelo contrafator de marca notoriamente conhecida é presumida.
(... )
Também não tem razão a ré apelante no que tange a alegação de que inexiste dano, por não estar comprovado o prejuízo, posto que tal condenação está amparada em legislação especial, qual seja a Lei 9.279 de 14 de maio de 1996, que em seu artigo 210 que dispõe acerca dos critérios de composição dos danos relativos aos lucros cessantes no caso de violação de marcas, conforme a transcrição abaixo:
‘Artigo 210. (...)
Frise-se que, não há como se admitir, via de regra, que a prática da contrafação não gere danos de toda ordem ao titular da marca violada." (grifos nossos)
Sem embargo das ponderações, até aqui, explicitadas sobre a vigente LPI, há bastante anos, décadas atrás já explanava, com respeito à indenização, o emérito doutrinador João da Gama Cerqueira, um dos maiores mestres do Direito da Propriedade Industrial, mesmo sob à luz do Código Civil:
"A simples violação do direito obriga à satisfação do dano, na forma do art. 159 do CC, não sendo, pois, necessário, a nosso ver, que o autor faça a prova dos prejuízos no curso da ação. Verificada a infração, a ação deve ser julgada procedente, condenando-se o réu a indenizar os danos emergentes e os lucros cessantes (CC, art. 1.059), que se apurarem na execução.
E não havendo elementos que bastem para se fixar o ‘quantum’ dos prejuízos sofridos, a indenização deverá ser fixada por meio de arbitramento, de acordo com o art. 1.553 do CC." [11]
No que tange ao dano moral, lato sensu, será verificado, nos próximos tópicos (2.3.1, 2.3.2 e capítulo 3), como as novas concepções e teorias sobre este influenciaram e fortaleceram bastante a presunção de dano no direito marcário, pois, tanto neste (aqui incluso tanto o dano material como o imaterial) como naquele faz-se presente a presunção de dano diante das reconhecidas dificuldades em se provar concretamente a sua ocorrência.
Sublinhe-se que para o Professor Sérgio Cavalieri Filho, o art. 159 do Código Civil ampara a reparação do dano moral, pois ao cogitar do dano como elemento da responsabilidade civil, não faz qualquer distinção sobre a espécie do dano causado; estendendo, assim, a tutela legal da expressão violar direito aos bens personalíssimos, como a honra, a imagem, o bom nome. [12]
Destarte, seja sob à égide do Código Civil, seja pela atual Lei da Propriedade Industrial (que é a Lei Especial aplicável), ambas combinadas com a Constituição Federal, conclui-se que a regra tem de ser a teoria da presunção de dano fulcrada no simples uso indevido e desautorizado da marca.
2.2 -Dano Patrimonial
O dano patrimonial (ou dano material) é aquele que "atinge os bens integrantes do patrimônio da vítima, entendendo-se como tal o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis em dinheiro" [13]. É subdividido em: dano emergente e lucro cessante; espécies estas que serão comentadas a seguir.
Em virtude do advento de novos conceitos e estudos sobre o dano moral, e conseqüentemente sobre o próprio dano, deve-se atentar que "tanto é possível ocorrer dano patrimonial em conseqüência de lesão a um bem não patrimonial como dano moral em resultado de ofensa a bem material" [14].
No direito marcário, podemos verificar claramente, por exemplo, um dano imaterial que acarrete um dano material, se imaginarmos a seguinte situação hipotética: o titular de uma marca, após alguns meses de negociações, está prestes a firmar um contrato de licença de sua marca com uma outra pessoa jurídica, que estaria disposta a pagar uma razoável quantia a título de royalties; entretanto, esta potencial licenciada verifica que há vários produtos contrafeitos postos no mercado com a respectiva marca, decidindo, por conseguinte, não mais efetuar o contrato de licença com o titular desta marca. É evidente que o responsável, ou responsáveis, pela violação cometida abalaram a reputação e o bom conceito tanto da titular da marca, como da própria marca (diluindo o prestígio e o valor desta), frustando seus negócios que proporcionariam uma boa remuneração. É inconteste que deve ser o titular da marca violada ressarcido por danos imateriais e materiais sofridos.
Tal fato caracteriza o chamado dano patrimonial indireto, haja vista que em situações como esta além de se concretizar a perda de receitas pelo titular da marca, caso este venha exercer o seu direito negativo contra o infrator, ainda suportará gastos vultosos para movimentar todo o aparato judicial (taxas, custas, honorários de advogados, peritos...), além dos investimentos que terão de ser despendidos para fortalecer a marca no mercado novamente (propagandas, esclarecimentos...).
Aproveitando o exemplo acima exposto, verifica-se, no âmbito marcário, o dano patrimonial é o oriundo do uso indevido e desautorizado da marca, seja pela reprodução ou imitação desta, que pode ensejar tanto a diminuição das vendas do titular da marca, como o desvio de clientela, deixando ainda a mesma de perceber os devidos royalties, que se faziam pertinentes e legais, pelo licenciamento de sua marca.
2.2.1 -Dano Emergente
O dano emergente (ou positivo) é aquele que de forma imediata, em razão do ato ilícito, atinge o patrimônio presente da vítima. É tudo que foi perdido.
A Lei da Propriedade Industrial (LPI) não traz norma expressa atinente ao dano emergente, talvez por ter o legislador optado em dar mais ênfase ao lucro cessante, que em âmbito marcário é mais fácil de se verificar que o dano emergente (o que diverge dos casos comuns). Esta assertiva decorre de simples leitura dos artigos 208, 209 e 210, e seus incisos, da citada Lei, em que se constata a não previsão, tampouco exigência, de dano emergente.
Inclusive, aproveitando o ensejo, não é compreensível como pôde o legislador simplesmente repetir a norma do art. 208 no inciso I do art. 210, pois é óbvio que o "benefício" constante do art. 208, em razão da locução verbal "teria auferido" expressa nesta norma
"Art. 208. A indenização será determinada pelos benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido." (grifos nossos)
diz respeito também aos lucros cessantes mencionados no inciso I do art. 210; se não vejamos:
"Art. 210. Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais favorável ao prejudicado, dentre os seguintes:
I. os benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido; ou" (grifos nossos).
Diante do constatado, percebe-se que o art. 208 é perfeitamente inútil e descartável em virtude do prescrito no art. 210, inciso I, da LPI.
Apesar de não constar textualmente da LPI, o dano emergente sofrido pelo titular da marca é caracterizado sobretudo pelo dano à imagem da marca (do qual exsurgirá um dano patrimonial indireto), sendo este, atualmente, inclusive, um dos maiores danos que pode vir a sofrer uma marca, já que é indiscutível a vital "importância das marcas como elemento maior de competitividade econômica" (15) (pelo valor monetário e comercial destas para o negócio), visto que "as empresas de sucesso, antes de vender produtos, vendem marcas" (16).
Com respeito ao aludido dano à imagem, melhor tratar-se-á no item 2.3.2 do presente trabalho.
2.2.2 -Lucro Cessante
O lucro cessante caracteriza-se pelos reflexos futuros que sobrevirão por causa do ato ilícito cometido; consiste na elisão de uma expectativa em lucrar, na diminuição potencial do patrimônio da vítima.
No caso de violação ao direito marcário, a caracterização e fixação deste dano é de mais fácil constatação do que a do dano emergente, ainda mais quando vem crescendo o entendimento de que, a priori, basta a prova do simples uso indevido e desautorizado da marca pelo infrator, para que surja o dever de indenizar, fundamentado nos lucros cessantes.
Em sendo conferido ao titular da marca a exclusividade do uso da mesma (art. 129, da LPI) em todo território nacional, entende-se que a regra (excetuando-se alguns casos em que determinadas circunstâncias estejam presentes; v. item 2) é: provado o simples uso indevido e desautorizado da marca, obrigado estará o infrator a indenizar o titular da marca.
Esta obrigação de indenizar deverá ser sempre, ao menos, lastreada nos lucros cessantes (para que justiça seja feita ao detentor do registro), seja por aquilo que teria a sociedade proprietária da marca auferido caso o ilícito não se desse (inciso I, art. 210, LPI), seja pelos lucros auferidos pelo infrator do direito marcário (inciso II, art. 210, LPI), ou pelos royalties que teria pago o infrator ao titular da marca pela concessão de uma licença de uso da mesma (inciso III, art. 210, LPI).
Note-se que se fez menção à "sociedade proprietária da marca"; para fins didáticos e exemplificativos, será considerado no decorrer deste trabalho que o titular de marca é uma pessoa jurídica que a utiliza como elemento de identificação de sua sociedade, mesmo porque a maioria dos proprietários de marca são pessoas jurídicas de direito privado.
A seguir, serão destacados 4 (quatro) casos que demonstram muito bem a efetiva aplicação deste artigo 210 da LPI. Frise-se que os casos expostos nos itens "a.1" e "b.1" foram julgados sob a égide do revogado Código da Propriedade Industrial (lei n.º 5.772, de 21/12/71).
a). De acordo com o prescrito no inciso III, do art. 210, da LPI:
a.1).Caso "MARTA ROCHA", ex-miss Brasil, que teve sua marca, de mesmo nome para assinalar roupas, reproduzida sem autorização, em que o Juízo da 14ª Vara Cível da Comarca da Capital do RJ, em 28/02/1991, em razão do ilícito cometido, proferiu a brilhante sentença (que em grau de recurso foi mantida; Apelação Cível n.º 4.063/91, julgada em 28/04/92, Relator Des. Humberto de Mendonça Manes, 5ª Câmara Cível do TJRJ):
"Ora, assim, se a expressão "MARTA ROCHA" possui um significado público intimamente ligado à A., denotando bom gosto e beleza e a R., ao aceitar que a sua estilista e sócia denominada MARTA MORAES DA ROCHA abreviasse o neu (sic) nome para MARTA ROCHA, e mais, antecedendo-o da expressão inglesa "by", para aduzi-lo a sua marca TOOLEY, certamente não só reconhece a força de venda da expressão "MARTA ROCHA", como sabedora do nome correto da sua sócia (MARTA MORAES DA ROCHA) ao tê-lo assim aceito (MARTA ROCHA) assumiu os riscos do seu ato ilícito. A expressão "MARTA ROCHA" é por demais conhecida para facilitar excusas (sic) a, pelo menos, não realização de uma pesquisa junto à repartição própria para evitar dissabores.
Resta, por fim, estipular o valor da indenização cabível à espécie, e optamos na direção da prática comercial; acolhida jurisprudencialmente, fixando a indenização através de um royalty incidente sobre o faturamento da R. desde o momento em que indevidamente passou a usar ilicitamente a expressão "MARTA ROCHA", até o momento em que se absteve de usá-lo. Royalty este que fixamos em 10%, e apurado em execução." (grifos nossos)
a.2).Caso "SABÃO DA COSTA", RESP n.º 101.059 – RJ (96.0044000-0), D.J. de 07/04/97, Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma do STJ):
"EMENTA: - MARCA. DANO. PROVA.
I – Reconhecido o fato de que a ré industrializava e comercializava o produto ‘Sabão da Costa’, marca registrada da autora, que também fabricava e vendia o mesmo produto, deve-se admitir conseqüentemente a existência de dano, pois a concorrência desleal significou uma diminuição do mercado.
II – Restabelecimento da sentença, na parte em que deferiu a indenização de 5 % sobre o valor de venda do produto, nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação, ficando relegada para a liquidação a simples apuração desse valor.
III – Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha." (grifos nossos)
b). De acordo com o prescrito no inciso II, do art. 210, da LPI:
Será dado relevo a dois casos em que decidiram os juízes a quo determinar e fixar a indenização com base nos lucros auferidos pela pessoa jurídica infratora, estipulando por arbitramento um percentual sobre o lucro; havendo entre esses casos a seguinte peculiaridade: no primeiro caso exposto, não foi feita nenhuma perícia contábil no processo de cognição, enquanto que no segundo, se realizou a perícia nos livros da infratora, que veio servir de parâmetro ao juiz, que assim pôde proferir sentença líquida. São eles:
b.1). Caso "LAND ROVER", Apelação Cível n.º 1.151/92, julgada em 26/05/92, Relator Juiz Subs. Des. Marcus Faver, 4ª Câmara Cível do TJRJ, autos oriundos da 6ª Vara Cível da comarca da Capital:
"EMENTA: Nome Comercial. Sociedade brasileira de responsabilidade limitada que usa em sua denominação a expressão "Land Rover". Impossibilidade. Empresa estrangeira que detém os registros das marcas "Land Rover", "Rover" e "Range Rover". A liberdade na escolha da denominação social pela sociedade nacional está limitada pelos registros das marcas no I.N.P.I., que asseguram o uso exclusivo a seu titular. Convenção da União de Paris e Código de Propriedade Industrial. Choque entre tratado internacional e lei brasileira posterior. O Poder Judiciário não pode negar aplicação à lei nacional. O direito ao uso exclusivo da marca, no Brasil, decorre do seu registro e não da sua notoriedade. Garantia da exclusividade de uso sobre as marcas registradas. Inteligência do art. 59 da Lei nº 5.772/71. Indenização. Sentença que arbitra o percentual do possível lucro sem base fática. Provimento parcial do recurso.
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(...) as autoras comprovaram que são titulares das marcas "Land Rover", "Rover" e "Range Rover" e sobre elas têm o direito de uso exclusivo, (...)
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Finalmente, no tocante à parte indenizatória, a sentença apelada excedeu ao estabelecer, por livre arbitramento, um percentual de lucro de 30 % sobre os veículos vendidos, quando tal índice não foi solicitado pelas autoras, nem consta de qualquer dado fático.
Assim, reforma-se, em tal parte, o julgado, para detrminar-se (sic) que seja apurado em liquidação o valor percentual indenizatório, limitado a 30 %, eis que, não houve recurso da parte vencedora em tal ponto.
No mais, ainda que por fundamentos diversos, mantem-se a douta sentença apelada." (grifos nossos)
b.2).Caso "DERMYCOSE", este julgado já sob a égide da atual lei marcária, sentença proferida pelo Juízo da 8ª Vara Cível do Foro Regional de Santana da Comarca da Capital – SP, processo n.º 2.432/96, proferida em 21/12/99:
"Na fixação das perdas e danos tem-se como elemento básico o montante das vendas do produto ‘Dermicose’, realizadas indevidamente pela ré.
E esse fato a perícia, com base nas notas fiscais, apurou de forma correta, não dando azo a qualquer crítica.
O expert verificou as notas fiscais de venda no período de 1992 a 1997 (fs. 184), identificando a primeira venda como aquela ocorrida em fevereiro de 1992 (fls. 185).
Nesse período, apurou o vistor que o volume de vendas do produto ‘Dermicose’ representou 26,67 % do faturamento da ré, num total atualizado de R$ 371.158,86 (fls. 376), resultado alcançado com ‘a aplicação do percentual apurado acima sobre o total de notas fiscais de vendas que deveriam ter sido fornecidas à perícia’ (fs. 190).
Sobre esse valor aplicou o vistor o percentual de 30 % para o cálculo da verba indenizatória pleiteada.
E esse critério é justo e razoável não podendo a ré voltar-se contra ele, até porque, sob alegação de extravio, deixou de representar ao perito 8.363 notas fiscais, por isso que sucumbe à sua própria desorganização.
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De outro lado, o percentual de 30 %, como lucro obtido pela ré, sobre o total das vendas do produto ‘Dermicose’, pode ser mantido, porquanto nos outros 70 % já foram descontados os custos e despesas de produção (fs. 292), certo que a ré não demonstrou que este percentual (o de custos e despesas) lhe fosse desfavorável.
Desse modo, fixar-se a indenização pleiteada no percentual de 30 % sobre o montante que faturou a ré com a venda do produto ‘Dermicose’ é razoável 3, como também a adoção dos indíces da Tabela Prática do Tribunal de Justiça para atualização dos valores por ela obtidos com a comercialização do produto.
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Ante o exposto, julgo procedente o pedido para condenar a ré a se abster do uso da expressão idêntica ou semelhante a ‘Dermycose’, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (hum mil reais), bem como a indenizar a autora no montante de R$ 111.347,65 (cento e onze mil, trezentos e quarenta e sete reais e sessenta e cinco centavos), atualizado a partir de 30 de setembro de 1998 (fs. 376). A ré pagará as custas do processo e honorários advocatícios que vão fixados em 15 % do valor da condenação, reembolsando a autora das despesas que teve que suportar com a perícia." (grifos nossos)
Neste caso "Dermycose", verifica-se como a perícia contábil se faz importante no processo de conhecimento em casos de violação marcária, pois serve de subsídio ao livre arbítrio do juiz, que atuando de acordo com a moderna doutrina processualista (que visa à efetividade do processo e ao adequado acesso à justiça), observado o princípio da economia processual, desde logo fixa o valor líquido e certo da indenização, o que dispensa uma posterior, e também morosa ação de liqüidação para se chegar ao quantum indenizatório.
É importante ressaltar que para a fixação desses percentuais arbitrados sobre o faturamento do infrator, deve o juiz levar em conta sempre os encargos decorrentes dos insumos (mão-de-obra, matéria-prima, etc.), os custos e despesas, aliados a uma possível divulgação publicitária, observando-se, desta forma, o princípio da eqüidade e da vedação ao enriquecimento ilícito. Observe-se que isto é com relação ao dano patrimonial.
Por fim, sublinhe-se que no tocante ao lucro cessante, deve prevalecer o entendimento de que para se computar este dano, a mera possibilidade não é o bastante, entretanto não se exige também que haja certeza absoluta [17]; assim, fazendo a devida analogia, e levando este entendimento para o campo do direito marcário, conclui-se que ele é extremamente pertinente aos casos de violação de marcas.
2.3 -Dano Moral
De forma simples e didática, o dano moral costuma a ser identificado como os danos causados por lesão aos direitos da personalidade (direitos à honra, à imagem, ao nome, à integridade física, à privacidade...). Porém, as lesões a estes direitos não delimitam as demais possibilidades de reparação do dano moral, já que "nem sempre o dano moral decorre de violação aos chamados direitos da personalidade, como expressão dos atributos essenciais da própria pessoa tutelados pela ordem jurídica" (18).
Digna de destaque é a observação feita por Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho de que "não é a natureza do interesse juridicamente tutelado que caracteriza o dano moral como tal, e sim o efeito da lesão na pessoa do ofendido, vítima" [19].
Esclarecedor e didático foi o acórdão da 1ª Câmara Cível do TJRJ (em sede de Apelação Cível, Rel. Des. Adriano Marrey, julgada em 19.11.91), citando o pensamento de eméritos doutrinadores sobre o conceito de dano moral:
"Dano moral. Lição de Aguiar Dias: o dano moral é o efeito não patrimonial da lesão de direito e não a própria lesão abstratamente considerada. Lição de Savatier: dano moral é todo sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária. Lição de Pontes de Miranda: nos danos morais a esfera ética da pessoa é que é ofendida: o dano não patrimonial é o que, só atingindo o devedor como ser humano, não lhe atinge o patrimônio" (grifos nossos)
Todavia, sem embargo dos relevantes conceitos existentes sobre dano moral, considera-se a definição de Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho a mais técnica e condizente com os tempos hodiernos. Para o autor dano moral conceitua-se como o "efeito moral da lesão a interesse juridicamente protegido" [20].
Este esclarecimento se faz necessário, uma vez que nos casos de violação de marcas, quase sempre (para não se dizer sempre) junto com o dano moral erigirá um dano patrimonial indireto.
Entretanto, a ressarcibilidade ao dano moral não se trata de pretium doloris, mas de simples compensação, ainda que pequena [21], pelo mau-estar, desconforto causado pelo ato ilícito, ou seja, não tende à restitutio in integrum do dano causado, possui uma função satisfatória. [22] Desta forma, não é de boa técnica vincular o dano moral aos prejuízos materiais sofridos.
Como curiosidade e informação, a Associação Brasileira da Propriedade Industrial (ABPI) por seu Conselho Diretor aprovou, em 27 de janeiro de 2000 [23], uma Resolução dispondo sobre as infrações aos direitos da Propriedade Intelectual (que será transformada em um projeto de lei a ser enviado ao Congresso [24]), em que consta de seu item 3.3 o seguinte texto:
"3.3 – O dano moral resulta da própria violação ao direito, devendo ser indenizado sem qualquer necessidade de prova de prejuízo material."
2.3.1 -Dano Moral e as Pessoas Jurídicas
Este tópico torna-se extremamente relevante para o estudo em tela, quando se tem em conta que a maioria dos titulares de marcas são pessoas jurídicas (mormente, de direito privado), fato este comprovado facilmente se feita uma pesquisa junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Há algumas décadas atrás não se admitia, em hipótese alguma, que uma pessoa jurídica pudesse ter direito à reparação por danos morais, vez que, à época, estes diziam respeitos apenas aos "danos da alma" (concernentes à dor pura e simplesmente), advindos da capacidade afetiva e sensitiva do ser humano.
Outrossim, este entendimento ainda vem sendo externado em algumas decisões, mesmo após o advento da CF/88, como nestas duas:
a). Acórdão do 4º Gr. Cs., TJRJ, em sede de Embargos Infringentes, julgado em 27/04/94, Relator Des. Miguel Pachá (in "RT", vol. 716/258):
"A pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo de dano moral. O elemento característico do dano moral é a dor em sentido mais amplo, abrangendo todos os sofrimentos físicos ou morais, só possível de ser verificada nas pessoas físicas. O ataque injusto ao conceito da pessoa jurídica só é de ser reparado na medida em que ocasiona prejuízo de ordem patrimonial"
b). Acórdão do 1º TACSP, 10ª C., em sede de Apelação Cível, julgado em 02/04/96, Relator Des. Edgard Jorge Lauand (in "RT", vol. 731/286):
"Para que a pessoa jurídica faça jus a indenização por dano material ou dano moral, pelo protesto indevido de título de crédito, necessária se torna a demonstração do efetivo prejuízo econômico sofrido"
Aqueles que defendem esta corrente entendem que, em se tratando de pessoa jurídica, dificilmente encontrar-se-á lesão moral que não acarrete prejuízo material/econômico, por isso, equivocadamente a vinculam a existência ou não de prejuízos materiais – entendimento antigo.
Hodiernamente, contudo, a jurisprudência já vem se consolidando no sentido de ser cabível a indenização por danos morais à pessoa jurídica, independente de acarretar danos patrimoniais indiretos ou não. O egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no julgamento, datado de 08/11/94, de Apelação Cível, tendo sido Relator o Des. Sérgio Cavalieri Filho (este um dos que, com clareza e didática, abordam o tema [25]), assim decidiu (in "RT", vol. 725/336):
"A pessoa jurídica, embora não seja titular de honra subjetiva que se caracteriza pela dignidade, decoro e auto-estima, exclusiva do ser humano, é detentora de honra objetiva, fazendo jus à indenização por dano moral sempre que o seu bom nome, reputação ou imagem forem atingidos no meio comercial por algum ato ilícito. Ademais, após a CF/88, a noção do dano moral não mais se restringe ao pretium doloris, abrangendo também qualquer ataque ao nome ou imagem da pessoa, física ou jurídica, com vistas a resguardar a sua credibilidade e respeitabilidade"
Quanto ao crescimento desta corrente, admitindo a indenização por danos morais às pessoas jurídicas, importante se faz destacar o verdadeiro leading case do STJ, consubstanciado no brilhante voto vencedor do Min. Ruy Rosado de Aguiar (STJ, 4ª Turma, RESP n.º 60.033-2, in "RT", vol. 727/126):
"Quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, auto-estima, etc., causadores de dor, humilhação, vexame; a honra objetiva, externa ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa. Por isso se diz ser a injúria um ataque à honra subjetiva, à dignidade da pessoa, enquanto a difamação é ofensa à reputação que o ofendido goza no âmbito social onde vive. A pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à própria injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atos que afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua.
Esta ofensa pode ter seu efeito limitado à diminuição do conceito público de que goza no seio da comunidade, sem repercussão direta e imediata sobre o seu patrimônio. Assim, embora a lição contrária de inúmeros doutores (Horacio Roitman e Ramon Daniel Pizarro, El Daño Moral y La Persona Juridica, RDPC, p. 215) trata-se de verdadeiro dano extrapatrimonial, que existe e pode ser mensurado através de arbitramento. É certo, que, além disso, o dano à reputação da pessoa jurídica pode causar-lhe dano patrimonial, através do abalo de crédito, perda efetiva de chances de negócios e de celebração de contratos, diminuição de clientela, etc., donde concluo que as duas espécies de danos podem ser cumulativas, não excludentes"
O fortalecimento desta teoria é confirmado pela Súmula n.º 227 do STJ, que prescreve: "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral".
Por isso, deve-se sempre analisar, não a natureza do bem jurídico atingido, mas sim os efeitos decorrentes da lesão sofrida.
Ora, como não é possível à pessoa jurídica sentir a "dor da alma", derivada da lesão de direito, seja este referente a bens jurídicos patrimoniais ou extrapatrimoniais, é conseqüência lógica que os danos sofridos pela pessoa jurídica serão sempre patrimoniais (como, por exemplo, a perda da clientela e a redução de lucros), uma vez que a dor pura e simples jamais será possível à pessoa jurídica sofrer.
Na área do Direito da Propriedade Industrial, já se abordou o tema concretamente, conforme o excerto abaixo destacado, referente à Apelação Cível n.º 263.084-1 (In "JTJ", vol. 191/172), 2ª Câmara Cível do TJSP (votação unânime), Rel. Des. J. Roberto Bedran, julgada em 17/09/1996, in verbis:
"Afinal, o nome comercial, na sua dúplice função subjetiva e objetiva, projetando a própria identidade da empresa, influencia sobremaneira no público consumidor em geral, na medida em que a torna imediatamente conhecida, bem assim aos seus produtos e serviços, ‘firmando a reputação, o crédito, o conceito e a fama da empresa, impondo à confiança e à preferência do consumidor os produtos que vende ou fabrica... O que a lei visa a proteger, portanto, através da proteção do nome comercial, é a própria atividade da empresa, considerada como o complexo de meios idôneos, materiais e imateriais, pelos quais o comerciante explora determinada espécie de comércio. Entre esses meios imateriais compreende-se o elemento MORAL, a que no início nos referimos, isto é, o crédito, a reputação, a preferência e o favor público, o renome do estabelecimento e a notoriedade dos produtos... Esse complexo de elementos que formam a reputação do comerciante, do estabelecimento e dos produtos, assegurando a probabilidade de se conservar a clientela habitual e de atrair novos compradores, é obra do tempo, do esforço diligente do comerciante, da honestidade de seus métodos de comércio, da qualidade e seleção de seus produtos, e, também, do favor público, constituindo, no dizer de CARVALHO DE MENDONÇA, o índice da prospreridade e da potência do estabelecimento comercial’ (JOÃO DA GAMA CERQUEIRA, ‘Tratado da Propriedade Industrial", vol. 2/1. 162-1. 163, n. 780, Editora Revista dos Tribunais, 2ª ed.).
(...)
Tem procedência, também, o pedido de indenização por perdas e danos, que resultam inegavelmente do simples EMPREGO INDEVIDO E DESAUTORIZADO do nome comercial e DA MARCA, a caracterizar usurpação parcial, suscetível de gerar confusão no público em geral. Para tanto, não seria mister apurar-se, concretamente, se a autora deixou de lucrar com tal expediente, e nem, tampouco, se a ré experimentou vantagens. O DANO, com a prática ilícita, até mesmo de natureza imaterial, pela afetação do elemento MORAL da empresa titular, está in re ipsa, lesando forçosamente o seu patrimônio, no mínimo, como alegado no libelo, pela falta de retribuição desse uso, a exemplo do que se passaria num contrato de licenciamento, possibilitando ao infrator um locupletamento indevido e injusto." (grifos nossos; ver, também, Ap. n.º 121.908-1, julgada em 26/04/90, 5ª C. TJSP, Rel. Des. Márcio Bonilha, in "JTJ", vol. 129/225)
Conclui-se, então, do citado texto que, inexoravelmente, o uso indevido de marca pode vir a gerar um dano moral ao seu titular, vez que a marca serve para identificar também o fabricante do produto, o prestador do serviço, bem como, conseqüentemente, a qualidade dos produtos, dos serviços, o bom atendimento, o bom nome, a fama..., e, é evidente, que aquele que infringir o direito ao uso exclusivo do titular da marca, servindo-se desta sem a devida autorização do titular, a este estará gerando um dano moral, pelas previsíveis e presumíveis consequências que se admite advir deste ato ilícito (ver Capítulo 3 infra).
2.3.2 -Dano à Imagem
Há quem defenda o surgimento de um terceiro tipo de dano, que assim como o dano moral também teria o caráter extrapatrimonial, este dano seria o chamado dano à imagem, fundamentado no inciso V, art. 5º, da CF. Em rápida manifestação sobre o tema, o Professor Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho expressou sua discordância sobre a tese suscitada, por considerar que a imagem apresenta natureza de um direito subjetivo da personalidade, é um valor já protegido pelo dano moral em nossa CF (assim como a vida, a integridade física, a liberdade, etc.). [26]
Contudo, considerando-se que à luz da tese da identidade a imagem pessoal se constitui em um bem tutelado na ordem do direito, enquanto fator de identificação individual; havendo, por conseguinte, lesão do direito à imagem quando houver usurpação, contrafação, adulteração, etc., da identidade da pessoa [27], e que uma das finalidades da marca é "identificar produtos ou serviços fabricados ou comercializados por uma empresa ou pessoa física de direito privado (marca de produto ou serviço)" [28], conseqüentemente, identificando o titular da marca, daí se pode concluir que o seu uso indevido e desautorizado, caracterizando uma contrafação, uma usurpação, gera, estando presente certas circunstâncias (cf. capítulo 4), um dano à imagem do titular da marca violada, que constitui o dano moral sofrido, haja vista ser o dano à imagem uma das espécies de dano moral.
Note-se que, implicitamente, já tratou do tema a 5ª Câmara Cível do TJSP, na Apelação Cível n.º 121.908-1 (In "JTJ", vol. 129/225), julgada em 26/04/1990, em caso de conflitos de nomes empresariais, o que permite fazer uma analogia a casos de uso indevido de marcas, in verbis:
"É que, nesse quadro, a possibilidade de confusão, no mundo mercantil, é indisfarçável, com os reflexos danosos que é fácil entrever, legitimando a tutela pretendida na inicial, certo que, por se tratar de empresas que exercem atividades afins, é inquestionável que o público e a clientela são levados a engano, dúvida e confusão, o que deve ser a todo custo evitado.
(...)
A formação da clientela, a fama da empresa e a qualidade de seus produtos, como resultado de longa atividade mercantil, são fatores reveladores do ‘indíce da prosperidade e da potência do estabelecimento comercial’, na expressão de CARVALHO DE MENDONÇA, motivo pelo qual deve ser PRESERVADA A IMAGEM de cada companhia, no mundo dos negócios, respeitando a reputação, a preferência, o renome do estabelecimento, que constituem o elemento moral, no qual se inclui o complexo dos meios materiais e imateriais, na exploração do comércio.
A garantia de defesa do nome comercial é assegurada por norma constitucional, que correspondia ao artigo 153, § 24, da Constituição da República anterior, e que, na atualidade, é prevista no artigo 5º, inciso XXIX, da Constituição da República, embora com outra redação, que alude à proteção legal aos ‘nomes de empresas’." (grifos nossos)
No Rio de Janeiro, duas decisões parecem começar a construir o caminho neste sentido, visto que nelas foi reconhecido o prejuízo causado à imagem da famosa marca "REEBOK", diante de uma contrafação. São elas:
a). Sentença proferida nos processos n.ºs 98.001.017815-5 e 98.001005896-4, pelo Juízo da 24ª Vara Cível da Comarca da Capital do Rio de Janeiro (D.O., 16/10/98; que foi mantida, por unanimidade, pela 18ª Câmara Cível do TJRJ):
"Quanto ao pedido em razão do dano moral, o mesmo merece acolhida, eis que o bom nome e a qualidade que sempre forma marcas registradas dos tênis Reebok sofreram grande desgaste, causando-lhes danos à imagem, uma vez que os consumidores que porventura se enganassem certamente passariam a acreditar na baixa qualidade dos calçados de propriedade da primeira Autora, levando a um descrédito em relação ao produto, pouco importando se a empresa vendedora, no caso, a Suplicada, possui uma cadeia de lojas de grande ou pequeno porte, sendo o dano inafastável. Além do mais, a demandada possui mais de dez lojas espalhadas pela cidade, sendo certo que o prejuízo causado às Suplicantes, não pode ser configurado como de pequeno porte, até porque as obrigou a intentarem as presentes ações a fim de evitar que outras lojas adotassem o mesmo procedimento danoso, que imensos prejuízos traz à indústria especializada.
(...)
Assim, presentes o dano moral, conforme largamente esclarecido, consubstanciado no dano à imagem do produto objeto de contrafação, além do dano material, consubstanciado no lucro cessante, a ser apurado nos termos do art. 210 da Lei nº 9.279/96, e no dano emergente, consubstanciado no que as Autoras deixaram de ganhar com a venda e comercialização dos produtos REEBOK, bem como pela desvalorização da aludida marca." (grifos nossos)
b). Sentença proferida no processo n.º 98.001052479-3, pelo Juízo da 26ª Vara Cível da Comarca da Capital do Rio de Janeiro (D.O., 15/01/99):
"(...) quanto ao dano moral, este caracterizou-se pela depreciação, aos olhos dos consumidores, do nome e da qualidade dos produtos Reebok. Para aferição do valor indenizatório, a título de dano moral, deve ser considerado o alcance do dano causado ao patrimônio moral das autoras, entende este Juízo que é justa a fixação do valor indenizatório na ordem de 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos para cada uma das autoras".
Nestas decisões, percebe-se a estreitíssima ligação entre o dano moral e à imagem, deixando transparecer ser o segundo uma espécie do primeiro, coadunando com o entendimento do Professor Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho.
Esta relação se deve ao fato de ser o dano à imagem uma violação a um direito de personalidade, que atinge um bem imaterial, sendo, por isso mesmo, uma lesão de natureza não pecuniária.
O acima transcrito encontra supedâneo também nos dizeres do Professor Alexandre Ferreira de Assumpção Alves, in verbis:
"O dano moral está ligado diretamente aos direitos da personalidade, uma vez que ambos estão ligados a valores superiores da pessoa." [29]
Segundo ainda o citado Professor,
"O dano à imagem está ligado ao dano moral. Qualquer publicação ou palavra atentória à imagem tem como repercussão imediata a produção do dano moral, que pode até não desequilibrar o patrimônio do lesado, não obstante incida sobre a sua reputação." [30] (grifos nossos)
Dentre os atos que atentam contra a imagem de uma pessoa jurídica, pode-se, então, acrescentar o uso indevido e desautorizado de sua marca registrada; constituindo-se o ressarcimento pelo dano causado, uma forma de tutelar os direitos da personalidade da pessoa jurídica. [31]
Retornando à análise dos dois casos citados, se pôde ainda comprovar, pelas decisões exaradas, a forte e inafastável correlação entre o dano moral e o direito à imagem da pessoa jurídica, exteriorizado pela sua marca e pelos seus produtos, acarretando também uma conseqüente lesão patrimonial.
Por fim, também é importante destacar que estas decisões estão condizentes com os novos preceitos do direito processual e marcário, pois desde já estabeleceram o quantum indenizatório, pois com respeito ao dano moral deve já o juiz da ação cognitiva, baseado em seu prudente arbítrio (vez que no Brasil o arbitramento da indenização do dano moral ficou entregue ao prudente arbítrio do juiz [32]), estipular o valor da indenização referente ao dano moral, adotando, por conseguinte, a técnica do quantum fixo [33]. Já o quantum referente ao dano material, este normalmente é apurado em execução.