RESUMO
O objetivo da pesquisa em epígrafe foi comparar a mortalidade feminina por homicídio e/ou agressão antes e depois da implantação da Lei n. 11.340/06 na comarca de Rio Branco, no Estado do Acre. Para alcançar o referido objetivo foi realizado um estudo descritivo e retrospectivo, de caráter quantitativo, com mulheres residentes em Rio Branco, vítimas de homicídio e/ou agressão registradas no Sistema de Informação de Mortalidade, no período compreendido entre 2002 a 2011. A incidência de óbitos de mulheres na comarca de Rio Branco, vítimas de homicídio e/ou agressão no período de 2002 a 2011, apresentou uma sequência de resultados inicialmente decrescentes. Após a implantação da Lei n. 11.340/06 houve um aumento de homicídios, seguido de um período estabilização. Demonstra indicativo de declínio ao longo da série histórica. É analisado o procedimento adotado na Vara da violência doméstica e familiar contra a mulher no Estado do Acre. A adoção de medidas protetivas de urgência ajuda a prevenir os abusos ocorridos no âmbito familiar e encorajam as vítimas dessa violência a denunciar, em virtude da certeza de que o crime não ficará impune.
PALAVRAS-CHAVE: Lei n. 11.340/06; Violência contra a Mulher; Homicídio; Agressão.
ABSTRACT
The objective of this research was to compare the above-mentioned female mortality due to homicide and/or aggression before and after the implementation of Law n. 11.340/06 in the district of Rio Branco in Acre. To achieve this goal was an study conducted descriptive and retrospective, quantitative character, with women living in Rio Branco, homicide victims and/or aggression recorded in the Mortality Information System, in the period 2002 to 2011. The incidence of deaths of women in the district of Rio Branco, homicide victims and/or aggression in the period 2002 to 2011, showed a decreasing sequence of results initially. After the implementation of Law n. 11.340/06 there was an increase in homicides, followed by a stabilization period. Showed rates of decline over the time series. It is considered the procedure adopted in the Court of domestic violence against women in the state of Acre. The adoption of urgent protective measures to help prevent abuses in the family and encourage victims to report such violence because of the certainty that the crime will not go unpunished.
KEYWORDS: Law 11.340/06; Violence against Women; Murder; Assault.
INTRODUÇÃO
Trata-se da análise do estudo ecológico, descritivo e retrospectivo, de caráter quantitativo, realizado com mulheres residentes em Rio Branco – AC, vítimas de homicídios e/ou agressão, registradas no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), no período compreendido entre os anos de 2002 a 2011.
A violência doméstica se sobrepõe à violência familiar de modo que, pessoas não pertencentes à família vivem parcial ou integralmente no domicílio do agressor, além disso, estatísticas demonstram que a violência contra a mulher é muito maior do que a ocorrida em face do homem.
Indiferente da classe social, a violência contra a mulher é um fenômeno que varia somente em relação às formas praticadas. A maior parte das agressões contra a mulher ocorre no interior da família.
A violência contra a mulher é concebida como um dos mecanismos de dominação do homem sobre a mulher, legitimado por instituições como a família e o casamento. A violência contra a mulher apresenta um caráter endêmico podendo se manifestar de diferentes formas e nos mais variados meios.
A Lei n. 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, visa a coibir de todas as formas a violência, seja de ordem física, moral, sexual, psicológica, lesão e morte, sofridas por mulheres, tendo como agressor na maioria das vezes o companheiro ou ex-companheiro como sujeito ativo da agressão.
1 CAPÍTULO I: DA LEI MARIA DA PENHA
Ao criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, a Lei n. 11.340/06, denominada "Lei Maria da Penha", veio com a missão de propiciar instrumentos adequados para enfrentar um problema que aflige grande parte das mulheres no Brasil e no mundo, que é a violência de gênero.
Somente a mulher pode ser sujeito passivo da violência doméstica e familiar, eis que o legislador ao se referir à vítima da violência doméstica e familiar, referiu-se a "ofendida", restringindo o gênero.
Tanto o homem quanto a mulher podem ser sujeitos ativos da violência doméstica e familiar, porque o termo "agressor" foi utilizado genericamente, abrangendo tanto o sexo masculino quanto o sexo feminino.
A mulher é o sujeito passivo da violência doméstica e familiar. Até mesmo o transexual que fizer cirurgia de sexo e passar a ser considerado mulher no registro civil poderá ter efetiva proteção da lei.
Para a incidência da LMP, deve estar presente o critério espacial tipificante, ou seja, a violência deve ocorrer no âmbito da relação doméstica, familiar ou íntima de afeto.
Define-se como unidade doméstica, segundo o art. 5.º, I, da LMP o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas.
1.1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL E PROTEÇÃO DOS VULNERÁVEIS: O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O art. 226 da CF estabelece que a família pode ser constituída por outras entidades além do casamento, bem como equipara (no Capítulo VII) homens e mulheres em direitos e obrigações (princípio da isonomia), estabelecendo como paradigma o princípio da dignidade da pessoa humana.
Conforme o disposto no art. 227 da CF foi adotada a Doutrina da Proteção Integral relativa à criança e ao adolescente, que culminou com a edição da Lei n. 8.069/90 (ECA). O art. 230 da CF amparou o idoso de maneira integral, tendo ocorrido a efetiva implementação da tutela do idoso com o advento da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). Os portadores de deficiência física, sensorial e mental tiveram sua efetiva inserção social garantida pelo art. 227, II e § 2°, da CF, sendo editada a Lei n. 10.098/00.
Era necessário que o mesmo tratamento fosse dispensado à mulher em situação de violência doméstica e familiar, através da tutela dos vulneráveis com a edição da Lei n. 11.340/06 - Lei da violência doméstica e familiar contra a mulher.
2 CAPÍTULO II: FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E MEDIDAS INTEGRADAS DE PROTEÇÃO
A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos. O art. 5º, da Lei n. 11.340/06 determina que configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
O parágrafo único do art. 5º da LMP estabeleceu que as referidas relações pessoais independem de orientação sexual. Desta forma, a LMP previu, expressamente, sua incidência também à família homoafetiva.
O legislador fixou o âmbito espacial para a tutela da violência doméstica e familiar contra a mulher, o qual compreende as relações de casamento, união estável, família monoparental, família homoafetiva, família adotiva, vínculos de parentesco em sentido amplo, introduzindo, ainda, a ideia de família de fato, compreendendo essas as pessoas que não têm vínculo jurídico familiar, considerando-se, entretanto, aparentados (amigos próximos, agregados, entre outros).
O art. 7º da LMP estabelece quais são as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, enumerando-as, dentre outras: a violência física, a violência psicológica, a violência sexual, a violência patrimonial e a violência moral.
O legislador preocupou-se, sabiamente, com a tutela dos vulneráveis, estabelecendo o princípio da proteção integral também à mulher submetida a violência doméstica e familiar, que, agora, encontra-se protegida sob o aspecto patrimonial e dos direitos da personalidade (integridade física, moral, espiritual e intelectual).
O art. 8º da LMP estabeleceu que a política pública que visa a coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher deve ser feita por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de ações não governamentais, tendo por diretrizes básicas dessas medidas: a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação; a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça, concernentes às causas, às consequências e à frequência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas.
No Estado do Acre, desde a instalação do JVDFM, as ações já estão sendo propostas neste Juízo. Tratando-se de demanda de natureza jurisdicional, a ação precisa atender todos os requisitos legais previstos no CPC, entre eles a necessidade da autora se fazer representar por advogado.
Uma providência importante a ser adotada é manter o agressor distante da vítima, mediante a imposição de medidas que obrigam o agressor, nos termos do art. 22, II e das que asseguram proteção à vítima, art. 23, incisos II, II e IV da LMP.
3 CAPÍTULO III: OS REFLEXOS DA LEI N. 11.340/06 NOS ÍNDICES DE MORTALIDADE FEMININA POR HOMICÍDIO E/OU AGRESSÃO NA COMARCA DE RIO BRANCO - AC
O número de denúncias aumentou após a implantação da LMP. Entretanto, não significa que a violência cresceu, mas sim que a mulher está mais encorajada a procurar auxílio, uma vez que efetivamente ocorrerá a punição de seu agressor.
No Estado do Acre a Vara de Violência Doméstica da Comarca de Rio Branco teve a sua criação no ano de 2008, instalada no Segundo Distrito, atendendo às recomendações previstas na LMP, ou seja, visando a acomodar separadamente em salas de espera homens e mulheres, bem como brinquedoteca, sala para atendimento psicossocial, além de salas destinadas à Defesa e ao Ministério Público.
Na comarca de Rio Branco a referida Vara está sob a titularidade da juíza Olívia Ribeiro, que desenvolve um trabalho que transcende à simples punição aos seus agressores e consequentemente das medidas protetivas voltadas às mulheres vítimas da violência doméstica e familiar. Tal como o trabalho de terapia em grupo para conscientizar e ressocializar agressores, coordenado pela equipe de assistentes sociais e psicólogos da unidade.
3.1 ANÁLISE DA PESQUISA DE CAMPO
O campo da pesquisa foi Rio Branco - AC, a população da pesquisa foi composta por mulheres vítimas de homicídio e/ou agressão registrados no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), nos anos de 2002 a 2011, através de dados demográficos por meio do Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE).
Entre os anos de 2002 a 2011 foram registrados no Município de Rio Branco 56 (cinquenta e seis) homicídios, tendo como vítima mulheres na faixa etária de 16 (dezesseis) a 39 (trinta e nove) anos. Os dados se restringiram as causas externas relacionadas aos homicídios e/ou agressão de vítimas residentes na capital.
Houve predomínio das vítimas na faixa etária de 21 (vinte e um) a 25 (vinte e cinco) anos, sendo que na segunda década de vida o percentual foi de 53,6% (cinquenta e três vírgula seis por cento), com cor da pele não branca, baixa escolaridade, situação conjugal sem companheiro. Conforme os dados obtidos na Tabela 1, 53,6% (cinquenta e três vírgula seis por cento) das mulheres vitimadas não possuíam ocupação.
Tabela 1: Distribuição dos óbitos femininos por homicídio e/ou agressão segundo condições sociais em Rio Branco - AC, no período de 2002 a 2011.
Variável |
Número |
% |
Faixa etária (anos) |
||
16 a 20 |
09 |
16,1 |
21 a 25 |
16 |
28,6 |
26 a 30 |
14 |
25,0 |
31 a 35 |
12 |
21,4 |
35 e mais |
05 |
8,9 |
Cor da pele |
||
Branca |
16 |
28,6 |
Não branca |
33 |
58,9 |
NI* |
07 |
12,5 |
Anos de estudo |
||
Até 7 anos |
22 |
39,3 |
8 anos e mais |
11 |
19,6 |
NI* |
23 |
41,1 |
Situação conjugal |
||
Sem companheiro |
36 |
64,3 |
Com companheiro |
14 |
25 |
NI* |
6 |
10,7 |
Ocupação |
||
Sem ocupação |
30 |
53,6 |
Com ocupação |
08 |
14,3 |
NI* |
18 |
32,1 |
Total |
56 |
100,0 |
NI* = Não informado
Fonte: SIM/MS
Cerca de 91,1% (51 óbitos) das vítimas residiam na zona urbana, sendo os bairros de localização periférica em 84,3% (43 óbitos).
A presença de gravidez foi informada em dois óbitos (3,6%) do total, sendo que em 21 (vinte e um) óbitos (37,5%) não houve menção a gestação, no entanto, a maioria, 33 (trinta e três) declarações (58,9%) estavam sem informação. Dentre os homicídios, na descrição de uma declaração houve a informação de perfuração criminosa do útero, fato que demonstra à vulnerabilidade de ambas as vítimas (mãe e filho).
As principais causas básicas de morte foram às agressões por meio de objeto contundente, perfurante ou cortante, característica das cidades de interior ou pouco desenvolvidas, seguida pelo uso da arma de fogo e da força corporal, conforme Tabela 2.
Tabela 2: Distribuição do tipo meio de agressão contra mulheres vítimas fatais por homicídio e/ou agressão em Rio Branco - AC, no período de 2002 a 2011.
Tipo meio de agressão |
N |
% |
Arma de fogo |
13 |
23,2 |
Objeto contundente/ cortante/ perfurante |
42 |
75,0 |
Força corporal |
01 |
1,8 |
Total |
56 |
100,0 |
Fonte: SIM/MS
Figura 1: Taxa de mortalidade anual (por 100 hab.) segundo tipo meio de agressão/homicídio em Rio Branco, Acre, no período de 2002 a 2010.
Fonte: SIM/MS
Evidencia-se na análise da Figura 1, em Rio Branco, nos anos anteriores a Lei Maria da Penha havia uma sequência de taxas decrescentes, fato que, após a mesma, manteve-se até o ano de 2009, no qual houve um aumento seguido de estabilização no ano seguinte. No entanto, existe uma inclinação de declínio que vem se mantendo ao longo da série histórica.
No ano de 2008, houve uma redução na taxa de mortalidade em ambos os meios de agressão e/ou homicídio, seguido por aumento em 2010 para o uso de arma de fogo.
A Tabela 3 exibe os coeficientes observados de mortalidade por homicídios ao longo da série histórica, no município de Rio Branco. No período estudado, observou-se maior magnitude dos coeficientes no ano de 2006, ano de promulgação da Lei Maria da Penha, no Brasil. No ano anterior (2005) houve a menor taxa de mortalidade entre os anos de estudos.
Tabela 3 - Número de óbitos femininos por homicídio e/ou agressão por ano e Taxa de Mortalidade (TM) por 100.000 habitantes em Rio Branco, Acre.
Ano |
Número |
% |
TM |
2002 |
07 |
12,5 |
25,8 |
2003 |
06 |
10,7 |
21,4 |
2004 |
04 |
7,1 |
13,8 |
2005 |
03 |
5,4 |
10,1 |
2006 |
10 |
17,9 |
32,6 |
2007 |
08 |
14,3 |
25,4 |
2008 2009 |
04 07 |
7,1 12,5 |
12,3 21,0 |
2010 2011 |
07 06 |
12,5 10,7 |
20,4 21,4 |
Total |
62 |
100,0 |
Fonte: SIM/MS
É possível analisar que o impacto na produtividade, estimado com o número de anos potenciais de vida perdidos, foi maior entre os indivíduos na faixa etária de 21 (vinte e um) a 25 (vinte e cinco) anos (753; 29,5%), nos demais intervalos de idades ocorre uma diminuição na quantidade de anos perdidos. Os homicídios de mulheres na terceira década de vida resultaram em 1427 (um mil, quatrocentos e vinte e sete) APVP (55,9%). Nas outras faixas, os resultados foram: de 16 (dezesseis) a 20 (vinte) anos, (520; 20,4%); de 26 (vinte e seis) a 30 (trinta) anos (674; 26,4%); de 31 (trinta e um) a 35 (trinta e cinco) anos (440; 17,3%); e de 35 (trinta e cinco) a 39 (trinta e nove) anos (162; 6,4%).
Figura 2: Taxa de mortalidade por homicídio e/ou agressão feminina em Rio Branco - AC, no período de 2002 a 2010.
Fonte: SIM/MS
Quando considerados os anos de 2002 a 2010 difere o perfil de APVP, sendo possível perceber uma tendência decrescente até o ano de 2005. No ano de 2006 houve um pico nos valores de anos potencias de vida perdidos, seguido por dois anos de queda.
A partir de 2009 vem aumentando a perda nos anos de vida de mulheres na faixa etária de 16 (dezesseis) a 39 (trinta e nove) anos devido à ocorrência de homicídios. Nos nove anos de estudo, o total de APVP foi elevado, fato que resulta em perda na produtividade para a coletividade, conforme Tabela 4.
Tabela 4: Anos potenciais de vida perdidos segundo óbitos femininos por agressão e/ou homicídio em Rio Branco - AC, no período de 2002 a 2011.
Ano |
APVP |
% |
2002 |
1062 |
13,6 |
2003 |
882 |
11,3 |
2004 |
499 |
6,4 |
2005 |
481 |
6,2 |
2006 |
1542 |
19,8 |
2007 |
979 |
12,6 |
2008 |
405 |
5,2 |
2009 |
922 |
11,8 |
2010 2011 |
1011 1006 |
13,0 12,9 |
Total |
8.789 |
100,0 |
Fonte: SIM/MS
As mortes por causas externas refletem a violência em diferentes regiões. As informações sobre mortalidade são obtidas do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM/MS), através da alimentação do banco com os dados contidos nos atestados de óbitos que são preenchidos por médicos ou médicos legistas (mortes não naturais).
No Brasil, entre as causas de morte de mulheres em idade fértil destacam-se as causas externas, sendo na faixa etária de 15 (quinze) a 35 (trinta e cinco) anos a primeira causa de morte. Dentre as causas externas, os homicídios são responsáveis por até 50% (cinquenta por cento) dos óbitos de mulheres em idade reprodutiva. Conhecer a realidade das diferentes cidades do país quanto à mortalidade feminina por homicídio contribui para formulação de métodos de prevenção da violência contra a mulher.
Uma importante conquista feminina foi a Lei n. 11.304/06, que trata com mais rigor das infrações violentas contra a mulher no espaço doméstico e familiar. No entanto, a procura pelas instituições responsáveis pela segurança não é realizada por todas, isto devido ao medo dos julgamentos sociais resultantes de uma memória histórica de bases patriarcais e machistas. A não procura pode resultar em perpetuação dos atos violentos que em alguns casos culminam na morte de mulheres, vítimas indefesas da força e da ignorância.
O percentual de homicídios no fim de semana é alto. A proporção de óbitos em decorrência da violência cresce 61,6% (sessenta e um vírgula seis por cento) nos fins de semana, sendo os homicídios na população jovem de 73,7% (setenta e três vírgula sete por cento).
A faixa etária com maior ocorrência foi dos 21 (vinte e um) aos 30 (trinta) anos, sendo a mesma no Município de São Paulo e Recife. As mulheres não brancas apresentam a maior proporção, em pesquisa sobre cor e/ou raça realizada em São Paulo as mulheres negras correspondiam a 56% (cinquenta e seis por cento) dos óbitos por causas externas decorrentes de agressões. A violência contra a mulher não resultante em morte concentra-se na faixa etária de 20 (vinte) a 39 (trinta e nove) anos e com baixa escolaridade.
A ausência de ocupação expõe uma característica das mulheres agredidas, a de dependência econômica, que associada ao histórico de repressão e descaso constituem as bases para a perpetuação da violência. As mulheres excluídas dos direitos básicos de cidadania dificilmente se livram do ambiente opressor e violento, tornando-se subjugadas pela realidade imposta.
A ausência de companheiro não é uma realidade nos estudos sobre homicídios femininos, pois estes são os assassinos em 50% (cinquenta por cento) dos casos.
Entretanto, as pesquisas com vítimas não fatais retratam que a maioria são amasiadas, vale mencionar que uma grande parcela das pessoas ao serem indagadas sobre o status marital relatam serem solteiras por não considerar a união consensual como uma situação juridicamente válida.
Os homicídios no Brasil tiveram crescimento acentuado, sobretudo no espaço urbano, em especial devido ao acelerado e desordenado processo de urbanização, tendo grande representação nos bairros com baixa qualidade de infraestrutura.
A América Latina possui as mais altas taxas de homicídios, sendo a probabilidade de um jovem morrer vítima de homicídio trinta vezes maior que um jovem na Europa e setenta vezes maior que na Grécia. No Brasil, a taxa de homicídios em 2003 foi de 20 (vinte) por 100 (cem) mil habitantes, porém em 2005, o índice saltou para 25,2 (vinte e cinco vírgula dois) homicídios em 100 (cem) mil habitantes.
Na Região Norte, os homicídios de 1999 a 2001, representaram a principal causa de morte em mulheres de 20 a 24 anos. Em Rio Branco, o ano de 2006 obteve o mais alto coeficiente de mortalidade com 32,6 (trinta e dois vírgula seis) óbitos por 100 (cem) habitantes.
As faixas de idade de 21 (vinte e um) a 25 (vinte e cinco) e de 26 (vinte e seis) a 30 (trinta) apresentaram os mais altos valores de APVP devido a homicídio em mulheres, em Rio Branco.
O somatório dos APVP dos anos de 2002 a 2011 demonstram a gravidade da situação em Rio Branco, pois seus valores permitem visualizar o impacto social das mortes evitáveis na população feminina na faixa etária reprodutiva.
CONCLUSÃO
Em 2006 a promulgação da LMP não impediu a ocorrência de homicídios em Rio Branco, no entanto, observa-se uma tendência de declínio na taxa nos anos posteriores. A LMP criou mecanismos para coibir os tipos de violência com intuito prevenir futuras agressões.
Conforme a análise dos dados estudados na pesquisa, as mulheres vítimas de óbito por homicídio e/ou agressão na comarca de Rio Branco – AC 28,6% (vinte e oito vírgula seis por cento) tinham entre 21 (vinte e um) e 25 (vinte e cinco) anos de idade, sendo 58,9% (cinquenta e oito vírgula nove por cento) com a cor da pele não branca; 39,3% (trinta e nove vírgula três por cento) com baixo nível de escolaridade; 64,3% (sessenta e quatro vírgula três por cento) sem ocupação e 84,3% (oitenta e quatro vírgula três por cento) residiam em bairros considerados periféricos.
As ocorrências de agressões foram principalmente no período noturno e nos fins de semana, tendo como principal meio (um percentual correspondente a 75% - setenta e cinco por cento) a utilização de objetos contundentes, perfurantes e cortantes.
A incidência de óbitos por homicídios e/ou agressão das vítimas, no período de 2002 a 2011, apresentou uma sequência de resultados inicialmente decrescente, sendo que após a implantação da Lei Maria da Penha, em 2006, houve um aumento de homicídios seguido de estabilização no ano seguinte (2007), porém demonstrando indicativo de declínio ao longo da série histórica.
A pesquisa de campo também revelou uma elevada perda nos anos de vida de mulheres na faixa etária de 16 (dezesseis) a 39 (trinta e nove) anos, em razão dos homicídios, o que resulta em perda na produtividade.
A necessidade de edição da Lei n. 11.340/2006 apenas revelou o nível da cultura brasileira no que diz respeito à questão da violência contra a mulher. Precisou se ter uma lei para dizer que em mulher não se bate, que sua integridade física, moral e intelectual deve ser preservada. O fato de essas garantias constarem do texto constitucional, desde 1988, não foi suficiente; fez-se necessário trazer a questão para o âmbito infraconstitucional.
A LMP representou um grande avanço, falta apenas torná-la efetiva. Por que a violência contra a mulher no âmbito familiar e doméstico continua em ascensão?
Faltam conscientização e disseminação da cultura da paz e o envolvimento da sociedade, pois o combate á violência é dever de todos, nos termos do art. 3º, § 2º, da LMP.
Faltam mais políticas públicas, com instituições estruturadas para que possam garantir a efetividade e eficácia da lei, tratando não apenas da vítima, mas também do agressor, que não deixa de ser também uma vítima do sistema cultural e educacional machista que não o permite demonstrar fraqueza, não o permite chorar. Urgem mudanças.
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