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IPO da Caixa Econômica Federal: questionamentos práticos

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A Caixa é uma empresa eficiente e lucrativa. O Governo Federal deve sopesar se o preço a pagar com tal medida impopular compensará mesmo esse eventual aporte de recursos no orçamento da União.

INTRODUÇÃO

Findas as eleições, a realidade bateu à porta do governo reeleito. Entre tantas medidas "impopulares", uma das que mais surpreendeu a intenção do Governo Federal, em promover a abertura do capital (IPO) da Caixa Econômica Federal - rumor confirmado pela própria Presidente Dilma Roussef.

Para além da discussão sobre os prós e contras dessa medida, questões importantes precisam ser respondidas. São essas questões, que tentamos apontar neste artigo.


NATUREZA JURÍDICA DA CEF

Criada por um Decreto Imperial, a CAIXA nasceu como uma instituição de poupança e montepio, possibilitando à população das classes mais desfavorecidas a possibilidade de guardar suas economias em um local seguro. Diz a história que muitos escravos compraram sua própria alforria, graças à possibilidade de juntarem suas economias nessa instituição.

A Caixa Econômica Federal (CAIXA), tal e qual a concebemos atualmente, é fruto de um longo processo, que envolve a unificação de todas as “caixas econômicas estaduais”, passando pela incorporação do extinto BNH – Banco Nacional da Habitação.

Em 1969, foi editado o Decreto-Lei nº 759, que criou a CAIXA “tal e qual” a conhecemos hoje, determinando a sua natureza jurídica:

Art 1º Fica o Poder Executivo autorizado a constituir a Caixa Econômica Federal - CEF, instituição financeira sob a forma de emprêsa pública, dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e autonomia administrativa, vinculada ao Ministério da Fazenda.

Logo, não há sombra de dúvidas: a CEF é uma empresa pública federal; isto significa que seu capital é integralmente pertencente à União. Ou dito de outra forma: é 100% pública.

Isto porque, outro Decreto-Lei de nº 200, que define o que é Administração Pública no âmbito federal, estipula o seguinte:

Art. 4° A Administração Federal compreende:

I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.

II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:

a) Autarquias;

b) Empresas Públicas;

c) Sociedades de Economia Mista.

d) fundações públicas. (Incluído pela Lei nº 7.596, de 1987)

Parágrafo único. As entidades compreendidas na Administração Indireta vinculam-se ao Ministério em cuja área de competência estiver enquadrada sua principal atividade.

Portanto, o DEL nº 200/69, ao definir que a Administração Pública se divide em Direta e Indireta, para a seguir, determinar quais as entidades que fazem parte dessa última, estabeleceu que existiriam dois tipos de “empresas estatais”: as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

Mais a seguir, o mesmo Decreto-Lei define cada uma dessas espécies de estatais:

Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se:

II - Empresa Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 900, de 1969)

III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 900, de 1969)

Basicamente, temos que empresa pública é aquela entidade de capital fechado e exclusivo da União, enquanto sociedade de economia mista é a entidade constituída sob a forma de sociedade anônima, com capital aberto e ações negociadas em bolsa de valores, com a ressalva de que a maioria do capital votante deve pertencer à União ou qualquer entidade por ela controlada.

Logo, a CAIXA é entidade da Administração Pública Indireta, no âmbito federal, constituída sob a forma de empresa pública, com capital fechado e integralmente público.


A ABERTURA DE CAPITAL

IPO é uma sigla estrangeira que significa Initial Public Offering – Oferta Pública Inicial de ações de uma sociedade por ações (S/A). Portanto, para realizar a abertura do capital da CAIXA, o Governo Federal deverá alterar sua natureza jurídica.

Evidentemente, essa alteração somente dar-se-á mediante Projeto de Lei, de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, nos termos da alínea “e”, do parágrafo 1º do art. 61 da Constituição Federal.

E competirá ao Congresso Nacional, discutir os prós e contras de tal medida, tendo em vista o interesse público, antes de deliberar sobre a matéria.


AS ATIVIDADES-FINS DA CEF

Como vimos, toda empresa pública é criada “por força de contingência ou de conveniência administrativa”, o que nos permite dizer, para cumprir as finalidades previstas na Lei que as criou.

No caso da CAIXA, essas atividades-fins estão previstas no art. 2º do referido Decreto-Lei nº 759/69, que assim dispõe:

Art 2º A CEF terá por finalidade:

a) receber em depósito sob a garantia da União, economias populares, incentivando os hábitos de poupança;

b) conceder empréstimos e financiamentos de natureza assistencial, cooperando com as entidades de direito público e privado na solução dos problemas sociais e econômicos;

c) operar no setor habitacional, como sociedade de crédito imobiliário e principal agente do Banco Nacional de Habitação, com o objetivo de facilitar e promover a aquisição de sua casa própria, especialmente pelas classes de menor renda da população;

d) explorar, com exclusividade, os serviços da Loteria Federal do Brasil e da Loteria Esportiva Federal nos têrmos da legislação pertinente;

e) exercer o monopólio das operações sôbre penhores civis, com caráter permanente e da continuidade;

f) prestar serviços que se adaptem à sua estrutura de natureza financeira, delegados pelo Govêrno Federal ou por convênio com outras entidades ou emprêsas.

g) realizar, no mercado financeiro, como entidade integrante do Sistema Financeiro Nacional, quaisquer outras operações, no plano interno ou externo, podendo estipular cláusulas de correção monetária, observadas as condições normativas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional; (Incluído pelo Decreto-Lei nº 1.259, de 1973)

h) realizar, no mercado de capitais, para investimento ou revenda, as operações de subscrição, aquisição e distribuição de ações, obrigações e quaisquer outros títulos ou valores mobiliários, observadas as condições normativas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional; (Incluído pelo Decreto-Lei nº 1.259, de 1973)

i) realizar, na qualidade de Agente do Governo Federal, pôr conta e ordem deste, e sob a supervisão do Conselho Monetário Nacional, quaisquer operações ou serviços nos mercados financeiro e de capitais, que Ihe forem delegados, mediante convênio.

Dentre as 09 (nove) finalidades, aquelas que certamente causarão certa discussão, são justamente as cinco primeiras. É sobre elas que faremos os questionamentos – objeto de estudo deste opúsculo.

ECONOMIAS POPULARES SOB GARANTIA DA UNIÃO

A alínea “a” do artigo 2º do DL 759, estabelece que a CAIXA terá por finalidade “receber em depósito, sob garantia da União, economias populares”.

Nos anos 90, muitos bancos privados foram à bancarrota, por não conseguirem se adaptar à nova realidade econômica advinda com o Plano Real, com economia estável, num cenário sem hiperinflação, com câmbio equilibrado e moeda forte.

De forma a evitar o prejuízo dos consumidores, que em uma eventual falência, perderiam os valores sob custódia de tais instituições financeiras, foi criado o FGC – Fundo Garantidor de Crédito (entidade privada, formada à partir de aporte de capital de diversas instituições financeiras), visando garantir um “teto” de resgate de saldo e aplicações financeiras, em caso de intervenção ou liquidação do banco depositário.

Logo, poupanças mantidas em bancos, são garantidas via FGC – limitadas, portanto, a um teto máximo estipulado pelas instituições mantenedoras do fundo.

Contudo, no caso da CAIXA, quem garante os depósitos acolhidos em caderneta de poupança é o próprio tesouro nacional.

Numa eventual abertura de Capital, pergunta-se: a CAIXA poderá ingressar no FGC, apesar de não ter contribuído com aporte financeiro, para sua fundação? O Tesouro continuará sendo o fiel garantidor de tais valores, mesmo sendo o capital social misto?

CONCEDER EMPRÉSTIMOS DE NATUREZA ASSISTENCIAL

A alínea “b” do artigo 2º do DL 759, estabelece que a CAIXA terá por finalidade “conceder empréstimos e financiamentos de natureza assistencial”. Nota-se que aqui, mais importante que “obter lucro” com tais transações, o objetivo é cooperar com entidades de direito público (governos federal, estaduais e municipais) e privado (entidades sem fins lucrativos), “na solução dos problemas sociais e econômicos”.

Uma companhia de capital aberto, persegue o lucro; logo, esse objetivo seria inconciliável com essa eventual “nova natureza jurídica” da CAIXA; fato este que obrigaria o Governo Federal a constituir uma nova empresa ou autarquia, para esse fim.

Dessa monta, teríamos um verdadeiro contrassenso, pois se o objetivo do IPO é arrecadar recursos para o Governo, a criação de mais nova estrutura (seja sob forma de empresa, fundação ou autarquia), importará em elevados custos de pessoal e infraestrutura – o que jogaria pelo ralo, por certo, essa justificativa dada pelos defensores da abertura do capital.

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HABITAÇÃO PARA BAIXA RENDA

A alínea “c” estabelece que a CAIXA deverá “operar no setor habitacional”, com “objetivo de facilitar e promover a aquisição da casa própria”. Até este ponto, poderiam dizer alguns, não haveria qualquer contratempo na abertura do capital, haja visto que outros bancos comerciais e privados já possuem uma carteira de crédito imobiliário.

Contudo, o objetivo da CAIXA não é apenas “financiar a casa própria”; o legislador quis deixar claro que o intuito é possibilitar o acesso ao crédito imobiliário, “especialmente pelas classes de menor renda da população”.

E aqui, inexoravelmente, os interesses dos eventuais acionistas privados, colidiriam frontalmente, com os do Governo. E daí, pergunta-se: que entidade operaria os financiamentos habitacionais para tais pessoas (de baixa renda)?

Mais uma vez, remonta-se à resposta dada no item anterior: provavelmente, o Governo deverá criar uma nova entidade para realizar essa função social, o que implicaria em custos – para um governo que alega necessidade de ajustes orçamentários e fiscais.

EXCLUSIVIDADE DA EXPLORAÇÃO DAS LOTERIAS

A alínea “d”, sem sombra de dúvidas, é a mais “explosiva” de todas as finalidades que a CAIXA possui: a exclusividade da exploração de loterias. Uma atividade extremamente lucrativa e cobiçada por muitos grupos de interesse.

Houve um tempo, que os governos estaduais também podiam instituir suas próprias loterias – e com isso, arrecadar recursos para reforçar o aporte de dinheiro em seus orçamentos. Pacificou-se o entendimento, de que apesar da Lei falar em “exclusividade”, estamos diante de um típico caso de monopólio estatal, repassado à CAIXA “por delegação” (tal e qual ocorre com os Correios e o chamado “serviço postal”).

Abrindo-se o Capital, certamente os demais bancos exigirão o fim da exclusividade, por ser um privilégio inaceitável; sendo a CAIXA uma sociedade de economia mista, deve receber tratamento idêntico à qualquer empresa privada, não justificando-se, portanto, a manutenção desse privilégio.

Aqui, mais uma vez, nos deparamos com a evidente necessidade do Governo Federal de criar outra nova entidade para administrar, realizar e fiscalizar as loterias no Brasil. Sem contar, a forte pressão de empresários e investidores, que objetivam a liberação da exploração de jogos (cassinos, bingos, etc) por particulares.

MONOPÓLIO DOS PENHORES

O penhor é uma das mais antigas atividades desempenhadas pela CAIXA; sua origem remonta aos tempos imperiais. Consiste no chamado “mútuo” (empréstimo em dinheiro), sendo dado como “garantia real”, algum “bem móvel de valor” (jóias em metais nobres, relógios, etc).

Por demandar uma infraestrutura própria para tal – que vai de empregados treinados para avaliar o grau de pureza dos metais e o valor estimado do objeto dado em garantia, passando pela segurança necessária para guardar tais objetos e restituí-los ao mutuário, no final do empréstimo – provavelmente, não haveria interesse dos demais bancos em atuar nesse nicho.

Logo, à CAIXA incumbiria continuar exercendo tal operação. E daí, poderiam os acionistas particulares, perguntarem se há viabilidade econômica em tais operações.

O penhor, sem dúvida alguma, é uma das linhas de crédito com menor risco – e consequentemente, com menor taxa de juros – de tal sorte, que favorece, sobremaneira, a classe mais baixa.

Doutro lado, havendo outros bancos interessados em explorar essa atividade, estaríamos diante de um outro “monopólio” – o que provavelmente, demandará a atuação do CADE, para tentar equacionar a questão.


CONCLUSÃO

Apesar da CAIXA estar constituída sob forma de “empresa pública”, sua essência está muito mais próxima à de uma “fundação” ou “autarquia”, dada as inúmeras finalidades sociais que desempenha.

Não à toa, o slogan escolhido pela CAIXA – a vida pede mais que um banco – revela uma sinceridade indisfarçável.

De outra toada, a CAIXA é uma empresa eficiente e lucrativa. Ano após ano, seu lucro líquido tem crescido de forma sustentável, possibilitando a expansão da empresa (abertura de novas agências, contratação de mais empregados, etc), sem importar qualquer risco à saúde financeira do conglomerado.

Ao meu ver, o Governo Federal terá que sopesar se o “preço” a pagar com tal medida impopular, compensará mesmo esse eventual aporte de recursos (eventual, mesmo: pois os recursos advindos do IPO, entram apenas “uma vez”) no orçamento da União, controladora da CAIXA.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Teamajormar Glauco Bezerra. IPO da Caixa Econômica Federal: questionamentos práticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4220, 20 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35477. Acesso em: 20 abr. 2024.

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