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Estatuto da Cidade. Função social dos instrumentos urbanísticos:

parcelamento, edificação e utilização compulsória

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A Constituição eleva a função social da propriedade ao grau dos direitos e garantias fundamentais e destina capítulo específico para a questão da política urbana.

1 - Introdução

Através do presente estudo pretendemos abordar alguns pontos do Estatuto da Cidade, Lei 10.257/ 01, mais específicamente no que diz respeito a alguns dos denominados instrumentos de política urbana, quais sejam, parcelamento, edificação e utilização compulsória do solo urbano, além do IPTU progressivo no tempo e a desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública, aos quais também faremos referência.

O tema está diretamente ligado ao princípio da função social da propriedade urbana, consagrado pela Constituição Federal de 1988 dentre os direitos e garantias fundamentais do cidadão - art. 5º, XXIII.     

Com efeito, a atual Carta Magna, ao incluir a função social da propriedade como direito fundamental, surge como um divisor de águas entre o pensamento liberal e o social, caracterizado no ordenamento jurídico pela limitação aos direitos subjetivos individuais em benefício da existência digna e do bem-estar da sociedade.

O Estatuto da Cidade está diretamente ligado ao referido princípio e  regulamenta todo o capítulo de política urbana – arts. 182 e 183 da Constituição.

O Estatuto é, portanto, um dos pilares fundamentais do direito urbanístico, porquanto tornou-se inconcebível a ocupação aleatória do espaço urbano e o Plano Diretor tem papel fundamental na eficácia da política de desenvolvimento e de expensão urbana, conforme também será demonstrado.

Deste modo, os instrumentos ora em análise são considerados importantes aliados na repressão à especulação imobiliária e efetividade do princípio da função social da propriedade urbana.

2 - O princípio da função social da propriedade

Como dito acima, o tema objeto deste modesto estudo está diretamente relacionado ao princípio da função social da propriedade, cuja noção tal qual a conhecemos hoje, resulta de transformações econômicas, políticas, sociais e jurídicas ao longo dos tempos.

 A palavra propriedade, do latim proprietas, significa o que pertence a uma pessoa, tendo sentido mais amplo na acepção jurídica, qual seja, a apropriação pelo indivíduo de um bem qualquer que seja, corpóreo ou incorpóreo, conforme definição de a Pedro Elias Avvad[1].

O autor menciona os ensinos de Serpa Lopes acerca da palavra dominium, que no Direito Romano tinha significado mais extenso que o de propriedade, uma vez que servia aquela para indicar tudo o que pertencia ao chefe da casa, tendo a palavra proprietas sentido mais estrito.

Alexandre Levin[2] incia a abordagem do tema lembrando que “o direito de propriedade vem evoluindo ao longo dos séculos. Foi marcado, a princípio, pela extrema subjetividade.”

Sob a égide da subjetividade da propriedade, buscava-se garantir, prioritariamente, a proteção do proprietário contra terceiros.

A mudança deste conceito de propriedade caracteríza-se pela criação de crescentes limitações e modificações de seu caráter subjetivo em prol da coletividade.

 Segundo Sylvio Toshiro Makai, citado por Alexandre Levin na mesma obra supra, p. 22, no Direito Romano, a propriedade era definida como o “poder jurídico absoluto e exclusivo sobre uma coisa corpórea (...) uma relação entre o titular do direito e a coisa.”

Assim, podia o proprietário usar, gozar e dispor da coisa sem qualquer interferência alheia no exercício de seus direitos.

No entanto, ressalta o autor, já havia naquele tempo algumas restrições a esse direito absoluto sobre a propriedade, de acordo com o interesse público ou privado e imposta pela autoridade administrativa ou jurisdicional.

Eram, por exemplo, inscritos na última classe dos cidadãos (aerarri) os proprietários que deixassem sem cultivo suas terras ou que não cuidassem de seus animais.

Algumas limitações de natureza privada também eram conhecidas pelo romanos, como, por exemplo, estabelecimento de distâncias mínimas entre os terrenos e os edifícios, além das relações de vizinhança.

Em meados do século XVIII, sob influência do pensamento liberal e da revolução industrial, a propriedade passa a ser considerada como um direito natural contraposto ao poder estatal, passando o proprietário a gozar de poderes invioláveis e absolutos sobre o bem.

Este pensamento passa a sofrer modificações a partir do século XX, em especial num cenário devastador provocado pela I Guerra Mundial, onde “passou a ser necessária uma maior intervenção do Estado na vida econômica e no direito de propriedade, um dos pilares da economia de mercado.”[3]

Segundo o autor, ainda, “O Estado liberal dá lugar ao Estado social”, momento em que passa-se a impor limitações aos direitos subjetivos individuais em benefício de exitência digna e bem-estar social.  

Conforme bem observa, ainda, “o direito de usar, gozar e dispor da coisa, garantido pela ordem jurídica liberal, passou a significar usar, gozar e dispor da coisa também em prol do bem-estar coletivo e não somente no interesse individual do proprietário.”

Para José Isaac Pilati[4], o direito constitucional do século XX começa a reagir às doutrinas da função social “desde a Constituição de Weimar de 1919, que no art. 153, alínea 3, consagrava o princípio: A propriedade obriga. Seu uso deve igualmente ser um serviço ao bem comum.”     

Segundo o mesmo autor – p. 79 – a função social “redimensiona o individual e o público-estatal, como o próprio conceito de propriedade e a respectiva tutela jurídica (...) os direitos do indivíduo proprietário perdem a perspectiva de ir além do mérito de capital e trabalho, pela apropriação gratuita do coletivo.

Nesta mesma vertente é o entendimento de Gustavo Tepedino[5], no sentido de que a propriedade não seria mais uma atribuição de poder tendencialmente plena, “cujos confins são definidos externamente (...) de tal modo que, até uma certa demarcação, o proprietário teria espaço livre para suas atividades e para a emanação de sua senhoria sobre o bem”.

Conclui o autor afirmando que a determinação do conteúdo da propriedade “dependerá de centros de interesses extraproprietários, os quais vão ser regulados no âmbito da relação jurídica de propriedade.”

Por sua vez, o ordenamento jurídico pátrio também passa por profundas modificações no conceito de propriedade, a exemplo do que se observa nas diversas Constituições Brasileiras.

Tendo em vista a objetividade, transcreveremos as palavras de Alexandre Levin[6], que bem sintetiza a questão.

Segundo descrito pelo autor, a Constituição de 1824 e também a de 1891, possuiam forte influência do pensamento liberal, limitando-se a garantir o direito de propriedade pleno, sem nenhuma referência ao interesse social ou coletivo no uso da propriedade.

A Constituição de 1934 é a primeira a fazer referência expressa às relações entre propriedade e função social, em seu at. 113, 17:

Art. 113.

17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar.

A Constituição de 1937 silenciou com relação ao interesse social do uso da propriedade, garantindo apenas no art. 122, 14, o direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante prévia indenização.

Na sequência, a Constituição de 1946, art. 147, previa que o uso da propriedade era condicionado ao bem-estar social.

A Carta Magna de 1967, nos termos do art. 157, dispunha que a ordem econômica tinha por fim realizar a justiça social com base em determinados princípios, dentre eles o princípio da função social da propriedade. Este preceito foi mantido pela Emenda nº1 de 1969, art. 160, III.

Como é cediço, foi a Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 que introduziu, expressamente, as mudanças mais profundas com respeito ao direito de  propriedade.

Através das previsões dos arts. 5º, XXII; XXIII; 170, III; 182, §2º e 186[7], o conceito clássico de propriedade foi definitivamente transformado, passando o exercício desse direito a ser condicionado à observância do princípio da função social.

Conforme bem observa Zélia Leocádia da Trindade Jardim[8], a Consituição de 1988 foi a principal norma inovadora de Direito Urbanístico e Ambiental, “quando incorporou as premissas básicas do denominado Movimento Nacional de Reforma Urbana, iniciado nas décadas de 1960 e retomado em 1987, no propósito de cumprir as funções sociais da cidade, o que sempre se constituiu na finalidade daquele movimento.”

Dentre outros, destaca a autora, o projeto da Reforma Urbana introduzido no plano constitucional, trazia as seguintes premissas: submissão do direito de propriedade à sua função social; dever do Estado de garantir os direitos urbanos e controle social do uso do solo urbano.

No campo do Direito Civil, o Código de 1916, abordava o direito de propriedade “muito mais como um direito individual do que social, em consonância com a Constituição de então”.[9]

Neste contexto, o Estado preocupava-se em assegurar os meios jurídicos necessário para garantia da manutenção da propriedade pelo proprietário, com caráter perpétuo.

Continua o autor no sentido de que, o Código Civil de 2002, já em observância à Constituição de 1988, destaca a função social da propriedade, no sentido de que, o pensamento do direito privado da propriedade deu lugar ao direito social da propriedade.

Essa doutrina vem expressa no novo Código no art. 1.228, §1º[10], bem como no art. 2.035, parágrafo único[11], tornando-se norma de ordem pública, uma vez que limita a autonomia privada à função social da propriedade.

Conforme pondera o mesmo autor supra, o art. 1.228 manteve o direito do proprietário de usar, gozar e dispor da propriedade, ao passo que o §1º expressamente determinada que a propriedade deve atender as finalidade não só econômicas, mas principalmente as sociais. – g.n.

Paulo Afonso Cavichioli Carmona[12] trata da questão da função social da propriedade, no sentido de que:

“O Estado passou intervir cada vez mais na sociedade e na economia, de tal forma que não foram abolidos os direitos individuais, mas comprimidos. Vale dizer, o que antes era só direito de propriedade[13] transformou-se em direito-dever de propriedade, pois há de cumprir sua função social.” – g.n.

Refere-se, ainda, o autor, à evolução histórica do conceito do direito de propriedade, transcrevendo as palavras de Léon Duguit, em sua obra Les transformations générales du droit privé depuis le Code Napoleón, que demonstra que a importância da função social da propriedade vem sido destacada há bastante tempo:

“Todo indivíduo tem a obrigação de cumprir na sociedade uma certa função, na razão direta do lugar que nela ocupa. Ora, o detentor da riqueza, pelo próprio fato de deter a riqueza, pode cumprir uma certa missão que só ele pode cumprir. Somente ele pode aumentar a riqueza geral, assegurar a satisfação das necessidades gerais, fazendo valer o capital que detém. Está, em consequência, socialmente obrigado a cumprir esta missão e só será socialmente protegido se cumpri-la e na medida em que o fizer. A propriedade não é mais o direito subjetivo do proprietário; é a função social do detentor da riqueza.” – g.n. 

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No que diz respeito à função social da propriedade urbana, o §2º do art. 182 da Carta Magna define que “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”.

Note-se que o plano diretor tem um papel fundamental na concretização do dispositivo constitucional supra, regulado pelo art. 39 e seguintes do Estatuto da Cidade, Lei 10.257/ 01.

É no plano direitor, afirma José Isaac Pilati[14], “que se definem modelo de cidade e desenvolvimento, e consequentemente as balizas de função social da propriedade e da cidade (...) antecipando-se ao dano e à especulação irresponsável.”

Conforme bem observado, por Alexandre Levin[15], com relação ao tema, ”embora gere efeitos desde a sua previsão constitucional, a sua plena eficácia é assegurada somente com a edição do plano diretor municipal, que é o instrumento da política de desenvolvimento e de expansão urbana (art. 182, §1º da Constituição[16]).”

Com sua peculiar doutrina de Adilson Abreu Dallari[17], ensina que a Constituição consagrou o princípio da função social da propriedade e, ainda, instituiu um parâmetro para aferição do seu entendimento.

“Tal parâmetro é exatamente o conjunto de medidas a serem adotadas ou de ações a serem empreendidas, constantes do plano diretor.”, vaticina o consagrado autor.

Para Paulo Afonso Cavichioli Carmona[18], o Plano Diretor “é o mais importante instrumento de planejamento urbano municipal”.

Conforme já mencionamos, é exatamente o que prevê o §2º do art. 182 da Constituição Federal[19], cuja disposição é expressa no sentido de que  a função social da propriedade urbana se cumpre pelas diretrizes do plano direitor.

Concluímos o tópico fazendo uso das palavras de Gustavo Tepedino[20]:

 “A regra corrobora os princípios gerais da tutela da pessoa, do trabalho e da dignidade humana, demonstrando a preocupação do legislador constituinte com os dramáticos conflitos sociai.”. 


3 - O Estatuto da Cidade

Coube à Lei 10.257/ 2001, que se auto denominou como Estatuto da Cidade[21], regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal que compõem o capítulo da Política Urbana[22].

De acordo com a definição de José dos Santos Carvalho Filho, política urbana é:

“O conjunto de estratégias e ações do Poder Público, isoladamente ou em cooperação com o setor privado, necessárias à constituição, preservação, melhoria e restauração da ordem urbanística em prol do bem-estar das comunidades.”

Conforme bem lembrado por Alexandre Levin, o fundamento constitucional do Estatuto não reside apenas nos citados arts. 182 e 183 da Carta Magna, mas também o art. 5º, XXIII[23] e 170, III, corolários do princípio da função social da propriedade.

O autor menciona, na mesma obra, Diogenes Gasparini, para quem o art. 6º da Lei Maior, que indica o direito à moradia como uma dos direitos sociais, também pode ser considerado fundamento constitucional do Estatuto da Cidade.

José dos Santos Carvalho Filho[24] pondera que o histórico legislativo sobre política urbana vem de longe, sendo que, antes da Constituição de 1988, “várias leis sobre matéria urbanística foram editadas, embora sempre tratando isoladamente de temas específicos relacionados aos problemas das cidades”.

Cita, o autor, como exemplos, a Lei. nº 6.766/ 79, que disciplina o uso e o parcelamento do solo urbano; o PL nº 775/ 83 que pretendeu definir o sentido de “função social da propriedade”, substituído pelo PL nº 2.191/ 89. Posteriormente foi apresentado o PL nº 5.788/ 90, que “depois de longo percurso, no qual foram introduzidas várias alterações, acabou por converter-se na Lei  nº10.257/ 01”.

O caput do art. 182 da Constituição Federal exige a edição de lei específica para fixação das diretrizes gerais da política de desenvolvimento urbano, com o fim de, nos termos do próprio dispositivo, “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”[25].

Conforme bem observa Alexandre Levin[26], a edição do Estatuto da Cidade também “atende o disposto no art. 24, inciso I da Constituição, em interpretação conjugada com o determinado no §1º do mesmo dispositivo. A leitura conjunta de tais preceitos atribui à União, aos Estados e ao Distrito Federal a competência concorrente para legislar sobre direito urbanístico, e atribui à primeira a edição de normas gerais.[27]”

O autor pondera, na sequência, que o art. 30, I[28] da Constituição Federal estabelece a competência do Município para legislar sobre assuntos de interesse local e, no inciso VIII, delega competência para promover o adequado ordenamento territorial, através do “planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”.

O Estatuto da Cidade é considerado, nas palavras de Adilson Abreu Dallari[29]:

“Um marco relevante para o desenvolvimento dos estudos de Direito Urbanístico, na medida em que representa o ponto de partida para uma futura sistematização normativa dessa matéria”.

Segundo o mesmo autor, a inexistência de um código urbanístico no Brasil, a exemplo o que existe na França[30], se deve à estrutura federativa do Estado brasileiro, fato que impossibilita um código nacional de urbanismo.

Dada à estrutura federativa brasileira, cada pessoa jurídica política – União, Estados e Municípios – legisla em matéria administrativa, incluindo matéria de organização dos espaços habitáveis, nos limites delegados pela Constituição Federal.

De acordo ainda, com Adilson Abreu Dallari[31], o papel preponderante, em matéria urbanística, “foi dado ao Município, provavelmente porque os assuntos urbanísticos afetam mais acentuadamente as populações locais. Portanto, a legislação de caráter administrativo versando urbanismo é basicamente ou principalmente uma legislação municipal.”

Outro ponto pertinente abordado pelo mesmo autor e que aqui transcrevemos, diz respetio ao fato do Estatuto da Cidade tratar-se de lei nacional e que, nesta qualidade, “estabelece normas gerais de observância obrigatória por todos os jurisdicionados do estado brasileiro” [32].

Assim, conclui não ser possível “que o Município atue em descompasso com as normas gerais contidas no Estatuto da Cidade. A legislação municipal de uso e ocupação do solo, muito especialmente a Lei do Plano Diretor, deve orientar-se pelas diretrizes establecidas no art. 2º da Lei nº 10.257/ 01”.

O caput[33] do referido artigo bem sintetiza o objetivo primordial do Estatuto, no sentido de “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana”, mediante diretrizes gerais (art. 182, CF).  

Portanto, não pode a legislação municipal adotar posicionamento que favoreça o caráter individualista da propriedade, em detrimento da função social coroada pela própria Constituição Federal.

Neste sentido, a definição de Carvalho Filho[34] sobre as diretrizes gerais de política urbana:

“São o conjunto de situações urbanísticas de fato e de direito a serem alvejadas pelo Poder Público no intuito de constituir, melhorar, restaurar e preservar a ordem urbanística, de modo a assegurar o bem-estar das comunidades em geral.”

Ressalta o autor que o bem-estar das comunidades pode configurar-se como direito individual ou transindividual, sendo que no primeiro, “a ordem urbanística garante certas faculdades jurídicas individuais, como por exemplo, o direito individual de vizinhança e o direito à licença para construir”, o que influencia diretamente o interesse particular do indivíduo.

Ocorrem os direitos transindividuais quando “o interesse jurídico for titularizado por grupos de pessoas, destacando-se que em relação a eles a ideia de grupo pondera sobre a dos indivíduos que a compõem.”.

Com efeito o Estatuto da Cidade é a lei a que faz referência o art. 182 da Constituição Federal[35] e, portanto, responsável pelas já mencionadas diretrizes da política de desenvolvimento urbano.

A Lei 10.257/ 01 é composta por cinco capítulos, sobre os quais faremos breve abordagem.

O capítulo primeiro dispõe sobre as diretrizes gerais na execução das políticas públicas, cujo objetivo, nos termos do disposto no art. 2º, é “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana”, mediante a adoção, dentre outras, das seguintes medidas: pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana; garantia do direito a cidades sustentáveis; gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas; cooperação entre os governos, a iniciativa privada; planejamento do desenvolvimento das cidades; oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais; ordenação e controle do uso do solo.

O Estatuto da Cidade tem, portanto, como finalidade principal tornar as cidades brasileiras saudáveis e sustentáveis, aliando, nos termos do que dispõe o art. 2º, II, “a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano”, compondo a denominada “gestão democrática”.

O capítulo segundo, insere um rol de instrumentos urbanísticos como meio de intervenção sobre o território das cidades, no contexto de uma nova concepção de planejamento e gestão urbana.

O art. 4º elenca, dentre outros, os seguintes instrumentos: plano diretor; disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; planos, programas e projetos setoriais; desapropriação; concessão de uso especial para fins de moradia; parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; usucapião especial de imóvel urbano; estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV). – g.n.

Na sequência, o capítulo terceiro fornece os parâmetros gerais para elaboração do plano diretor, como instrumento base da política de desenvolvimento e expansão urbana.

    Destaca-se o disposto no at. 41, que impõe a elaboração de um plano diretor para as cidades: I – com mais de vinte mil habitantes[36]; II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4o do art. 182 da Constituição Federal; IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico; V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional e, VI - incluídas no cadastro nacional de Municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos.

    Por sua vez, o capítulo quarto trata da já mencionada gestão democrática da cidade, aliando-se políticas públicas, iniciativa privada e participação popular através dos seguintes instrumentos, prescritos no art. 43: I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal; II – debates, audiências e consultas públicas; III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal; IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

Finalmente, o último e quinto capítulo aborda as disposições gerais, das quais detacamos a responsabilização do Chefe do Executivo Municipal pela não elaboração do plano diretor no prazo previsto no art. 50 do Estatuto[37].          

Destaca-se, também o disposto no art. 46 que prevê a possibilidade de estabelecimento de consórcio imobiliário como forma de viabilização financeira do aproveitamento do imóvel.

É, também, neste capítulo, que são previstos os prazos de elaboração de leis e projetos que atendam o disposto pelo Estatuto[38].           

    O parágrafo único do art. 1º, estabelece que o Estatuto da Cidade “estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”.

    Assim, o Município deve executar a política de desenvolvimento urbano nos referidos termos dispostos pelo Estatuto da Cidade, com observância das diretrizes gerais e utilizando-se dos instrumentos nele previstos.

Dentre os instrumentos estão os dispostos nos artigos 5º a 8º da Lei 10.257/ 01, quais sejam, parcelamento, edificação e utilização compusórios (objetos do presente estudo); IPTU progressivo no tempo e desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública.

Dentre as diretrizes da política de desenvolvimento urbano dispostas no art. 2º do Estatuto, está a que visa o combate à retenção especulativa imobiliária, nos termos da alínea e do inciso VI, que provoca a subutilização ou a não utilização da propriedade imobiliária urbana[39].

Sobre o tema, Carvalho Filho[40] vaticina que:

“Os proprietários de imóveis urbanos não podem deixar de compatibilizá-los com o plano diretor da cidade. Por isso, diz o Estatuto que deve ser evitada a retenção especulativa de imóveis que redunde em sua subutilização ou não utilização.”

Continua o autor afirmando que “o que é prejudicial à ordem urbanística é o não uso do imóvel ou seu uso inadequado objetivando o proprietário retê-lo para fins especulativos”. - g.n.

Os instrumentos previstos nos artigos supra citados – e que regulamentam o art. 182, §4º[41] da CF - têm como objetivo especial, cumprir as diretrizes previstas pelo Estatuto, buscando evitar a retenção especulativa de imóveis, em observância ao princípio da função social da propriedade.   

Zélia Leocádia da Trindade Jardim[42] pondera que a versão final do Estatudo da Cidade é resultado de “longos anos de processo legislativo no Congresso Nacional, desde 1982”, tendo institucionalizado as diretrizes gerais para a uniformização da políticas urbanas no país e “ratificou o papel do plano diretor, como um modelo institucional inovador e instrumento jurídico-político fundamental para a ampliação da cidadania, o ordenamento do solo urbano e a sustentabilidade da qualidade de vida de nossas cidades”.

Concluimos, assim, que o principal papel do Estatuto da Cidade ao regulamentar os arts. 182 e 183 da Carta Magna, é o de estabelecer diretrizes gerais de política urbana de modo a ordenar a efetiva observância da função social da cidade e da propriedade urbana.

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Sobre o autor
Wilson de Alcântara Buzachi Vivian

Advogado. Membro do escritório Advocacia Ramos Fernandez Sociedade de Advogados. Sócio da imobiliária Modelo Imóveis. Mestre em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito - Fadisp. Pós-graduado em Direito Imobiliário pela Faculdade Autônoma de Direito - Fadisp. Graduado pela Faculdade de Direito da Alta Paulista de Tupã.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIVIAN, Wilson Alcântara Buzachi. Estatuto da Cidade. Função social dos instrumentos urbanísticos:: parcelamento, edificação e utilização compulsória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4874, 4 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35597. Acesso em: 22 dez. 2024.

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