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Estatuto da Cidade. Função social dos instrumentos urbanísticos:

parcelamento, edificação e utilização compulsória

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6 – Procedimento

O procedimento administrativo de imposição pelo Município da obrigação de parcelar, edificar ou utilizar imóvel que não cumpra sua função social, estão regulados entre os parágrafos 2º e 5º do art. 5º do Estatuto da Cidade.

A observância do procedimento pela municipalidade é ato vinculado, “formalidade que não pode ser afastada pela lei específica municipal que disciplinar a matéria”, destaca Fernando Dias Menezes de Almeida, citado por Alexandre Levin[67].

De acordo com o §2º do referido artigo[68], o proprietário do imóvel considerado não edificado, subutilizado ou não utilizado, nos termos do plano diretor, deverá ser notificado pelo Município, para cumprimento da respectiva obrigação, devendo ser a notificação averbada no cartório de registro de imóveis.

Nas palavras de Carvalho Filho[69], “o efeito primordial da averbação da notificação é dar publicidade ao fato jurídico consistente na obrigação urbanística cominada ao proprietário (...) a publicidade produz efeito erga omnes”.

Não apenas, continua o autor, mas também pelo fato da notificação ser um ato administrativo, sendo a ela inerente “a marca da presunção de legitimidade, (...) que o ato é, em princípío, válido e eficaz, e que só se defaz se houver prova efetiva em sentido contrário.”

Pelo dispositivo supra, percebemos que a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar o solo urbano em desacordo com o plano direitor, só passará a ser exigível a partir da notificação ao proprietário do imóvel ou por edital, quando frustrada a notificação após três tentativas, nos termos do §3º[70].

No §4º do art. 5º[71], o Estatuto dispõe  sobre os prazos mínimos para que seja exigido o protocolo do projeto de urbanização, e para que seja dado início às respectivas obras, seja parcelamento, edificação ou utilização do solo, a atender a função social da propriedade urbana.

Assim, não poderá ser inferior a um ano o prazo de entrega do projeto ao Município, a partir da efetiva notificação. Para início das obras, a lei fixa prazo não inferior a dois anos, a contar da aprovação do projeto.

As ponderações de Carvalho Filho[72] a respeito da notificação prévia, nos remete ao Princípio do Devido Processo Legal[73], quando o autor afirma que :

“A notificação deve emanar de processo administrativo já instaurado previamente, e nele devem constar todos os elementos que demonstrem que o imóvel do proprietário está em desacordo com o plano urbanístico (...) explicar as razões da notificação para o cumprimento da imposição urbanística, no caso de irresignição do interessado (...) há de comportar a interposição de recurso administrativo pelo proprietário em prazo fixado no processo administrativo ou na própria lei (...) o prazo deve ser razoável e suficiente para que o interessado examine o processo administrativo e, se for o caso, apresente suas razões de recurso.” – g.n.

Como já mencionado, nos parece que a legislação é criteriosa na observância dos princípios inerentes ao Devido Processo Legal.

Note-se que a notificação é ato formal, vinculado e com objetivo de dar ciência ao proprietário da obrigação de parcelar ou edificar imóvel de sua propriedade.

Deve emanar de autoridade competente – “funcionário do órgão competente do Poder Público municipal” – em processo administrativo “previamente instaurado”, com todas as informações necessárias à ciência do proprietário acerca dos motivos da obrigação que lhe é imposta, com prazo para análise, cumprimento e eventual recurso administrativo, podendo o notificado “recorrer ao Judiciário para invalidar o ato notificatório se estiver contaminado de vício de legalidade”, vaticina o autor supra citado na sequência.

Finalizamos o tópico com importante consideração de Paulo Afonso Cavichioli Carmona[74], no sentido de que, “a transmissão do imóvel, por ato inter vivios ou causa mortis, posterior à data da notificação, transfere as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização, sem interuupção de quaisquer prazos (art. 6º).”


7 - IPTU progressivo no tempo

O imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo está previsto na Constituição Federal, art. 182, inciso II, §4º, como sanção a ser aplicada caso haja descumprimento na determinação de parcelamento ou edificação do imóvel.

  O art. 7º do Estatuto da Cidade é que trata do detalhamento dessa tributação progressiva, estabelecendo no caput do artigo que, havendo descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5o  do Estatuto ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5o do art. 5o da mesma lei, o Município aplicará o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU - progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.”

Deste modo, uma vez notificado para efetuar o parcelamento, a edificação ou utilização do imóvel que esteja em desacordo com o plano diretor, se o proprietário não cumprir os prazos previstos na lei específica, conforme dispõe o caput do at. 5º do Estatuto, o Município poderá exigir o pagamento do IPTU progressivo no tempo sobre a propriedade urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada, com o fim de forçar o proprietário a promover o adequado aproveitamento do imóvel.

De se notar que o artigo 7º do Estatuto segue o determinado pelo §4º do art. 182 da Carta Magna, que prescreve sanções que devem ser aplicadas sucessivamente, ou seja, “o IPTU progressivo no tempo somente será exigido em caso de descumprimento da obrigação de proceder à urbanização determinada pela lei específica de que trata o caput do art. 5º do Estatuto”.[75]           

Nos termos do dispositivo constitucional e da Lei 10.257/ 01, o Poder Público Municipal deve, primeiro, notificar o proprietário para que promova a edificação, o parcelamento ou a utilização do imóvel dentro das diretrizes do plano diretor e lei municipal específica.

Apenas se desatendidos os prazos para a entrega do projeto de urbanização ou utilização ou os prazos determinados para o início das obras devidas é que o proprietário arcará com o pagamento do IPTU progressivo.

Com relação aos prazos, Carvalho Filho ressalta que:

 “É a inobservância do prazo fixado em lei que vai gerar a possibilidade de aplicação da sanção seguinte em termos de gravidade, conforme a gradação sucessiva prevista no art. 182, §4º, da Constituição. Significa que, não cumprida a obrigação de parcelar ou de edificar no prazo estabelecido, fica o Poder Público municipal autorizado a impor ao recalcitrante o pagamento do IPTU progressivo no tempo.”

Análise de extrema relevância nos traz Carvalho Filho[76], a quem recorremos novamente.

O autor assevera que o ITPU progressivo no tempo não pode ser aplicado de imediato sobre os imóveis ainda não compatibilizado com o plano diretor, sendo necessária a observância rigorosa do devido processo legal.

Primeiro, diz o autor, pressuposto básico é a promulgação de lei federal, já observado com a Lei 10.257/ 10, pressuposto que deve ser complementado com a promulgação de lei municipal específica para área incluída no plano diretor, como consigna o art. 182, §4º, II, da CF.

Segue o autor, colocando como segundo pressuposto a situação fático-jurídica do imóvel urbano, que deve ser obrigatoriamente contrária ao plano diretor.

Finalmente, o terceiro pressuposto está no descumprimento pelo proprietário da obrigação de parcelamento ou edificação, que tenha sido devidamente notificado nos moldes do art. 5º do Estatuto.

Carmona[77] sintetiza a questão sendo taxativo no sentido de que o Estatuto é claro que a “tributação progressiva no tempo tem aplicação após a utilização, parcelamento ou edificação compulsórios.” – g.n.

Para concluirmos, válido lembrar que, se o proprietário parcela o imóvel ou nele edifica, de acordo com as imposições urbanísticas, o IPTU aplicável terá natureza meramente fiscal e não punitiva como instrumento urbanístico.

Finalmente, a norma relacionada ao IPTU progressivo é cogente, ou seja, não admite opção de conduta pelo Município que atua de forma absolutamente vinculada: não cumprida a obrigação, o Município procederá à aplicação do imposto, conforme determina o art. 7º do Estatuto, seguido do §3º[78] que veda a concessão de isenções ou anistia.

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8 – Desapropriação com pagamento em títulos

A desapropriação com pagamento em títulos é outro instrumento de que dispõe o Município para que seja garantida a observância ao princípio da função social da propriedade urbana.

          Com previsão constitucional no art. 182, §4º, II, esta modalidade de desapropriação também está prevista, como um dos instrumentos da política urbana, no art. 4º, “a”[79] do Estatudo e art. 8º[80] da mesma Lei, que disciplina a desapropriação mediante pagamento em títulos da dívida pública após cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização.

         A desapropriação em questão difere-se das demais modalidades previstas pelo ordenamento jurídico, primeiro pela sua finalidade, eminentemente voltada para a efetiva observância do princípio da função social da propriedade urbana e, segundo, por ser uma das sanções previstas pela legislação em estudo.

        José Carlos de Moraes Salles[81] bem define a desapropriação para fins de urbanização ou reurbanização, pela qual “não se cogita de uma possível valorização extraordinária das áreas adjacentes”, busca-se, primeiramente, “a recuperação urbanística de regiões citadinas atingidas por um evidente processo de deterioração ou implantação de núcleos industriais ou comerciais, que tornem as urbes mais funcionais, aumentando, portanto, o bem estar da população.”

           Note-se que a Constituição Federal prevê, no inciso XXIV do art 5º que: “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição”. – g.n.           

Além do disposto acima, o § 3º do próprio art. 182 em estudo, também prevê que “as desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.” – g.n.

           Porém, no parágrafo seguinte, autoriza a desapropriação em estudo, com caráter eminentemente punitivo, ao proprietário do imóvel urbano que, ao descumprir as diretrizes do plano diretor no uso de sua propriedade, tambem não atenda a determinação municipal de edificar, parcelar ou utilizar o imóvel nos termos do plano direitor e lei específica.

Uma vez notificado para tanto e após a incidência da tributação progressiva, está autorizado o Município a desapropriar o imóvel e, ao invés da “prévia e justa indenização em dinheiro” prevista no parágrafo terceiro, o proprietário infrator receberá como pagamento “títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais”[82].  

As palavras de Alexandre Levin[83] nos ajuda a melhor esclarecer a questão:

“A desapropriação prevista no §4º difere daquela prevista no parágrafo anterior, pois esta é paga com justa e prévia indenização, enquanto aquela é indenizada com títulos de dívida pública com prazo de resgate de até dez anos, justamente por possuir caráter sancionatório.”

 Concluímos com as considerações de Carvalho Filho[84], segundo o qual, é importante distinguir a desapropriação urbanística normal, prevista no art. 182, §3º da CF e no Decreto-lei nº 3.365/ 41 “que não indicando sanção, se enquadra como desapropriação geral,” e a desapropriação urbanística, prevista no §4º do mesmo dispositivo:

 “De natureza sancionatória, que, além do objetivo urbanístico a que se destina, ostenta o caráter de punição ao proprietário recalcitrante em observar as regras de política urbana da cidade.”

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Sobre o autor
Wilson de Alcântara Buzachi Vivian

Advogado. Membro do escritório Advocacia Ramos Fernandez Sociedade de Advogados. Sócio da imobiliária Modelo Imóveis. Mestre em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito - Fadisp. Pós-graduado em Direito Imobiliário pela Faculdade Autônoma de Direito - Fadisp. Graduado pela Faculdade de Direito da Alta Paulista de Tupã.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIVIAN, Wilson Alcântara Buzachi. Estatuto da Cidade. Função social dos instrumentos urbanísticos:: parcelamento, edificação e utilização compulsória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4874, 4 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35597. Acesso em: 26 abr. 2024.

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