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O crime de lavagem de dinheiro e o dolo eventual

23/01/2015 às 16:20
Leia nesta página:

Aquele que não conhece a origem criminosa dos valores que oculta, mas desconfia dela, pratica ou não o crime de lavagem de dinheiro?

Observemos o tipo penal presente na lei de lavagem de dinheiro, na redação dada pela Lei  nº 12.683, de 9 de julho de 2012, que revogou a Lei nº  9.613, de 3 de março de 1998:

Art. 1º: Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. 

Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.  

§ 1o  Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:

§ 2º  Incorre, ainda, na mesma pena quem: 

I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal;

O crime de lavagem de dinheiro exige como elemento subjetivo do tipo o dolo.

Não há dúvida alguma com relação a aplicação do dolo direto. Somente se realiza o tipo penal através do resultado.

No entanto, surgem dúvidas com relação ao chamado dolo eventual.

No dolo direto ou determinado, o agente prevê o resultado (consciência) e quer o resultado (vontade). No dolo eventual o agente prevê o resultado(consciência), não quer, mas assume o risco (vontade). O dolo eventual, espécie de dolo indireto ou indeterminado(dolo alternativo ou dolo eventual) distingue-se da culpa consciente, quando o agente não prevê o resultado (que era previsível) e não quer, não assume risco e pensa poder evitar.

Vem a pergunta: aquele que não conhece a origem criminosa dos valores que oculta, mas desconfia dela, pratica ou não o crime de lavagem de dinheiro?

Estudando os tipos penais, Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Bottini (Lavagem de dinheiro, 2ª edição, pág. 114), assim ensinam:

“No plano subjetivo, a nova redação legal traz uma novidade em relação à anterior. Naquela, a tipicidade caracterizava-se pelo uso de bens, direitos ou valores com plena ciência da proveniência delitiva. O termo “saber da procedência” constava no tipo penal. O dispositivo indicava expressamente o dolo direto. A nova redação suprime a referência ao conhecimento da origem infracional do bem.

A supressão da expressão “que sabe” teve o claro objetivo de agregar a punição pelo dolo eventual no caso de uso dos bens de origem suja. Ou seja, , o legislador estendeu a tipicidade àquele que suspeita da proveniência infracional, ainda assim os utiliza na atividade econômica ou financeira, assumindo o risco de praticar lavagem de dinheiro”.

O dolo eventual exige uma consciência concreta do contexto no qual se atua.  É mister que seja averiguado se o agente percebeu o perigo de agir, e se assumiu o risco de contribuir para um ato de lavagem.

Afasta-se o dolo eventual da imprudência ou desídia.

Pierpaolo Cruz Bottini (A tal cegueira deliberada na lavagem de dinheiro) fala em “cegueira deliberada”, que “seria uma espécie de dolo eventual, onde o agente sabe possível a prática de ilícitos no âmbito em que atua e cria mecanismos que o impedem de aperfeiçoar a sua representação dos fato”. A doutrina lançou o exemplo do doleiro que suspeita que alguns de seus clientes possam lhe entregar dinheiro sujo para operações de câmbio e, por isso, toma medidas para não ter ciência de qualquer informação mais precisa sobre os usuários de seus serviços ou sobre a procedência do objeto de câmbio.

Assim é possível equiparar a cegueira deliberada ao dolo eventual, desde que presentes alguns requisitos. Assim é essencial que o agente crie consciente e voluntariamente barreiras ao conhecimento com a intenção de deixar de tomar contato com a atividade ilícita, se ela vier a ocorrer. Se ele incorrer em desídia ou negligência, na formação dessas barreiras, não haverá dolo eventual, podendo haver culpa consciente.

Disse Pierpaolo Bottini(obra citada):

“O diretor de uma instituição financeira não está em cegueira deliberada se deixa de tomar ciência de todas as operações em detalhes do setor de contabilidade a ele subordinada, e se contenta apenas com relatórios gerais. A otimização da organização funcional da instituição não se confunde com a cegueira deliberada. Da mesma forma, não se reconhece o instituto nos casos em que o mesmo diretor deixa de cumprir com normas administrativas — como a instituição de comitê de compliance — por negligência. A falta de percepção da violação da norma de cuidado afasta o dolo eventual.”

Se ao direito lhe faltar absolutamente a consciência da origem da origem delitiva dos bens, certamente ficará excluído do dolo eventual.

Se não ficar comprovada qualquer representação sobre a possibilidade de mascaramento de capitais, não haverá ainda o dolo eventual, e não se poderá se falar de conduta ilícita.

Mas, como ainda bem observou PIerpaolo Bottini (obra citada), se o diretor suprimir os sistemas de compliance e desativar mecanismos de comunicação, representando a possibilidade  de prática de lavagem de dinheiro, haverá dolo eventual.

Exige-se a intenção de mascaramento no tipo penal em discussão.

Se a tese do dolo eventual for aceita, se alguém receber de uma empresa que sonega impostos, pode vir a ser investigado por crime de lavagem de dinheiro, ao utilizar tais valores.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O crime de lavagem de dinheiro e o dolo eventual . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4223, 23 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35626. Acesso em: 21 nov. 2024.

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