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Princípio da dignidade da pessoa humana como instrumento de reconhecimento do direito sucessório às famílias simultâneas

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O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NAS RELAÇÕES DO DIREITO DE FAMÍLIA.

A Constituição Federal de 1988 traz em seu artigo primeiro os princípios que devem reger suas relações jurídicas. Entre eles o principio da dignidade da pessoa humana, como norteador de todas as relações envolvendo as pessoas.

Este princípio aplicado ao Direito de Família e com implicação direta ao Direito Sucessório faz com que se tenha a ideia de que a afetividade é ponto fundamental para a criação de laços familiares, quebrando paradigmas e conceitos que impedem com que determinados modelos de famílias sejam aceitos pela sociedade.

Desta forma, as normas jurídicas devem ser criadas para garantir os direitos das pessoas e consequentemente sua dignidade.

JURISPRUDÊNCIA

Sobre o assunto, separamos alguns julgados relacionados ao tema:

APELAÇÃO. UNIÃO DÚPLICE. UNIÃO ESTÁVEL. PROVA. MEAÇÃO. "TRIAÇÃO". SUCESSÃO. PROVA DO PERÍODO DE UNIÃO E UNIÃO DÚPLICE A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união entre a autora e o de cujus em período concomitante a outra união estável também vivida pelo de cujus. Reconhecimento de união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. MEAÇÃO (TRIAÇÃO) Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre as companheiras e o de cujus. Meação que se transmuda em “triação”, pela duplicidade de uniões. DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. POR MAIORIA. (Apelação Cível Nº 70011258605, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 25/08/2005).

Na mesma linda:

Embargos infringentes - União estável - Relações simultâneas. De regra, não é viável o reconhecimento de duas entidades familiares simultâneas, dado que em sistema jurídico é regido pelo princípio da monogamia. No entanto, em Direito de Família não se deve permanecer no apego rígido à  dogmática, o que tornaria o julgador cego à riqueza com que a vida real se apresenta. No caso, está escancarado que o "de cujus" tinha a notável capacidade de conviver simultaneamente com duas mulheres, com elas estabelecendo relacionamento com todas as características de entidades familiares. Por isso, fazendo ceder a dogmática à realidade, impera reconhecer como co-existentes duas entidades familiares simultâneas. Desacolheram os embargos, por maioria. (TJRS, 4º Grupo Cível, Embargos Infringentes n.º 70013876867, rel. Des. Luiz Ari Azambuja Ramos, j. 10.3.2006; por maioria).

UNIÕES ESTÁVEIS. CONCOMITÂNCIA. Civil. Ações de Reconhecimento de Uniões Estáveis "post mortem". Reconhecimento judicial de duas uniões estáveis havidas no mesmo período. Possibilidade. Excepcionalidade. Recursos desprovidos. 1 - Os elementos caracterizadores da união estável não devem ser tomados de forma rígida, porque as relações sociais e pessoais são altamente dinâmicas no tempo. 2 - Regra geral, não se admite o reconhecimento de duas uniões estáveis concomitantes, sendo a segunda relação, constituída à margem da primeira, tida como concubinato ou, nas palavras de alguns doutrinadores, "união estável adulterina", rechaçada pelo ordenamento jurídico. Todavia, as nuances e peculiaridades de cada caso concreto devem ser analisadas para uma melhor adequação das normas jurídicas regentes da matéria, tendo sempre como objetivo precípuo a realização da justiça e a proteção da entidade familiar - desiderato último do Direito de Família. 3 - Comprovado ter o "de cujus" mantido duas famílias, apresentando as respectivas companheiras como suas esposas, tendo com ambas filhos e patrimônio constituído, tudo a indicar a intenção de constituição de família, sem que uma soubesse da outra, impõe-se, excepcionalmente, o reconhecimento de ambos os relacionamentos como uniões estáveis, a fim de se preservar os direitos delas advindos. 4 - Apelações desprovidas. (TJDF, 1ª Turma Cível, Apelação Cível n.º 2005031015372-9, rel. Des. Nívio Geraldo Gonçalves, j. 27.02.2008, m.v.).

Sobre a defesa da monogamia, o STJ já trouxe em seus julgados ecisão com os seguintes termos:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÕES ESTÁVEIS SIMULTÂNEAS. IMPOSSIBILIDADE. REQUISITOS LEGAIS. EQUIPARAÇÃO A CASAMENTO. PRIMAZIA DA MONOGAMIA. RELAÇÕES AFETIVAS DIVERSAS. QUALIFICAÇÃO MÁXIMA DE CONCUBINATO. RECURSO DESPROVIDO. 1. O Pretório Excelso já se manifestou pela constitucionalidade da convocação de magistrado de instância inferior para, atuando como substituto, compor colegiado de instância superior, inexistindo, na hipótese, qualquer ofensa ao princípio do juiz natural. 2. A via do agravo regimental, na instância especial, não se presta para prequestionamento de dispositivos constitucionais. 3. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional nos embargos de declaração, se o Tribunal de origem enfrenta a matéria posta em debate na medida necessária para o deslinde da controvérsia, ainda que sucintamente. A motivação contrária ao interesse da parte não se traduz em maltrato aos arts. 165, 458 e 535 do CPC. 4. Este Tribunal Superior consagrou o entendimento de ser inadmissível o reconhecimento de uniões estáveis paralelas. Assim, se uma relação afetiva de convivência for caracterizada como união estável, as outras concomitantes, quando muito, poderão ser enquadradas como concubinato (ou sociedade de fato). 5. Agravo regimental a que se nega provimento. STJ - AgRg no Ag: 1130816 MG 2008/0260514-0, Relator: Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), Data de Julgamento: 19/08/2010, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/08/2010.

As jurisprudências citadas acima mostram que mesmo o tema sendo tratado muitas vezes com menosprezo, apresenta-se de forma bem frequente no judiciário, merecendo atenção especial por parte dos nossos legisladores e operadores do direito, devendo cada caso ser analisado, com a importância que merece.


CONCLUSÃO

Os modelos familiares e as relações jurídicas estabelecidas a partir deles como o direito de sucessões sofrem muitas mudanças durante o tempo, reflexo da dinâmica estabelecida pela sociedade no que diz respeito as formas como as pessoas se relacionam. A forma como as famílias se estruturam hoje levam em consideração principalmente as relações de afeto estabelecidas entre as pessoas.

Existem discussões entre a possibilidade de a(o) concubina(o), ter ou não direito a participar da sucessão do falecido, juntamente com o cônjuge ou companheiro(a) sobrevivente.

O reconhecimento no plano legal das famílias simultâneas abrem importantes questões no âmbito do direito da família e das sucessões, como o direito da concubina no patrimônio do “de cujus”, o do direito desta nas relações que envolvem seus enteados.

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O parlamento precisa despir-se do moralismo que impede como que o direito avance e acompanhe as transformações sociais, sob pena de cometer injustiças e desrespeitar o princípio da dignidade da pessoa humana.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre o autor
Hemerson Daniel Fernandes de Sousa

Advogado, formado pela Universidade Federal do Piauí, Assessor Jurídico da Vice-Governadoria do Estado do Piauí, Consultor Parlamentar na Assembléia Legislativa do Estado do Piauí, Coordenador-Geral do Congresso de Ciência Política e Direito Eleitoral do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANIEL, Hemerson Fernandes Sousa. Princípio da dignidade da pessoa humana como instrumento de reconhecimento do direito sucessório às famílias simultâneas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4920, 20 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35749. Acesso em: 4 mai. 2024.

Mais informações

Artigo realizado sob orientação da Prof.ª Ms. Christianne Matos para conclusão da disciplina de Direito das Sucessões.

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