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Caso goleiro Bruno: erros técnicos-jurídicos na dosimetria da pena

02/02/2015 às 09:42
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Houve erros técnicos-jurídicos existentes na sentença que condenou o goleiro Bruno pela morte de Eliza Samúdio: a pena poderia ser de aproximadamente 23 anos só pelo homicídio.

A condenação do goleiro Bruno pela morte de Eliza Samúdio aconteceu no dia 08 de março de 2013 e foi fixada pelo Tribunal do Júri da Comarca de Contagem (MG). De fato, ela já era esperada, mormente após a condenação de seu "braço direito", o Luiz Henrique Ferreira Romão, conhecido como “Macarrão”, ocorrida em novembro de 2012.

Ocorre que, da análise do referido édito condenatório[1], com a devida venia, vislumbra-se a existência de alguns erros técnicos-jurídicos, vez que, considerando somente a fundamentação exposta (a qual, frise-se, não concordamos, conforme se demonstrará), a sanção penal a ser imposta ao referido atleta deveria ser bem maior que os 17 (dezessete) anos e 6 (seis) meses fixados na sentença condenatória, senão vejamos.

Inicialmente, cabe registrar, que analisaremos apenas a fundamentação do crime de homicídio triplamente qualificado (art.121, §2º, incisos I, III e IV do Código Penal brasileiro) pelo qual Bruno fora condenado pela morte de Eliza Samúdio, deixando de lado, assim, a análise dos crimes de Sequestro (art. 148, §1º, IV, CP) e Ocultação de Cadáver (art.211, CP).

Como é sabido, o juiz ao dosar (fixar) a pena deve se atentar para os vetores previstos no art. 59 do Código Penal brasileiro ("O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime..."), sendo que os mais comezinhos princípios sobre dosimetria da pena direcionam para que, caso todas as circunstâncias judiciais (as previstas no art.59 do CP) sejam favoráveis ao condenado, a pena-base deverá ser fixada no patamar mínimo previsto no preceito secundário do tipo penal.

A seu turno, caso as mesmas circunstâncias judiciais sejam todas desfavoráveis, a pena-base deverá ser fixada no patamar máximo. Se houver apenas uma circunstância judicial desfavorável, a pena deverá ser fixada um pouco acima do mínimo previsto na lei penal.

Ocorre que, no caso do goleiro Bruno, a douta magistrada sopesou 6 (seis) circunstâncias judiciais negativas (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, circunstâncias e consequências do crime) e mais 2 (duas) qualificadoras (do emprego de asfixia e do recurso que dificultou a defesa da vítima) para fixar a pena-base, ou seja, no total foram 8 (oito) circunstâncias negativas, mesmo número das circunstâncias previstas no art. 59 do CP. 

Como dito linhas acima, caso todas as circunstâncias judiciais sejam desfavoráveis ao réu, como foi a hipótese do goleiro Bruno, vez que ao total foram sopesadas 8 (oito) circunstâncias desfavoráveis a ele, a pena-base deveria ter sido fixada no patamar máximo (ou o mais perto disso, vez que não estamos diante de simples questão matemática) da pena do crime de Homicídio qualificado, qual seja, em 30 (trinta) anos, não nos 20 (vinte) que lhe foram impostos. Neste sentido, confira o magistério de Guilherme de Souza Nucci[2]in verbis:

[...] Há possibilidade legal e, em certos casos, viabilidade concreta e desejável de se estabelecer o máximo previsto no tipo penal secundário para determinados delinquentes. O raciocínio é exatamente o inverso do utilizado pelo julgador para atingir a pena mínima: se todas as circunstâncias do art. 59 apresentam-se desfavoráveis, inexiste outro caminho senão partir da pena-base estabelecida no máximo. (negrito nosso)

Em outras palavras, a pena-base aplicada a Bruno deveria ter sido de 30 anos, vez que a magistrada em sua fundamentação consignou 8 (oito) circunstâncias desfavoráveis. 

Para não haver dúvidas, cabe destacar, quando há mais de uma qualificadora, como no caso em testilha que tinham 3 (três), uma delas serve para qualificar o homicídio e as outras podem tanto ser utilizadas na análise das circunstâncias judiciais (1ª fase da fixação da pena) ou como agravantes (na 2ª fase). In casu, a juíza, acertadamente, considerou o motivo torpe para qualificar o crime e as outras duas na análise das circunstâncias judiciais. Ou seja, considerando as 6 circunstâncias judiciais negativas somadas às 2 (duas) qualificadoras, chegou-se ao número de 8 circunstâncias negativas. 

Após a fixação da pena-base, que no caso do goleiro Bruno foi fixada – com a devida venia, equivocadamente, pensamos nós - em 20 (vinte) anos, deveria ter sido neutralizada a agravante (art. 62, I do CP - quando o agente dirige a atividade dos demais agentes) com a atenuante (art.65, III, "d" do CP - quando o agente confessa a autoria do crime), ou seja, não deveria ter sido realizada a valoração de tais circunstâncias, eis que, por possuírem o mesmo valor (jurisprudencialmente fixado em 1/6) e a mesma natureza (subjetiva), deveriam ter sido reconhecidas na sentença, mas não aplicadas. Neste diapasão, o magistrado baiano Ricardo Augusto Schmitt[3] leciona que:

Eis a única hipótese em que a jurisprudência admite a neutralização entre as circunstâncias, ou seja, a pena não sofrerá nenhuma alteração.

Somente ocorrerá a neutralização de uma circunstância por outra na hipótese de serem da mesma espécie, ou seja, atenuante subjetiva com agravante subjetiva ou atenuante objetiva com agravante objetiva e, ainda, desde que não estejam inseridas no art. 67 do Código Penal, caso contrário sempre haverá a preponderância de uma sobre a outra.

Muito embora pareçam sinônimos, não se trata de compensação ou anulação de uma circunstância por outra, mas sim de neutralização de seus efeitos. (negrito nosso)

Desta forma, considerando a fundamentação constante da sentença condenatória (a qual equivocadamente, frise-se, considerou 8 circunstâncias negativas contra o goleiro Bruno), vislumbra-se que a pena-base deveria ter sido fixada em aproximadamente 30 (trinta) anos e que, em face neutralização dos efeitos da agravante e da atenuante supracitadas, bem como em razão da inexistência de causas especiais de aumento ou diminuição da pena, a pena-base deveria se tornar definitiva (30 anos). 

Ademais, há que se destacar, que a sentença condenatória não observou o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no que se refere ao quantum a ser dado à atenuante da confissão e da agravante, vez que, não obstante a doutrina e jurisprudência majoritárias entenderem que deve ser aplicado o montante de 1/6 (um sexto) para ambas as circunstâncias (agravante e atenuante), a juíza deu o valor de 3 (três) anos para a atenuante e de apenas 6 (seis) meses para a agravante, ou seja, faltou razoabilidade e proporcionalidade, vez que agravantes e atenuantes devem possuir o mesmo quantum, exceto quando há preponderância entre elas (como preconizado pelo art.67 do CP), o que não é a hipótese em apreço.

Contudo, consideramos que houve um erro no que tange ao reconhecimento e valoração de 3 (três) circunstâncias judiciais (antecedentes, conduta social e consequências do crime) consideradas desfavoráveis ao goleiro Bruno, senão vejamos. 

Primeiramente, a magistrada considerou como circunstância judicial negativa os antecedentes, tendo em vista que ele já havia sido condenado anteriormente. Ocorre que, segundo entendimento predominante de nossos Tribunais Superiores (STF e STJ), a existência de inquéritos e processos sem trânsito em julgado não servem para caracterizar maus antecedentes, sob pena de violação frontal à garantia constitucional da Presunção de Inocência (art.5º, LVII, CF/88 - "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória"), verdadeira garantia individual. Neste sentido, recentemente o STJ sumulou a matéria em seu verbete de número 444, in verbis: "É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base".

Em segundo lugar, foi considerada negativa a conduta social do goleiro Bruno em face de supostas informações de que ele tinha envolvimento com o tráfico de drogas e também com a face obscura do mundo do futebol. Em primeiro lugar, insta salientar que meras suposições de participação em atividade criminosa, sem que haja prova cabal, não admite a exasperação da pena-base por má conduta social. A seu turno, se o goleiro Bruno participava de orgias (independentemente de comprovação) tal fato não deve ser considerado como fator negativo de conduta social, vez que esta se refere apenas à conduta social do réu no seio familiar, da comunidade e do trabalho, ou seja, não tem nada a ver com as festas de que participava ou de que modo eram realizadas. 

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Outrossim, outro equívoco se referiu à circunstância judicial das consequências do crime que foram consideradas negativas, onde se lê que: "[...] foram graves, eis que a vítima deixou órfã uma criança de apenas quatro meses de vida (fls.5)". Ora, tal fundamento não é valido para considerar negativa as consequências do crime, tendo em vista que não transcendeu o resultado típico. No crime de homicídio (Crime Rei), ante a gravidade do delito, a pena fixada abstratamente já é suficientemente alta e proporcional ao bem jurídico tutelado, ou seja, a vida.

Por isso, somente quando as consequências ultrapassarem o resultado típico é que será possível considerar tal circunstância negativa, sob pena de odiável bis in idenIn casu, temos que a consequência do delito não ultrapassou o resultado típico. Neste diapasão, cabe trazer à baila mais uma vez os ensinamentos de Guilherme Nucci[4]:

O mal causado pelo crime, que transcende o resultado típico, é a consequência a ser considerada para a fixação da pena. É lógico que num homicídio, por exemplo, a consequência natural é a morte de alguém e, em decorrência disso, uma pessoa pode ficar viúva ou órfã. Diferentemente, um indivíduo que assassina a esposa na frente dos filhos menores, causando-lhe um trauma sem precedentes, precisa ser mais severamente apenado, pois trata-se de uma consequência não natural do delito. (negrito nosso)

No mesmo sentido, o jurista e professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO[5] ensina que:

É defeso ao magistrado elevar a sanção, no trabalho de motivação e aplicação da pena, em razão da virulência do ataque ou da gravidade de lesão ao bem jurídico, tomando circunstâncias já consideradas no tipo incriminador. Se assim o fizer, incidirá no bis in idem, repetindo para a gravidade do crime a modalidade ou o grau de intensidade da ofensa, ambos já considerados e avaliados pelo legislador ao fixar a quantidade da pena mínima.

Desta forma, consideramos que as três circunstâncias judiciais supracitadas (antecedentes, conduta social e consequências do crime) não deveriam ter sido consideradas negativas contra o goleiro Bruno.

Assim, eliminando estas 3 (três) circunstâncias judiciais, restariam apenas 5 circunstâncias negativas (já consideradas as  2 (duas) qualificadoras acima destacadas), devendo por isso, em homenagem ao princípio constitucional da individualização da pena, a pena-base do goleiro Bruno deveria ser fixada aproximadamente em 23 (vinte e três) anos e 2 (dois) meses de reclusão.

Por seu turno, considerando que os efeitos da atenuante deveriam ser neutralizados pelos da agravante ante seu mesmo valor (1/6) e sua natureza subjetiva, bem como pela inexistência de causas especiais de aumento ou diminuição da pena, a pena definitiva do goleiro Bruno só com relação ao homicídio praticado contra Eliza Samúdio seria de aproximadamente 23 (vinte e três) anos e 2 (dois) meses de reclusão, por ser a reprimenda necessária e suficiente ao crime praticado (homicídio triplamente qualificado), não apenas os 17 (dezessete) anos e 6 (seis) meses de reclusão que lhe foram impostos na sentença condenatória.


NOTAS

[1]http://media.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/03/08/079_10_035_624_9_art_121_i_iii_e_iv_2reus_nc_bruno_e_dayanne.pdf

[2]  Individualização da Pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.341.

[3] Sentença Penal Condenatória. 7ª Edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p. 239.

[4]  Individualização da Pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.226.

[5] Dosimetria da pena: causas de aumento e diminuição. 1ª ed. 2ª tir. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p.42.

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Sobre o autor
Adão Mendes Gomes

Advogado; Graduado em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB); Ex-Juiz Leigo do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia; Especialista em Ciências Criminais; Especialista em Direito Processual Penal; Autor de livros jurídicos e artigos jurídicos; Autor do blog jurídico "O Direito na Berlinda", que trata especialmente de temas ligados ao Direito Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Adão Mendes. Caso goleiro Bruno: erros técnicos-jurídicos na dosimetria da pena. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4233, 2 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35841. Acesso em: 5 nov. 2024.

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