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Comissão de permanência.

Sua natureza, legalidade e aplicabilidade

01/01/2003 às 00:00
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            Os que militam na área bancária ou mesmo os consumidores que se utilizam tais serviços se deparam constantemente com a comissão de permanência. Instituída pela Resolução nº 1.129/86, do Banco Central do Brasil, trata-se de valor cobrando do mutuo após o vencimento da obrigação, podendo ter sua incidência concomitante aos juros moratórios. Ao longo do tempo a Comissão de Permanência, vem suscitando inúmeras controvérsias quanto a sua natureza, legalidade e aplicabilidade, fato esse que procuraremos esclarecer neste trabalho, para tanto, utilizamos o método dedutivo, pesquisas bibliográfica e jurisprudencial, para ao final demonstrarmos que a Comissão de Permanência é legal, possui natureza de correção monetária.

            Primeiramente, informamos que algumas vezes usaremos a sigla CP para indica o termo "comissão de permanência".

            O que afinal ela representa juros remuneratórios, compensatórios ou correção monetária? Qual sua natureza? Sua incidência é legal? Essas e outras perguntas serão analisadas e esclarecidas neste trabalho.

            A abordagem do assunto é pertinente, pois freqüentemente nos deparamos com o problema, frente a sua legalidade, aplicabilidade e natureza, sem se falar que o nosso judiciário é constantemente solicitados para decidir sobre a matéria, estando abarrotado de processos, evidenciando o quão importante à elucidação do tema.

            O Banco Central do Brasil (1), com poderes conferidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), através da Resolução n.º 1.129/86, na forma do artigo 9º da Lei 4.595, de 31/12/64, facultou aos bancos e sociedades de arrendamento mercantil a cobrança da comissão de permanência, assim sendo, é legítima a sua exigência, pois instituída por órgão competente.

            A Resolução n.º 1.129 de 15 de maio de 1986, do Banco Central do Brasil, determinou:

            "O BANCO CENTRAL DO BRASIL, na forma do artigo 9º da Lei n.º 4.595/64, de 31/12/64, torna público que o CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL, em sessão realizada nesta data, tendo em vista o disposto no artigo 4º, inc. VI e XI, da referida Lei. (2)

            RESOLVEU:

            I – Facultar aos bancos comerciais, bancos de desenvolvimento, bancos de investimento, caixas econômicas, cooperativas de crédito, sociedade de crédito, financiamento e investimento e sociedades de arrendamento mercantil cobrar de seus devedores por dia de atraso no pagamento ou na liquidação de seus débitos, além de juros de mora na forma da legislação em vigor, "comissão de permanência", que será calculada às mesmas taxas pactuadas no contrato original ou à taxa de mercado do dia do pagamento.

            II – Além dos encargos previstos no item anterior, não será permitida a cobrança de quaisquer outras quantias compensatória pelo atraso no pagamento dos débitos vencidos".

            A respeito assim vem se expressando a doutrina:

            "Comissão de permanência, Súmula 596. A Lei da Reforma Bancária (Lei n.º 4.595/64, art. 4º, VI e XI) veio derrogar as determinações da Lei de Usura relativamente às operações bancárias, que passam a sujeitar-se aos limites estabelecidos para as taxas de juros pelo Conselho Monetário Nacional, por intermédio do Banco Central (3)".

            Observa-se, portanto que a cobrança da comissão de permanência possui autorização legal.

            E não é sem razão que a questão foi assim decidida, no âmbito do Excelso Pretório: Lei de Usura – Sua inaplicabilidade às operações e serviços bancários ou financeiros – desde o advento da Lei n.º 4.595/64, de 31.12.64, os percentuais de juros, descontos, comissões, taxa remuneratória de serviços e outras formas de remuneração de operações e serviços dos estabelecimentos bancários e financeiros não estão mais sujeitos aos limites fixados pela Lei da Usura (Dec. 22.626/33), DEVENDO FIDELIDADE EXCLUSIVA AOS PERCENTUAIS ESTABECIDOS PELO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL, COFORME DECISÃO PLENÁRIA DESTE EGRÉGIO STF – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO (RTJ 78/624).

            Inúmeras foram às decisões no mesmo sentido, que culminou com a sumula 30 (4), do STJ que assim posicionou-se: "A comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis".

            Deixa cristalino, aquela Corte, que comissão de permanência e a correção monetária são faces da mesma moeda, ou seja, possuem a mesma natureza.

            Assim a comissão de permanência é um instrumento de correção monetária do saldo devedor, não sendo, portanto juros remuneratórios (5) ou compensatórios (6).

            Fica evidente o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, que não seria lícito à cobrança bis in idem, isso é verdade quando se trata de obrigações pré-fixadas, todavia quando o contrário ocorre, ou seja, obrigação seja pós-fixada "em que o percentual correspondente à correção monetária é aferido no momento do vencimento da operação financeira, com base nos índices que, segundo o entendimento das partes, deveriam refletir a variação efetiva do poder de compra da moeda ocorrido no período de vigência do contrato, é óbvio que a comissão de permanência, à taxa de juros pós-fixada, para o período pós-vencimento da obrigação, vem autorizando a imposição concomitante do índice de correção monetária da obrigação, estabelecido no contrato, sem que ocorra um bis in idem em matéria de incidência de correção monetária, e assim também vêm decidindo os demais Tribunais". (7)

            Veja a esse respeito como se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça: "A comissão de permanência, quando equivalente aos juros e a este título cobrada na forma do contrato, pode ser cumulada com a correção monetária". (8)

            Poderemos chegar à conclusão, com reflexos importantes na esfera social, que a equiparação da comissão de permanência à correção monetária, está obstada a possibilidade de sua cobrança da comissão de permanência acima dos índices oficiais de correção monetária. Assim, para que se verifique possível abuso na mencionada cobrança, basta apenas comparar o índice da comissão de permanência cobrado pelas instituições financeiras e aqueles estabelecidos nos contratos.

            Não é de se estranhar, destarte, que tenha decidido o STJ que a comissão de permanência não deve ultrapassar os limites da correção monetária, como se observa:

            "(...) II - Nas operações financeiras, a comissão de permanência, quando pactuada, pode ser exigida até o efetivo pagamento da dívida, não podendo, entretanto, ser cumulada com a correção monetária, nem ultrapassar os limites desta.

            III - É lícito ao credor pretender a cobrança da comissão de permanência até o ajuizamento da execução e a incidência da correção monetária a partir dessa data, até o limite da correção (9)".

            Não há a menor dúvida de que a cobrança da comissão de permanência deve ser efetuada nos limites dos índices da correção monetária, e não mais que isso, do contrário sua cobrança se torna ilegal.

            Este posicionamento é o que vem sendo adotado pelo Superior Tribunal de Justiça como se abstrai do julgado abaixo:

            Ementa: Contrato de abertura de crédito. Comissão de permanência. Correção monetária. Precedentes da Corte.

            1. Precedentes da Corte autorizam a cobrança da comissão de permanência, desde que devidamente pactuada e não cumulada com a correção monetária.

            2. Recurso especial conhecido e provido (10).

            No mesmo sentido o Resp. nº 86668-SP, Resp. nº 32998-MG, Resp. nº 5341-MG, Resp. nº 188517-RS, observa-se que não controvérsia a respeito da matéria, ou seja, é indiscutível a legitimidade da cobrança, quando prevista contratualmente, a ilegalidade está no fato de haver cobrança cumulada com correção monetária, o que não é possível, pois possuem a mesma natureza ou por instituições não enumeradas no item I, da Resolução nº 1.129/86.

            Esse entendimento vem ganhando força nos tribunais, veja o que decidiu recentemente o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

            A previsão pura e simples acerca da aplicabilidade de comissão de permanência, desvinculada de qualquer parâmetro correcional, constitui, por ficar ao exclusivo alvedrio do banco mutuante, cláusula potestativa não passível, pois, de exigibilidade (11).

            Esse entendimento também é compartilhado pelo Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul: "A comissão de permanência, por sua natureza e finalidade se identifica com o instituto da correção monetária daí, porque, fica a comissão de permanência substituída pela correção monetária".

            O consumidor para que não seja ludibriado com cobranças abusivas deve verificar ao contratar, com qualquer instituição constante do item I, da Resolução 1.129/86, qual o índice utilizado e se o mesmo é oficial, pois a base de cálculo da CP e o índice acordado no contrato ou a taxa de mercado praticada do dia do pagamento, tanto é verdade que o Banco Central do Brasil não fornece tais índices ou sequer regula valores mínimos e máximos a serem praticados nesta modalidade de operação, ficando sua cobrança baseada nos termos do contrato, mas que entendemos ter por base, como já dito, índices oficiais caso contrária sua cobrança é ilegal.

            Equivocadamente alguns autores denominam a comissão de permanência de juros remuneratórios, ou ainda, de juros convencionais, de qualquer forma o STJ entendeu que sua natureza é de correção monetária, partilhamos também desse entendimento pelos motivos acima expostos.

            Da leitura da Resolução nº 1.129/86, chega-se à conclusão obvia de que além da cobrança da CP há a cobrança de juros moratórios; talvez seja esse o motivo que levou alguns autores a denominarem a mesma de juros remuneratórios ou convencionais ou até mesmo de juros compensatórios, assim para estes a CP tem natureza de juros. Todavia temos entendimento análogo ao do STJ, pois após o vencimento da obrigação segundo a própria Resolução nº 1.129/86, há incidência apenas de juros moratórios (12) e da CP, não sendo "permitida a cobrança de quaisquer outras quantias compensatórias pelo atraso no pagamento dos débitos vencidos" fato esse reiteradamente decido pelo Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:

            EMENTA: Recurso especial. Contratos Bancários. Código de Defesa do Consumidor. Aplicabilidade. Comissão de permanência. Cláusula abusiva. Súmula 5/STJ. Cumulação com multa. Súmula 283/STF. Limite de juros. Lei 4.595/64. Instituição financeira. Súmula 596/STF. Lei de Usura. Inaplicabilidade.

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            I – As instituições financeiras estão sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor. Precedentes.

            II – É abusivo o estabelecimento de comissão de permanência cumulada com a cobrança de multa (Resolução n. 1.129/86 do BACEN).

            III – Não incide o limite de juros estabelecido pela Lei de Usura nos contratos em geral firmados com instituição financeira. Interpretação dada à Lei nº 4.595/64 pela Súmula 596/STF.

            IV – A jurisprudência predominante do STJ veda, em princípio, a inclusão do nome do devedor nos registros do SERASA, SPC, e outras entidades semelhantes quando discutido judicialmente o débito.

            V – Recurso especial parcialmente provido.

            Da ementa acima, o Ministro Relator Antônio de Pádua Ribeiro em seu voto, assim se expressou:

            No que concerne à comissão de permanência, o acórdão recorrido vedou sua cobrança em homenagem a Súmula desta Corte (enunciado nº 30, que assevera como inviável a sua cumulação com a correção monetária, e ainda por entender como "cláusula contratual abusiva, nula de pleno direito, em face do que dispõe o art. 51, § 1º, II e IV, do Código de Defesa do consumidor, mormente considerando que já incidem juros moratórios e multa contratual sobre os valores em atraso". (fl. 171).

            Assim, a comissão de permanência foi afastada pela análise da cláusula contratual face o seu caráter abusivo (art. 51 do CPC), o que, em princípio, impossibilita sua apreciação devido ao óbice da Súmula nº 5/STJ (13).

            Pela interpretação do voto do Relator, observa-se que havendo contrato em que haja cobrança simultânea de CP, juros de mora e multa contratual, a CP deve ser afastada por ser abusivo, nos termos do artigo 51, § 1º, inciso II e IV, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. No mesmo sentido podemos citar o Recurso especial nº 402242/MG (14).

            Juros são sempre pré-estabelecidos, conhecendo-se desde da assinatura do contrato, nunca após o vencimento da obrigação; o que pode ser estabelecido previamente ou diferido para o dia do vencimento ou após, são os índices de correção monetária, assim mais uma vez fica claro pela sua incidência após o vencimento da obrigação, que a CP, não possui natureza de juros mais sim de correção monetária.

            Como visto, pelo entendimento do STJ, denominar a CP como sendo juros não possui qualquer cabimento, vez que a CP e correção monetária (15) tem a mesma natureza, ou seja, faces da mesma moeda não podendo jamais ser equiparada a juros.

            Em síntese a cobrança da comissão de permanência cumulado com correção monetária é ilícita, sua cobrança se torna legal quando não cumulada com correção monetária e que não exceda os limites dos índices de correção monetária oficiais.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

            BRASIL. Decreto nº 2.181, de 20 março de 1997. Dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC, estabelece as normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, revoga o Decreto nº 861, de 09 de julho de 1993, e dá outras providências.

            BRASIL. Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Juarez de Oliveira. 26ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1996.

            BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recursos Especiais nº 226752/PR, 86668/SP, 32998/MG, 5341/MG, 188517/RS, 364.014/RS e 402242/MG.

            BRASIL. Portaria nº 3, de 15 março de 2001 e 4 de 13 de março de 1998, Ministério da Justiça – Secretaria de Direito Econômico.

            BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução nº 1.129 de 1986., Institui a cobrança da Comissão de Permanência.

            LUPINACCI, Ronaldo Ausone. In Limite da Taxa de Juros no Brasil, São Paulo: Editora de Direito, 1999.

            Romualdo Wilson Cançado e Orlei Claro de Lima. In Juros, Correção Monetária – Danos Financeiros Irreparáveis, 2ª Edição, Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

            PARIZATTO, João Roberto, in Multas e Juros no direito Brasileiro, São Paulo: Editora de Direito, 1996.


Notas

            1. DJU. 26 - p. 1161 - 0702/94.- Processual civil. Competência do Banco Central do Brasil. Legitimidade. Resolução nº 1.154- 86 BACEN Súmula nº 23 STJ. Compete ao Banco Central cumprir e fazer cumprir as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional relativo a encargos financeiros instituídos pela Resolução nº 1.154- 86 - BACEN. Recurso conhecido e provido. Recurso especial nº 33.735-9-RS. STJ.

            2. A Resolução entrou em vigor na data de sua publicação, ficando revogados o item XIV da Resolução nº 15, de 28.01.66, o item V da Circular nº 77, de 23.02.67, as Cartas-Circulares nº 197, de 28.10.76, e 1.368, de 05.03.86.

            3. RTJ – 72:916, 79:966, 79:620, Lex 5:124. (Ob. cit. Curso de Direito Civil Brasileiro, por Maria Helena Diniz, vol. III, Editora Saraiva).

            4. Publicada no DJ em 18/10/1991, página 14591, decisão tomada em 09/10/1991, pela 2ª Seção do STJ.

            5. Concisamente, trata-se do preço que se paga pelo dinheiro que se usa durante um certo período de tempo.

            6. Trata-se de juros que incide após o vencimento da obrigação, estes juros também são chamados, pelo mercado financeiro, de "comissão de permanência".

            7. Romualdo Wilson Cançado e Orlei Claro de Lima, 2ª Edição, in Juros, Correção monetária, danos financeiros Irreparáveis, Belo Horizonte: Del Rey, 1999, página 64 a 65.

            8. Resp. nº 35.082-0, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma do STJ, publicado no DJU de 13/02/1995, página 2.242.

            9. Resp. n.º 80.663 - RS, Relator: Ministro Sávio de Figueiredo Teixeira, j. em 12 de agosto de 1996.

            10. Resp. nº 226752/PR, DJ 27.03.2000, pág. 00100, da lavra do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.

            11. Apel. Cível 97.001360-4, relator Des. Eládio Torret Rocha, julgado em 02 de junho de 1999.

            12. Estes não passam de penalização ao devedor pelo não pagamento no vencimento estipulado no contrato.

            13. Resp. nº 364.014/RS, Ministro Relator Senhor Antônio de Pádua Ribeiro, julgamento em 06.05.02, publicado no DJ em 10.06.02, 3ª Turma do STJ, decisão: unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe parcial provimento.

            14. Resp. nº 402242/MG, julgado em 19/03/2002, Ministro Relator Senhor Aldir Passarinho Junior, 4ª Turma do STJ, decisão: unanimidade, conheceu em parte do recurso, mas negou-lhe provimento.

            15. Esta visa a restituir o poder aquisitivo do dinheiro, frente ao desgaste proporcionado pela inflação.

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Sobre o autor
Edson de Oliveira Cavalcante

advogado militante na área do Direito Bancário, pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal pelo ILES de Porto Velho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTE, Edson Oliveira. Comissão de permanência.: Sua natureza, legalidade e aplicabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3590. Acesso em: 18 abr. 2024.

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