REFLEXOS DO MODELO GERENCIAL NO DIREITO ADMINISTRATIVO
O modelo gerencial trouxe inovações para o instituto do Direito Administrativo. O principal foco em relação à gestão é alcançar resultados. Neste sentido, a ênfase é o uso eficaz da informação, a criação de indicadores de desempenho e a avaliação dos serviços prestados. Conforme bem destaca Mazza (2012, p. 104), a “eficiência foi um dos pilares da Reforma Administrativa que procurou implementar o modelo de administração pública gerencial voltada para um controle de resultados na atuação estatal.”
Com a inserção do princípio da eficiência no art. 37, caput, da Constituição Federal, o cidadão passou a ter o direito de questionar a qualidade das obras e atividades públicas, exercidas diretamente pelo Estado ou por entes terceirizados. Sobre o tema, explica Hely Lopes Meireles (2002, p. 60):"Dever de eficiência é o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros."
O desenvolvimento da máquina do Estado caminhou no sentido de haver uma evolução da administração pública burocrática para a administração pública gerencial. Neste sentido, houve um desprendimento de métodos muito burocráticos. Isto exigiu uma revisão do aparato prestador dos serviços públicos e da relação gestor público e usuário. A transição do modelo burocrático para o modelo gerencial deslocou o foco de interesse administrativo do Estado para o cidadão, da mesma forma que a transição do modelo patrimonialista para o burocrático já havia deslocado o foco do interesse do Monarca para o Estado.
O Estado não administra para o Rei, como na Administração Patrimonialista, nem para o próprio Estado, como no caso da Administração Burocrática. O enfoque da Administração Gerencial é o cidadão e os interesses públicos que lhe são confiados pela ordem jurídica e social.
Os gestores públicos não podem se considerar como senhores da coisa pública seguindo o parâmetro adotado no modelo patrimonialista. Por isso que de acordo com o art. 70, § único da Constituição de 1988, todo aquele que administra dinheiro, bem ou valores públicos tem o dever de prestar contas:Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigação de natureza pecuniária.
A população, por sua vez, deve sair do polo passivo (ser apenas representada) para o polo ativo (participar na definição de gastos e aplicação de recursos). O público usuário precisa se convencer de que pode e deve exigir que a prestação de serviço público seja eficiente e de qualidade. O usuário do serviço prestado do Estado é o “proprietário” do serviço e não apenas o seu destinatário.
Diante de tantos abusos e impunidade, muitos cidadãos se tornaram indiferentes ao processo orçamentário e a punição de gestores desonestos. Por isso, para que a sociedade se mobilize contra a corrupção, é preciso que cada indivíduo seja estimulado e provocado. Oportuno, citar as palavras de Bertolt Brecht:"O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio; depende das decisões políticas.O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais."
No processo de mobilização social é fundamental que a população esteja constantemente informada sobre os acontecimentos. As notícias devem ser transmitidas pelos meios de comunicação disponíveis, como boletins informativos, jornais, programas de rádio e, se possível, pelas emissoras de televisão regionais e nacionais. À medida que as fraudes vão sendo comprovadas e informadas para a população, cria-se um sentimento de repulsa ao comportamento das autoridades corruptas e, ao mesmo tempo, estimulam a continuidade das investigações.
Os cidadãos devem frequentar as sessões públicas da Câmara Municipal e cobrar dos representantes providências no sentido de interromper os atos ilícitos e de punir os culpados. É importante, também, estimular o debate organizado e promover audiências públicas de esclarecimento à sociedade.
A Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, estabelece os seguintes objetivos firmados no seu art. 3º:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Para que os fins do Estado sejam cumpridos e que o direito a uma sociedade justa e sem desigualdade seja alcançado é necessário que todos (gestor público e usuário) trabalhem juntos com zelo e honestidade. Democratizar a gestão pública e fiscalizar os próprios gestores é uma forma de minimizar as barreiras da corrupção.
Antes de fixar as despesas ou distribuir as receitas é essencial definir quais as reais deficiências ou necessidades da população. Todavia, a ingerência de ideologias clientelistas na definição dos gastos públicos, implicou no crescimento das desigualdades sociais, ora que o modo de gerir a coisa pública ao longo dos anos era de acesso quase que exclusivo da elite dominante e sem participação da população. Neste diapasão surgiu no Brasil no final da década de 80 o orçamento participativo. O orçamento participativo é um instrumento que permite o cidadão-usuário debater e definir os destinos de sua cidade.
Para Sánchez (2002, apud Fosenca, 2010), o orçamento participativo “[...] configura uma nítida ruptura com o clientelismo na política brasileira, principalmente com a tradição política fortemente marcada pelo patrimonialismo e pelo autoritarismo burocrático”.
Para Souza (2001), em seu artigo “Construção e consolidação de instituições democráticas papel do orçamento participativo”, o orçamento participativo tem sido visto como um exemplo de instrumento de promoção do “bom governo” ou da boa governança urbana. Acrescenta ainda que “é uma das poucas alternativas capazes de transformar os investimentos públicos de favores em direitos e diminuir o desequilíbrio do poder decisório”.
Santos (2002, apud Fonseca, 2010) cita três princípios fundamentais articulados ao orçamento participativo, a saber:(1) Participação aberta a todos os cidadãos, sem nenhum status especial atribuído a qualquer organização, inclusive às comunitárias; (2) Combinação de democracia direta e representativa, cuja dinâmica institucional atribui aos próprios participantes a definição das regras internas; e (3) Alocação dos recursos para investimentos baseada na combinação de critérios gerais e técnicos, ou seja, compatibilização das decisões e regras estabelecidas pelos participantes com as exigências técnicas e legais da ação governamental, respeitando também os limites financeiros, cuja implementação cabe ao Executivo.
Porto Alegre implantou o programa de orçamento participativo no ano de 1989. A experiência desta cidade serve de modelo para diversas cidades brasileiras. Santos (2002, apud Fonseca, 2010) menciona que este novo modelo de gestão rompe com a tradição autoritária e patrimonialista das políticas públicas e recorre à participação direta da população em diferentes fases. No que tange a estas fases, Souza (2006, apud Fonseca, 2010) elenca:
1ª etapa (Primeira Rodada): exposições didáticas do governo em cada subunidade espacial, a fim de atrair e esclarecer novos participantes; perguntas e críticas dos participantes; falas dos representantes do Estado; eleição de delegados [...].
2ª etapa (Rodadas Intermediárias): governo presta informações técnicas, discussão e escolha das prioridades de investimentos em cada localidade.
3ª etapa (Segunda Rodada): eleição dos [...] conselheiros, que comporão, ao lado de representantes do Estado (sem direito a voto), da federação de associações de moradores e do sindicato dos municipários, o conselho do orçamento participativo; entrega dos documentos com as prioridades de investimentos.
4ª etapa (Elaboração da peça orçamentária): elaboração da matriz orçamentária pelos técnicos do governo; posse de novos conselheiros; conselheiros discutem e deliberam sobre a matriz orçamentária; peça orçamentária final é elaborada e enviada à Câmara de Vereadores para apreciação e votação.
Para que o projeto de gestão participativa seja bem sucedido é fundamental a utilização de uma metodologia adequada. É neste sentido que a divisão eficaz das fases possibilita sua aplicação, propiciando aos participantes maior clareza e dinamismo.
Desta feita, o orçamento participativo é um modelo de gestão pública que auxiliar no combate a corrupção. Isto porque, o cidadão participa na gestão estatal, aumentando o controle das ações da administração pública e dos gestores públicos. Logo, existe uma corresponsabilização entre governo e sociedade sobre a gestão do bem público.Pode-se concluir no sentido de que é plenamente possível reduzir os atos de corrupção e seus efeitos danosos. O modelo gerencial é apto a nortear as relações estabelecidas pelo Direito Administrativo.
Somente com uma base sólida, com fulcro não apenas na legislação e doutrina do Direito Administrativo, mas também com base nas inovações trazidas pelo modelo gerencial que será possível desenvolver a capacidade de articular compromissos e alianças em torno de projetos políticos representativos para a maior parte da sociedade – o bem comum. Além de construir/implementar compromissos de acordo com os valores democráticos e constitucionais, reforçando assim as instituições públicas para combater ações arbitrárias e corruptas.
CONCLUSÃO
A corrupção sempre foi um tema árduo a ser tratado em nossa sociedade, estando intimamente ligada ao ramo do Direito Administrativo. Normalmente, é associada a um ato ilegal, no qual dois agentes, um corrupto e um corruptor, travam uma relação de interesses com o objetivo de promover benefício próprio.
Percebe-se com base no que foi exposto, que os atos de corrupção estiveram presentes ao longo da formação da Administração Pública, que evoluiu numa perspectiva de três modelos básicos: patrimonialista, burocrática e gerencial.Nos moldes do patrimonialismo, a Administração Pública tinha como objetivo atender aos interesses da classe dominante, ou seja, predominava a corrupção, o nepotismo, e o patrimônio público se confundia com o privado.
A Administração Pública Burocrática surgiu, inicialmente, para combater a corrupção e o nepotismo existentes no modelo Patrimonialista. O patrimônio público e o privado distinguiam-se claramente. O foco era desenvolver um método de organização racional e eficiente. Sendo que, o controle das atividades estava em primeiro plano não se preocupando com a ineficiência promovida. Entretanto, com o crescimento populacional e a exigência de técnicas administrativas criativas e dinâmicas, os moldes burocráticos ser tornaram inviáveis.
O modelo gerencial, objeto de nosso estudo, sucedeu o modelo burocrático. Este novo modelo constitui-se como instrumento hábil a ser aplicado na estrutura estatal para fins de coibir os atos corruptos. Por preconizar a liberdade conjugada com a avaliação de resultados, o gerencialismo vem guiando intervenções na atuação administrativa.
No Brasil, a herança deixada pelos colonizadores portugueses deve ser compreendida como um fenômeno histórico que deixou vícios e condutas antiéticas no desenvolvimento do Estado. Colhem-se, hoje, os frutos plantados no passado, sendo certa a reprodução moderna de muitas condutas antigas. O prejuízo provocado pela corrupção abrange a instabilidade da Administração Pública, da economia e da democracia.
Todavia, o Estado tem capacidade de adotar procedimentos visando uma política anticorrupção. Neste sentido, a reforma gerencial defende a tese de que se requer mais do que leis para combater a corrupção, requer-se uma sociedade composta de cidadãos probos e que participem das decisões do Estado. Somente através de um processo educativo de conscientização voltado para o pleno exercício da cidadania é que será possível alcançar resultados práticos.
Após a análise desenvolvida, conclui-se que um Estado corrupto é necessariamente um Estado ineficiente. Isto porque a Administração Pública se distancia da adequação entre os meios e os fins administrativos, ou seja, o interesse público não é atingido. Ademais, estabelece um desequilíbrio entre os elementos que compõe o ramo do Direito Administrativo, quais sejam o Estado, a coletividade, o interesse público, o agente público e a atividade pública.
É percebido que a maioria dos cidadãos e boa parcela da sociedade desejam ver extirpado este problema. Desta feita, para controlarmos os atos corruptos é fundamental o controle preventivo e repressivo. O combate à corrupção é de complexidade razoável e de solução não tão fácil de alcançar, ora que envolve questões culturais.
Neste panorama, o instituto da Administração Pública Gerencial que enfatiza resultados, incentiva o desenvolvimento de ideias dinâmicas e que preza pelo princípio da eficiência contribui para que haja uma evolução do ramo do Direito Administrativo e o combate à corrupção.
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