Nas últimas décadas, o Brasil tem presenciado grande turbulência no que diz respeito à corrupção pública. Escândalos envolvendo agentes do Estado são frequentes na mídia nacional e internacional. O resultado é a indignação dos brasileiros. Assim, um dos maiores problemas enfrentados pela coletividade é justamente o de garantir uma administração honesta e eficiente.
A CORRUPÇÃO E O DIREITO ADMINISTRATIVO
O Direito Administrativo é um ramo autônomo do direito que teve origem na França, no Século XVIII, com a Revolução Francesa de 1789. Carvalho Filho (2009, p.8) define o ramo do Direito Administrativo como: “o conjunto de normas e princípios que, visando sempre ao interesse público, regem as relações jurídicas entre as pessoas e órgãos do Estado e entre este e as coletividades a que devem servir”. Meirelles (2002, p. 38), por sua vez, destaca: “conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado”.
Na mesma perspectiva conceitual, a palavra corrupção provém do latim corruptione e conforme Rocha (1996, p.172) significa corrompimento, suborno, decomposição. Portanto, a corrupção, genericamente, seria a decomposição da relação político-civil, ou seja, o desvio da proteção do bem comum em prol de um agente ou grupo de agentes.Portanto, os atos de corrupção estão diretamente relacionados com o ramo do Direito Administrativo, ora que conforme bem destaca Rose-Ackerman (1987, apud PEREIRA 2004) a corrupção é sintoma de que algo está errado na Administração do Estado.
A corrupção surge da divergência de interesses: enquanto o Estado busca aperfeiçoar o bem-estar social, o agente público busca alcançar enriquecimento pessoal por meio dos benefícios do suborno. Logo, cria-se uma desarmonia entre os elementos que compõe o instituto do Direito Administrativo, quais sejam: Estado, coletividade, agente público, atividade pública e princípios jurídicos.
Um dos efeitos da corrupção é a ofensa ao princípio da moralidade na Administração Pública, isto porque configura uma séria afronta jurídica à própria Constituição Federal, art. 37, caput. No julgamento da ADI nº 3.853, a Ministra Carmem Lúcia expõe seus fundamentos no voto acerca da obrigatoriedade do principio da moralidade em toda a República:(...) também obriga a todos, na forma republicana de governo, o principio da moralidade pública. Ao direito do cidadão ao governo ético impõe-se ao juiz, ao administrador e ao legislador o dever da moralidade pública, que há de repassar e informar todos os seus atos.
O princípio da moralidade deve informar a atuação de todo agente a serviço do Estado. Portanto, a corrupção é um problema que se revela pelos seus efeitos na própria estrutura da Administração Pública. O fato é que sempre haverá desrespeito a no mínimo um princípio constitucional da Administração quando houver corrupção.
O HISTÓRICO BRASILEIRO
O motorista que oferece “um cafezinho” para o guarda não multá-lo. O fiscal que cobra uma "ajuda" do comerciante. O ministro que compra apoio político. Nas últimas décadas, o assunto corrupção tem se tornado frequente nos meios de comunicação brasileiros, no entanto, não é fenômeno recente. Sarmento afirmou (1999 apud COSTA, 2005, p. 2): “A corrupção nos setores públicos é um dos males que assolam as nações contemporâneas, mas que no Brasil tem assumido conotações surpreendentes e desalentadoras”.
O histórico de atos de corrupção no Brasil origina-se desde os tempos da construção do Estado. A estrutura caótica do Estado à época do Brasil colônia somada ao nepotismo e aos salários pouco atrativos aos funcionários régios, resultou em claros desvios de dinheiro público. A corrupção era tolerada pela coroa Portuguesa, desde que as irregularidades não atentassem contra as receitas régias e fossem obtidas de forma discreta.
Bueno (2006, PP. 56, 9, 10, 34 e 64) revelou que o primeiro Ouvidor-Geral do Brasil, Pero Borges, foi acusado de corrupção. Acrescentou que o primeiro bispo do Brasil, D. Pero Fernandes Sardinha, foi acusado de corrupção. E o mais impressionante, porém, é a frase de Tomé de Sousa, o primeiro Governador-Geral do Brasil: “Todo homem é fraco e ladrão”.O sistema imperial também é identificado como corrupto e despótico. O início do “Brasil-República” com a política dos governadores e o coronelismo são elementos sempre destacados como abuso de poder.
Conforme publicado pelo site Museu da Corrupção – MUCO na linha do tempo:"A ideia de corrupção individual entrou no Brasil no governo de Getúlio Vargas, e se estendeu a Juscelino Kubitschek, que foi o primeiro presidente da história do Brasil que usou e abusou dos cofres públicos para o seu maior projeto: a construção de Brasília. Durante as campanhas eleitorais de 1950, um caso tornou-se famoso e até hoje faz parte do anedotário da política nacional: “a caixinha do Adhemar”. Adhemar de Barros, político paulista, era conhecido como “um fazedor de obras”, seu lema era “Rouba, mas faz””. A caixinha era uma forma de arrecadação de dinheiro e troca de favores. A transação era feita entre os bicheiros, fornecedores, empresários e empreiteiros que desejavam algum benefício político.Com os governos militares, o estado cresceu e com ele as formas de corromper."
O advento da Constituição de 1988 não trouxe mudanças no panorama nacional. Apesar de expressamente elencar os princípios da Administração Pública, quais seja legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, muitos foram os escândalos de corrupção, como o do famoso “mensalão” ou do “propinoduto”. Isto porque apesar de sacramentar os princípios da administração pública, segundo Bresser Pereira (1996) a Constituição Federal manteve privilégios herdados do modelo patrimonialista.
A filósofa russo-americana Ayn Rand descreve bem a insatisfação popular diante dos abusos cometidos pelos atos de corrupção ao dizer:"Quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em auto sacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que a sociedade está condenada."
O sentimento expresso há aproximadamente 93 anos pela filósofa está totalmente atualizado com a visão do povo brasileiro.
Diante das mazelas trazidas pela corrupção ao longo dos anos, somente uma modernização radical da administração pública poderia recuperar a estrutura e a credibilidade do Estado. Conforme observou Hélio Beltrão (1984, p. 12, apud Bresser Pereira, 1996): “existe entre nós uma curiosa inclinação para raciocinar, legislar e administrar tendo em vista um país imaginário, que não é o nosso; um país dominado pelo exercício fascinante do planejamento abstrato, pela ilusão ótica das decisões centralizadas...” Portanto, como se extrai da declaração, é fundamental reconhecer o problema e trabalhar na solução de maneira prática e concreta. Caso contrário, se trabalharmos com um país imaginário a nossa capacidade de agir sobre a realidade diminui radicalmente.
CORRUPÇÃO SOB A ÓPTICA DOS MODELOS ADMINISTRATIVOS
DA ADMINISTRAÇÃO PATRIMONIALISTA
O modelo patrimonialista é baseado nos moldes de Estados Absolutistas, em que o Estado funcionava como extensão do poder soberano e o patrimônio do Monarca Absoluto se misturava com o patrimônio público. Desta forma, não havia distinção entre a administração dos bens públicos e particulares. A res publica não se difere da res principis.Na visão patrimonialista o governante é um senhor que tudo pode. Neste contexto firmam-se máximas como: The King can no do wrong (o Rei nunca erra) e a frase do Rei Sol, Luis XIV, L’Etat c’est moi (o Estado sou eu).
Este modelo de administração propiciava uma confusão entre os cargos públicos e o próprio grau de parentesco e afinidades do governante. Logo, favorecia o clientelismo, a troca de favores, a prevalência de interesses privados em detrimento do interesse público e a corrupção.
Neste período, os poderes estatais estavam misturados. Desta forma, tanto a administração, como o legislativo e o judiciário eram exercidos pelas mesmas pessoas.
A história brasileira é rica em exemplos de casos de patrimonialismo. Neste particular, podemos citar o art. 99, da Constituição Imperial de 1824: “A pessoa do Imperador é inviolável e sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma” (NOGUEIRA, 2001, p. 23). Esse artigo constitucional demonstra claramente a teoria da irresponsabilidade absoluta (The King can do no wrong). No mesmo contexto, o Art. 102 da Constituição Imperial de 1824 dispunha:O Imperador é o chefe do Poder Executivo, e o exercita pelos seus Ministros de Estado. São suas principais atribuições: […] II – nomear Bispos e prover os benefícios Eclesiásticos; III – nomear magistrados; IV – prover os mais empregos civis e políticos (NOGUEIRA, 2001, p. 24).
Extrai-se do artigo exposto que o Imperador tinha a competência de preencher os cargos públicos, o que facilitava as trocas de favores e clientelismo.
No modelo patrimonialista a corrupção e a falta de confiança nos administradores públicos eram características inerentes. Entretanto, com o surgimento do sistema capitalista e do regime democrático, o patrimonialismo torna-se inaceitável. Por isso, havia a necessidade de assegurar controles rígidos nos processos públicos. Nesta seara surge, então, o modelo burocrático.
DA ADMINISTRAÇÃO BUROCRÁTICA
O modelo burocrático surge na metade do século XIX como forma de alterar o modelo patrimonialista adotado anteriormente. A Administração Pública Burocrática inspirou o modelo do texto original da Constituição Federal de 1988. Como sustenta Bresser Pereira (1997, p.11), este modelo surge no Brasil a partir de 1930:"A administração burocrática clássica, baseada nos princípios da administração do exército prussiano foi implantada nos principais países europeus no final do século passado, nos Estados Unidos no início deste século, e, no Brasil, na década de 30, com a reforma administrativa promovida por Joaquim Nabuco e Luís Lopes Simões."
Não é burocrática no sentido pejorativo, mas, sim, porque é uma forma de conceber a organização do Estado de modo hierarquizado/centralizado. Pressupõe a crença de que o Estado é indispensável para intervir na sociedade, ou seja, o Estado deve atuar, obrigatoriamente, para reduzir as desigualdades. Logo, o Estado é intervencionista.
Este modelo tem como principal objetivo o controle sobre o processo de tomada de decisão. Ele é autorreferente, porque se preocupa com a organização do Estado e não com o cidadão. Adota procedimentos rígidos, sendo definido para a contratação de pessoal e compra de bens e serviços.
O novo modelo inovou ao estabelecer distinção entre a coisa pública e a privada. Os princípios orientadores foram introduzidos no país por intermédio da criação, em 1936, do Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP, os quais eram o profissionalismo, a ideia de carreira, a hierarquia funcional, a impessoalidade, o formalismo e o poder racional-legal.
Neste sentido, Weber (2004, p.200) destaca que na administração burocrática a posição do funcionário tem natureza de dever de fidelidade à administração, a qual se adere a finalidades impessoais e funcionais. Daí decorre que, o administrador burocrático é visto como uma pessoa imparcial e objetiva que tem como meta cumprir a missão do seu cargo. Em tese não existe lugar para o nepotismo na administração burocrática.
A hierarquia é bem definida. Ela é configurada por um sistema de mando e subordinação das autoridades, ou seja, cada superior tem sob suas ordens subordinados que lhe devem obediência. Segundo Weber (2004, p.199), a hierarquia está monocraticamente organizada, ora que existe apenas um chefe para cada subordinado, em vez de comissões.
A administração pública burocrática foi adotada, especialmente, porque era uma alternativa para combater a corrupção e o nepotismo existentes na administração patrimonialista. Entretanto, o novo molde administrativo adotado entra em crise por não ser capaz de alcançar plenamente seus objetivos. Neste diapasão, Bresser Pereira (1997, p.10) menciona:A crise da administração pública burocrática começou ainda no regime militar, não apenas porque não foi capaz de extirpar o patrimonialismo que sempre a vitimou, mas também porque esse regime, ao invés de consolidar uma burocracia profissional no país, através da redefinição das carreiras e de um processo sistemático de abertura de concursos públicos para a alta administração, preferiu o caminho mais curto do recrutamento de administradores através das empresas estatais. Esta estratégia oportunista do regime militar, que resolveu adotar o caminho mais fácil da contratação de altos administradores através das empresas, inviabilizou a construção no país de uma burocracia civil forte, nos moldes que a reforma de 1936 propunha. A crise agravou-se, entretanto, a partir da Constituição de 1988, quando se salta para o extremo oposto e a administração pública brasileira passa a sofrer do mal oposto: o enrijecimento burocrático extremo. As consequências da sobrevivência do patrimonialismo e do enrijecimento burocrático, muitas vezes perversamente misturados, serão o alto custo e a baixa qualidade da administração pública brasileira.
O modelo burocrático foi um avanço em relação ao modelo patrimonialista, em que predominava a corrupção, o nepotismo e o empreguismo. Entretanto, este regime não foi suficiente para alcançar a atuação eficiente da Administração Pública e combater as mazelas políticas.
O sistema burocrático perde sua força com o crescimento populacional, à medida que não consegue programar totalmente as diretrizes do modelo e colocar fim aos privilégios oriundos da forma patrimonialista. Ademais, a rigidez dos procedimentos administrativos tornou inviável que o sistema da administração pública fosse eficiente. Portanto, fez-se necessária uma reestruturação na administração pública, surge nesse momento o modelo gerencial.
DA ADMINISTRAÇÃO GERENCIAL
A administração pública gerencial emergiu na segunda metade do século XX motivada, consoante aponta Moreira Neto (1998, p. 41-42), pela crise do Estado e como resposta à insatisfação do modelo administrativo burocrático.Maria Sylvia Di Pietro (1999, p. 73) explica os objetivos que se pretendeu alcançar com a reforma administrativa:Reformar o Estado significa melhorar não apenas a organização e o pessoal do Estado, mas também as finanças e todo o seu sistema institucional-legal, de forma a permitir que o mesmo tenha uma relação harmoniosa e positiva com a sociedade civil. A reforma do Estado permitirá que seu núcleo estratégico tome decisões mais corretas e efetivas, e que seus serviços – tanto os exclusivos, quanto os competitivos, que estarão apenas indiretamente subordinados na medida que se transformem em organizações públicas não estatais – operem muito eficientemente.
No Brasil um dos primeiros trabalhos que identifica a transição do modelo burocrático para o gerencialismo é o Decreto-Lei nº 200 de 1967, no governo Castelo Branco. O decreto dispunha sobre a descentralização administrativa, enfatizando a figura da criação de entes estatais, como as autarquias, fundações e empresas estatais. O Decreto-Lei nº200 constitui um marco na tentativa de superação da rigidez burocrática.
Depois do Decreto-lei nº 200/67, houve um plano de privatização no sentido de adotar o modelo gerencial – ficou conhecido como a Lei de Desburocratização (anos 90). Os planos básicos dentro dessa lei: a promoção do ajuste fiscal (equilíbrio das contas públicas), a liberalização do comércio, privatizações, quebra de monopólios e desregulamentação.Posteriormente, no início de 1980, no governo militar do Presidente João Batista Figueiredo, é criado o Ministério da Desburocratização que objetivou revitalizar e dar celeridade aos trâmites processuais.
Com o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso a reforma administrativa torna-se tema central de debates. Inicialmente há a criação do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), posteriormente, criam-se várias agências, ocorrem privatizações e por derradeiro publica-se a Emenda Constitucional nº19/98.
As principais características da administração pública gerencial são que as medidas administrativas são orientadas para obtenção de resultados, incentiva-se a criatividade e a inovação. Ademais, como descreve Moreira Neto (1998, p.37-38) “passa a considerar o usuário do serviço prestado pelo Estado como o “dono” do serviço, e não apenas o seu destinatário”. Logo, este modelo é orientado para o cidadão.
O modelo gerencial surgiu com o objetivo de preencher as lacunas e suprir as necessidades da sociedade, entre as quais o controle dos gastos públicos e melhoria na qualidade dos serviços públicos. O Estado se mostrou incapaz de atuar na sua plenitude com todas as atividades a ele impostas, portanto, suas atividades foram reduzidas ao mínimo essencial: exercício do poder de polícia, atividade jurisdicional e legislativa, manutenção da previdência e outras de caráter social. Logo, tentou-se adotar a teoria do Estado subsidiário, ou seja, o Estado só iria desempenhar as tarefas que os particulares não conseguissem ou não quisessem realizar.
A EC19/98 adotou a reforma administrativa e incluiu o princípio da eficiência no texto da CF/88. Aduz daí que, este princípio é grandemente valorizado por este modelo. Incluiu a ideia do contrato de gestão.
Em termos gerais, enquanto a administração pública burocrática valorizava a supervisão, a utilização de regras rígidas e a auditoria de procedimentos, a Reforma Gerencial enfatizou o controle dos resultados, a competição administrada e a participação da sociedade no controle das organizações e políticas do Estado. Enquanto a Administração Burocrática tem características de centralização e autoritarismo, a Administração Gerencial está alicerçada na ideia de uma sociedade democrática. Está evolução de modelos administrativos delineia a concepção de Estado, conforme descreve Bresser Pereira (1997, p. 12):
"Aos poucos foram-se delineando os contornos da nova administração pública: (1) descentralização, do ponto de vista político, transferindo recursos e atribuições para os níveis políticos regionais e locais; (2) descentralização administrativa, através da delegação de autoridade para os administradores públicos transformados em gerentes crescentemente autônomos; (3) organizações com poucos níveis hierárquicos ao invés de estruturas piramidais; (4) organizações flexíveis ao invés de unitárias e monolíticas, nas quais as idéias de multiplicidade, de competição administrada e de conflito tenham lugar; (5) pressuposto da confiança limitada e não da desconfiança total; (6) controle por resultados, a posteriori, ao invés do controle rígido, passo a passo, dos processos administrativos e (7) administração voltada para o atendimento do cidadão, ao invés de auto-referida."
Nesta seara, a Reforma Gerencial baseou-se em um modelo que implicava mudanças estruturais e de gestão.