Propagandas de bebidas alcoólicas, principalmente as de cerveja, seguem uma receita clássica: festas agitadas, pessoas (geralmente jovens) divertindo-se e muita cerveja.
Vende-se a imagem de que apenas com a soma destes elementos seria assegurado o resultado almejado em uma festa, ou seja, a garantia de diversão. É como se, onde houvesse festas e pessoas, fosse obrigatória a presença das bebidas alcoólicas.
Em uma reunião técnica promovida pela OMS (Organização Mundial de Saúde) em Valência, Espanha, de 7 a 9 de Maio último, que dedicou-se a analisar a situação do marketing e promoção de bebidas alcoólicas aos jovens, estiveram reunidas 50 pessoas de 22 países, entre especialistas em marketing, saúde pública e comunitária, jovens dedicados à prevenção de abuso de substâncias e outros.
Técnicos presentes nesse encontro produziram e apresentaram à imprensa em Valência uma declaração que fornece recomendações à OMS sobre a situação global da propaganda de álcool e ações a serem tomadas. Segundo esse documento, jovens no mundo todo vivem em ambientes que caracterizam-se por esforços agressivos e intensos para encorajar não só que eles iniciem o beber, mas também que bebam pesadamente. A propaganda de álcool vinculante no Brasil confirma plenamente a afirmação acima citada, evidente no uso praticamente exclusivo de modelos jovens para vender seus produtos ou ainda no desenvolvimento de novos produtos alcoólicos voltados especificamente ao público jovem, etc.
Ainda segundo esse mesmo documento, exemplos do mundo inteiro mostraram que, cada vez mais, a indústria do álcool utiliza-se da associação de seus produtos com eventos esportivos, musicais e culturais, entre outros, para apresentar as bebidas alcoólicas como uma parte normal e integral das vidas e da cultura dos jovens. E o fato é que as pesquisas apontam que os jovens tendem a responder a esse marketing agressivo em um nível emocional, mudando suas crenças e expectativas em relação ao beber. A exposição e a apreciação que os jovens desenvolvem pelas propagandas do álcool predizem um beber mais freqüente e pesado por eles. O marketing contribue para os jovens superestimarem a prevalência do beber pesado e freqüente por seus pares e cria um clima que aumenta ainda mais o consumo de álcool pelos jovens.
Dos modelos de propaganda apresentados nessa conferência, os exemplos brasileiros chamaram a atenção, principalmente por dois pontos. Um deles é a agressiva utilização da sexualidade nas propagandas, especialmente no caso da cerveja. O código do CONAR (Conselho de auto-regulamentação publicitária), instituição representante do setor publicitário, e que determina regras para a propaganda de todos os produtos, deixa claro que a propaganda de álcool não deve ser associada à sexualidade. Logo, a indústria de propaganda de álcool está desrespeitando seu próprio código.
Porém, mais preocupante que o uso agressivo de sexualidade é a utilização do Brasil e de símbolos nacionais para promover a venda de álcool. Como não poderia deixar de ser, o exemplo mais evidente dessa técnica vem da indústria de cerveja, que é responsável por 85% das bebidas alcoólicas consumidas no Brasil. Tome-se por exemplo a tartaruga, apresentada por uma das marcas de cerveja como "torcedora símbolo da nação brasileira", o que é, no mínimo, um insulto à população brasileira.
Será que, baseando-se no art. 67. do nosso Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que classifica como infração penal fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva não caberia uma apenação às indústrias de bebidas alcoólicas?
A maior parte de nossos juristas acha que não; estes não classificam as propagandas de bebidas alcoólicas como sendo enganosas ou abusivas, consideram-nas "apenas" indutivas.
Ora, sendo estas indutivas, cabe à tais casos a aplicação do art. 37. deste mesmo Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que diz que é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva, e salienta, no § 2º, que é abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
É do conhecimento de todos os danos causados pelo consumo de bebidas alcoólicas.
Segundo dados, 18 em cada 100 brasileiros adultos são dependentes de álcool, o hábito de beber entre crianças e adolescentes é cada vez maior, 75% dos acidentes fatais de trânsito são associados ao uso excessivo de álcool (em torno de 29 mil mortes por ano) e cerca de 40% das ocorrências policiais relacionam-se ao abuso de álcool.
Se não bastassem estes alarmantes números, o que dizer da agressão à saúde do indivíduo, acarretando problemas neurológicos (como demência alcóolica, derrame cerebral, traumas cranioencefálicos, distúrbios neuropsiquiátricos, abstinência alcóolica com mortalidade de até 30% e coma hepático); pancreatite, cirrose, gastrite, úlcera péptica, hipertensão arterial, arritmias cardíacas, miocardiopatia alcóolica, infarto do miocárdio, desnutrição, infecções como meningites, pneumonias, abscessos pulmonares, peritonites; e câncer do trato respiratório e gastrointestinal, patologias essas que fazem parte do dia a dia dos médicos que trabalham em Pronto Socorro, e que acarretam um aumento da mortalidade geral de quatro vezes, e um gasto extraordinário em internações decorrentes do uso abusivo de álcool, segundo o Ministério da Saúde R$ 310 milhões nos últimos três anos.
A indústria do álcool e da propaganda desempenha um papel irresponsável no Brasil, pois, ao associar as bebidas alcoólicas exlusivamente a momentos gloriosos, à sexualidade e a ser brasileiro, cria um clima normatizador. Devem ser tomadas providências para lidar com esse grave problema de saúde pública.