Legitimidade ativa e passiva e a Corte Constitucional

01/02/2015 às 22:50
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A atuação cada vez mais abrangente das Cortes Constitucionais leva à reflexão quanto à legitimidade por elas conferidas aos atos do poder público. É de se questionar se a sua atuação estaria em concorrência com o legislador.

A legitimidade dos juízes e da própria função jurisdicional cresce e ganha reforço com o fenômeno que tem tomado conta do cenário político brasileiro, qual seja, a maior importância dos juízes na regulação da comunidade política. O tema toca com precisão a dinâmica atualmente desenvolvida pelos Tribunais Constitucionais.

Nesse contexto, aparece a dicotomia legitimidade ativa versus legitimidade passiva das Cortes Constitucionais trabalhada pelo autor espanhol chamado Pedro Cruz Villallon. A razão básica para fazer essa distinção é a intensa intercomunicação ou até mesmo interdependência dessas categorias, sendo a primeira legitimidade passiva, a legitimidade que os tribunais possuem propriamente e, a segunda, a legitimidade ativa, aquela que é por eles conferida aos atos do poder público.

A legitimidade passiva dos Tribunais resulta de sua própria conformação do Poder Judiciário como tal, tanto de sua estrutura (colegiado e sucessão de instâncias) como de seu funcionamento (próprio regramento processual). Já a legitimidade conferida pelos Tribunais aos atos públicos, e, em particular pelos Constitucionais, pode ser considerada mais moderna. A questão principal desse artigo não se refere simplesmente a ideia da possibilidade dos tribunais poderem conferir legitimidade aos atos do poder público, mas se estes podem concorrer com os parlamentares na hora de dar legitimidade ao sistema com o qual se organiza a comunidade política. Esse fenômeno da atuação cada vez mais proativa e acentuada dos tribunais por sua vez envolve o tema da legitimidade das Cortes – ativa, pois não é possível a estas transmitir mais legitimidade do que detenham.

Quando se pensa na questão de Tribunais Constitucionais como possíveis dispensadores de legitimidade deve-se ter a idéia de Constituição, como elemento projetado sobre o poder político. Constituição essa que não se legitima porque emana do povo, mas sim por seu conteúdo que resulta precisamente dos dispositivos que determinam a Tripartição dos Poderes e os direitos e garantias fundamentais.

Nesse contexto, verifica-se que os Tribunais Constitucionais conferem legitimidade à Constituição, ou dizendo com mais cautela, podem fazê-lo. E, diante da pluralidade dos processos constituintes existentes pode-se ter a impressão de que somente as Constituições com elemento de Jurisdição Constitucional podem ser consideradas legitimas. De fato, a existência de uma Justiça Constitucional aparece intrínseca à ideia de uma Constituição legítima. Isso porque hoje não é suficiente que a lei seja expressão da vontade popular, ela tem que ser constitucional.

De todo modo, uma vez criada e implementada a Jurisdição Constitucional a questão passa a ser a legitimidade passiva da mencionada Jurisdição. Nesse campo, são a estrutura e a competência que dão respaldo as Cortes. A legitimidade dos Tribunais Constitucionais decorre da sua correta composição e do desempenho idôneo de suas funções. Os outros poderes não se eximem dessas críticas também, sabe-se que o Poder Legislativo também possui deficiência em sua composição e no seu funcionamento, porém funciona sob o sistema de legislaturas, ou seja, com censura e controle periódico da opinião pública.

Em compasso com o dito anteriormente, a legislador democrático confere legitimidade à lei e não é só isso que lhe traz essa qualidade. A legitimidade dos atos legislativos advém também da sua condição atual ou potencial de ser juridicamente controlada ou controlável, melhor dizendo, de sua aptidão para ser declarada inconstitucional.
A jurisdição constitucional em razão de sua própria existência já previne a inconstitucionalidade, operando como uma vacina contra os vícios de constitucionalidade. Do mesmo modo, a simples existência da Corte Constitucional alberga de legitimidade atos de outros poderes públicos que de forma direta ou indireta são passíveis de controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário.

No entanto, a questão envolve maiores complicações, pois em alguns momentos os Tribunais não só trabalham em favor da legitimidade do sistema, mas dão a entender que querem fundamentá-lo, e acabam por competir com o parlamento como se disputassem o mesmo espaço.

O que contribuiu para essa mudança de atuação dos tribunais? Os chamados constitucional moments, a reinterpretação de noções constitucionais preexistentes, o aumento da abrangência de conteúdos constitucionais frente a aplicação do princípio da proporcionalidade e a noção de dignidade da pessoa humana, sem dúvida, foram fatores que contribuíram para o aumento da abrangência do trabalho da Cortes.

Ao que se observa, a Constituição passa a contar com um “vigia”, do Poder Constituinte. O problema surge como já pontuado anteriormente no momento em que os Tribunais Constitucionais pretendem uma legitimidade capaz de sub-julgar o Poder Legislativo.

O problema se agrava quando a Corte Constitucional fala em nome de uma ordem jurídica não passível de revisão, enquanto incorporada a um núcleo fundamental da Constituição. Não raro, o STF se manifesta não só utilizando-se do poder de revisão atual e potencial senão como vigia de uma ordem jurídica que transcende a própria Constituição.
Frente a isso, verifica-se uma perda paulatina de poder do legislador de reforma constitucional frente ao juiz constitucional, com uma falta de equilíbrio entre ambos. Tudo isso tem implicação direta na posição que os Tribunais Constitucionais reivindicam, ao menos implicitamente. Ao definir qual a ordem jurídica que transcende a própria constituição, isso incorpora implicitamente a ideia de que a Corte Constitucional também seria dotada de poderes eternos.
Isso levaria a uma alienação tal que a comunidade política poderia deixar de se reconhecer no Tribunal Constitucional. Como alternativa à alienação, haveria a repatriação da Corte Constitucional. Assim, o Tribunal Constitucional deveria depender dos próprios integrantes da comunidade política e não sendo visto exclusivamente como um poder percebido de forma exterior à sociedade.

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No caso brasileiro, ao se fazer uma repatriação do Supremo Tribunal Federal, havia uma maior identificação com a coisa pública, o que iria pressupor a incorporação de um diálogo comprometido nas respectivas comunidades políticas com os respectivos Tribunais Constitucionais. Desse modo, os momentos de renovação da Corte deveriam ser percebidos como importantes na vida da comunidade política.Por uma perspectiva funcional, a repatriação pode significar que a tarefa de decidir a respeito da constitucionalidade da coisa pública deve ser compartilhada. A missão deve ser integrada principalmente com o legislador de reforma da Constituição, ainda mais em situações em que a Justiça Constitucional suplanta o que seria resolvido por uma alteração do texto.

Assim, o conteúdo constitucional último não deveria ser algo que a coletividade só toma conhecimento com leitura do teor de uma sentença constitucional, e sim como um ato resultante de uma construção, da qual faz parte ao acompanhar a formação das Cortes e eleger democraticamente legisladores reformadores.
 

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Sobre a autora
Fernanda Molyna

Promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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