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O IPI, o princípio da não cumulatividade e a importação de veículos para uso pessoal

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21/07/2017 às 09:30
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CONCLUSÃO

A confusão é clara: não se compreendeu o significado do princípio constitucional da não cumulatividade para o IPI. Se não há imposto pago na etapa anterior, não há que se falar em crédito para o contribuinte importador, muito menos em isenção, e isso é o óbvio! A doutrina deveria criticar mais. Em paralelo a este raciocínio, a jurisprudência tranquilamente rechaça o direito ao crédito de IPI de insumos não tributados, com alíquota zero, e até mesmo isentos. O ICMS foi alvo de alteração legislativa específica para driblar tal estratégia de planejamento tributário agressivo, comprovando que a crítica apresentada quanto a mens legis não é algo tão distante e ilógico assim.

Regime de compensação nada mais é do que a periodicidade e a forma com que o contribuinte deverá proceder à apuração do imposto. Foi com base neste dispositivo que o legislador infraconstitucional estabeleceu várias modalidades de regimes de apuração: regime de apuração mensal, regime de apuração por estimativa e regime especial de apuração. Cada qual aplicável a um tipo específico de contribuinte.

O que é importante salientar, porém, é que esse regime de compensação (ou, como entendemos, regime de apuração), não altera o conteúdo nuclear do princípio da não-cumulatividade. Esse “regime” comete apenas e tão-somente os aspectos temporal e pessoal da apuração do imposto devido. O núcleo do princípio permanece intacto. É aquele consistente do direito do contribuinte de creditar-se do imposto incidente nas operações anteriores, e que deram entrada no seu estabelecimento, para compensação com o imposto incidente sobre as operações que realizar. O regime somente disciplinará a forma e a periodicidade dessa compensação, sem, contudo, impor qualquer restrição ao direito do creditamento.[14]

O contribuinte não pode onerar a sociedade inteira por uma restrição ao direito de creditamento que ele mesmo escolheu e deu causa. Em direito civil isso se assemelharia ao brocardo do venire contra factum proprium, onde o agente viola o dever de boa-fé quando contraria seu próprio comportamento; ou seja, se um contribuinte importa um artigo de luxo para uso pessoal por livre e espontânea vontade, ciente, assume todos os riscos a ele inerentes – que, à primeira vista, em função do princípio da seletividade, isonomia e neutralidade fiscal deveria sofrer uma tributação mais gravosa –, mas age de forma contraditória, quando, ao invés disso, impetra mandado de segurança na justiça federal requerendo a isenção de tributo. São atitudes opostas e incongruentes, ainda mais para um imposto de lançamento por homologação, onde o próprio contribuinte calcula os débitos e créditos devidos. Admitir tal empreendimento pela via jurisprudencial é entender então que o texto constitucional permitiu ao contribuinte se beneficiar da própria torpeza.


Referências

- ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012, p. 547.

- BORGES, Antônio de Moura. VALENTE, Cristiano Mendes Wolney. A origem da não cumulatividade: de técnica a princípio aplicável às contribuições ao PIS e COFINS. Revista UCB. Disponível em: http://portalrevistas.ucb.br/index.php/RDIET/article/viewFile/4641/2905. Acesso em: janeiro de 2015.

- COELHO, Isaias. Como importar um camaro amarelo sem pagar imposto. FGV-SP, 2014. Disponível em: http://nucleodeestudosfiscais.com.br/noticia/ver/3/117/conjur. Acesso em: janeiro de 2015.

- MELO, José Eduardo Soares de. A não-cumulatividade tributária (ICMS, IPI, ISS, PIS e COFINS). 2 ed. São Paulo: Dialética, 2004. Págs. 114-116.

- MELO, José Eduardo Soares de. O imposto sobre produtos industrializados (IPI) na Constituição de 1988. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, pags. 84-85.

- RODRIGUES, Christian Lisboa. Regime não-cumulativo não evita tributação em cascata. CONJUR, 2012. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-ago-29/christian-rodrigues-regime-nao-cumulativo-nao-evita-tributacao-cascata. Acesso em: janeiro de 2015.

- STF. RE 723651. Relatoria Ministro Marco Aurélio. Tribunal Pleno. Julgado em novembro de 2014.

- STF. RE 593156 AgR. Relatoria Ministro JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma. Julgado em outubro de 2010.

- STIVAL, Juliane. A exegese do Princípio da Neutralidade Fiscal no Sistema Tributário Nacional, sobretudo no regime da substituição tributária, na concessão de incentivos fiscais e na elisão fiscal. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10020. Acesso em: janeiro de 2015.

- STJ. AgRg no AREsp 204.994-PR. Relatoria Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Julgado em outubro de 2012.

- TRF. AC 0002084-89.2013.4.01.3803-MG. Relatoria DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ AMILCAR MACHADO, SÉTIMA TURMA. Julgado em janeiro de 2015.


Notas

[1] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012, p. 547.

[2] MELO, José Eduardo Soares de. O imposto sobre produtos industrializados (IPI) na Constituição de 1988. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, pags. 84-85.

[3] RODRIGUES, Christian Lisboa. Regime não-cumulativo não evita tributação em cascata. CONJUR, 2012. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-ago-29/christian-rodrigues-regime-nao-cumulativo-nao-evita-tributacao-cascata. Acesso em: janeiro de 2015.

[4] BORGES, Antônio de Moura. VALENTE, Cristiano Mendes Wolney. A origem da não cumulatividade: de técnica a princípio aplicável às contribuições ao PIS e COFINS. Revista UCB. Disponível em: http://portalrevistas.ucb.br/index.php/RDIET/article/viewFile/4641/2905. Acesso em: janeiro de 2015.

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[5] Ibid.., p. 204.

[6] Ibid., p. 205-206.

[7] STIVAL, Juliane. A exegese do Princípio da Neutralidade Fiscal no Sistema Tributário Nacional, sobretudo no regime da substituição tributária, na concessão de incentivos fiscais e na elisão fiscal. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10020. Acesso em: janeiro de 2015.

[8] STF. RE 723651. Relatoria Ministro Marco Aurélio. Tribunal Pleno. Julgado em novembro de 2014.

[9] STJ. AgRg no AREsp 204.994-PR. Relatoria Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Julgado em outubro de 2012.

[10] TRF. AC 0002084-89.2013.4.01.3803-MG. Relatoria DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ AMILCAR MACHADO, SÉTIMA TURMA. Julgado em janeiro de 2015.

[11] ALEXANDRE, op. cit., p. 549.

[12] COELHO, Isaias. Como importar um camaro amarelo sem pagar imposto. FGV-SP, 2014. Disponível em: http://nucleodeestudosfiscais.com.br/noticia/ver/3/117/conjur. Acesso em: janeiro de 2015.

[13] MELO, José Eduardo Soares de. A não-cumulatividade tributária (ICMS, IPI, ISS, PIS e COFINS). 2 ed. São Paulo: Dialética, 2004. Págs. 114-116.

[14]  Ibid., pág. 107.

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Sobre o autor
Carlos Alencastro

Advogado. Pós-graduado em Direito Tributário e Finanças Públicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALENCASTRO, Carlos. O IPI, o princípio da não cumulatividade e a importação de veículos para uso pessoal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5133, 21 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36042. Acesso em: 29 mar. 2024.

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Artigo elaborado para o programa de pós-graduação em Direito Tributário e Finanças Públicas do IDP - Instituto Brasiliense de Direito Público.

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