- INTRODUÇÃO
Sirvo-me do presente com o fito de lançar uma análise concreta e crítica às condenações que possam surgir da utilização de prova obtida por meios ilegais e ilícitos, à luz das disposições legais, vislumbrando conceitos teóricos para dar supedâneo aos casos práticos e influência na prática processualista, tudo com vistas a possibilitar o condenado na ação de improbidade de ser ressarcido amplamente pelos prejuízos suportados com tais condenações.
Com efeito, as pesquisas foram realizadas como uma sucessão de apontamentos e esclarecimentos tendentes à uniformização e contextualização, levando a uma leitura rápida e compreensiva, sem prejuízo da utilização da melhor doutrina.
A prova, sua produção e obtenção são primeiramente analisados sem desgarrar-se da análise do Juízo Criminal e, posteriormente, de sua aplicação no Juízo da ação de improbidade, tudo sob o enfoque do abalizado comentário jurídico.
Empós, passa-se à análise das possíveis condenações advindas da ação de improbidade e seus efeitos na vida do jurisdicionado, desde os prejuízos experimentados com a simples denúncia.
Assim, estando superada esta fase do trabalho, é tratado o delicado tema da responsabilidade civil do Estado em casos de condenações em ação de improbidade com base em provas obtidas ilicitamente segundo o Juízo Criminal, quer pela atitude investigatória da Polícia Judiciária, quer seja pela atitude investigatória do Ministério Público.
Este trabalho trata temas e situações ainda controvertidas, quer na doutrina quanto na jurisprudência, que ainda tergiversa sobre vários conceitos e caminhos que se percorrerá no itinerário lógico e conclusivo. Logo, as premissas aqui apresentadas, com a ressalva da ausência de unanimidade de aceitação, devem ser tomadas como válidas para que o trabalho atinja os objetivos finais a que se pretende.
Divide-se o presente estudo da seguinte forma: o primeiro capítulo trata da prova judicial propriamente dita, sua concepção doutrinária, a prova declarada ilícita, a prova aproveitada por outro Juízo e sua prestabilidade.
É sucedido pela análise do direito sancionador na espécie ação de improbidade administrativa e suas perversas consequências ao condenado
Já o terceiro capítulo versa sobre a Teoria da Asserção, também em seus amplos aspectos.
Chega-se ao ponto crítico do trabalho no quarto capítulo, oportunidade em que, também com base em casos práticos, defende-se a ampla responsabilização civil do Estado que, no âmbito da Administração Pública, por atos de seus prepostos, venham a causar dano aos administrados.
Finalmente, a conclusão demonstra, tecnicamente, em referência aos conceitos apresentados, a possibilidade, plausibilidade e procedência da propositura de ação de responsabilidade civil do Estado quando houver condenação com base em prova obtida ilicitamente, conforme declaração de outro Juízo.
- DA OBTENÇÃO E PRODUÇÃO DA PROVA E SUA PRESTABILIDADE NO JUÍZO DA AÇÃO DE IMPROBIDADE
2.1. Concepção Doutrinária
Preambularmente, tem-se que prova é o produto de todos os indícios materiais e imateriais que se pretende utilizar como substrato a embasar o feixe ou recorte fático que se denomina como fato, qualificado pela vertente jurídico.
Revela, pois, que, para ser alçada a essa condição, a prova será aquela formada na presença de acusação, defesa e de um juiz.
Antes, no entanto, de se adentrar para a análise da prova como produto dialético e fruto do contraditório, mister analisar o contexto jurídico-legislativo que regula os denominados meios de prova. Desde a previsão constitucional, passando pelas diretrizes processuais civis e penais, a ideia é a liberdade probatória, de tal sorte que os meios de prova podem se apresentar de diversas maneiras, típicas e atípicas, vedando-se a utilização daqueles meios ilícitos ou ilegítimos.
Tal assertiva deriva da natureza e função da prova, destinada à reconstrução de fatos pretéritos, um recorte da vida real, como já dito, permitindo ao juiz, por meio de sua persuasão racional – ou livre convencimento motivado – conhecer o ocorrido para, em consequência, aplicar as normas jurídicas ao caso concreto. Em suma, quanto maior o arcabouço probatório trazido aos autos, melhor será a decisão jurídica conferida ao problema apresentado ao Magistrado.
A vedação à utilização, sem ressalvas, de determinados meios de prova deve estar justificada por outros valores sociais importantes, imaginando-se uma espécie de juízo de ponderação normativo, ou seja, ainda que possa ser de extrema relevância o conhecimento de uma ocorrência por parte do julgador, certas regras e procedimentos existem e necessitam ser observadas, sob pena de, em nome da verdade processual, serem vilipendiados aspectos axiológicos elementares ao Estado de Direito.
Exemplifica-se o raciocínio com os diversos casos de gravações telefônicas. Ainda que o conteúdo de uma conversa possa ser decisivo para o esclarecimento de uma demanda, opõem-se à sua utilização o respeito ao sigilo das comunicações, corolário que é de valores essenciais ao Estado Democrático de Direito, como a vida privada e a intimidade dos cidadãos.
Por esta razão, a lei impede a interceptação telefônica não autorizada judicialmente por pessoa estranha ao diálogo, fazendo preponderar sobre a busca da verdade o mencionado direito fundamental.
Pouco importa, nesse ponto, se a busca ilícita pela prova, isto é, se o meio de prova maculado foi utilizado pelo Ministério Público ou pela Polícia Judiciária. Também não pretendo lançar conjecturas sobre a constitucionalidade da questão das investigações promovidas pelo Ministério Público, cuja discussão, por si só, está sob a jurisdição do Supremo Tribunal Federal e já geraria outro trabalho.
O que importa, para o âmbito do presente, limita-se à utilização do meio de prova ilícito seja pela Polícia Judiciária, seja pelo Ministério Público, pois ambos representam o Estado ou atitudes de prepostos do Estado.
Sobre a declaração de ilicitude na produção da prova, debruçar-me-ei no capítulo seguinte, mas imprescindível a crítica à crescente utilização de provas ilicitamente obtidas em um sem número de investigações, com respaldo direto ou indireto de alguns setores do Poder Judiciário, mormente aqueles que funcionam em jurisdição não-penal, ainda que na seara do Direito Sancionador.
Nestes termos, não há mais a repulsa a tais meios de prova. Em suma, membros do Ministério Público e da investigação policial se comportam, no tocante ao tema, com plena irresponsabilidade, apossando-se ilicitamente de documentação harida em diálogo interceptado sem autorização judicial.
Assim, por mais que, dentro do contexto do direito penal, tal prova deva ser alijada dos autos, determinado fato que, a priori, configuraria fato típico pode vir a ser considerado, também, conduta ímproba, por Juízo diverso do criminal, surgindo corrente que defende o aproveitamento de tal “prova”.
Necessário versar, por fim, que a atividade persecutória moderna,no Brasil, é praticada com agressividade extravagante, desprezando-se tais premissas e preceitos constitucionais vigentes, tudo com vistas à responsabilização e combate à corrupção e à impunidade. O confronto entre acusação e defesa, modernamente, enfrenta, logo, posições extremadas da investigação, do Ministério Público e do próprio Judiciário.
2.2. Prova declarada Ilícita no Juízo Criminal
Por vezes, como já salientado, a um agente político que é carreado determinado fato, a sobreposição do recorte da vida real pode configurar, ao mesmo tempo, a tipicidade estrita penal e a subsunção a determinada conduta ímproba.
O grande número de procedência das ações de improbidade, somado à qualificação da ação de improbidade como civil, por mais que ainda se discutam sobre a aplicação de princípios processuais penais ou garantias sincréticas, talvez em razão da teleologia da lei, de visar à punição que, se considerada penal, certamente teria sido declarada inconstitucional, deixam claro que, no âmbito processual da ação de improbidade, a verificação da ilicitude nos meios probatórios é branda – para se dizer o menos – se comparada ao exame da licitude dos meios probatórios que norteiam o processo penal.
Destarte, por mais que a tese da proibição das provas ilícitas seja antipática, pois, na ampla maioria dos casos, a sua aplicação beneficiará aqueles que, em um dado momento histórico, a população considera culpado, a doutrina e a jurisprudência caminham praticamente uníssonas em anular as provas obtidas por meio ilícito, para manter hígida e promover as garantias constitucionais dos acusados em processo penal.
Não bastasse, doutrina e jurisprudência também caminham juntas quando a ilicitude reside no nascedouro do meio de produção da prova e a prova é declarada ilícita por decorrência do mio ilícito ou “envenenado”, chamada de tese dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree theory). Essa tese tem guarida no Supremo Tribunal Federal (verbi gratia, a Ação Penal 307/DF) e é, por assim dizer, antipática, contramajoritária, por garantir direitos dos acusados em detrimento do afã popular em punição a qualquer custo.
Para elucidar e demonstrar a questão, imprescindível a citação de julgado do Superior Tribunal de Justiça em que se acatou a tese supramencionada:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. RELATÓRIO DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRA, ENCAMINHADO PELO CONSELHO DE CONTROLE DE ATIVIDADES FINANCEIRAS (COAF), SOBRE A EXISTÊNCIA DE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA ATÍPICA. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE.
ENVOLVIMENTO DE PARLAMENTARES. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO.
TRAMITAÇÃO NA JUSTIÇA FEDERAL. INCOMPETÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA.
REPRESENTAÇÃO PELA QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO, FISCAL E DE DADOS TELEFÔNICOS DOS INVESTIGADOS, AQUI CONSIDERADA COMO A VERDADEIRA "ORIGEM" DAS INVESTIGAÇÕES, OU SEJA, A RESPONSÁVEL PELO SEU INÍCIO, UMA VEZ QUE O RIF DO COAF SE PRESTOU APENAS PARA A INSTAURAÇÃO DO IPL. NÃO PRECEDÊNCIA DE QUALQUER OUTRA DILIGÊNCIA OU DE QUAISQUER OUTROS MEIOS POSSÍVEIS QUE TENDESSEM A BUSCAR PROVAS PARA O EMBASAMENTO DA OPINIO DELICTI. RELATÓRIO DO COAF E REPRESENTAÇÃO POLICIAL QUE RECONHECEM QUE A ATIPICIDADE DAS MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS, POR SI SÓ, NÃO PERMITE CONCLUIR NO SENTIDO DE TER OCORRIDO CRIME FINANCEIRO. NÃO DEMONSTRAÇÃO PELA AUTORIDADE POLICIAL DA IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE OUTROS MEIOS DE PROVA. TODO INQUÉRITO POLICIAL VISA APURAR A RESPONSABILIDADE DOS ENVOLVIDOS A FIM DE PUNI-LOS, SENDO CERTO QUE A GRAVIDADE DAS INFRAÇÕES E/OU SUA REPERCUSSÃO, POR SI SÓS, NÃO SUSTENTAM A DEVASSA DA INTIMIDADE (MEDIDA DE EXCEÇÃO), ATÉ PORQUE QUALQUER CRIME, DE ELEVADA OU REDUZIDA GRAVIDADE (DESDE QUE PUNIDO COM PENA DE RECLUSÃO), É SUSCETÍVEL DE APURAÇÃO MEDIANTE ESSE MEIO DE PROVA, DONDE SE INFERE QUE ESSE FATOR É IRRELEVANTE PARA SUA IMPOSIÇÃO. IDÊNTICO RACIOCÍNIO DEVE SER EMPREGADO PARA A JUSTIFICATIVA CONCERNENTE AO "PERIGO ENORME E EFETIVO QUE A AÇÃO PODE CAUSAR À ORDEM TRIBUTÁRIA, À ORDEM ECONÔMICA E ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO", AS QUAIS SE ENCONTRAM CONTIDAS NA GRAVIDADE DAS INFRAÇÕES SOB APURAÇÃO. ÚLTIMO ELEMENTO QUE PODE SER EXTRAÍDO É A COMPLEXIDADE DOS FATOS SOB INVESTIGAÇÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO NEXO ENTRE A REFERIDA CIRCUNSTÂNCIA E A IMPOSSIBILIDADE DE COLHEITA DE PROVAS MEDIANTE OUTROS MEIOS MENOS INVASIVOS. DECISÃO JUDICIAL QUE AUTORIZOU A QUEBRA DO SIGILO FISCAL "SEM FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA", DESPROVIDA DE EMBASAMENTO CONCRETO E CARENTE DE FUNDADAS RAZÕES. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDIBILIDADE DO AFASTAMENTO DO SIGILO, NAQUELE MOMENTO. POR SER MEDIDA "EXCEPCIONAL" (ASSIM CONSTITUCIONALMENTE POSTA), CABE AO MAGISTRADO A DEMONSTRAÇÃO PRÉVIA E EXAUSTIVA QUANTO À ESTRITA NECESSIDADE DO MEIO DE PROVA EM QUESTÃO, NÃO SE PERMITINDO A DEVASSA/INVASÃO DA INTIMIDADE DE QUALQUER CIDADÃO COM BASE EM AFIRMAÇÕES GENÉRICAS E ABSTRATAS, NEM IGUALMENTE ALICERÇADA EM MENÇÃO A DISPOSITIVOS DE LEI QUE, POR SEU TURNO, "POSSIBILITAM" A QUEBRA, E NÃO A DETERMINAM POR SI SÓS, DEVENDO SER OBSERVADOS OS DEMAIS REQUISITOS LEGAIS ATINENTES À ESPÉCIE. A QUEBRA DE SIGILO NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE DEVASSA INDISCRIMINADA, SOB PENA DE OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INTIMIDADE E DA PRIVACIDADE DO CIDADÃO.
POSTERIORES QUEBRAS DE SIGILO DE DADOS TELEFÔNICOS DOS OUTROS INVESTIGADOS, ALÉM DA QUEBRA DO SIGILO FISCAL E DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DO PACIENTE. MÁCULAS QUE CONTAMINARAM TODA A PROVA: FALTA DE DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA SOBRE A PERTINÊNCIA DO GRAVOSO MEIO DE PROVA (ISTO É, AUSÊNCIA DE ELUCIDAÇÃO ACERCA DA INVIABILIDADE DE APURAÇÃO DOS FATOS POR OUTRO MEIO MENOS INVASIVO E DEVASSADOR);
UTILIZAÇÃO DA QUEBRA DO SIGILO FISCAL COMO "ORIGEM" PROPRIAMENTE DITA DAS INVESTIGAÇÕES (INSTRUMENTO DE BUSCA GENERALIZADA); AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO EXAUSTIVA E CONCRETA DA REAL NECESSIDADE E IMPRESCINDIBILIDADE DO AFASTAMENTO DO SIGILO; NÃO DEMONSTRAÇÃO, PELO JUIZ DE PRIMEIRO GRAU, DA PERTINÊNCIA DA QUEBRA DIANTE DO CONTEXTO CONCRETO DOS FATOS ORA APRESENTADOS PELA AUTORIDADE POLICIAL PARA A RESPECTIVA REPRESENTAÇÃO. PRECEITO CONSTITUCIONAL: A REGRA É A INVIOLABILIDADE DO SIGILO E A QUEBRA, MEDIDA DE EXCEÇÃO. ARGUIÇÃO DE ILICITUDE DA PROVA ACOLHIDA. TOTAL PROCEDÊNCIA. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS TELEFÔNICOS DE OUTROS INVESTIGADOS BEM COMO POSTERIOR QUEBRA DE SIGILO FISCAL E INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS DO PACIENTE DECORRENTES DAS ANTERIORES QUEBRAS DE SIGILO BANCÁRIO, DE DADOS TELEFÔNICOS E FISCAL. CONTAMINAÇÃO, POR SE TRATAR DE MEROS DESDOBRAMENTOS, QUE SE COMUNICAM E SE COMPLEMENTAM NO MESMO ATO APURATÓRIO, OU SEJA, DECORRERAM TODAS DAS QUEBRAS DE SIGILO RECONHECIDAS COMO VICIADAS. PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA.
1. Inquérito policial em trâmite na Justiça Federal, para fins de apurar suposta movimentação financeira atípica de pessoas físicas e jurídicas, devidamente identificadas, que não gozam de foro de prerrogativa de função. Dos fatos narrados na investigação policial, não há nenhum elemento probatório a apontar a participação de parlamentares, mas simplesmente de terceiros, os quais carecem de prerrogativa de foro, não bastando para deslocar a competência para o Supremo Tribunal Federal. Correta, portanto, a competência do Juízo Federal para o respectivo processamento. Precedentes.
2. Quanto à instauração de inquérito policial resultante do Relatório de Inteligência Financeira encaminhado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), nada há que se questionar, mostrando ele totalmente razoável, já que os elementos de convicção existentes se prestaram para o fim colimado.
3. Representação da quebra de sigilo fiscal, por parte da autoridade policial, com base unicamente no Relatório de Inteligência Financeira encaminhado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Representação policial que reconhece que a simples atipicidade de movimentação financeira não caracteriza crime. Não se admite a quebra do sigilo bancário, fiscal e de dados telefônicos (medida excepcional) como regra, ou seja, como a origem propriamente dita das investigações. Não precedeu a investigação policial de nenhuma outra diligência, ou seja, não se esgotou nenhum outro meio possível de prova, partiu-se, exclusivamente, do Relatório de Inteligência Financeira encaminhado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) para requerer o afastamento dos sigilos. Não foi delineado pela autoridade policial nenhum motivo sequer, apto, portanto, a demonstrar a impossibilidade de colheita de provas por outro meio que não a quebra de sigilo fiscal. Não demonstrada a impossibilidade de colheita das provas por outros meios menos lesivos, converteu-se, ilegitimamente, tal prova em instrumento de busca generalizada. Idêntico raciocínio há de se estender à requisição do Ministério Público Federal para o afastamento do sigilo bancário, porquanto referente à mesma questão e aos mesmos investigados.
4. O outro motivo determinante da insubsistência/inconsistência da prova ora obtida diz respeito à inidônea fundamentação, desprovida de embasamento concreto e carente de fundadas razões a justificar ato tão invasivo e devassador na vida dos investigados. O ponto relativo às dificuldades para a colheita de provas por meio de procedimentos menos gravosos, dada a natureza das ditas infrações financeiras e tributárias, poderia até ter sido aventado na motivação, mas não o foi; e, ainda que assim o fosse, far-se-ia necessária a demonstração com base em fatores concretos que expusessem o liame entre a atuação dos investigados e a impossibilidade em questão. A mera constatação de movimentação financeira atípica é pouco demais para amparar a quebra de sigilo;
fosse assim, toda e qualquer comunicação do COAF nesse sentido implicaria, necessariamente, o afastamento do sigilo para ser elucidada. Da mesma forma, a gravidade dos fatos e a necessidade de se punir os responsáveis não se mostram como motivação idônea para justificar a medida, a qual deve se ater, exclusiva e exaustivamente, aos requisitos definidos no ordenamento jurídico pátrio, sobretudo porque a regra consiste na inviolabilidade do sigilo, e a quebra, na sua exceção. Qualquer inquérito policial visa apurar a responsabilidade dos envolvidos a fim de puni-los, sendo certo que a gravidade das infrações, por si só, não sustenta a devassa da intimidade (medida de exceção), até porque qualquer crime, de elevada ou reduzida gravidade (desde que punido com pena de reclusão), é suscetível de apuração mediante esse meio de prova, donde se infere que esse fator é irrelevante para sua imposição. O mesmo raciocínio pode ser empregado para a justificativa concernente ao "perigo enorme e efetivo que a ação pode causar à ordem tributária, à ordem econômica e "às relações de consumo", as quais se encontram contidas na gravidade das infrações sob apuração. A complexidade dos fatos sob investigação também não autoriza a quebra de sigilo, considerando não ter havido a demonstração do nexo entre a referida circunstância e a impossibilidade de colheita de provas mediante outro meio menos invasivo. Provas testemunhais e periciais também se prestam para elucidar causas complexas, bastando, para isso, a realização de diligências policiais em sintonia com o andamento das ações tidas por criminosas. A mera menção aos dispositivos legais aplicáveis à espécie, por si só, também não se afigura suficiente para suportar tal medida, uma vez que se deve observar que tais dispositivos "possibilitam" a quebra, mas não a "determinam", obrigando o preenchimento dos demais requisitos legais. Máculas que contaminaram toda a prova: falta de demonstração/comprovação inequívoca, por parte da autoridade policial, da pertinência do gravoso meio de prova (isto é, ausência da elucidação acerca da inviabilidade de apuração dos fatos por meio menos invasivo e devassador); utilização da quebra de sigilo fiscal como origem propriamente dita das investigações (instrumento de busca generalizada); ausência de demonstração exaustiva e concreta da real necessidade e imprescindibilidade do afastamento do sigilo;
não demonstração, pelo Juízo de primeiro grau, da pertinência da quebra diante do contexto concreto dos fatos ora apresentados pela autoridade policial para tal medida. O deferimento da medida excepcional por parte do magistrado de primeiro grau não se revestiu de fundamentação adequada nem de apoio concreto em suporte fático idôneo, excedendo o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, maculando, assim, de ilicitude referida prova.
5. Todas as demais provas que derivaram da documentação decorrente das quebras consideradas ilícitas devem ser consideradas imprestáveis, de acordo com a teoria dos frutos da árvore envenenada.
6. Ordem concedida para declarar nulas as quebras de sigilo bancário, fiscal e de dados telefônicos, porquanto autorizadas em desconformidade com os ditames legais e, por consequência, declarar igualmente nulas as provas em razão delas produzidas, cabendo, ainda, ao Juiz do caso a análise de tal extensão em relação a outras, já que nesta sede, de via estreita, não se afigura possível averiguá-las; sem prejuízo, no entanto, da tramitação do inquérito policial, cuja conclusão dependerá da produção de novas provas independentes.[1]
2.3. Prestabilidade da Prova declarada Ilícita
Pensar em prestabilidade de prova declarada expressamente ilícita por si só também já caracterizaria fonte de intermináveis discussões. Primeiramente, convém destacar aquilo que a jurisprudência denota ser prova emprestada, isto é, a prova produzida e declarada válida por um Juízo poder ser utilizada por outro Juízo. Acerca de tal condição ser amplamente possível, demonstra novamente o Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NULIDADES. NÃO CARACTERIZADAS. CONTROLE JURISDICIONAL.
POSSIBILIDADE. UTILIZAÇÃO DE PROVA EMPRESTADA. PRECEDENTES. ARGUIÇÃO QUANTO A EVENTUAIS ILEGALIDADES NA OBTENÇÃO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. SEDE ADEQUADA: AÇÃO PENAL. DEMISSÃO DECORRENTE DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NÃO EXPRESSAMENTE TIPIFICADO NA LEI N.º 8.492/1992. PROCESSO JUDICIAL PRÉVIO PARA APLICAÇÃO DA PENA DE DEMISSÃO. DESNECESSIDADE. PREPONDERÂNCIA DA LEI N.º 8.112/90.
PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. OFENSA A ESSES POSTULADOS. INEXISTENTE. SUPOSTAS NULIDADES NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRINCÍPIO DO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF.
ALEGAÇÃO DE INOCÊNCIA QUANTO ÀS CONDUTAS IMPUTADAS. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA DO WRIT OF MANDAMUS.
1. No caso de demissão imposta a servidor público submetido a processo administrativo disciplinar, não há falar em juízo de conveniência e oportunidade da Administração, visando restringir a atuação do Poder Judiciário à análise dos aspectos formais do processo disciplinar. Nessas circunstâncias, o controle jurisdicional é amplo, no sentido de verificar se há motivação para o ato demissório, pois trata-se de providência necessária à correta observância dos aludidos postulados.
2. É cabível a chamada "prova emprestada" no processo administrativo disciplinar, desde que devidamente autorizada pelo Juízo Criminal.
Assim, não há impedimento da utilização da interceptação telefônica produzida no ação penal, no processo administrativo disciplinar, desde que observadas as diretrizes da Lei n.º 9.296/96. Precedentes.
3. Eventuais irregularidades atinentes à obtenção propriamente dita das "interceptações telefônicas" - atendimento, ou não, aos pressupostos previstos na Lei n.º 9.296/96 - não podem ser dirimidas em sede de mandado de segurança, porquanto deverão ser avaliadas de acordo com os elementos constantes dos autos em que a prova foi produzida e, por conseguinte, deverão ser arguidas, examinadas e decididas na instrução da ação penal movida em desfavor da Impetrante.
4. A pena disciplinar aplicada à ex-servidora não está calcada tão somente no conteúdo das degravações das "interceptações telefônicas" impugnadas, mas também em farto material probante produzido durante o curso do Processo Administrativo Disciplinar.
5. O fato de o ato demissório não defluir de condenação do servidor, exarada essa no bojo de processo judicial, não implica ofensa aos ditames da Lei n.º 8.492/92, nos casos em que a citada sanção disciplinar é aplicada como punição a ato que pode ser classificado como de improbidade administrativa, mas não está expressamente tipificado no citado diploma legal, devendo, nesses casos, preponderar a regra prevista na Lei n.º 8.112/90.
6. Os comportamentos imputados à Impetrante são aptos a alicerçar a decisão de demissão, porquanto passíveis de subsunção ao tipos previstos nos arts. 117, inciso IX, e 132, incisos IV, IX e XIII, da Lei n.º 8.112/90 e, portanto, mostra-se perfeitamente razoável e proporcional a pena aplicada à ex-servidora.
7. O processo administrativo disciplinar em questão teve regular processamento, com a estrita observância aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, sem qualquer evidência de efetivo prejuízo à defesa da ex-servidora. Assim, aplicável à espécie o princípio do pas de nullité sans grief.
8. Não foram trazidas aos autos provas hábeis a descaracterizar as conclusões do Processo Administrativo Disciplinar, as quais firmaram-se no sentido de que as condutas reprováveis da ex-servidora eram aptas a fundamentar a pena de demissão que lhe foi aplicada. Portanto, in casu, verificar, se não existiram as condutas imputadas, dependeria do reexame do material fático colhido no bojo do Processo Administrativo Disciplinar, o que é matéria carecedora de dilação probatória impossível de ser realizada na via estreita do mandamus.
9. Segurança denegada.
(MS 14140/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/09/2012, DJe 08/11/2012).[2]
No entanto, como já salientado, não trataremos de prova emprestada tecnicamente falando, mas na prestabilidade de prova declarada ilícita na esfera criminal. Aqueles que defendem a possibilidade, apoiados pela vontade praticamente unânime da busca pela condenação, sobretudo aos políticos, à corrupção e ao amargo sabor da impunidade advindos da ação penal, atacam a estrita formalidade da esfera criminal e o fato da ação de improbidade ser de natureza cível.
Ademais, o bem jurídico tutelado na ação de improbidade – probidade, honestidade, patrimônio público – justificariam a utilização da prova declarada ilícita para formarem o juízo de convencimento acerca da ocorrência dos supostos fatos tidos como ímprobos.
Portanto, uma vez aceita e examinada a prova da ocorrência de determinado fato tido por ímprobo, ainda que advinda de colheita ilícita declarada pelo Juízo criminal, a condenação passa a ser apenas consequência lógica.
Isso porque a prova própria e tecnicamente dita é aquela que exsurge e resiste ao contraditório e a mera utilização de documentos declarados ilícitos para a seara penal pode não ter sua ilicitude aceita para a configuração da improbidade, típica do Juízo cível.
- DA CONDENAÇÃO NA AÇÃO DE IMPROBIDADE COM BASE EM PROVA ILÍCITA
3.1. Direito Sancionador e Natureza Jurídica da Ação de Improbidade
Primeiramente, cumpre ressaltar que, sempre fora uma cultura nefasta em nosso país, como nos países da América do Sul, ver os homens públicos rompendo a coletividade pelos seus maus tratos à coisa pública. Ora, a corrupção atrasou muitos povos do nosso continente, que herdaram dos políticos o retrocesso e a conduta desleal, em vez de zelarem pela boa e pura intenção dos seus atos.
No entanto, a definição de improbidade administrativa não pode ser um “cheque em branco” ou ato de prepotência do membro do Ministério Público, pois a segurança jurídica que permeia um Estado Democrático de Direito como o nosso não permite essa indefinição jurídica.
Nosso sistema jurídico vigente, por mais que tenha “encaixado” a ação de improbidade no âmbito cível, não deixou de observar as características e peculiaridades sancionadoras decorrentes das condenações em referidas ações. Muitos excessos foram verificados, com abuso de direito do Ministério Público, que ateou lama, injustamente, em inúmeros agentes públicos, condenando-os perante a opinião pública, antes mesmo que o Poder Judiciário se pronunciasse sobre o caso levado ao seu crivo.
Historicamente, nesses curtos mas consideráveis 20 (vinte) anos de existência, a ação de improbidade demonstrou ter natureza jurídica de Direito Sancionador aplicada segundo as formas procedimentais próprias e sob a lógica, a ótica do direito civil, com algumas boas ressalvas.
3.2. A Perda do Cargo ou Função e Suspensão dos Direitos Políticos
Obviamente, não há como tratar das sanções da ação de improbidade sem antes analisar a lei, que transcrevo a seguir:
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:
I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente..[3]
Este é, indubitavelmente, o artigo que mais deixa clara a característica sancionatória da ação de improbidade. A perda do cargo ou função pública decorre do desdobramento da moralidade, pois é inadmissível que o agente público condenado pelo grave delito de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito possa continuar a desempenhar suas atividades no ente público lesado.
Por ser uma sanção grave, a prudência exige que a perda da função seja declarada após o trânsito em julgado, com ampla chance de defesa do acusado, com o término do processo, bem como guardando proporção com o ato ilícito praticado pelo agente público. Assim, a perda da função é uma excepcionalidade que somente poderá ser aplicada para os casos graves.
Por todo o raciocínio exposto, conclui-se que, com o rompimento dos elos de honestidade e de probidade, a demissão do serviço público é uma necessidade, para que não haja a contaminação dos demais agentes, pois a impunidade traz a sensação de que o faltoso jamais será punido pelas irregularidades praticadas.
3.3. A Multa Civil
Como visto anteriormente, a demissão por ato de improbidade administrativa decorre da própria racionalidade da lei e é também consequência lógica dos princípios da moralidade e da razoabilidade, pois não é admissível que o ímprobo figure nos quadros do serviço público.
Nesse diapasão, os Tribunais pátrios têm entendido que a sanção que impõe o pagamento de multa civil deve ser aplicada levando-se em conta a gravidade do ato ilícito praticado e a extensão do dano causado.
Dessa maneira, por se tratar de sanção a ser cumulada com as demais estabelecidas no artigo 12, ora em comento, deve guardar correlação com o princípio da razoabilidade, pois será aplicada a cada caso concreto em bloco ou isoladamente, de acordo com a hipótese julgada a fim de que se exteriorize a verdadeira justiça.
Por fim, em se tratando de aplicação de sanção, a multa civil guardará estrita correlação com as provas diretas constantes dos autos e a extensão do dano causado, pois se houver baixo potencial ofensivo da lesão, capaz de afastar o enriquecimento ilícito praticado pelo agente público, ou até mesmo de impedir que haja prejuízo ao erário, não há que se falar na imposição de multa.
3.4. A Devolução do Patrimônio
A perda dos bens de quem comete ilícito criminal possui assento constitucional, figurando também no Código Penal como efeito da condenação previsto em seu artigo 91.
Já no âmbito da ação de improbidade, a devolução do patrimônio tem umbilical relação com o ressarcimento integral do dano causado pelo ato de improbidade. A natureza da sanção, ora em debate, como se vê, é indenizatória, objetivando a reparação do comprovado dano acarretado ao erário.
O valor ressarcido é revertido em favor da pessoa jurídica prejudicada, na medida necessária do dano, sem excessos ou enriquecimento desproporcional do ente lesado ou prejudicado, observando-se, sempre, o princípio da proporcionalidade, de modo a evitar injustiça tanto para o lesado, como para quem lesou.
Assim, o ressarcimento deve ser proporcional ao dano efetivamente causado, não nascendo o direito, via de consequência, de enriquecimento sem causa de qualquer das partes. Portanto, a aferição de tal dano deve ser feita no caso concreto com base em análise detida das provas dos autos que comprovem efetivo dano à coletividade, os quais ultrapassam a mera insatisfação com a atividade administrativa.
3.5. A Pecha de Ímprobo e a Morte Civil do Cidadão
De tudo até aqui apresentado, desde a obtenção da prova da ação de improbidade por meios declarados ilícitos para a esfera criminal, até as duras e seríssimas penas que podem ser imputadas ao agente político ou servidor público, chega-se à conclusão de que a mera propositura da ação de improbidade, por mais que não traga, automaticamente, as consequências jurídicas acima descritas, já abala sobremaneira a vida e a carreira do agente político.
Quanto mais se vier acompanhada de pedido liminar de indisponibilidade e sequestro de bens do suposto agente ímprobo e seu afastamento cautelar das funções ou cargo que ocupa.
Assim, como bem dito pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Enrique Ricardo Lewandowski, a condenação na ação de improbidade é a morte civil do cidadão, diante das possibilidades de condenação acima descritas.
Não se pode perder de vista que o presente trabalho analisa justamente os casos que a condenação na ação de improbidade é total, ainda durante o exercício da função ou cargo público, exsurgindo ao condenado, com base em prova declarada ilícita pelo Juízo Criminal, a reparação pelos danos causados pelos atos dos prepostos do Estado, conforme será detalhadamente analisado no capítulo seguinte.
- DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NAS CONDENAÇÕES EM AÇÕES DE IMPROBIDADE COM BASE EM PROVA DECLARADA ILÍCITA
4.1. Conceito
A responsabilidade civil do Estado é objetiva, ou seja, tem a obrigação de indenizar, em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. A previsão é, inclusive, constitucional:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.[4]
Em uma leitura mais atenta: A pessoa jurídica de direito público (Estado), na seara da Administração Pública Direta, responde pelos danos que seus agentes (policiais ou promotores) causarem a terceiros (agente político ou servidor público). Nesse sentido, não cabe, neste momento, de responsabilização civil objetiva do Estado, a verificação da culpa individual do agente, podendo esta ser analisada posteriormente, mas não como óbice ao Administrado em ver seus danos reparados pela Administração Pública.
Para nós, todo ordenamento jurídico deve prever a imposição de sanção caso um de seus comandos seja descumprido. Ora, se o Direito só existe para dar segurança às pessoas, então, por meio dele busca-se pacificar e harmonizar as relações sociais. Diante desse postulado, conclui-se que o descumprimento de um comando normativo viola esse pressuposto, causando desarmonia social e profunda insegurança.
Se admitirmos que o direito positivo reconhece uma desarmonia social sem, contudo, contemplar mecanismo jurídico tendente a recompô-la, então, seremos obrigados a concluir que não há falar na existência de Direito, tal como concebemos. Não haverá, pois, ordenamento jurídico de modo que pensamos que nele exista.
Daí por que, fiado nessa premissa, afigura-se necessário que a ordem jurídica sempre contemple, em seu bojo, prescrições destinadas ao restabelecimento da desarmonia causada pela desobediência a um de seus comandos normativos.
É justamente nesse ponto que se justifica a responsabilidade civil do Estado por atos de seus agentes, que ocasionaram, por fim, a condenação em todas as modalidades de sanção da ação de improbidade, pois indissociáveis e saltam aos olhos o dano e o nexo causal.
4.2. Dano e Nexo Causal
O dano sofrido pelo indivíduo – in casu, agente político ou servidor público - deve ser visualizado como conseqüência do funcionamento do serviço público, não importando se esse funcionamento foi bom ou mau. Importa, sim, a relação de causalidade entre o dano e o ato do agente público.
Encampa-se, aqui, a teoria do acidente administrativo, ou da falta impessoal do serviço, em que se não exige a verificação da culpa individual do agente, pois esta nem sempre se pode exatamente positivar; basta comprovar a existência de uma falha objetiva do serviço público, ou o seu mau funcionamento, ou uma irregularidade qualquer que importe em desvio da normalidade, para que fique estabelecida a obrigação de reparar o dano.
Assim, nesse momento, descarta-se qualquer indagação em torno da culpa do funcionário causador do dano, ou, mesmo, sobre a falta do serviço ou culpa anônima da Administração. Responde o Estado porque causou dano ao seu Administrado, simplesmente porque há relação de causalidade entre a atividade administrativa e o dano sofrido pelo particular.
Logo, pouco importa se a conduta ilegal ou ilícita de obter a prova a qualquer custo partiu do promotor ou do policial, se houve dolo ou não em tal conduta, pois para o Administrado, aquele sobre quem recairá a prova, tem o direito de ser indenizado pelo ato da Administração Pública.
4.3. Da Indenização e Reparação Integrais
Uma vez aceito o dever de indenizar, passa-se à exata quantificação do dano, ou seja, o quantum efetivamente será indenizado ou reparado o condenado na ação de improbidade.
Inicialmente, deve-se fazer a distinção entre indenização e reparação, pois a indenização pressupõe o retorno ao status quo, sendo passíveis de indenização somente as perdas patrimoniais.
Noutro giro, as perdas ou ofensas extrapatrimoniais são passíveis de reparação, tais quais a reparação pelos danos morais, pois impossível, de afogadilho, quantificar a perda ou ofensa à imagem de um acusado e condenado em ação de improbidade com base em prova obtida por meio ilícito.
Logo, a indenização por danos materiais compreendem tanto a quantia que o condenado efetivamente perdeu quanto a quantia que o condenado razoavelmente deixou de ganhar. Isto é, no campo dos danos emergentes serão incluídos todos os gastos, todo o patrimônio efetivamente gasto pelo condenado correspondente à condenação na ação de improbidade.
Já no campo dos lucros cessantes, abranger-se-ão todos os vencimentos e benefícios que o condenado deixou de ganhar com a sanção de perda de cargo ou função pública até o término do mandato ou, se vitalício, compreendidas todas as vantagens que adviriam da efetiva ocupação do cargo ou funcionamento públicos. Poder-se-ia alegar, inclusive, caso o condenado fosse candidato político de renomado histórico e pujança, a perda da chance de disputar cargos eleitorais com a sanção de suspensão de direitos políticos.
Ainda, passando-se à reparação pelos danos morais, razão também teria o condenado, pois eternamente rotulado sob a pecha de ímprobo, corrupto, inimigo da Administração Pública, o que por si só já é efeito praticamente automático de simplesmente figurar no polo passivo da ação de improbidade.
CONCLUSÃO
O momento por que passamos é único no combate à corrupção e impunidade, perversas heranças até então indissociáveis da conduta dos agentes políticos e servidores públicos.
A investida na busca da punição para tais casos é tamanha que o grande número de ações de improbidade e o percentual de procedência atestam o cenário atual.
Bem como, na contramão, há de se fazer valer corrente contramajoritária para sopesar possíveis abusos ou uso indiscriminado de tão relevante instrumento processual e político.
Como não há, hodiernamente, limites para a tentativa de punição, tem-se tomado atitudes discutíveis em busca de se punir o ímprobo, ainda que atropeladas ou vilipendiadas certas garantias constitucionais.
A ação penal ainda é tratada com os respaldos e garantias constitucionais, mas o encaixe jurídico da ação de improbidade como “não-penal”, talvez com o propósito de possibilitar maior flexibilização sobretudo das formas procedimentais e das nulidades, pode trazer reação legal dos condenados.
Trata-se, justamente, dos casos hipotéticos em que a prova - inicialmente tendente a ser produzida no Juízo penal - é declarada ilícita diante da manifesta ilegalidade de seu meio, mas aproveitada no Juízo da ação de improbidade, não como prova empestada tecnicamente falando, mas como meio apto a produzir a busca da verdade real em detrimento da formalidade na obtenção da prova, supedâneo que, flexibilizado em prol da probidade, moralidade e patrimônio públicos estaria justificado juridicamente e aparentemente aceito.
Julgada procedente a ação e executadas as sanções, surgiria ao condenado a possibilidade de ser ressarcido, civilmente, pelo Estado, por todos os prejuízos causados pela colheita ilícita da prova que, por mais que assim declarada, embasou condenação de improbidade.
Revisitar temas, noções e conceitos clássicos é uma boa oportunidade para que seja feita uma releitura da visão atual a seu respeito, e para que novas sonoridades sejam extraídas das antigas partituras, mormente porque a ‘banda’ se alterou.
E a resolução das dúvidas em cada um de tais tópicos foi lançada de forma coerente com as premissas que foram sendo construídas, voltadas a privilegiar mais a essência do que a forma. Contudo, não seria adequado pura e simplesmente desconsiderar o direito codificado, que apresenta parâmetros sistemáticos de equilíbrio na operacionalização do processo civil.
E mais: aquilo que poderia se demonstrar mais vantajoso ao Estado, que seria a condenação do suposto agente ímprobo, com sua condenação pecuniária, afastamento do cargo e suspensão dos direitos políticos, pode ser mais oneroso ao próprio Estado, pois arcará com a indenização no campo material e com a reparação no campo moral, tudo, repise-se, em decorrência de conduta ilícita na colheita da prova e na busca da condenação a qualquer custo.
Ora, se a lei de improbidade administrativa, como visto, prevê a reparação integral do dano, o caminho inverso também é válido, ou seja, o Estado deve reparar integralmente seus danos causados.
Pretende-se, por todo o exposto, apenas iniciar o debate e alertar para os rumos e refluxos que o fetiche pela condenação de agentes políticos pode trazer, sempre na ideia de que o processo vale pelo resultado que produz na vida das pessoas ou grupos, com base na ausência de prejuízo e escopo, com segurança jurídica para estabilizar as relações sociais e não criar mais conflitos, pacificando com segurança jurídica, pilar do nosso Estado Democrático de Direito.
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[1] STJ. HC nº. 191.378/DF. 6ª Turma. Relator: Min. Sebastião Reis Júnior. Julgado em: 15.09.2011.Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=14140&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2. Acesso em: 14/11/2012
[2] STJ. MS nº. 14140/DF. 3ª Seção. Relatora: Min. Laurita Vaz. Julgado em: 08.11.2012.Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=14140&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1. Acesso em: 14/11/2012
[3] BRASIL,Lei nº 8.429, de 02 De Junho de 1992, Lei de Improbidade Administrativa. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm. Acesso em: 13/11/2012
[4] BRASIL,Constituição Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CF_88compilada.htm. Acesso em: 13/11/2012