Direito do Consumidor e o fenômeno do superendividamento

Exibindo página 1 de 6
04/02/2015 às 14:55
Leia nesta página:

O CDC protege o consumidor, mas ampara o superendividado? O estudo analisa o conceito, o PL 283/2012 e soluções jurídicas e sociais.

Resumo: O presente estudo cuja temática contempla o Superendividamento do Consumidor, tem como objetivo geral e principal demonstrar que a Lei 8.078/90, importante ferramenta para a proteção do consumidor diante das práticas abusivas no mercado de consumo, não está preparada para amparar as pessoas/consumidores que por questões alheias a sua vontade ficam impossibilitadas de adimplir com as suas dívidas. O presente estudo visa ainda à definição do Superendividamento, pois tema novo nos debates jurídicos, ainda fazer um comparativo entre as leis já existentes em alguns países que protegem o consumidor endividado e o projeto de lei n° 283/2012, que será um avanço significativo para a prevenção e combate ao Superendividamento. Por ser um tema pouco explorado, objetiva-se também demonstrar as opiniões doutrinárias e jurisprudências acerca da problemática. Ainda trazer possíveis soluções as questões do Superendividamento como conscientização dos consumidores e também dos fornecedores de produtos e serviços.

Palavras-chave: Consumidor. Superendividamento. Projeto de lei. Lei 8.078/90. Dívidas.

Sumário: 1. Introdução. 2. Evolução histórica do consumo. 2.1. Evolução histórica do Código de Defesa do Consumidor brasileiro. 2.2. Conceito de consumidor. 2.3. Conceito de fornecedor. 3.3. A teoria da imprevisão e a teoria da onerosidade excessiva nos contratos regidos pelo Código Civil. 4. O superendividamento. 4.1. Conceito de superendividamento. 4.2. Espécies de superendividado. 4.3. Lei francesa que inspirou o projeto de lei brasileiro sobre o superendividamento. 4.4. O anteprojeto brasileiro para alteração do CDC visando a proteção do superendividado. 4.4.1. Justificativa para a sua criação. 4.4.2. Importância da tipificação. 5. Críticas à atualização do CDC quanto ao superendividamento. 6. Casos reais. 6.1. Alguns casos no Brasil. 7. Considerações finais.


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho abrange o direito do consumidor mais incisivamente na questão do Superendividamento. Fenômeno comum nas sociedades de consumo atuais, de acesso ao crédito facilitado, democratizando o pagamento em prestações, o superendividamento crônico do consumidor, vem ganhando, ainda que timidamente, destaque nas discussões jurídicas sobre direitos do consumidor e a lei que os protege.

Justifica-se a elaboração desta monografia com o fato dos juristas não estarem preparados para lidar com a constante ocorrência do superendividamento, vez que se trata de um problema que apesar de ser discutido no Brasil há muito tempo, não tem ampla doutrina e nem tampouco legislação específica, e por mais protecionista que seja o Código de Defesa Consumidor, ele sobrevoou o tema, deixando o consumidor a mercê das interpretações dos doutrinadores e aplicadores da norma jurídica acerca da questão, ficando sem amparo legal até para fundamentar uma futura pretensão jurisdicional, sendo imprescindível a regulamentação desse instituto.

O problema é que o consumidor endividado ao buscar a tutela jurisdicional, não encontra respaldo legal para embasar tal pretensão e nem tem o judiciário lei que regule tal instituto, deixando o magistrado apenas com as regras ordinárias de experiência, a analogia e os princípios gerais do direito para fundamentar suas decisões, já que não pode deixar de julgar ao argumento de existir lacuna na lei.

O objetivo geral da monografia é demonstrar que a Lei 8.078/90, importante ferramenta para a proteção do consumidor diante das práticas abusivas no mercado de consumo, não está preparada para amparar as pessoas/consumidores que por questões alheias a sua vontade ficam impossibilitadas de adimplir com as suas dívidas, os objetivos específicos são definir o Superendividamento, fazer um comparativo entre o Código de Consumo Francês e o atual projeto de lei n° 283/2012 que tem por fim atualizar o Código de Defesa do Consumidor Brasileiro inserindo em seu bojo a figura do superendividamento e que será um avanço significativo para a prevenção e combate ao Superendividamento do consumidor de boa-fé, demonstrar as opiniões doutrinárias e jurisprudências acerca da problemática e ainda trazer possíveis soluções as questões do Superendividamento como conscientização dos consumidores e também dos fornecedores de produtos e serviços.

Parte-se da hipótese que o consumismo é um fator importante para uma sociedade capitalista. Ele influencia as pessoas a buscarem uma melhoria nas condições de vida, as instigam a querer sempre um produto novo, essencial ou não. O mercado de consumo é o maior responsável pela economia de um país, é por meio dele que os consumidores compram produtos e utilizam serviços diversos, fazendo girar a roda da economia, aumentando a oferta de emprego e renda.

No entanto, o aumento do consumo não trouxe somente benefícios, consigo veio também um problema crônico e preocupante, o endividamento do consumidor. O endividamento é uma celeuma da sociedade de consumo mundial, que ao longo dos anos vem comprometendo a subsistência das famílias, em especial as de média e baixa renda. O que se conclui é que o Código de Defesa do Consumidor não foi preparado para a ocorrência desse fenômeno global, e ao analisá-lo verifica-se que ele não possui dispositivos específicos para a proteção do consumidor superendividado.

Para a elaboração desta monografia, foi empregada em grande parte a metodologia da pesquisa bibliográfica através dos poucos doutrinadores atuantes na área, além da análise de jurisprudências, artigos especializados, sites e revistas jurídicas sobre o tema.

No segundo capítulo, com o título histórico do consumismo, faz-se um apanhado do surgimento da ideia de consumismo, que ocorreu na época da Revolução Industrial, onde se vislumbrou a necessidade de criar um mecanismo que regulasse a relação entre as grandes indústrias (fornecedores) e quem utilizaria os produtos fabricados por elas (consumidores). E ainda conterá relatos acerca da origem do Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, importante ferramenta legal para regulamentação das relações consumeristas, e principalmente a definição dos sujeitos envolvidos, o consumidor, principal interessado e tutelado pela lei e o fornecedor, figura indispensável para a caracterização da relação de consumo.

O terceiro capítulo versa sobre a teoria na imprevisão e a teoria da onerosidade excessiva no Código Civil de 2002, sua gênese e importância para o direito civil e a relação entre essas teorias e a questão do consumo e do superendividamento, tema basilar do presente estudo.

O quarto capítulo onde se inicia a discussão acerca do Superendividamento tem-se um apanhado histórico do endividamento do consumidor, suas possíveis causas e ainda explanar a respeito do projeto de lei federal que visa à alteração da Lei 8.078/90, a fim de inserir em seu bojo formas mais abrangentes de prevenção e proteção ao superendividamento, conceituação das espécies de endividados e as comparações entre a legislação internacional que serviu de base para o projeto brasileiro e ainda o entendimento de doutrinadores e da jurisprudência pátria sobre o tema.

O quinto capítulo, traz críticas à atualização do Código de Defesa do Consumidor, demonstra a opinião de doutrinadores que discordam da necessidade de reforma da Lei 8.078/90, argumentando que ele mesmo despois de tanto tempo de vigência continua atual frente as relações entre consumidores e fornecedores.

No sexto capítulo, com o título casos reais, há a demonstração de alguns casos citados por doutrinadores do tema, casos verídicos ocorridos no Brasil de consumidores que acabaram se endividando por questões alheias as suas vontades e a solução encontrada em cada caso, onde pode o consumidor renegociar as suas dívidas e voltar ao mercado de consumo.

E por fim no último capítulo considerações finais faz-se um apanhado geral de todos os pontos discutidos neste trabalho e ainda as possíveis soluções para a problemática central, qual seja, a inexistência de respaldo legal para embasar o pedido de proteção ao superendividamento, deixando o magistrado apenas com as regras ordinárias de experiência, a analogia e os princípios gerais do direito para fundamentar suas decisões, já que não pode deixar de julgar ao argumento de existir lacuna na lei.


2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONSUMO

O consumo remonta desde os primórdios da humanidade, antes mesmo da criação da moeda. Nesta época, as famílias produziam seu próprio alimento. No entanto, as pessoas não conseguiam produzir todo o necessário para a sua subsistência, e trocavam (prática conhecida por escambo) parte do que produziam por outros bens que garantissem a sobrevivência. Ocorre que, nem sempre as negociações eram justas, pois muitas vezes permutavam-se mercadorias mais valiosas por outras de menor valor. A moeda surgiu com o intuito de tornar mais justa as trocas de mercadorias, facilitando assim as relações negociais. Os excedentes da produção eram trocados pela moeda e quem as detinha podia comprar o que desejasse.

Nesta época toda a produção era artesanal (manual), os produtos eram fabricados por uma mesma pessoa, os artesãos conheciam todas as etapas de produção e também ao final sabiam quanto custava a sua mão de obra e o produto por ele confeccionado.

Tudo começou a mudar com a ocorrência da Revolução Industrial, movimento iniciado na Europa, mais especificamente na Inglaterra, em meados do século XVIII. Com os avanços das máquinas industriais, os produtos começaram a ser produzidos em larga escala, deixando de lado o trabalho artesanal e passando a adotar etapas de produção, onde um mesmo produto passava pelas mãos de muitos operários, aumentando assim a produtividade e barateando o preço final do produto, o que denominamos hoje de produção em massa. E em decorrência da massificação dos meios de produção, diminuiu-se a preocupação com o controle de qualidade da produção industrial, e assim começaram a surgir problemas nos produtos.

Os operários das fábricas, que em grande parte eram pessoas que tinham abandonado o campo com a perspectiva de melhorar de vida, partiram rumo aos grandes centros para servirem de mão de obra nas fábricas, e inevitavelmente tornaram-se consumidores dos bens produzidos pelas indústrias, consumidores estes, que apesar de serem os responsáveis pelo alto faturamento das grandes indústrias, eram extremamente vulneráveis perante os grandes empresários que detinham o poderio financeiro e o domínio tecnológico do bem produzido, deixando o consumidor desamparado frente a qualquer problema existente na mercadoria adquirida por ele. Diante disto, se vislumbrou a necessidade de aperfeiçoamento das formas de proteção ao consumidor diante da abusividade perpetrada pelos industriais.

Segundo (MELLO, 2010, p. 07) foi a partir do discurso do Presidente John Kennedy, em mensagem enviada ao congresso americano, em 15 de março de 1962, que se desencadeou um amplo movimento mundial em defesa do consumidor, especialmente nos países desenvolvidos.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Em seu discurso o presidente norte-americano elencou direitos fundamentais e inerentes ao consumidor, como o direito a segurança e a informação, o direito de escolha, o direito de ser ouvido e consultado além do respeito à dignidade humana, direitos estes contidos em nosso Código de Defesa do Consumidor. E devido à importância da temática, no dia 15 de março, comemora-se o Dia Internacional do Consumidor.

Escreve (MELLO, 2010, p. 07) que merece ainda destaque a edição da Resolução n° 39/248, datada de 10 de abril de 1985, editada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que conferiu ao direito do consumidor o status de direito da humanidade [...]. Tal resolução influenciou, de maneira marcante, a elaboração de nosso Código de Defesa do Consumidor, bem como outras legislações consumeristas por todo o mundo.

2.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR BRASILEIRO

No Brasil, foi na década de 1970 que o consumidor passou a ser visto com outros olhos no que tange a proteção de seus direitos como integrante da relação consumerista. Isso se deu pelo fato de no ano de 1970 o país ter sofrido o seu maior índice inflacionário de todos os tempos, o fusca, veículo mais popular da época, teve seu preço elevado em 760 %, enquanto a gasolina subiu 5.412 %.

A partir de então, foram criados vários órgãos que objetivavam principalmente a tutela do consumidor frente às abusividades presentes no mercado de consumo. De início, no ano de 1975 foi criada por Frederico Renato Mótola, na cidade de Porto Alegre a Associação de Proteção ao Consumidor (APC) que recebia inúmeras reclamações, entre as principais estava o mau funcionamento de produtos eletroeletrônicos. Já no ano de 1976, em São Paulo, foi fundado o Sistema Estadual de Proteção ao Consumidor, hoje denominado Procon, este foi o primeiro órgão oficial que tinha como finalidade orientar os consumidores e promover acordo em situações de conflito nas relações de consumo. No ano de 1977, foi apresentado pelo deputado federal Nina Ribeiro o primeiro projeto de lei que objetivava a criação do Código de Defesa do Consumidor.

Mais adiante, foram criados vários outros institutos que visavam à proteção do consumidor como o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC), a implementação dos Juizados Especiais, a Secretaria de Defesa do Consumidor em São Paulo, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), dentre outros.

Somente no ano de 1988, ano de promulgação da atual constituição, até então vigente, foram reiniciados os trabalhos para a feitura do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

O anteprojeto que mais tarde se transformaria na lei 8.078/90, que traria ao consumidor respaldo legal para a defesa de suas pretensões em juízo contra a abusividade do mercado de consumo, contou com nomes de peso na seara jurídica. Coordenando os trabalhos estava a jurista e professora Ada Pelegrini Grinover, que contou com a colaboração de Daniel Roberto Fink, José Geraldo Brito Filomeno, Kazuo Waanabe e Zelmo Denari, ainda a assessoria de Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, Eliana Cárceres, Nelson Nery Júnior, dentre outros.

As reuniões para a discussão das possíveis regras que conteriam o nosso CDC ocorreram na Secretaria de Defesa do Consumidor de São Paulo. Este, que foi o primeiro anteprojeto, depois de divulgado e encaminhado para pessoas e entidades, recebeu críticas e sugestões sendo publicado no Diário Oficial (DO) na data de 04 de janeiro de 1989.

Vencida esta primeira etapa, a comissão de juristas avaliou as sugestões dadas ao anteprojeto, levando também em consideração as proposições de juristas brasileiros e também estrangeiros que se reuniram no I Congresso Internacional de Direito do Consumidor, realizado na cidade de São Paulo entre 29 de maio e 02 de junho do ano de 1989, o qual contou com a presença de professores estrangeiros que participaram da elaboração do Código de Defesa do Consumidor de seus países, como por exemplo, Thierry Bourgoignie, da Bélgica e Ewound Hondius, da Holanda.

Após muita discussão e intensos debates no Congresso Nacional, e ainda com a apresentação de outros anteprojetos de lei e 42 vetos, o projeto do Código de Defesa do Consumidor Brasileiro foi levado ao presidente Fernando Collor de Mello, o qual foi sancionado e publicado na data de 12 de setembro de 1990, como a atual lei 8.078, de 11 de setembro de 1990.

A lei 8.078/90 foi um avanço significativo na proteção do consumidor, pois “trata-se de um verdadeiro microssistema jurídico, em que o objetivo não é tutelar os iguais, cuja proteção já é encontrada no Direito Civil, mas justamente tutelar os desiguais, tratando-os de maneira desigual em elação aos fornecedores com o fito de alcançar a igualdade.” (GARCIA, 2006, p. 03).

Ainda tratando da importância da criação do CDC pondera Ada Pellegrini Grinover e Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamim (2004, p. 06):

A sociedade de consumo, ao contrário do que se imagina, não trouxe apenas benefícios para os seus atores. Muito ao revés, em certos casos, a posição do consumidor, dentro desse modelo, piorou em vez de melhorar. Se antes fornecedor e consumidor encontravam-se em uma situação de relativo equilíbrio de poder de barganha (até porque se conheciam), agora é o fornecedor (fabricante, produtor, construtor, importador, ou comerciante), que, inegavelmente, assume a posição de força na relação de consumo e que, por isso mesmo, “dita as regras”.

Ada Pelegrini e Antônio Herman (2004, p. 07), defendem que o consumidor possui vulnerabilidade frente ao fornecedor no mercado de consumo e justificam a necessidade e importância da criação do Código de Defesa do Consumidor citando Eike von Hippel:

É com os olhos postos nessa vulnerabilidade do consumidor que se funda a nova disciplina jurídica. Que enorme tarefa, quando se sabe que essa fragilidade é multifária, decorrendo ora da atuação dos monopólios e oligopólios, ora da carência de informação sobre qualidade, preço, crédito e outras características dos produtos e serviços. Não bastasse tal, o consumidor ainda é cercado por uma publicidade crescente, não estando, ademais, tão organizado quanto os fornecedores.

Por fim concluem que “Toda e qualquer legislação de proteção ao consumidor tem, portanto, a mesma ratio, vale dizer, reequilibrar a relação de consumo, seja reforçando , quando possível, a posição de consumidor, seja proibindo ou limitando certas práticas de mercado”.

Muitos defendem com fervor que o Código de Defesa do Consumidor não é uma mera lei, mas o microssistema mais importante criado após a Constituição Federal de 1988, é responsável pela regulação de uma relação complexa entre consumidor e fornecedor, engloba desde a compra de uma bijuteria na feira livre à aquisição de um apartamento de auto padrão, e é suficientemente capaz de dirimir todas as controvérsias que possam surgir no âmbito consumerista.

2.2. CONCEITO DE CONSUMIDOR

O consumidor é essencial para a caracterização da relação de consumo, ele é quem retira do mercado o produto ou o serviço como destinatário final. Sem a figura do consumidor o fornecedor não teria razão para fabricar, produzir, construir, importar, ou comercializar bens de consumo que podem ser produto ou serviço.

No entanto, o que vem a ser consumidor? O CDC o conceitua em seu art. 2°: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.” Parece-nos simples a definição da figura do consumidor, no entanto, não é, o CDC o conceituou de maneira abrangente, dando margem a interpretações. De acordo com Nehemias Domingos Melo (2010, p. 13):

não se há de ficar adstrito à figura do consumidor stricto sensu previsto no caput do art. 2°, que prevê como tal aquele que seja destinatário final se um produto ou serviço, pois é forçoso que se amplie esta conceituação porque o legislador, no parágrafo único do mesmo artigo, criou a figura do consumidor por equiparação ao prever a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, desde que tenham intervindo nas relações de consumo, devem ser equiparadas a consumidores.

Para Leonardo de Medeiros Garcia (2006, p. 07), defendendo a ideia de Nelson Nery Júnior, a composição do conceito de consumidor definido pelo art. 2° do CDC possui três elementos: “o primeiro deles é o subjetivo (pessoa física ou jurídica), o segundo é o objetivo (aquisição de produtos ou serviços) e o terceiro e último é o teleológico (a finalidade pretendida com a aquisição de produto ou serviço) caracterizado pela expressão destinatário final.”

Ainda de acordo com (GARCIA, 2010, p. 07), essa definição é chamada pela doutrina de consumidor stricto sensu, e em conformidade com a definição legal, a única característica restritiva para se alcançar o conceito de consumidor seria a aquisição ou utilização do bem como destinatário final. Ocorre que, a legislação não cuidou de definir a expressão destinatário final, deixando tal encargo à doutrina.

Na tentativa de conceituação da expressão supracitada, criou-se na doutrina correntes de pensamento, que como sempre, divergem entre si. Formaram-se duas correntes, a primeira denominada de Finalista e a segunda de Maximalista.

Em conformidade com (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO; ALEXANDRIDIS, 2011, p. 24): “Para a teoria finalista a expressão “destinatário final” deve ser interpretada de maneira restrita, sendo consumidor somente aquele que adquire ou utiliza o produto ou serviço (destinatário final econômico), colocando um fim na cadeia de produção”.

Fábio Vieira Figueiredo, Simone Diogo Carvalho Figueiredo e Georgios Alexandridis (2011, p. 24) cita ainda a ilustre jurista Cláudia Lima Marques, que ensina:

para os finalistas, pioneiros do consumerismo a definição de consumidor é o pilar que sustenta a tutela especial, agora concedida aos consumidores. Esta tutela só existe porque o consumidor é a parte vulnerável nas relações contratuais no mercado, como afirma o próprio CDC no art. 4°, in. I. Logo, convém delimitar claramente quem merece esta tutela e quem não a necessita, que é o consumidor e quem não é. Propõem, então que se interprete a expressão ‘destinatário final’ do art. 2° de maneira restrita, como requererem os princípios básicos do CDC, expostos nos arts. 4° e 6°.

Para os finalistas somente é consumidor aquele que retira o bem do mercado de consumo dando um fim no ciclo de comercialização, em outras palavras, os finalistas defendem que somente é consumidor aquela pessoa que usa o produto ou serviço em seu dia-a-dia, por exemplo, uma dona de casa que adquire certo produto de limpeza para utilizá-lo em seu lar.

Arrematando a ideia da teoria finalista Nehemias Domingos de Melo (2010, p. 17) escreve o seguinte:

Para os defensores da teoria minimalista, as pessoas jurídicas e os profissionais estão praticamente excluídos da proteção consumerista, pois os mesmos dificilmente poderiam ser considerados consumidores, na exata medida em que seus defensores reservam tal conceito tão somente para as pessoas físicas que retiram do mercado de consumo um bem ou um serviço para seu uso pessoal ou de sua família, como usuário final, admitindo a pessoa jurídica só por exceção, quando seja pequena ou microempresa ou o profissional liberal.

Tratando-se da corrente maximalista, denominada por alguns doutrinadores de objetiva, parte-se da ideia que “a expressão “destinatário final” deve ser interpretada da maneira mais ampla possível, abarcando maior número de relações. Para essa teoria não importa se a pessoa física ou jurídica adquiriu ou utilizou produto ou serviço com o fim de obter lucro” (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO; ALEXANDRIDIS, 2011, p. 25).

Entende os maximalistas que a caracterização do consumidor independe se o bem foi adquirido para uso próprio ou para colocá-lo novamente no comércio, se é pessoa física ou jurídica, basta simplesmente que o produto ou serviço seja retirado do mercado de consumo.

Discorrendo sobre a teoria maximalista, Leonardo de Medeiros Garcia (2006, p. 08), apud Cláudia Lima Marques (2002, p. 254), no seguinte:

os maximalistas ‘veem nas normas do CDC o novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, e não normas orientadas para proteger somente o consumidor-não profissional. O CDC seria um código para a sociedade de consumo, o qual institui normas e princípios para todos os agentes do mercado, os quais podem assumir os papéis ora de fornecedores ora de consumidores. A definição do art. 2° deve ser interpretada o mais extensamente possível, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações no mercado. Consideram que a definição do art. 2° é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário fático do produto, aquele que retira do mercado e o utiliza, o consome, por exemplo, a fábrica de celulose que compra carros para o transporte dos visitantes, o advogado que compra uma máquina de escrever para seu escritório.

O que se percebe é que os defensores da teoria maximalista procuram simplificar o conceito de consumidor dado pelo CDC. No entanto, essa abrangência dificulta a proteção do consumidor. A teoria em comento deixa de lado os requisitos da vulnerabilidade e da hipossuficiência, desvirtuando assim a essência do Código Consumerista. Sobre o tema, mais uma vez, Cláudia Lima Marques, em razão de seu brilhantismo, é citada por Fábio Vieira Figueiredo (2011, p. 27):

A doutrina e jurisprudência majoritárias adotam, para o alcance da ‘expressão destinatário final’, a teoria finalista, mas admitem certa mitigação (abrandamento) dessa teoria, para atender a situações em que a vulnerabilidade se encontra demonstrada no caso concreto. Desta forma, destinatário final e, portanto, consumidor é aquele que se encontra vulnerável, o que somente poderá ser verificado no caso concreto.

Importante esclarecer que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em regra, consagra a teoria finalista, para a definição de consumidor, no entanto, admite e reconhece a necessidade de abrandamento em casos específicos, onde a vulnerabilidade é evidente, esse abrandamento é tratado pela doutrina como uma subteoria do conceito de consumidor, chamada de teoria finalista mitigada.

2.3. CONCEITO DE FORNECEDOR

O fornecedor é a outra ponta da relação consumerista, enquanto o consumidor é o responsável pela retirada do produto ou utilização do serviço do mercado de consumo, o fornecedor, em conformidade com o art. 3° do Código de Defesa do Consumidor: “é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.

Como se extrai do próprio conceito legal, o fornecedor pode ser pessoa jurídica como também pessoa física. A pessoa física é menos visualizada como fornecedora de produtos e serviços, uma vez que a pessoa jurídica, na maioria das vezes, é constituída para tal fim. No entanto, transcrevendo as palavras de Fábio Vieira Figueiredo (2011, p. 34), “a luz da primazia da realidade, será fornecedor pessoa física aquela cuja atividade desenvolvida mostra-se típica de um fornecedor, quase sempre evidenciada por sua habitualidade”.

Para efeito de fornecedor, o CDC também considerou os entes despersonalizados, nas palavras de Rizzatto Nunes (2005, p. 88. e 89):

A colocação do termo “ente despersonalizado” leva-nos a pensar primeiramente na massa falida, o que é adequado. Importante notar que, apesar de uma pessoa jurídica falir, existirão no mercado produtos e, eventualmente, resultados dos serviços que ela ofereceu e efetivou, e que continuarão sob a proteção da lei consumerista.

Não seria adequado, que pelo fato do consumidor ter adquirido um produto ou contratado um serviço, de uma não empresa e por isso ficasse desamparada em caso de problemas no produto ou serviço. Diante disso, Rizzatto Nunes completa acerca dos entes despersonalizados afirmando:

Além disso, é de se enquadrar no conceito de ente despersonalizado as chamadas “pessoas jurídicas de fato”: aquelas que, sem constituir uma pessoa jurídica, desenvolvem, de fato, atividade industrial, comercial, de prestação de serviços etc. A figura do “camelô” está aí inserida. O CDC não poderia deixar de incluir tais “pessoas” pelo simples fato de que elas formam um bom número de fornecedores, que suprem de maneira relevante o mercado de consumo.

O CDC se preocupou em dar abrangência ao conceito de fornecedor, tentando abarcar todos aqueles que disponibilizam no mercado de consumo bens, sejam eles produtos ou serviços. No entanto, como pondera (FIGUEIREDO, 2010, p. 34) “referido rol é apenas exemplificativo”, em outras palavras, podem-se inserir no conceito de fornecedor, outras pessoas que não estejam taxativamente elencadas no caput do art. 3°do CDC.

Cláudia Lima Marques apud (MELO, 2010, p. 27) leciona que “o critério caracterizador é desenvolver atividades tipicamente profissionais, como a comercialização, a produção, a importação, indicando também a necessidade de uma certa habitualidade, como a transformação, a distribuição de produtos”.

Em resumo, nos termos do próprio Código de Defesa do Consumidor quem disponibiliza no mercado de consumo produtos e serviços em escala comercial é fornecedor e está sujeito integralmente a seus dispositivos.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Uilma da Silva Gomes

Graduada em Direito pelo Instituto de Educação Superior Unyahna de Bareiras/BA.<br>Advogada e concurseira.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada ao Curso de Direito, do Instituto de Educação Superior Unyahna de Barreiras, Curso de graduação em Direito, como pré-requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos