O dano moral na visão do jurisdicionado: punição ou compensação?

05/02/2015 às 11:24
Leia nesta página:

Longe ( muito longe) de trazer um enfadonho texto sobre o dano moral (tema que sinceramente já está desgastado pelo excesso de textos), aqui há uma reflexão, além da discussão doutrinária, na visão de quem sofre o dano.

Há muito se escreve doutrinariamente sobre o dano moral.

Inclusive, já causou exaustão discutir o tema no Judiciário, com pedidos infames e aleatórios de supostos danos. Por sua vez, ressalva-se a notável diversidade de textos doutrinários abordando o tema (talvez também criando certa estafes no leitor, pelo excesso).

Muito longe dessa prestação educacional de outros nobres juristas, muito mais qualificados e pioneiros, o presente pretexto traz uma introspecção simples, com o intuito de refletir especificamente sobre um caso prático.

Quando se aprende os fundamentos do dano moral (artigos 927 do Código Civil e tantos outros, responsabilidade objetiva, subjetiva, etc.) o estudante de direito não se sensibiliza na leitura, até porque essa não é a proposta dos livros doutrinários de direito.

Certamente os livros não sentimentalizam nenhum dos seus leitores, até porque é leitura puramente técnica!

Portanto, o aprendizado fica distante das amarguras da vida do jurisdicionado, que só serão vistas na atuação do dia-a-dia, seja como advogado, magistrado, defensor público e tantas outras atividades que envolvem o Judiciário.

Distanciamento, aliás, é o maior mecanismo de proteção do profissional, a exemplo do médico o operador também faz isso na sua atuação, a fim de analisar uma situação com técnica, e não emoção; se é certo ou não, falaremos disso depois.

Voltando à compreensão do dano moral, podemos dizer convictamente que não são só os operadores do direito que têm conhecimento do salutar instituto do dano moral. Hoje tema é “gritado aos quatro cantos” pelo cidadão brasileiro. Qualquer um sabe dizer: “eu quero uma indenização por danos morais!”. Os motivos são os mais variados: a falta de atendimento no banco em tempo adequado; o sofrimento (e ponha sofrimento nisso) para cancelar um produto de telefonia; a inscrição indevida do nome do cidadão nos órgãos de proteção ao crédito (famoso SPC). Exemplos não faltam de danos morais plausíveis e até mesmo aqueles mais tolos e banais.

Indubitavelmente hoje o jurisdicionado brasileiro depende desse instituto para tentar de alguma forma recompor o status quo (como era antes). Ou, numa forma mais adequada, compensar as dores decorrentes das mazelas ocorridas com a vítima.

Vamos ao que interessa: o caso prático.

Numa ação indenizatória por danos por perdas e danos (danos morais e matérias) movida em face de um Pet Shop, houve pedido decorrente da perda do animal no ato da higienização (banho e tosa).

Cediço que hoje em dia o animalzinho (pet – cão e gato, geralmente) deixou de ser uma “coisa”, como trata a letra fria da lei, e passou a ter status de "membro da família".

Sopesado os exageros ou, em outras palavras, nem tão lá e nem tão para cá, os animais são seres vivos que não podem ser simplificadamente considerados como reles (coisa). É um semovente, com proteção por lei própria, que garante o direito de  proteção, conforme preceitua o artigo 32 da Lei 9.605/1998. 

Como não faz sentido ser uma simples "coisa", também não é crível colocar os animais de estimação na igualdade de um “filho”, pelos motivos mais óbvios: a) não saiu do ventre humano; b) não tem personalidade jurídica (em Portugal o Código Civil deixa ainda mais claro que para adquirir personalidade jurídica deve-se ter forma humana). Esse "serzinho" (cachorro, gato, papagaio, etc.) certamente é o (maior) companheiro de diversas pessoas, mas jamais poderá ser considerado ou igualado a condição humana.

Voltando ao caso prático. 

Infelizmente, como já dito, o cachorrinho de uma senhora foi perdido pelo Pet Shop próximo da sua residência.

Por ser deficiente física, a senhora solicitava que o Pet Shop fizesse a retirada e devolução do cão poodle para o banho e tosa.

Sem justificativas plausíveis, no caminho de volta, segundo alegou o Pet Shop, o cão se perdeu (segundo o que foi dito o cão teria fugido).

Sabemos (e não vamos detalhar esse ponto, pois não é o objetivo do texto) que a responsabilidade em casos de consumo é objetiva, eis que não importa o motivo da perda, interessa-nos saber apenas que o bem do consumidor se perdeu.

A relação entre o Pet Shop e a senhora tem proteção pelo Código de defesa do Consumidor, tendo em vista a comercialização de um serviço.

Ajuizada, o feito tramitou pelo Juizado Especial Cível (conhecido popularmente como “pequenas causas”).

Na audiência de conciliação, a irresignação da senhora que perdera sua “filha” (pelo menos era esse seu sentimento, quando se referia ao cão perdido) era tamanha que os seus olhos pareciam sufocar a outra parte (proprietários do Pet Shop).

Passada a infrutífera conciliação, o juízo marcou para meses depois a data da audiência de instrução e julgamento.

Chegado o dia da nova audiência, mais do que olhares naquele dia ela deferiu palavras de indignação, repúdio e lamento.

O magistrado, preocupado com o bom andamento da audiência e até mesmo com a própria saúde daquela senhora, determinou que ela se acalmasse (como se isso fosse possível), sob pena de ser retirada da sala.

Interessante observar a visão da senhora sobre a parte adversa. Dentro da sua absoluta simplicidade, os proprietários do Pet Shop tratavam-se de sequestradores, que, ao perderem sua cachorrinha (companheira de anos), sequer se compadeceram com a situação.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Nessa audiência, fora formalizado acordo, em valor indenizatório que não mencionaremos o valor, pois não tem relevância ao contexto.

Saindo da audiência, uma testemunha que acompanhava aquela senhora perguntou-lhe: “Está satisfeita com conclusão?”.

A pergunta foi feita com as melhores intenções, eis que o objetivo da ação havia sido atendido, qual seja: indenizar a perda.

Para surpresa da testemunha, a resposta foi um sonoro NÃO!

E a senhora complementou: “Embora tenha ajuizado a ação querendo ser indenizada, eu apenas desejava um simples pedido de desculpas”.

Intrigados com essa resposta é que surgiu esse texto, ousando refletir sobre os sentimentos do jurisdicionado que é vítima de alguma situação que lhe abale o íntimo, a moral ou a sua imagem.

Naquele momento concluímos que o Judiciário não resolveu o problema daquela senhora. Aliás, ficou longe de lhe trazer paz ou recompor a sua dor, pois a cada audiência o sofrimento e a revolta só aumentaram.

Porém, notamos que o sentimento por traz daquela ação já não era o pedido de desculpas, pois não existia mais clima para isso. O objetivo passou a ser o desejo de punição. Ou melhor, não deixar os infratores impunes. 

Dessa forma, concluímos essa reflexão textual com uma assertiva : a indenização por danos morais, no íntimo do jurisdicionado, tem maior relevância porque quer a punição dos agressores, do que obter compensação/recomposição/vantagem financeira por algo que jamais pôde estimar um valor, como, no exemplo, um amigo-cãozinho.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Adriano Ialongo

Advogado sócio do escritório ialongo advocacia. Graduado na Faculdade de Direito de Santos (UniSantos). Especializado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera. Pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito. Formado em cursos de PNL e Coaching pelo Instituto Vencer. MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. www.ialongo.com.br

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos