1. INTRODUÇÃO
Sabe-se que as leis, ou pelo menos a interpretação delas, deve acompanhar os acontecimentos de uma sociedade.
E assim, em tese, deveria acontecer com os tripulantes de navios. Estes pertencem a mais uma nova modalidade de trabalho que, em decorrência da globalização, depara-se com conflitos de interpretações em qual lei deve ser aplicada. O conflito vai de jurisdição à competência da Justiça do Trabalho.
Qual seria essa lei a aplicar? As leis brasileiras ou estrangeiras? Essas e outras dúvidas surgem quando um trabalhador brasileiro, contrato em solo nacional, vem a desenvolver o labor tanto em nosso solo como em terras internacionais, dentro de um navio de bandeira estrangeira. Pois bem, reitero a pergunta, qual lei aplicar? O TST já respondeu em um caso de uma tripulante que laborou em navio Italiano.
Mas de fato não é uma resposta tão simples. Tanto assim é que alguns magistrados vêm aplicando entendimentos diversos.
Neste trabalho se reunirá as diversas ideias traçando um paralelo das nossas Leis, dos diversos julgados – inclusive do TRT da 2ª Região e do TST – e sua aplicação aos casos concretos, demonstrando, por meio do estudo do Direito do Trabalho, a competência da Justiça do Trabalho e, por consequência, a aplicabilidade da Consolidação das Leis do Trabalho.
Há certa dificuldade em definir se a Justiça do Trabalho é ou não competente para julgar os casos dos tripulantes brasileiros – sejam eles contratados ou mesmo pré-contratados no Brasil –, por empresas estrangeiras, para laborar em navio de bandeira internacional e ainda prestando serviços em terras nacionais e internacionais.
O objetivo da presente pesquisa é demonstrar as divergências na aplicação do Direito do Trabalho nos casos dos trabalhadores de navios turísticos, sendo que o trabalho será constituído, basicamente, de julgados, com apoio de material doutrinário e interpretação da Lei.
Bem se sabe que as leis não evoluem ao mesmo passo que a sociedade, isso é visível. No Direito do Trabalho, infelizmente, as dificuldades não são diferentes. Mesmo em pleno século XXI, estamos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho de 1943, que, na época, não se previa tamanha extensão de organizações e trabalhos, como, por exemplo, trabalhos à distância e, como no caso em tela, labor em navios.
Aqui vale citar a noção de direito trazida pelo Professo Miguel Reale, no qual é referenciado na doutrina do ilustre Professor Amauri Mascaro Nascimento:
O direito não é um fenômeno estático. É dinâmico. Desenvolve-se no movimento de um processo que obedece a uma forma especial de dialética na qual se implicam, se que se fundam, os polos de que se compõe. Esses polos mantêm-se irredutíveis. Conservam-se em suas normais dimensões, mas correlacionam-se. De um lado os fatos que correm na vida social, portanto a dimensão fática do direito. De outro, os valores que presidem a evolução das ideias, portanto a dimensão axiológica do direito. Fatos e valores exigem-se mutuamente, envolvendo-se num procedimento de intensa atividade que dá origem à formação das estruturas normativas, portanto a terceira dimensão do direito.1
Apesar de amplamente remendada, por meio de tantas outras leis que introduziram e atualizaram vários artigos, a CLT, notadamente, não está propriamente adequada aos acontecimentos do nosso tempo. Contudo, o presente trabalho tomará o enfoque no sentido de demonstrar a sua aplicabilidade em seu contexto atual aos casos dos tripulantes de navios, questionando, em alguns momentos, a competência da nossa Justiça especializada.
Nesse mesmo ponto, doutrina e jurisprudência se manifestam conforme os acontecimentos. Apesar de a cada ano centenas senão milhares de novos tripulantes embarcarem em navios turísticos na costa brasileiras no anseio de trabalhos prósperos, poucos são os que conhecem e reivindicam seus direitos constitucionalmente garantidos.
Tanto assim é que este trabalho será inovador no tema. Ao decorrer da explanação do tema não contaremos com citações específicas do tema de autores renomados, pois não existem artigos sobre o tema, pelo menos por enquanto. Entretanto, sempre que os debates adentrarem na matéria de direito sobre competência e soberania, os mais nobres juristas serão lembrados.
O julgado principal que motiva o estudo sobre o tema dos tripulantes é trazido pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho, no qual a ementa diz o seguinte:
TRABALHO EM NAVIO ESTRANGEIRO – EMPREGADO PRÉ-CONTRATADO NO BRASIL – CONFLITO DE LEIS NO ESPAÇO – LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.
1. O princípio do centro da gravidade , ou, como chamado no direito norte-americano, most significant relationship, afirma que as regras de Direito Internacional Provado deixarão de ser aplicadas excepcionalmente, quando, observadas as circunstâncias do caso, verifica-se que a causa tem uma ligação muito mais forte com outro direito. É o que se denomina “válvula de escape”, dando maior liberdade ao juiz para decidir que o direito aplicável ao caso concreto.
2. Na hipótese, em se tratando de empregada brasileira, pré-contratada no Brasil, o princípio do centro da gravidade da relação jurídica atrai a aplicação da legislação brasileira.
MULTA DOS ARTIGOS 477 E 467 DA CLT – FUNDADA CONTROVÉRSIA.
Não se conhece do Recurso de Revista que não logra demonstrar divergência jurisprudencial específica e não aponta violação legal ou contrariedade a súmula.
Recurso de Revista não conhecido.2
Com essa ideia em síntese, o tema a cerca da competência e os detalhes sobre a forma de contratação e desenvolvimento do labor dos trabalhadores de navios, certamente enriquecerá o estudo do trabalho em questão. Senão vejamos.
2. DIREITO DO TRABALHO PARA OS TRABALHADORES
2.1. CONCEITO GERAL
Ao longo dos anos, muito se discutiu a respeito da matéria e até sobre a denominação do Direito do Trabalho, sendo chamado, inclusive, de Direito Industrial, Sindical, Corporativo e Social.
O Direito do Trabalho surgiu no século XIX e encontrou sua força no sentindo de regular e proteger o trabalho empregatício, no qual encontra a mais notável relevância entre as relações de trabalho.
Apesar do nome Direito do Trabalho ser criticado por alguns autores, em razão das muitas relações de trabalho que existem que não necessariamente são decorrentes de uma relação de emprego, há de se convir que entre as muitas demandas da nossa Justiça Especializada a maioria provem do empregado propriamente dito. E assim será o enfoque deste trabalho. O tripulante é empregado como qualquer outro. A questão que se discute recai sobre os direitos que lhe são (ou não) garantidos, vez que há dúvidas na aplicação da Lei, se a nossa ou se outra (alienígena).
Sabendo a quem o Direito do Trabalho se destina, nos cabe refletir sobre o conceito deste Direito, em que, o Ministro Maurício Godinho Delgado assim define, mesclando várias teorias:
O Direito Material do Trabalho, compreendendo o Direito Individual e do Direito Coletivo – e que tende a ser chamado, simplesmente, de Direito do Trabalho, no sentido lato –, pode, finalmente, ser definido como: complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam a relação empregatícia de trabalho e outras relações normativamente especificadas, englobando, também, os institutos, regras e princípios jurídicos concernentes às relações coletivas entre trabalhadores e tomadores de serviços, em especial através de suas associações coletivas.3
Sendo assim, podemos dizer, basicamente, que o Direito do Trabalho está destinado ao trabalhador, no sentindo lato sensu, graças ao contexto de expansão advindo pela Emenda Constitucional nº 45.
Agora, nos cabe entender, especificamente, as características do trabalhador de navio. Vejamos.
2.2. DEFININDO OS TRABALHADORES DE NAVIOS
Diversas são as embarcações que atracam em nossos portos, seja pela mercantilização de produtos ou para realização de cruzeiros turísticos pela costa brasileira e estrangeira, tudo isso decorrente da globalização.
Com o crescimento desse nicho de mercado, a necessidade de mão-de-obra vem se expandindo. Apesar de pouco conhecida, a mão-de-obra realizada pelos tripulantes de navios se assemelha às realizadas em hotéis, com alguns diferenciais que serão tratados especificamente.
Quando se fala em trabalho em navios, o conhecimento comum pensa logo em navios da marinha e trabalhadores avulsos (“estivadores”), porém, estes apenas adentram no navio para realizar o embarque e o desembarque de mercadorias, enquanto o tripulante de navio turístico, enfoque em questão, o labor transcorre integralmente a bordo do navio.
No caso dos tripulantes de navios turísticos, os trabalhadores brasileiros são contratados, em sua maioria, para as funções de assistentes de garçons e garçons; camareiras e arrumadores de quartos (cabines) em geral; assistentes de bar e bartenders; para áreas de eventos em geral, como músicos, assistentes de sons e animadores, entre outros.
Os navios são todos de propriedade privada, com venda de pacotes turísticos que englobam roteiros (cruzeiros) exclusivamente nacionais ou, então, mesclando costa brasileira e internacional.
A discussão principal sobre aplicabilidade ou não do Direito do Trabalho recai, principalmente, sobre os tripulantes que laboram em trajetos que envolvem a costa nacional e estrangeira.
Apesar de que, vale à pena estudar a questão de modo amplo e, se for o caso, restringir à situação específica.
A temporada brasileira de navios turísticos inicia-se no final de novembro e vai até abril do ano seguinte, sendo que o forte da temporada acontece entre dezembro e março.
Os roteiros (cruzeiros) são pequenos trechos marcados por três ou quatros portos num período de quatro a nove dias, em sua maioria. Esses são os conhecidos pacotes turísticos de navios, cada vez mais populares e acessíveis à sociedade brasileira.
Os navios vêm de regiões da Europa – país de origem da embarcação – e chega ao Brasil a fim de realizar a temporada nacional. A mão-de-obra dos trabalhadores brasileiros, de um modo geral, é embarcada na Europa e realiza a travessia Europa-Brasil.
Nesse ponto esbarra-se em questões como: a competência demarca-se onde iniciou o labor? Ou no local da contratação?
Todas essas questões e tantas outras serão debatidas no próximo tópico. Vejamos.
2.3. DIREITO DO TRABALHO AOS TRABALHADORES DE NAVIOS
Por meio de contratos por prazo determinado de 6 a 9 meses, os tripulantes brasileiros de navios turísticos são contratos para a temporada de final de ano, chamada de temporada brasileira.
Em decorrência da Resolução Normativa nº. 71/2006, do Conselho Nacional de Imigração, a embarcação estrangeira é obrigada a ter 25% dos tripulantes brasileiros:
Art. 7º Transcorridos cento e oitenta dias da vigência desta Resolução Normativa, a partir do 31º (trigésimo primeiro) dia de operação em águas jurisdicionais brasileiras, a embarcação de turismo estrangeira deverá contar com um mínimo de 25% (vinte e cinco por cento) de brasileiros em vários níveis técnicos e em diversas atividades a serem definidas pelo armador ou pela empresa representante do mesmo.
§ 1º. O Ministério do Trabalho e Emprego poderá prorrogar o prazo de cumprimento para contratação do quantitativo de brasileiros previsto no caput deste artigo, mediante solicitação justificada da empresa interessada.
§ 2º. O descumprimento do disposto neste artigo implicará o cancelamento automático e imediato da autorização de trabalho anteriormente concedida ao marítimo estrangeiro da embarcação.4
Apesar de embarcarem na Europa, toda formalização da contratação ocorre em solo brasileiro, às vezes por meio de representantes direto das empresas de navios outras vezes por meio de empresas intermediadoras de mão-de-obra.
Aos tripulantes que laboram, exclusivamente, em solo brasileiro surgirá apenas uma dúvida: o navio, por ser de propriedade de empresa estrangeira e com bandeira de outro país, traria a extensão territorial da embarcação? Ou seja, a fim de determinar a jurisdição territorial haveria o predomínio da bandeira do navio? Caberia, então, ingressar com a ação “trabalhista” no país da bandeira lastreada na embarcação?
Neste ponto a resposta é simples. O labor do tripulante que ocorre exclusivamente no Brasil, com embarque e desembarque em solo nacional, e por meio de navio de propriedade de empresa privada, pouco importando o seu país, não há razão para se considerar a bandeira do navio como extensão territorial. Eis que, primeiramente, não se trata de um vaso de guerra e, em segundo ponto, o labor foi todo realizado em solo territorial brasileiro e não em alto-mar, o que levaria a dúvida em qual solo está o marítimo.
Pois bem. No caso de tripulante brasileiro, contratado em solo nacional e tendo laborado aqui, não há dúvidas que a competência é da nossa Justiça do Trabalho.
Por sua vez, apesar dos fundamentos supramencionados, há quem diga que a Lei do Pavilhão se aplica aos tripulantes de navios turísticos. Essa corrente fundamenta a tese sobre a consideração do prolongamento territorial que corresponde à bandeira mantida no mastro da embarcação. Sendo que, nos termos do caput do artigo 651 da CLT, a competência da Justiça do trabalho é fixada de acordo com o local da prestação de serviços.
No mesmo sentido percorre o Código de Bustamante, Decreto nº 18.871/1929 que promulgou a Convenção de Direito Internacional Privado de Havana, segundo a qual diz o seguinte:
Art. 274. A nacionalidade dos navios prova-se peIa patente de navegação e a certidão do registro, e tem a bandeira como signal distinctivo apparente.
(...)
Art. 279. Sujeitam-se tambem á lei do pavilhão os poderes e obrigações do capitão e a responsabilidade dos proprietarios e armadores pelos seus actos.
(...)
Art. 281. As obrigações dos officiaes e gente do mar e a ordem interna do navio subordinam-se á lei do pavilhão.5
A celeuma se amplia quando um trabalhador brasileiro presta seus serviços em mais de um país, sendo parcela deste no Brasil. Surge a dúvida então: Qual lei deverá ser aplicada? E onde?
O próprio Código de Bustamante, em seu artigo 198 dispõe que “também é territorial a legislação sobre accidentes do trabalho e protecção social do trabalhador”.
No mesmo ponto, a Resolução Normativa do Conselho Nacional de Imigração regula a temporada de cruzeiros marítimos pela costa brasileira:
Art. 8º Os brasileiros recrutados no Brasil e embarcados para laborar apenas durante a temporada de cruzeiros marítimos pela costa brasileira deverão ser contratados pela empresa estabelecida no Brasil ou na ausência desta, pelo agente marítimo responsável pela operação da embarcação, cujo contrato de trabalho será vinculado à legislação trabalhista brasileira aplicável à espécie.
Parágrafo Único. Considera-se temporada de cruzeiros marítimos pela costa brasileira o período compreendido entre 30 (trinta) dias antes da partida da embarcação para o primeiro porto brasileiro até 30 (trinta) dias depois da saída do último porto brasileiro, incluindo neste período eventuais ausências das águas jurisdicionais brasileiras.
Art. 9º Para efeitos dos arts. 6º e 7º, não será considerada ausência das águas jurisdicionais brasileiras a saída e o retorno da embarcação por período inferior a quinze dias consecutivos.6
Da mesma forma, outras normas regulam essa questão. A Lei 7.064/1982 que dispõe sobre a situação de trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior, diz, em artigo 3º, o seguinte:
Art. 3º A empresa responsável pelo contrato de trabalho do empregado transferido assegurar-lhe-á, independentemente da observância da legislação do local da execução dos serviços:
I - os direitos previstos nesta Lei;
II - a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto nesta Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria.
Parágrafo único. Respeitadas as disposições especiais desta Lei, aplicar-se-á a legislação brasileira sobre Previdência Social, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e Programa de Integração Social (PIS/PASEP).7
Sendo assim, para a mencionada Lei, há a supremacia dos direitos do trabalhador oriundos da nossa legislação.
Da mesma forma são os julgados do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em que, no processo nº 00127200644602001, de Relatoria do Juiz Carlos Francisco Berardo, assim decidiu:
RECURSO ORDINÁRIO. TRABALHO EM EMBARCAÇÃO DESTINADA AO TURISMO. CRUZEIRO MARÍTIMO REALIZADO EM ÁGUAS TERRITORIAIS BRASILEIRAS, AINDA QUE PARCIALMENTE. PRÉ-CONTRATAÇÃO NO TERRITÓRIO NACIONAL. SÚMULA 207. APLICAÇÃO DA LEI TRABALHISTA BRASILEIRA E, POR ANALOGIA, A LEI 7.064/82. PRINCÍPIO DA SOBERANIA. É clara a intenção do legislador de afastar a possibilidade de aplicação de normas alienígenas que contrariem ou deixem ao desamparo das leis brasileiras os contratos de trabalho que vierem a ser executados no Brasil. Ineficácia de contrato realizado sobre a legislação estrangeira, ainda que a bandeira da embarcação não seja nacional. Art. 9º da CLT. Art. 5º do Decreto 18.871, de 13 de agosto de 1929.8
Nem mesmo as Leis citadas, a Resolução Normativa do Conselho de Imigração ou mesmo alguns Termos de Ajustamento de Conduta firmados pelo Ministério Público do Trabalho com algumas armadoras de navios impedem que os tripulantes continuem sendo contratados por meio de contratos internacionais regulados pelas leis de origem da embarcação.
Claramente, o trabalhador brasileiro ao ser contratado por uma lei que desconhece e com direitos que não lhe são habituais em seu dia-a-dia, por si só, este trabalhador já está em desvantagem pessoal.
Ainda mais que deixará de ter direitos como FGTS e INSS, garantias que lhe conferem certa proteção após o labor. Isso sem falar de tantos outros direitos como aviso prévio, seguro desemprego, férias, 13º salário, etc.
Por sua vez, evidentemente a Justiça do Trabalho está de “portas abertas” concedendo o livre acesso à Justiça aos trabalhadores.
Tanto assim é que, em 2006, uma camareira, tripulante dos navios da empresa Costa Cruzeiros, ajuizou a reclamação trabalhista nº 00127200644602001 – citado em alguns momentos neste trabalho – pretendendo o reconhecimento do vínculo empregatício e, por conseguinte, os direitos decorrentes.
Da Magistrada de 1ª instância até o Tribunal Superior do Trabalho, os julgados foram no mesmo sentido, ou seja, pela competência da Justiça do Trabalho e pelo reconhecimento do vínculo com os direitos garantidos constitucionalmente aos trabalhadores.
E na notoriedade da publicidade dessas decisões, tantos outros tripulantes tomaram conhecimento dos seus direitos, no qual não podem (e não devem) abrir mão com meras desculpas empresariais de contratos internacionais, que são feitos em dissonância às leis nacionais.
Em outro caso mais recente, o TRT da 2ª Região, por meio da 11ª Turma, manteve o mesmo posicionalmente, qual seja:
TRABALHADOR RECRUTADO NO BRASIL PARA PRESTAR SERVIÇOS EM VÁRIOS PAÍSES. A reclamada admite que esteve o recorrente esteve à bordo de embarcação que passava por diversos países, elencando entre eles o Brasil. Nesse quadro, a circunstância do navio em que prestou serviços o obreiro ser de bandeira italiana não tem o alcance sustentado nos autos, na medida em que a embarcação era privada, e tendo em vista que houve prestação de serviços em território nacional. Assim sendo, e considerando que as partes são brasileiras, reputo que estão presentes os elementos de conexão necessários à atração da jurisdição nacional, nos termos do art. 651, §1º e 2º, da CLT. Exegese em conformidade com o direito fundamental de acesso do trabalhador à Justiça. Pelos mesmos fundamentos, tem-se que a legislação aplicável é a nacional. Até porque, ainda que se considere que o trabalhador prestou serviços no exterior, o simples fato dele postular pedidos com base na CLT rebela que é esta a legislação que lhe é mais favorável a qual, assim, deve prevalecer, nos termos da Lei 7.064/82, arts. 2º e 3º; Não há que se olvidar que a Súmula 207, do C. TST foi cancelada.9
Apesar da, hoje, cancelada súmula nº 207 do C. TST, faz-se interessante estudar a questão a despeito do artigo 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que prevê:
Art. 9º. Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.
§ 1º. Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.
§ 2º. A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.10
A respeito de obrigação trabalhista, a regra de vinculação da competência é fixada pelo local da prestação do serviço.
Nesse contexto, na decisão do caso RR nº 12700-42.2006.5.02.0446 o Colendo Tribunal Superior do Trabalho deu uma verdadeira aula. Vejamos:
O Principio da Territorialidade foi consagrado universalmente por ser mais favorável ao trabalhador, que, por vezes, firma contrato em local diverso da prestação do serviço. No caso em espécie, a prestação do serviço se dava em embarcação privada italiana que perpassava do em águas brasileiras e internacionais.
Dessa forma, inicialmente, poder-se-ia considerar que a legislação aplicável seria a italiana, em razão da bandeira ostentada pela embarcação. Entretanto, considerando que o navio estrangeiro era privado, deve ser aplicada a legislação brasileira enquanto a embarcação estiver em território nacional.
Assim, é indubitável que, enquanto o trabalho foi prestado em águas nacionais, a legislação aplicável é a brasileira.
Em relação à parte da execução que foi prestada em águas internacionais, caso se defenda o entendimento de Balladore Pallieri, considerando aplicável a legislação italiana, como pretende a Recorrente, determina o artigo 337 do CPC que é ônus da parte comprovar seu teor e vigência, não bastando a mera alegação. Não tendo a parte se desincumbido de seu ônus, impõe-se a legislação nacional.
Ainda que assim não fosse, a pré-contratação do trabalho ocorreu no Brasil, com empregada brasileira que prestava serviços parcialmente no Brasil. Isto é, o conjunto de circunstâncias leva à consideração de que a causa está intimamente conectada com o direito nacional.
Segundo o princípio do centro de gravidade, ou, como chamado no direito norte-americano, most significant relationship, as regras de Direito Internacional Privado deixarão de ser aplicadas, excepcionalmente, quando, observadas as circunstâncias do caso, verifica-se que a causa tem uma ligação muito mais forte com outro direito. É o que se denomina "válvula de escape", permitindo, pois, ao aplicador do direito uma maior liberdade para decidir o direito cabível no caso concreto.
(...)
Destarte, pelo sobredito princípio, a legislação brasileira, por estar umbilicalmente conectada à relação jurídica formada, atrai para si o campo de incidência.
Ademais, o acórdão regional entendeu pela existência de fraude na relação jurídica havida, o que por si só constitui exceção à aplicação da lei do pavilhão, para preservação da ordem pública.11
O Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, num total de sete casos idênticos, firmou o mesmo entendimento do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, destacando, sempre, a soberania nacional e, por conseguinte, a preponderância das normas brasileiras sobre as estrangeiras, no qual, especialmente no Direito do Trabalho, há clara afinidade das nossas normas em criar uma proteção ao trabalhador brasileiro, em contrapartida a pretensões internacionais de contratações sem os mesmo requisitos protecionistas da Consolidação das Leis do Trabalho.