A obrigatoriedade de licitar das empresas públicas e sociedades de economia mista que exploram atividades econômicas

13/02/2015 às 09:12
Leia nesta página:

1. INTRODUÇÃO

Adiante serão analisados os aspectos principais sobre a obrigatoriedade das empresas públicas e sociedades de economia mista, que explorem atividades econômicas, sujeitarem-se à exigência da licitação. Pontuam-se as questões divergentes e o atual cenário jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal.


2. EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA, QUE EXPLORAM ATIVIDADES ECONÔMICAS, SUJEITAM-SE À EXIGÊNCIA DA LICITAÇÃO?

Inicialmente, cumpre afirmar que nas empresas públicas e sociedades de economia mista exploradores de atividade econômica há a prevalência das normas privadas. Tanto é que não gozam de privilégios fiscais não extensivos ao setor privado, submetendo-se aos mesmos regimes jurídicos das empresas privadas atuantes na área.  

O art. 173, § 1º, Constituição Federal, como nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, determina a elaboração de um estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços.

Nesse sentido é a ordem emanada para que o legislador elaborasse um regime jurídico próprio para as supracitadas entidades, dispondo dentre outros assuntos sobre a sujeição ao regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários. E, também, para dispor a propósito de licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, visando flexibilidade na atuação das empresas estatais e, por conseguinte, maior competitividade no mercado.

No entanto, em razão da inércia do Congresso Nacional, ainda não existe a lei ordinária regulando a matéria. Enquanto isso há posições divergentes, o Tribunal de Contas da União, TCU, entende que só existe a permissão de as empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias exploradoras de atividade econômica dispensarem o uso de licitação para contratação de bens e serviços que constituam sua atividade-fim.

Portanto, enquanto não haver norma regulamentando a matéria, toda administração pública deve se sujeitar às regras gerais de licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, conforme disposição proclamada no texto constitucional, com a ressalva acima no caso em comento.

Em sede doutrinária, Dirley da Cunha Júnior (2010) defende que para a aquisição de bens necessários ao próprio desempenho da atividade-fim destas empresas estatais e a alienação dos bens dela decorrentes, não se deve impor a exigência de licitação. Posto que não sendo assim, restariam estas entidades absolutamente comprometidas para a exploração da atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou serviços. Mas, para as atividades-meio deve-se exigir a aplicação da Lei de Licitações.

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal vem decidindo sobre a não aplicação da Lei de Licitações a determinadas empresas estatais, nesse caso específico a Petrobras. Permitindo, aqui, um procedimento licitatório simplificado aprovado como Decreto Presidencial 2.745/98, que regula as licitações no âmbito da Petrobrás.

Merece transcrição parte do voto do Ministro Gilmar Mendes, justificando a concessão da liminar no Mandado de Segurança 25.888-DF:

A matéria está regulamentada pelo Decreto n° 2.745, de 1998, o qual aprova o regulamento licitatório simplificado da Petrobrás. A submissão legal da Petrobrás a um regime diferenciado de licitação parece estar justificado pelo fato de que, com a relativização do monopólio do petróleo trazida pela EC n° 9/95, a empresa passou a exercer a atividade econômica de exploração do petróleo em regime de livre competição com as empresas privadas concessionárias da atividade, as quais, frise-se, não estão submetidas às regras rígidas de licitação e contratação da Lei n° 8.666/93. Lembre-se, nesse sentido, que a livre concorrência pressupõe a igualdade de condições entre os concorrentes (STF - MS: 25888 DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, data de julgamento: 22/03/2006, data de publicação: DJ 29/03/2006 PP-00011).

Com entendimento diverso, o Tribunal de Contas da União, em deliberação proferida na Decisão 663/2002-Plenário, TC – 13.195/2001-5 fixou entendimento quanto à necessidade de aplicação da Lei 8.666/93 pela Petrobrás quanto aos processos de aquisições e contratações mediante licitação pública, ao adotar o seguinte pronunciamento:

O Tribunal Pleno, diante das razões expostas pelo Relator, com fulcro no art. 71, IV, da Constituição c/c art. 43, II,d a Lei nº 8.443/92, DECIDE:

[...] 8.1. determinar à PETROBRÁS que se abstenha de aplicar às suas licitações e contratos o Decreto 2.745/98 e o artigo 67 da Lei 9.478/97, em razão de sua inconstitucionalidade, e observe os ditames da Lei 8.666/93 e o seu anterior regulamento próprio, até a edição da lei de que trata o § 1º do art. 173 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98;

8.2. aceitar como legítimos os procedimentos praticados, no âmbito da Petrobrás, com arrimo nas referidas normas, ante a presunção de legalidade então operante;

8.3. dar ciência à Petrobrás do entendimento consignado no item 8.1 retro, alertando-a de que os atos doravante praticados com base nos referidos dispositivos serão considerados como irregulares por esta Corte e implicarão na responsabilização pessoal dos agentes que lhes derem causa, devendo a entidade valer-se, na realização de suas licitações e celebração de seus contratos, das prescrições contidas na Lei nº 8.666/93;

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Consoante Mello (2002), as empresas estatais prestadoras de serviço público também se sujeitam às normas gerais de licitação e contratos expedidas pela União e, pois, que continuam e continuarão a ser regidas pela lei nº 8.666, de 21.06.93. Enquanto que as empresas estatais exploradoras de atividade econômica futuramente terão suas licitações e contratos regidos pela lei a que se refere o art. 22, XXVII, Constituição Federal, com a redação que lhe deu a Emenda nº 19/98, isto é, na conformidade do Estatuto para elas previsto no art. 173 da Lex Mater. Enquanto isto não ocorrer persistirão regidas pela lei nº 8.666/93, com as ressalvas inicialmente feitas.

Observa-se que a doutrina, maciçamente, no tocante às empresas estatais que exploram atividade econômica, embora integrantes da Administração Indireta e desempenham operações peculiares de caráter econômico que são atividades-fim dessas entidades, nessa hipótese se reconhece a inaplicabilidade da Lei de Licitações, por total impossibilidade jurídica.

No entanto, em relação as atividades-meio (compra de copos, mesas, canetas etc.), não tendo pertinência direta com a atividade precípua dessas entidades que exploram atividade econômica, a licitação é obrigatória pelo disposto no art. 37, XXI, CF/88 e art. 1º, parágrafo único, da Lei de Licitações.


3. CONCLUSÃO

Do exposto acima, constata-se a real necessidade de edição de lei ordinária disciplinando a matéria, assim como determina a Carta Política de 88, art. 173, § 1º, tornando o procedimento licitatório mais simplificado para as empresas estatais na situação em debate, mas enquanto não há regulamentação por norma deve proceder a licitação em relação as atividades-meio.

Assim, as empresas públicas e sociedades de economia mista continuam sujeitas ao regime de licitação previsto na lei 8.666/93, até edição de lei que discipline a matéria. Havendo, então, dois regimes: um mais flexível, tendo por fim as empresas estatais exploradoras atividades econômicas; e outro mais rigoroso, visando a administração direta, autarquias, fundações públicas e empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos


4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em <http: //www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao_Compilado.htm>.  Acesso em 13 nov 2014.

______. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21 jun 1993. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm>. Acesso em 13 nov 2014.

CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de direito administrativo. 9. ed. Bahia:JusPodium, 2010.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Licitação nas estatais em face da E.C. nº 19. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, nº. 12, março, 2002. Disponível na Internet: http://www.direitopublico.com.br/pdf_12/DIALOGO-JURIDICO-12-MAR%C3%87O-%202002-CELSO-ANTONIO-BANDEIRA-MELLO.pdf. Acesso em: 11 de nov de 2014.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Richards Bruno Rodrigues

Analista Jurídico na Defensoria Pública do Estado do Tocantins. Especialista em Direito Público na Universidade Anhanguera-Uniderp, Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos